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Igor Zwicker Martins*
Em breves linhas, a teoria dos
frutos da árvore envenenada surgiu como corolário da teoria das provas
ilícitas, consagrada no direito penal norte-americano a partir do caso Weeks versus
Estados Unidos da América (1914). De fato, a "fruits of the poisonous
tree" apontava para o não-aproveitamento das provas obtidas de forma
ilícita, ainda que para um fim lícito, isto é, a obtenção de prova cuja
produção ocorreu em desacordo com as normas constitucionais.
Assim, a Suprema Corte entendeu pela
aplicabilidade do princípio a todas as provas obtidas de forma ilícita, cuja
produção restaria "contaminada", devendo ser repudiadas – nas
palavras do Ministro Celso de Melo – "por mais relevantes que sejam os fatos
por ela apurados, uma vez que se subsume ela ao conceito de
inconstitucionalidade" (Supremo Tribunal Federal, Ação Penal nº 307,
Diário da Justiça de 13/10/1995).
O Direito Penal subsidiou-se da
metáfora da árvore que, estando contaminada, contaminados também estarão os
seus frutos. Analisando detidamente esse raciocínio, passo a vislumbrar a
aplicabilidade dessa teoria, observada através de um novo prisma, na ciência do
Direito do Trabalho. Minha inspiração surgiu de uma aula-palestra, irretocável,
do Juiz do Trabalho Jorge Luiz Souto Maior.
Pois bem.
Com o surgimento do modelo de Estado
Social, o Estado se propôs a contrapor o antigo modelo liberal, que quase
"sacralizava" princípios como o da autonomia da vontade privada e do pacta
sunt servanda. Como muito bem pontua Teresa Negreiros, em um livro incomum
de Direito Civil (Teoria do Contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2006), no que batizou de "paradigma da
essencialidade", "os contratos que versem sobre a aquisição ou a
utilização de bens que, considerando sua destinação, são tidos como essenciais
estão sujeitos a um regime tutelar, justificado pela necessidade de proteção da
parte vulnerável", legitimando as intervenções estatais na autonomia
privada.
Sem querer, a autora acabou por
descrever, com perfeição, o contrato de trabalho que comumente vislumbramos no
seio das relações sociais. Com efeito, o que percebemos é que uma das partes –
o trabalhador, sujeito hipossuficiente – tem no objeto do contrato – o salário,
em troca de sua força de trabalho – a única possibilidade de existência digna.
Diante disso, sua vontade passa a ser viciada, ou seja, se o salário é, talvez,
o único meio de sobrevivência digna do trabalhador, que opção este tem, no
mundo do "capitalismo selvagem"? Trabalhar ou optar pelo desemprego
e, talvez, morrer de fome? Aliado a isso, não obstante o curto espaço de tempo
entre a abolição da escravatura (1888) e os dias atuais, ainda hoje persiste o
trabalho escravo, como uma das chagas da sociedade moderna. Daí Ingo Wolfgang
Sarlet (A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 9. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2008) reafirmar "a dignidade como qualidade
intrínseca da pessoa humana, irrenunciável e inalienável, constituindo elemento
que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado".
Assim, o Estado passa a adotar um
modelo intervencionista e participativo, cuja finalidade maior é a de assegurar
a paz social, que apenas pode ser alcançada se as condições sociais forem
minimamente aceitáveis. Somado a isso, o Direito Constitucional contemporâneo,
imantado pela Carta Cidadã de 1988, repousa na necessidade premente da máxima
eficácia dos direitos fundamentais.
De fato, a atividade de
interpretação constitucional não é atividade mecânica. Para isso – pontua com
maestria o Ministro do Supremo Tribunal Federal Eros Roberto Grau –
"bastaria ao intérprete ser alfabetizado". E os princípios
constitucionais, em sua perspectiva e força normativa, consagram a eficácia dos
direitos sociais e a vedação do retrocesso, salvaguardado no artigo 7º,
"caput", da Lei Maior.
Porém, o que se vê hoje, em
contraponto ao próprio Direito Civil que, contrariando postura milenar, está
tornando-se humanizado, tratando temas nunca pensados naquela seara, como a
mitigação da autonomia da vontade, a mitigação do pacta sunt servanda, a
função social dos contratos, o princípio da boa-fé e da lealdade, etc., o
Direito do Trabalho caminha em sentido diverso, preconizando aspirações
liberais como a flexibilização, a terceirização, a pejotização e outras aberrações
jurídicas. Muito se faz, hoje, pela inversão dos valores tradicionalmente
defendidos pela ciência trabalhista, mormente a dignidade da pessoa humana do
trabalhador.
O atual presidente da ANAMATRA –
Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas, Juiz Cláudio José Montesso,
ao tratar sobre o projeto da "nova CLT" (Consolidação das Leis
Materiais do Trabalho), em tramitação no Congresso Nacional, demonstra o
caminhar inverso do Direito do Trabalho: "No momento em que o país passa
por um dos seus maiores períodos de crescimento econômico sustentado e que
representou a criação de mais de sete milhões de empregos formais, número que
supera de forma abissal aqueles criados nos dez anos anteriores, causa imensa
preocupação que esteja a caminhar, de forma inexplicavelmente célere, projeto
de nova consolidação das leis do trabalho que, mesmo tendo como fundamento Lei
Complementar que veda qualquer alteração do conteúdo das normas de proteção ao
trabalho, incorpora conceitos e definições arcaicas e há muito superados pela
doutrina e jurisprudência. Seus valores são os mesmos do período pré-revolução
industrial, restaurando o princípio da autonomia das vontades, que nem mesmo o
Código Civil admite mais. A prevalecer a nova Consolidação o que veremos será
um enorme retrocesso na tutela de proteção ao trabalho em face do capital e a
ruptura de toda uma jurisprudência construída em mais de meio século."
Na esteira desse raciocínio,
mentalizo a teoria da árvore dos frutos envenenados no Direito do Trabalho –
claro, como já disse, de prisma diverso da ciência penal. Penso, como nas
palavras de Arthur Kaufmann (Rechtsphilosophie, "Filosofia do
Direito". München: C. H. Bech, 1997), que "o processo tem de
servir não somente à verdade e à Justiça, mas também e principalmente à paz
jurídica".
E por assim pensar, entendo que
qualquer violação aos direitos trabalhistas, ainda que dentro de um contrato de
individual de trabalho, afeta toda a sociedade. Com efeito, o Direito do
Trabalho não visa regular situações individuais, personalíssimas, mas perfaz um
modelo de sociedade, de coletividade e é exatamente por isso que as violações
em sede de contratação individual de trabalho atingem todo o coletivo, maculam
a idéia maior de paz social e produzem ineficácia normativa e ineficácia do
ordenamento jurídico – essa é a lógica do descumprimento das normas
trabalhistas.
A sociedade é a própria árvore, é a
raiz de tudo, é o palco onde atuam os atores sociais. E as violações
trabalhistas causam impacto, destroem as próprias relações na sociedade. A
partir daí, tudo fica "envenenado": a irresponsabilidade trabalhista
dá azo ao caos social.
O poeta Gonzaguinha já traduzia em
versos tudo o que está sendo dito: "Um homem se humilha, se castram seus
sonhos/ Seu sonho é sua vida e vida é o trabalho/ E sem o seu trabalho, um
homem não tem honra/ E sem a sua honra, se morre, se mata". Lembrando
saudoso discurso de Hermes Lima (1946), "devemo-nos influenciar por que a
Justiça do Trabalho possa vir a ser elemento indispensável da paz social de que
o país precisa, de que todas as nações necessitam, neste momento de profundas
transformações econômicas; se não se tiver capacidade para resolver os graves
problemas de transformação da ordem econômica, existentes no mundo, não haverá
dúvida de que esses problemas virão a ser solucionados pela violência; sem
decisão é que eles não ficarão".
Nesse contexto, todos nós somos
culpados. É dever do Estado, na lógica da dimensão objetiva dos direitos
fundamentais, criar e gerar políticas públicas que viabilizem o progresso
social; os juízes têm responsabilidade social e dever – porque juraram cumprir
e fazer cumprir a Constituição da República – em dar máxima efetividade aos
direitos sociais fundamentais, rechaçando o retrocesso social; os servidores públicos,
que têm na Lei nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública) o dever (e não
a faculdade) de provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe
informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os
elementos de convicção (José dos Santos Carvalho Filho chega a falar em
responsabilização do servidor omisso, nos termos da Lei nº 8.429/1992).
Assim, ganha a teoria da árvore dos
frutos envenenados maior intimidade com a idéia de paz social, instando a
sociedade brasileira a, verdadeiramente, viver uma revolução. Uma revolução
como nunca houve. Uma revolução legítima, legal, democrática, de inserção
social, onde cada um de nós passa a exercer, verdadeiramente, o papel que se
espera de um cidadão digno e sensível com os problemas sociais.
Enquanto não houver uma total
restruturação dos papéis que cada um de nós desempenha na sociedade,
abandonando-se a aparência e abraçando a idéia de verdadeira efetividade, nada
mais poderá ser feito. Aliás, poderá sim: o retrocesso social, a perda da
dignidade da pessoa humana do trabalhador, a prática desumana do trabalho
escravo e outras chagas que insistem em permanecer entre nós.
Nada mais apropriado que encerrar
com palavras as quais dão guisa à conclusão que penso a respeito do assunto, no
dizer abalizado de Gustav Radbruch (Einführung in die Rechtswissenschaft,
"Introdução à Ciência do Direito". Stuttgart: K. F. Koehler
Verlag, 1952), com precisão única: "Mais importante do que o litígio é a
organização da paz jurídica. Até agora consideramos a jurisdição muito mais
como solução de conflitos do que como prevenção de litígios. Fizemos muita
cirurgia e pouca higiene jurídicas".
* Servidor Público Federal do Tribunal Regional do Trabalho da
8ª Região, Assistente da Excelentíssima Desembargadora Federal do Trabalho
Odete de Almeida Alves. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do
Trabalho (UCAM), Economia do Trabalho e Sindicalismo (Unicamp) e Gestão de
Serviços Públicos (Unama).
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11829
Acesso em: 08 out.
2008.