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Helena Cordeiro Silva*
SINOPSE
O presente estudo visa a investigação sobre o tema sucessão trabalhista
nas atividades notarial e registral, que se constituem em serviços exercidos em
caráter privado por delegação do Poder Público, conforme disposição
constitucional. Esta temática foi escolhida como objeto de pesquisa em razão
das grandes cizânias doutrinárias e jurisprudenciais acerca da matéria, as
quais conduzem os operadores do Direito e os sujeitos da relação de trabalho a
desordens práticas e, por conseguinte, a uma insegurança jurídica, uma vez que
não há entendimento uníssono sobre as questões que envolvem tais atividades e
tampouco amparo legal, o que gera dúvidas a todos os envolvidos em tais
serviços sobre como proceder nesta relação de trabalho.
Em razão de não haver uma orientação jurisprudencial convergente sobre o
tema e por ser a legislação insuficiente sobre as questões que envolvem as
atividades em tela, a função precípua deste estudo será explorar os temas mais
relevantes e controvertidos acerca da sucessão trabalhista nos serviços
notarial e registral, a fim de que se obtenham elementos mais sólidos e capazes
de orientar os trabalhadores, empregadores e operadores do Direito a dirimirem
as divergências oriundas da relação de trabalho no âmbito das supracitadas
atividades. Tendo isso em vista, serão apresentadas as principais
características dos serviços notarial e registral e a sua respectiva
legislação, bem como serão elencadas as mais freqüentes controvérsias e as
soluções encontradas pela doutrina e pela jurisprudência.
INTRODUÇÃO
Costumeiramente, os titulares dos serviços notarial e registral apresentam
dúvidas sobre como proceder com os empregados da serventia extrajudicial no que
tange às obrigações trabalhistas, sobretudo quando ocorre o empossamento de um
novo tabelião o qual se depara com tais obrigações ainda pendentes. Não raras
vezes, este novo titular questiona a sua responsabilidade em quitar as
obrigações trabalhistas com os empregados que já prestaram serviços na
serventia extrajudicial ou que ainda prestam, já que, em muitos casos, o novo
titular não quer aproveitar os empregados já existentes. Este novo empregador,
normalmente, não concorda em ser o responsável pelas obrigações trabalhistas
anteriores a sua posse por entender que ele assume o cargo e não o patrimônio
do antigo empregador, o que gera um óbice à satisfação do crédito trabalhista
pelo trabalhador.
Também é de praxe muitos empregados confundirem a figura do tabelião
substituto como se fosse seu verdadeiro empregador, já que a prática demonstra
que o mesmo, em muitas ocasiões, comporta-se efetivamente como empregador, exercendo
funções como assalariar, dar ordens, assinar CTPS, recolher o FGTS, etc; isto
é, atua aquele sujeito como se empregador fosse. Este tipo de situação induz o
trabalhador ao erro quando o mesmo resolve propor uma demanda trabalhista, caso
em que o feito é normalmente extinto sem resolução do mérito por ilegitimidade
passiva, já que o empregador apontado na exordial não é aquele considerado pela
lei. Além disso, os empregados, ao se depararem com um cartório vacante,
vêem-se totalmente desamparados por não saberem exatamente de quem cobrar os
seus créditos trabalhistas, já que as serventias extrajudiciais não possuem
personalidade jurídica e, por esta razão, não poderiam figurar o pólo passivo
de uma demanda. Assim, como os cartórios extrajudiciais não têm aptidão para
exercer direitos e contrair obrigações, pois o empregador de tais serviços é a
própria pessoa física do titular do serviço notarial ou registral - o que
enseja uma responsabilidade pessoal pelas obrigações trabalhistas de seus
empregados – o empregado corre o risco, mais uma vez, de não ver o seu crédito
trabalhista satisfeito.
Destarte, esta ausência de personalidade jurídica revela-se um
complicador para os litígios apresentados perante o Poder Judiciário
trabalhista, sobretudo quando se verifica uma sucessão de empregadores – assim
entendida como a transferência de titularidade de empresa com completa
transmissão de créditos e assunção de dívidas - a qual se dá, no âmbito das
atividades notarial e registral, através de concurso público. Assim, uma outra
pessoa física, sem vínculo algum com os serviços prestados anteriormente ao
exercício de sua titularidade, assume a nova serventia, de tal sorte que a
doutrina e a jurisprudência dividem-se quanto à responsabilidade pelos encargos
trabalhistas dos empregados que continuaram laborando, não havendo entendimento
uníssono sobre quem arcará com tais obrigações já que a legislação não
esclarece essa questão.
Não só bastassem essas dúvidas que pairam sobre os sujeitos da relação
de trabalho, também é muito comum os advogados não conseguirem orientar de
forma sólida os seus clientes - seja empregado, seja empregador - sobre
eventuais controvérsias que advenham da relação de trabalho no âmbito notarial
e registral, uma vez que a jurisprudência ainda se revela extremamente dividida
e a doutrina apresenta orientações antagônicas sobre as controvérsias mais
comuns, além de haver pouca elaboração teórica sobre o tema.
Em razão desse paiol de dúvidas existente no seio da comunidade
trabalhista e na própria relação de trabalho, o presente estudo tem por
finalidade elucidar as controvertidas questões trabalhistas no âmbito das
relações de trabalho das serventias extrajudiciais, apresentando a legislação
pertinente sobre o tema e os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais.
Ressalte-se que o presente trabalho destina-se às controvérsias advindas da
relação de trabalho nas atividades notarial e registral e não às controvérsias
oriundas da relação civil.
TEXTO
O art. 236 da Constituição da República dispõe que os serviços notariais
e de registro serão exercidos em caráter privado por delegação do Poder
Público. Nos dizeres de José dos Santos Carvalho Filho [01]:
"Serviços delegáveis são aqueles que, por sua natureza ou pelo fato de
assim dispor o ordenamento jurídico, comportam ser executados pelo Estado ou
por particulares colaboradores". Tem-se, portanto, que o exercício das
atividades notarial e registral implica em verdadeiro múnus público, uma vez
que se trata de serviço delegado pelo Poder Público aos particulares.
Quanto ao ingresso nas atividades notarial e registral, o mesmo ocorre
através de concurso público de provas e títulos desde a Emenda Constitucional
nº. 07/77, tendo a CRFB/88 endossado este dispositivo conforme dispõe seu art.
236, § 3º. Em consonância com o texto constitucional, dispõe o art. 14, I da
Lei 8.935/94 - lei regulamentadora do art. 236 da Constituição Federal, a qual
dispõe sobre serviços notariais e de registro – que a delegação para o
exercício das atividades notarial e registral depende de habilitação em
concurso público de provas e títulos.
No que tange à figura do empregador, depreende-se que o mesmo é o
tabelião titular, pois o art. 20 da Lei 8.935/94 dispõe que os oficiais de
registro e os notários, para desempenharem as suas funções, poderão contratar
escreventes e dentre eles escolher os substitutos e auxiliares, sendo todos
empregados celetistas cuja remuneração será livremente ajustada. Ademais,
avalizando o entendimento de que o empregador é a pessoa física do tabelião titular,
infere-se do art. 21 da aludida lei que o gerenciamento financeiro e
administrativo dos serviços registrais e notariais é da responsabilidade
exclusiva do respectivo titular, inclusive no que tange as despesas de custeio,
investimento e pessoal, de forma que o tabelião titular assume os riscos do
negócio. Por conseguinte, está a Lei 8.935/94 em conformidade com o art. 2º da
CLT, a qual define que empregador é aquele que assume os riscos do negócio,
admite, assalaria e dirige a prestação dos serviços – embora exista, no âmbito
das atividades notarial e registral, submissão às normas da Corregedoria que
tem o único papel de fiscalizar. Isto não descaracteriza a figura do empregador
pessoa física tampouco a relação de trabalho existente nas referidas atividades,
cabendo, assim, ao tabelião titular assinar a CTPS, assalariar, etc.
Outra consideração a ser feita com relação à figura do empregador é que
a própria Constituição Federal excluiu a possibilidade de o Estado ser o
empregador, uma vez que o seu art. 236 determinou que a exploração do serviço
notarial e registral ocorresse em caráter privado. Assim, qualquer
responsabilidade advinda no âmbito das atividades notarial e registral deverá
ser arcada pela pessoa física do tabelião titular, excluindo-se a participação
do Poder Público quanto às obrigações oriundas de tais atividades. Neste
sentido, é o que dispõem os artigos 22 e 23 da Lei 8.935/94, os quais
determinam que os oficiais de registro e os notários responderão pelos danos
que eles e os seus prepostos causarem a terceiros na prática dos atos da
serventia extrajudicial, onde a responsabilidade civil independe da criminal.
Neste diapasão, devem-se estender as responsabilidades trabalhistas à pessoa
física do tabelião titular, uma vez que a própria lei que regulamenta os
serviços notariais e registrais dispõe que o mesmo pode contratar escreventes e
auxiliares como empregados sob o regime da legislação trabalhista (art. 20 da
Lei 8.935/94), conforme foi dito alhures.
Quanto aos trabalhadores existentes nas supracitadas atividades- tais
como auxiliares, escreventes, etc.- são regidos pela CLT e, quando presentes os
requisitos da relação de emprego nos termos do art. 3º da CLT, serão
considerados empregados, embora sejam também subordinados à Corregedoria e às
normas de Organização Judiciária.
Destarte, é indiscutível que o tabelião titular é o responsável pelas
obrigações trabalhistas decorrentes da relação de trabalho no âmbito das
atividades notarial e registral. Contudo, há dúvida sobre esta responsabilidade
quando ocorre a sucessão trabalhista.
Este instituto, genericamente, é abordado intensamente pela doutrina do
Direito do Trabalho; entretanto, a referida sucessão nas atividades notarial e
registral pouco é discutida, o que enseja uma desordem jurisprudencial por
existirem poucas teses e elucidações sobre o tema. Deve-se entender tal
fenômeno como a transferência de titularidade de empresa com completa
transmissão de créditos e assunção de dívidas - a qual se dá, no âmbito das
atividades notarial e registral, através de concurso público. Assim, uma outra
pessoa física (o tabelião titular ), sem vínculo algum com os serviços
prestados anteriormente ao exercício de sua titularidade, assume a nova
serventia que estava sob o comando do tabelião anterior. Portanto, ao assumir a
nova serventia, discute-se na doutrina e na jurisprudência se há a sucessão da
responsabilidade pelas obrigações trabalhistas pelo novo titular. Para Alice
Monteiro de Barros [02], o sucessor na atividade cartorária assume
as dívidas anteriores à sua gestão. Em linhas gerais, explica a autora:
Outros sustentam que empregador é a empresa, vista sob o prisma da
atividade organizada, a qual não se confunde com o seu titular. Como a
atividade cartorária é por excelência privada,apesar da ingerência pública,e
considerando que a empresa é atividade, o fato de o cartório ter pertencido a
vários gestores ou responsáveis, não impede a sucessão.
No mesmo sentido, entende Valentin Carrion [03] que, como a
CLT define expressamente que empregador é a empresa, ou seja, é a atividade
economicamente organizada e, por ser tal diploma legal totalmente aplicável aos
empregados dos titulares de cartórios extrajudiciais, haverá sucessão das
obrigações trabalhistas quando ocorrer a mudança de titularidade, uma vez que a
atividade empresarial se manteve, havendo apenas uma alteração da pessoa
física.
Ainda na mesma esteira de que ocorre a sucessão quanto às obrigações
trabalhistas, defende Vólia Bomfim Cassar [04]:
(...) a alteração da titularidade do serviço notarial ocorre a
transferência de todos os elementos da unidade econômica que integra o
cartório, como a clientela, a atividade desenvolvida, as firmas (assinaturas),
a área de atuação e, algumas vezes, até o ponto e o estabelecimento, além dos
demais elementos corpóreos ou incorpóreos da atividade empresarial, cujo
conjunto se denominou de fundo de comércio. Acresce mais que a lei não
estabelece como requisito a existência de ato negocial. Para ocorrer a sucessão
basta a transferência da empresa, independentemente de existir "transação
comercial", máxime quando se trata de mera substituição de concessionário
ou de delegatário de serviço público.A sucessão ocorrerá independentemente da
continuidade do contrato de trabalho para o novo tabelião titular em face da
característica da obrigação trabalhista – ônus reais, que adere a coisa e a
persegue aonde estiver.
Em contrapartida, é possível encontrar na jurisprudência tese diversa à
defendida pelos autores, onde se sustenta a não ocorrência da sucessão trabalhista
quando há mudança de tabeliães titulares no cartório extrajudicial, pois com a
exigência de concurso público para o ingresso nas atividades notarial e de
registro, o novo titular assume o cargo e não o patrimônio do antigo
empregador. Como nenhum crédito lhe é repassado, também não poderá ser
responsabilizado por débito algum, pois inexiste transação empresarial entre o
antigo e o novo titular. Ademais, sustenta-se que os serviços notariais e de
registro são públicos por excelência, sendo meramente executados por delegação,
logo, não é possível ocorrer sucessão entre notários. É preciso que a empresa
(atividade economicamente organizada) passe das mãos de um para o outro
empresário de alguma forma, seja fusão, venda, etc. Se os serviços registrais são
públicos, eles pertencem ao Estado, e não ao particular, não podendo ser
cessível entre os particulares. E o que não é cessível não pode suceder, sendo
inaplicável a sucessão trabalhista no âmbito das atividades registral e
notarial.
Data venia, esse segundo entendimento não pode
prosperar. A alteração da titularidade do serviço notarial e registral enseja a
transferência de todos os elementos que compõem o cartório extrajudicial, isto
é, do fundo de comércio.Assim, o sucessor assume todos os encargos do sucedido,
devendo-se respeitar os arts. 10 e 448 da CLT, os quais dispõem que qualquer
alteração na estrutura jurídica da empresa não irá afetar os direitos
adquiridos por seus empregados e, a mudança na propriedade ou na referida
estrutura, não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.
Ademais, os serviços em comento recebem uma delegação do estado onde os órgãos
públicos se equiparam ao empregador comum, conforme art. 2º § 1º da CLT,
estando a própria lei que regula as atividades notarial e registral em
consonância com esta disposição legal, já que a Lei 8.935/94 estabelece em seu
art. 20 que os empregados da serventia extrajudicial estarão submetidos à CLT,
portanto, deverá ser respeitada a sucessão trabalhista quanto aos contratos
laborais vigentes e extintos, estando o novo titular adstrito às obrigações
trabalhistas. A mera alegação de que a serventia extrajudicial está sujeita ao
pagamento de altos impostos ao estado e que quita as suas obrigações
tributárias – alegação esta feita por muitos tabeliães - não tem a menor
relevância para a relação de trabalho, pois o empregado não está inserido na
relação tributária do cartório, até porque da mesma forma que as serventias
despendem muitos gastos com impostos e manutenção, elas também auferem altos
lucros, os quais vão diretamente para a pessoa física do empregador. Por isso,
o tabelião titular é responsável pelas obrigações trabalhistas conforme o
instituto da sucessão, até porque, ao realizar o concurso público, o tabelião
sabe que seus empregados são celetistas (conforme o art. 20 da Lei 8935/94) e,
por esta razão, deve conhecer e cumprir as regras de sucessão previstas na CLT.
Se ele efetua altos gastos e aufere lucros, isso em nada se relaciona com a
relação de trabalho.
Portanto, quanto à sucessão trabalhista, a doutrina é majoritária no
sentido de defender a ocorrência da mesma nas atividades notarial e registral.
Quanto à jurisprudência, ainda há divisão de entendimentos em sede de 1ª e 2ª
instâncias, mas no TST há uma tendência em se reconhecer a sucessão trabalhista
nas atividades em comento, a saber [05]:
CARTÓRIO. SUCESSÃO DO TITULAR. RESPONSABILIDADE. APLICAÇÃO DOS ARTS. 10
E 448 DA CLT. Em que pese o cartório extrajudicial não possuir personalidade
jurídica própria, é certo que a alteração da titularidade do serviço notarial
acarreta a transferência de todos os elementos da unidade econômica que integra
o Cartório, como a atividade desenvolvida e demais elementos corpóreos e
incorpóreos da atividade empresarial, que se denomina de fundo de comércio.
Assim, o titular sucessor assume as obrigações e encargos contraídos pelo
titular sucedido, nos termos dos arts. 10 e 448 da CLT, devendo responder pelos
contratos de trabalho já rescindidos, assim como pelos contratos de trabalho
que continuarem em execução, após a sucessão. Precedente: TST-RR-50.908/92.6,
5ª Turma, Rel. Min. Antônio Maria Thaumaturgo Cortizo, DJ- 03/12/1993). Recurso de Revista conhecido e desprovido. TST-RR-684506/00- Rel. Designado: Juiz Convocado João Carlos
Ribeiro de Souza. DJU
01/10/2004.
Por fim, vale fazer menção a alegação feita por muitos tabeliães
titulares em defenderem a inclusão do estado no pólo passivo de demandas
trabalhistas movidas pelos trabalhadores, caso haja sucessão. Defendem estes
que, por se tratar de um serviço delegado pelo Poder Público, deveria o estado
figurar como responsável pelas obrigações trabalhistas, e não o particular, até
porque estão as serventias submetidas à fiscalização da Corregedoria e às
normas de Organização Judiciária. Data
venia, mas não se pode perquirir destas alegações, uma vez que a própria
Constituição Federal no art. 236 excluiu a possibilidade de o Estado ser o
empregador, pois previu que os serviços notariais e de registro são exercidos
em caráter privado. Assim, não sendo o Estado o empregador, não há como se
admitir a inclusão do mesmo no pólo passivo de uma demanda, sendo a parte
legítima para figurar tal pólo o tabelião sucessor caso se evidencie da
sucessão trabalhista nas atividades notarias e registrais.
Outra questão controvertida no seio das relações de trabalho em sede de
atividades notarial e registral, diz respeito à responsabilidade pelas
obrigações trabalhistas na existência de cartório extrajudicial vacante. É
sabido que o cartório extrajudicial não possui personalidade jurídica, o que
impede que o mesmo figure nos pólos ativo ou passivo da relação processual. Em
razão disso, há vozes jurisprudenciais que sustentam a ilegitimidade da
serventia na demanda, justamente pelo fato de a lei não atribuir personalidade
jurídica ao cartório, havendo a extinção do processo sem resolução do mérito
por ilegitimidade passiva. Por esta tese, o empregado jamais teria o seu
crédito trabalhista satisfeito, caso fosse evidenciada uma serventia vacante ou
apenas administrada pelo tabelião substituto.
Em contrapartida há quem defenda a presença da pessoa jurídica da
serventia no pólo passivo da demanda trabalhista, ainda que a lei não atribua a
personalidade jurídica ao cartório extrajudicial, pois se assim não fosse, não
haveria como o empregado pleitear as verbas trabalhistas, já que não haveria
pessoa legitimada para figurar em tal pólo. Trata-se, pois, de uma medida
protetiva ao trabalhador, abalizada pelo principal princípio do direito
material e processual do trabalho: o princípio da proteção ao trabalhador.
Desta forma, não se poderia admitir a rejeição da ação pelo fato de não haver
um tabelião titular, já que paralelamente existe, de fato, o exercício contínuo
das atividades notariais, pois as mesmas não são paralisadas, sob pena de se
estar ferindo o princípio do acesso à justiça, nos termos do art. 5º XXXV.
Assim, a jurisprudência, ao se deparar com essas situações, deverá atribuir
personalidade jurídica às serventias extrajudiciais, dando continuidade aos processos
e não se perquirindo da ilegitimidade passiva. Além disso, o art. 2º da CLT
dispõe que empregador é a empresa, ou seja, é a atividade economicamente
organizada, havendo uma despersonificação da pessoa física ou jurídica que
explora atividade. Por conseguinte, este dispositivo valida a tese de que o
cartório pode figurar o pólo passivo da relação processual, sendo, nesta
hipótese, o empregador, o qual poderá ter a sua renda penhorada para satisfazer
o crédito do trabalhador. Neste sentido, diz Vólia Bomfim Cassar [06]:
Apesar do cartório extrajudicial não possuir personalidade jurídica, é
parte legítima para configurar do pólo passivo ou ativo da relação processual,
uma vez que em caso de vacância continua exercendo suas atividades notariais,
contratando empregados, assalariando-os e cumprindo com suas obrigações
trabalhistas.
Na jurisprudência, o TST tende a seguir o mesmo entendimento [07]:
CARTÓRIO. SERVENTUÁRIO. RELAÇÃO DE EMPREGO. VERBAS TRABALHISTAS.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. 1. A pessoa do titular da serventia pública, como é
o caso de cartório que, por delegação do poder público, presta serviços à
coletividade na condição de empresa privada, confunde-se com a própria
instituição, enquanto investido no cargo. Assim, o vínculo de emprego, quando o
contrato é regido pela legislação trabalhista, hipótese admitida anteriormente
à promulgação da atual Carta política, faz-se diretamente com o titular da
serventia, mas é o acervo da empresa que responde pelos créditos trabalhistas.
Portanto, o cartório, obrigatoriamente, deverá fazer parte da relação
processual formada em juízo, porque configurada a figura da responsabilidade
solidária. 2. Recursos de revistas conhecidos em parte e providos. TST-RR-204246/95.9 (Ac. 3ªT.-8388/96)- 10ªReg- Rel. Designado: Min.
Francisco Fausto. DJU
07/03/1997, p. 5773.
CONCLUSÃO
Diante das controvérsias apresentadas que envolvem a sucessão
trabalhista nas atividades notarial e registral, é possível concluir que se
deve sempre primar pela proteção ao trabalhador. Não se pode admitir qualquer
malabarismo jurídico que implique numa desproteção aos empregados, a ponto de o
mesmo não ter o seu crédito satisfeito. A obrigação trabalhista é elementar e
deve ser cumprida com rigor e celeridade, uma vez que o salário percebido pelo
trabalhador converte-se em despesas imediatas e vitais, tais como higiene,
educação, moradia, etc.
A sucessão trabalhista é um instituto que visa a proteção do trabalhador
ao permitir que o novo empregador arque com as obrigações trabalhistas de
contratos extintos e contratos ainda em vigor, coibindo qualquer tipo de fraude
que tenha o condão de frustrar o recebimento das verbas trabalhistas legalmente
devidas. No âmbito das atividades notarial e registral, é mister a observância
do aludido instituto na sua integralidade, pois a aplicação do mesmo evita que
os novos tabeliães titulares se eximam das obrigações trabalhistas.
Infelizmente, a prática revela uma grande resistência por parte desses novos
empregadores em aceitar a responsabilidade pelos direitos trabalhistas de
empregados cujos contratos ainda vigoram ou já se extinguiram, uma vez que
aqueles não se acham responsáveis por obrigações que forma contraídas em época
anterior a sua administração. Contudo, esses empregadores realizaram concurso
público de provas e títulos e por essa razão, deve-se presumir absolutamente
que os mesmos sabem que seus funcionários foram e são celetistas, já que esta
regra consta da própria lei que regulamenta as atividades notarial e registral
– Lei 8.935/94; desta forma, se estão subordinados à CLT, devem os tabeliães se
conformarem que seus empregados estão submetidos às regras de sucessão
trabalhista constantes do referido diploma legal, não podendo se valerem de
artifícios que constituam óbices à obtenção do crédito trabalhista através do
referido instituto.
Assim, advindo qualquer controvérsia de uma relação de trabalho no
âmbito das atividades notarial e registral, os novos tabeliães podem e devem
ser demandados em qualquer caso, pois esta é a sistemática da CLT e deve ser
respeitada. Caso haja vacância da serventia (ou havendo apenas o tabelião
substituto administrando), será a hipótese de se demandar a própria serventia,
pois embora a mesma não tenha personalidade jurídica, deverá a jurisprudência
atribuir tal personalidade e seguir com o feito, sob pena de se estar ferindo o
acesso à justiça.
Hodiernamente, evidencia-se que o Tribunal Superior do Trabalho e a
doutrina majoritária tendem a reconhecer o instituto da sucessão trabalhista
como legítimo nas atividades notarial e registral, o que representa a
corroboração do acesso à justiça e à fortificação do preceito maior do direito
material do trabalho: o princípio da proteção ao trabalhador.
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02 BARROS, Alice Monteiro de.Curso
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03 CARRION, Valentin. Comentários
à Consolidação das Leis do Trabalho – legislação complementar e jurisprudência.
31. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 30.
04 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito
do Trabalho. 1. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2007, p. 481.
05 Ibid., p. 482.
06 Ibid., p. 483.
07 Ibid., p. 484.
* Advogada,
pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho e Processo Civil
pelo Metta Cursos Jurídicos
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10708
Acesso em: 26 ago.
2008.