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Ricardo Luiz Alves*
A Carteira
de Trabalho e Previdência Social encontra-se tutelada nos artigos 13 a 56 do
Diploma Consolidado.
Preambularmente,
se faz necessário ressaltar que a CTPS não se confunde com as Carteiras
Profissionais ou outros documentos de registro profissional similares,
específicos de algumas profissões (notadamente das profissões liberais, v.g, a
engenharia e a advocacia), expeditos pelas respectivas entidades de classe
(CREA, OAB, etc.). De fato, os documentos em tela são distintos, com conteúdo e
natureza jurídica e profissional totalmente diferentes.
Doutrinadores
de escol do Direito do Trabalho, bem como renomados estudiosos da História das
Relações de Trabalho, prelecionam que os antecedentes mais antigos da CTPS
remontam à Europa do final do Medievo e início da Era Moderna.
É
importante destacar que o documento em tela foi introduzido no nosso país pelo
Decreto nº. 21.175, de 21 de março de 1932; bem antes, portanto, da outorga da
vestuta CLT por Getúlio D. Vargas em 1943.
No
Brasil, inicialmente a CTPS apresentava um caráter facultativo, isto é, a sua
expedição e respectivo uso não era obrigatório para os obreiros, mas atualmente,
a partir de uma leitura mais atenta do caput do artigo 13
celetário, depreende-se que ela - CTPS - se tornou obrigatória para o exercício
de qualquer modalidade de trabalho regido pela legislação consolidada e
extravagante. Neste diapasão, é lógico concluir que o estagiário não tem CTPS.
O
autor destas linhas vislumbra que a CTPS, ao contrário do entendimento de
determinados especialistas em Relações de Trabalho, sindicalistas e alguns
poucos operadores do direito, nunca foi e não é um instrumento de controle de
cunho político e econômico sobre o obreiro por parte do Estado e das
respectivas elites dominantes.
De
fato, julgo que o documento em tela é de fundamental importância para o
obreiro, pela singela razão de possibilitar ao empregado o reconhecimento de
seus direitos trabalhistas e previdenciários.
Como
bem observa o ilustre professor e jurista Eduardo Gabriel Saad, "a
exigência da obrigatoriedade do uso da Carteira independe da classe do contrato
de trabalho: indeterminado, prazo certo ou obra certa, experiência." (1) E
prossegue o eminente tratadista observando que "o empregador descrito no
art. 2º., da CLT, tem de possuir sua Carteira de Trabalho. Vale, sobretudo,
perante a Previdência Social." (2)
Na
esteira das considerações feitas acima, é importante destacar que a
obrigatoriedade da CTPS inclui os estrangeiros que eventualmente possuem
contrato de trabalho regular no nosso país, ainda que o aludido contrato
laboral seja tácito.
O
art. 16 da CLT, com a redação dada pela Lei nº. 8.260, de 12.12.1991, estipula
que a CTPS deverá necessariamente conter: 1)número, 2)série, 3)data de emissão,
4)folhas destinadas às anotações pertinentes ao contrato de trabalho e as de
interesse da Previdência Social, 5)fotografia, de frente, modelo 3x4, 6)nome,
filiação, data e lugar de nascimento e assinatura do empregado, 7)"nome,
idade e estado civil dos dependentes do obreiro, se houverem, 8)número do
documento de naturalização ou data da chegada ao Brasil e demais elementos
constantes da identidade de estrangeiro, quando for o caso" (CLT, art. 16,
inciso IV).
O
parágrafo único do artigo celetário em epígrafe determina que a CTPS somente
poderá ser fornecida ao empregado mediante a apresentação de: 1)duas
fotografias com as características mencionadas no inciso I do artigo em foco,
2)qualquer documento oficial de identificação pessoal do interessado, no qual
possam ser aferidas as informações referentes ao nome completo, filiação, data
e lugar de nascimento do obreiro.
A
anotação do contrato de trabalho na CTPS do trabalhador é obrigação do
empregador, eis que constitui norma cogente. Portanto, creio que ser razoável a
tese jurisprudencial que postula que o fato do empregado ter apresentado a CTPS
após o ingresso na empresa, não assegura ao empregador o direito de anotá-la
com data diversa daquela em que aquele iniciou a efetiva prestação de serviço
(no caso, vide o decisum da 1ª. Turma do TRT da 3ª.
Região no RO nº. 9.323/2000, publicado no Diário de Justiça do Estado de Minas
Gerais de 07.04.2001, tendo sido relator do aludido recurso o Excelentíssimo
Juiz Maurílio Brasil).
Data
venia daqueles
doutos que adotam entendimento diverso, perfilho a tese defendida por Canelutti
e outros doutrinadores segundo a qual a CTPS "... é um documento
declarativo de vontade e constitutivo de direito." (3)
Acolho,
também, o entendimento jurisprudencial que postula a tese de que, "por se
tratar de matéria de ordem pública, a anotação do contrato de trabalho na CTPS
do obreiro deve ser determinada de ofício, independentemente de requerimento da
parte (teoria da ultrapetição) ou, até mesmo, em caso de omissão na sentença
condenatória." (4)
A
4ª. Turma do egrégio TRT da 3ª. Região proferiu decisão entendendo que
"cabe ao empregador, havendo equívoco no registro do salário, ressalvá-lo
no campo próprio da carteira de trabalho e não apenas rasurá-lo o que, como é
sabido, enseja questionamentos futuros, mormente quando se trata de quantia
paga a título de remuneração pelo trabalho prestado. Inexistindo qualquer
ressalva e havendo rasura no valor anteriormente anotado, o que se verifica
pelas cópias xerográficas da carteira profissional, procede o pedido de
retificação da CTPS para fins de fazer constar o valor anteriormente
registrado." (5)
Por
seu turno, a nossa mais alta corte trabalhista em vários dos seus julgados
acabou firmando entendimento segundo o qual não induz à rescisão indireta do contrato
de trabalho a simples falta de anotação na CTPS do empregado. (6) O mesmo
Tribunal também já entendeu que a anotação do vínculo de emprego, cujo
reconhecimento é imprescritível, não está sujeito, por via de conseqüência, ao
prazo prescricional de 2 (dois) anos previsto na atual Lex Fundamentalis.
(7)
Anotações
desabonadoras na CTPS do obreiro são terminantemente vetadas. No caso,
vislumbro que a eventual prática desta espécie de anotações enseja o
ajuizamento de ação de indenização por danos morais em sede trabalhista,
independente das demais sanções legais cabíveis.
A
baixa na CTPS decorre da obrigatoriedade do registro e tem natureza
declaratória, sendo um direito irrenunciável do obreiro.
Por
outro lado, a demora na baixa da CTPS não enseja o percebimento de salários. (8)
No caso, acatar entendimento contrário, concessa maxima venia, é
simplesmente assumir posição teratológica, eis que configuraria enriquecimento
sem causa por parte do empregado.
O
ilustre professor e jurista Valentin Carrion, com a sua habitual maestria,
preleciona que "a obrigatoriedade da anotação inicial se estende às
modificações que venham a ocorrer nos dados essenciais ao contrato de trabalho
(alteração da função, aumento ou modificação salarial etc.)" (9), bem como
que devem constar na CTPS as seguintes anotações essenciais: "1)elementos
básicos, ajustados pelas partes quando da contratação: salário e sua composição
(tarifa horária ou de produção, valor da utilidade, habitação ou outros etc.),
data da admissão, condições especiais, se houver (contrato por tempo
determinado, experiência, aprendizado); 2)férias (art. 135); 3)períodos em que
o contrato tenha permanecido suspenso ou interrompido; 4)acidentes do trabalho
(art. 30); 5)alterações no estado civil e dependentes (inclusive a concubina,
se satisfeitos os requisitos legais); 6)banco depositário do FGTS; 7)dados
relativos ao PIS; 8)CGC do empregador e número da Comunicação de Dispensa para
Seguro de Desemprego, quando da rescisão sem justa causa (Port. MTb 3.339/86);
9)serviço rural intermitente (L. 5.889/73, art. 6º.)." (10)
O
emérito tratadista Luciano Rossignolli Salem observa que "as Carteiras de
Trabalho regularmente emitidas e anotadas servirão de prova nos atos em que
sejam exigidas carteiras de identidade, como por exemplo, o Registro Geral
(RG). E, especialmente, nos casos de dissídio na Justiça do Trabalho entre a
empresa e o empregado por motivo de salário, férias ou tempo de serviço.
A
Carteira do Trabalho é emitida pelas Delegacias Regionais do Trabalho ou
mediante convênio, pelos órgãos federais, estaduais e municipais da
administração direta ou indireta; e na inexistência destes, poderá ser admitido
convênio com sindicatos (art. 14, CLT)." (11)
Por
seu turno, o eminente professor e jurista Sérgio Pinto Martins destaca que
"nas localidades onde não for emitida CTPS, o trabalhador poderá prestar
serviços à empresa, até 30 dias, sem a referida carteira, ficando a empresa
obrigada a permitir o comparecimento do empregado ao posto de emissão mais
próximo. O empregador, nesse caso, deverá fornecer ao empregado, no ato de
admissão, documento em que constem a data de admissão, a natureza do trabalho,
o salário e a forma de seu pagamento; sendo dispensado o trabalhador, sem a
obtenção da CTPS, a empresa lhe fornecerá um atestado a respeito do histórico
de sua relação empregatícia.
Na
impossibilidade de apresentação, por parte do interessado, de documento idôneo
que o identifique, a CTPS será fornecida com base em declarações verbais, que
serão anotadas na primeira folha da CTPS, nas anotações gerias, desde que
confirmadas por duas testemunhas e mediante termo que será assinado por elas. Em
se tratando de menor de 18 anos, as declarações serão feitas por seu
representante legal. Não sabendo o interessado assinar a CTPS ou não o podendo,
será ela fornecida mediante impressão digital ou assinatura a rogo." (12)
Com
fulcro nos §§ 1º. e 2º. do artigo 39 celetário, na hipótese de recusa do
empregador de fazer a anotação na CTPS do reclamante, este ato será realizado
pela Vara do Trabalho, não havendo, in casu, que se falar em
multa a ser revertida em favor do empregado.
Discutiu-se
muito tempo, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência dos nossos pretórios
trabalhistas, sobre se as anotações da CTPS geram presunção absoluta (juris
et de jure) ou relativa (juris tatum). O debate
foi pacificado pelo egrégio TST que, no seu Enunciado nº. 12, fixou
entendimento que as anotações feitas na CTPS são relativas, podendo, portanto,
ser invalidada por qualquer outra espécie de prova admitida no nosso
ordenamento jurídico (perícia, prova testemunhal, etc.).
Entretanto,
é óbvio que em se tratando de reconhecimento judicial de trabalho em tempo de
serviço superior àquele anotado na CTPS, a prova em contrário deve ser robusta
a fim de possibilitar o convencimento judicial, sob pena de ser elidida.
À
guisa de conclusão, é entendimento pessoal que a recusa da anotação da CTPS,
e/ou a sua respectiva baixa por parte do empregador, constitui violação de
Direito Trabalhista mediante fraude, a teor do disposto no caput
do art. 203 do Código Penal Brasileiro. No caso, o magistrado ou tribunal
trabalhista deve dar ciência ao Ministério Público, remetendo as peças
necessárias da Reclamatória Trabalhista e prestando as eventuais informações
pertinentes a fim de que o Parquet possa ajuizar a eventual ação
penal cabível, a qual, diga-se de passagem, é pública incondicionada. (13)
Notas
(1)Saad,
Eduardo Gabriel: CLT Comentada. pág. 59.
(2)Idem.
(3)Nascimento,
Amauri Mascaro: Curso de Direito do Trabalho. pág. 461.
(4)Tal
entendimento foi proferido pela egrégia 4ª. Turma do colendo TRT da 2ª. Região
no Processo nº. 02970085954, Acórdão nº. 02980200837, publicando no Diário
Oficial do Estado de São Paulo de 05.05.98, cuja relatora foi a Excelentíssima
Juíza Sônia Maria Prince Franzini.
(5)O
entendimento jurisprudencial ora em comento foi proferido no RO nº. 0835/2002,
cujo relator foi o Excelentíssimo Juiz Júlio Bernardo do Carmo.
(6)O
decisum em tela do colendo TST é o seguinte, ipsis litteris
verbis: "EMENTA: Reconhecimento do vínculo de
emprego e anotação na CTPS-Prescrição. O reconhecimento do vínculo de
emprego pelo Regional enseja que a relação de emprego seja anotada na Carteira
de Trabalho, conforme exegese do artigo 29 da CLT. Por isso, é inviável o entendimento
de que a anotação do vínculo de emprego, cujo reconhecimento é imprescritível,
conforme asseverou o Regional, tenha o Prazo Prescricional de dois anos, uma
vez que tal obrigação é corolário da confirmação da relação empregatícia. Recurso
de Revista parcialmente conhecido e provido. (TST/5ª. Turma - RR nº. 487.348/98
- 9º. Reg. - Rel.: Min. João Batista Brito Pereira - DJU,
26.04.2002)."
(7)A
título de ilustração do entendimento jurisprudencial em tepígrafe, trago a
colação os seguintes decisum do egrégio TST, verbis:
a)"EMENTA: Rescisão indireta do Contrato de Trabalho - Falta de
anotação na CTPS. Não induz à rescisão indireta do contrato de trabalho a
simples falta de anotação na CTPS do empregado, haja vista a existência de
sanções legais para a hipótese de descumprimento dessa obrigação contratual. Assim,
a ausência da referida anotação não constitui falta grave, na forma do art.
483, "d", da CLT, sobretudo quando o empregador não nega o vínculo de
emprego, como ocorre na espécie dos autos. Recurso de revista conhecido e ao
qual se nega provimento. (TST/4ª. Turma - RR nº. 422.701/98 - Rel.:
Min. Ives Gandra Martins Filho - 2ª. Reg. - DJU, 14.06.2002); b)"EMENTA:
Recurso de Revista - Rescisão indireta do Contrato de Trabalho - Falta de Anotação
da CTPS - Gravidade Inocorrente. A simples falta de anotação da CTPS, não
negado o vínculo, não é suficientemente grave a ensejar a rescisão indireta do
contrato de trabalho, eis que o empregado dispõe de previsão legal específica
para ver cumprida essa exigência e a regra do art. 483, "d", da CLT
deve ser interpretada de forma restritiva, privilegiando o vínculo. Recurso
conhecido, mas improvido. (TST/2ª. Turma - RR nº. 372.852/97 - Rel.:
Juiz convocado José Pedro de Camargo - 12ª. Reg. - DJU, 16.11.2001 - pág.
508)."
(8)Em
apoio ao entendimento esposado acima, transcrevo o seguinte decisum
do egrégio TRT da 1ª. Região, verbis: "EMENTA: CTPS-Baixa. Ainda
que o empregador não proceda, de imediato, à baixa na CTPS do obreiro, tal fato
não faz nascer para o ex-empregado à percepção de salários, porque estes são
conseqüência da prestação laboral. (TRT/1ª. Região - 9ª. Turma - RO nº.
31.459/93 - Rel.: Juiz Mário de Medeiros - DJRJ, 29.08.96 - pág. 106)."
(9)Carrion,
Valentin: Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. pág. 90.
(10)Carrion,
Valentin: ob. cit. pág. 91.
(11)Salem, Luciano Rossignolli:
Prática do Direito do Trabalho e sua Organização Judiciária. pág. 256.
(12)Martins,
Sérgio Pinto: Direito do Trabalho. pág. 421.
(13)Como
exposto em outro artigo de minha lavra, no decorrer de todo o período que
exerço as minhas funções de servidor da Justiça do Trabalho, jamais tive
conhecimento do encaminhamento ao Ministério Público (Federal ou Estadual), por
parte de magistrado ou tribunal trabalhista, de notícia de violação à Direitos
Trabalhistas para as providências legais pertinentes, e, conseqüentemente,
desconheço o eventual ajuizamento de qualquer Ação Penal relativa a violação
dos direitos em tela.
Infelizmente,
existem normas legais em nosso ordenamento jurídico que não passam de
"letra morta", sem qualquer aplicabilidade prática.
Abreviaturas Empregadas
art.:
artigo.
CLT:
Consolidação das Leis do Trabalho.
CTPS:
Carteira de Trabalho e Previdência Social.
DJRJ:
Diário da Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
DJU:
Diário da Justiça da União.
Min.:
ministro.
nº.:
número.
pág.:
página.
Reg.:
Região.
Rel.:
relator.
RO:
Recurso Ordinário.
RR:
Recurso de Revista.
TRT:
Tribunal Regional do Trabalho.
TST:
Tribunal Superior do Trabalho.
Referências Bibliográficas
I.Legislação
BRASIL:
Decreto-Lei nº. 5.452/43. Institui a Consolidação das Leis Trabalhistas.
BRASIL:
Decreto-Lei nº. 2.848/40. Código Penal da República Federativa do Brasil.
II.Doutrina
ALVES,
Ricardo Luiz: A Violação de Direitos Trabalhistas e o artigo 203 do Código
Penal. In: Jornal Trabalhista Consulex. Ano XVIII, nº. 909. Brasília,
08.04.2002. Páginas 7-8.
CARRION,
Valentin: Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 26ª. ed. revista e
ampliada. São Paulo: Editora Saraiva, 2001.
MARTINS,
Sérgio Pinto: Direito do Trabalho. 14ª. ed. revista e ampliada. São Paulo:
Editora Atlas, 2001.
NASCIMENTO,
Amauri Mascaro: Curso de Direito do Trabalho. 13ª. ed. revista e aumentada. São
Paulo: Editora Saraiva, 1997.
SAAD,
Eduardo Gabriel: CLT Comentada. 34ª. ed. São Paulo: Editora LTR, 2001.
SALEM,
Luciano Rossignolli: Prática do Direito do Trabalho e sua Organização Judiciária.
São Paulo: Editora do Direito, 1998.
*licenciado
em História pela PUC/RJ, bacharel em Direito pelo Centro Integrado de Ensino
Superior do Amazonas (CIESA), servidor da Justiça do Trabalho em Manaus
(AM)
Disponível em: http://jus2.uol.com.br/
Acesso em: 27 fev. 2007.