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Algumas reflexões acerca do contrato de trabalho e a qualificação
profissional do empregado
Ricardo Luiz Alves
licenciado em História pela PUC/RJ, bacharel em
Direito pelo Centro Integrado de Ensino Superior do Amazonas (CIESA), servidor
da Justiça do Trabalho em Manaus (AM)
O inc. XIII do art. 5º. da atual Lex Legum
consagra o Princípio do Livre Exercício de Ofício e de Profissão desde que
atendidas as qualificações que a lei porventura estabelecer.
A
partir de uma leitura atenta da norma constitucional em epígrafe deflui a
conclusão de que somente a lei pode estabelecer critérios para o exercício
profissional, bem como se depreende que somente a lei pode determinar os
parâmetros do exercício profissional em face da respectiva qualificação acadêmica.
Importa destacar que o colendo Tribunal Superior do Trabalho firmou
entendimento de que "o livre exercício de qualquer trabalho, oficio ou
profissão, assegurado pela Constituição Federal, pressupõe condições de
capacidade previstas em lei." (1), aí incluindo as condições
relativas à qualificação técnico-científica do obreiro.
Ressalte-se,
ainda, que o contrato de trabalho individual, em que pese derivar de um acordo
de vontades, não pode conter cláusulas, tácitas ou expressas, que violem normas
legais e, muito menos, estabelecer condições de trabalho ou parâmetros
técnico-funcionais que violem dispositivos legais, aí incluindo os que exigem
qualificação profissional para o exercício de funções ou emprego.
Por
oportuno, é notório o fato de que é comum a exigência de formação profissional
específica para o pleno exercício de determinadas funções ou cargos.
Tal
fenômeno é corriqueiro, sobretudo nas assim denominadas indústrias de ponta
(indústria aeroespacial, indústrias eletroeletrônica e petroquímica, etc.), no
sistema bancário (notadamente na área da tele-informatização bancária), no
setor de saúde relativo as atividades médico-cirúrgicas de média e grande
complexidade e no setor comercial voltado para a transação comercial de alguns
tipos de serviços e/ou mercadorias de alta tecnologia, na medida em que são
setores econômicos que demandam uma formação técnica e/ou científica mais
apurada do obreiro, formação essa voltada justamente para o atendimento das
atividades-fim da empresa contratante.
Neste
momento, creio que cabe formular a seguinte indagação: a não-qualificação
profissional do empregado para o cargo ou função pactuada entre ele e o
empregador é pressuposto de nulidade do contrato de trabalho ou se constitui em
causa impeditiva da constituição válida do contrato de trabalho?
In
casu, e salvo melhor
juízo, penso que a ausência de qualificação técnico-científica apropriada por
parte do empregado é causa impeditiva da constituição válida do contrato de
trabalho e, nesta ordem de idéias, se a função exige qualificação técnica ou
científica específica para o cargo não é possível a avença laboral se
materializar de forma válida, ainda que as partes contratantes assim o queiram.
Na
esteira das considerações feitas no parágrafo anterior, entendo que o
empregador pode romper o contrato de trabalho caso o obreiro, de alguma
maneira, venha a esconder a sua inadequação profissional para a função
pactuada.
In
casu, há uma clara
quebra da fidúcia e da boa-fé contratual que são elementos essenciais do pacto
laboral e, enquanto tal, não podem ser desconsiderados ou violados. (2)
Ademais,
a ausência da qualificação profissional adequada por parte do empregado ao
cargo ou função pode e deve ser enquadrado como crime de exercício ilegal de
profissão previsto na legislação penal, cabendo ao empregador, uma vez
constatada a inabilitação profissional do empregado, dar ciência do fato às
autoridades competentes.
Isto
posto, sigamos adiante.
Adoto
o entendimento de que, no decurso do cumprimento do contrato laboral, é dever
do empregador observar uma estrita correspondência entre as atribuições
funcionais e a qualificação profissional do empregado, bem como o empregador
deve cumprir todas as obrigações legais e contratuais que derivem da respectiva
qualificação técnico-científica do empregado, incluindo aí o pagamento das
gratificações e demais verbas remuneratórias que decorram da qualificação
profissional do obreiro.
O
empregador pode aferir periodicamente a manutenção da qualificação do empregado
em função das atividades que exerce no âmbito da empresa?
Creio
que sim, na medida que está dentro do poder diretivo do empregador verificar o
correto exercício funcional das atividades laborais do empregado conforme a sua
capacitação técnico-profissional. Entretanto, tal aferição deve ser levada a
cabo de forma objetiva, através de avaliações periódicas, relatórios de
produtividade ou sucedâneos, tudo de acordo com critérios pré-estabelecidos e
acordados com o obreiro.
Na
verdade, a qualificação profissional do obreiro para o efetivo exercício das
suas funções laborais, dentro da empresa, não retira do empregador o seu poder
de direção sobre ele - empregado - em razão da qualificação profissional dele,
obreiro. Com efeito, "o empregado não tem, por outras palavras, plena
liberdade para exercer a sua atividade profissional; é um trabalhador que, na
realização do trabalho, está subordinado aos critérios técnicos estabelecidos
pela direção da empresa." (3)
Adotar
uma posição oposta a firmada aqui é, simplesmente, acatar uma tese
teratológica, tanto a nível legal stricto sensu, quanto a nível doutrinário.
O
poder diretivo do empregador lhe confere a faculdade de indicar o empregado que
no seu entender é o mais adequado, consoante a qualificação técnica e
experiência profissional do obreiro, para o exercício de determinado cargo ou
função de comando dentro da empresa. Neste diapasão, o colendo TST firmou
entendimento de que "conquanto tenha quadro organizado de carreira, nada
impede que a empresa estabeleça que as funções de nivel superior, ainda na
carreira, venham a ser qualificadas como de confiança e, portanto, preenchiveis
por disposições arbitrarias da alta direção, sabido como e que tais cargos, em
numero proporcionalmente reduzido, envolvem o exercicio de misteres que exigem
qualidades pessoais e de conhecimento somente avaliaveis a criterio da
administração do estabelecimento." (4)
Fere
as obrigações funcionais do empregado que não emprega toda a sua perícia ou
conhecimento profissional na execução da obra ou do serviço no decorrer da
respectiva execução.
A
comprovação da qualificação técnica-profissional do empregado deve ser feita,
preferencialmente, quando da efetiva constituição do contrato de trabalho, isto
é, no exato momento da sua celebração. Caso isso não seja possível, deverá o
empregador fixar um prazo razoável para a respectiva comprovação, findo o qual
sem que o obreiro apresente os documentos comprobatórios da sua qualificação
profissional o contrato de trabalho poderá ser rescindido pelo empregador por
justa causa com fulcro no artigo 482, "e", do Diploma Consolidado
(5).
Entendo
que, na hipótese das atividades decorrentes do contrato de trabalho demandar do
empregado uma formação técnica ou científica de nível superior específica, é de
bom alvitre fazer constar do contrato de trabalho cláusula expressa elencando a
qualificação profissional do obreiro, bem como minudenciar as atividades que o
empregado exercerá em virtude da referida qualificação profissional.
Na
ausência de um contrato de trabalho escrito, o empregado poderá se valer do
disposto no artigo 31 celetário para fazer constar a sua qualificação
profissional no seu contrato laboral.
Uma
leitura do artigo celetário supramencionado, ainda que a vôo de pássaro,
confirma tal entendimento, verbis:
"Art.
31 - Aos portadores de [sic] Carteiras de Trabalho e Previdência Social
assegurado o direito de as apresentar [sic] aos órgãos autorizados, para o fim
de ser anotado o que for cabível, não podendo ser recusada a solicitação, nem
cobrado emolumento não previsto em lei. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº. 926,
de 10.10.1969)".
O
disciplinamento contratual de qualificação profissional do empregado para o
exercício das suas funções na empresa não deve, em momento algum, ser
equiparado ao disciplinamento legal próprio relativo à respectiva formação
acadêmica, tanto em termos técnicos referentes ao Ensino Médio, quanto em
termos científicos à nível do Ensino Superior propriamente dito. Enquanto este
último diz respeito às exigências legais relativas à habilitação
técnico-profissional do obreiro no âmbito acadêmico, aquele se refere à
normatividade contratual - tanto na vestuta CLT, quanto na legislação laboral
extravagante - que estabelece parâmetros funcionais de acordo com a formação
profissional específico do empregado.
Finalizo
este artigo destacando que entendo que os órgãos fiscalizadores-regulatórios
das profissões liberais (OAB, CREA, CRM, etc.), nos limites estabelecidos pela
lei, podem e devem fiscalizar se os respectivos profissionais (advogados,
engenheiros, médicos, etc.) estão atuando conforme a sua capacitação
profissional, como também devem agir com todo o rigor que a legislação permitir
quando se depararem com empresas que desrespeitam as prerrogativas legais que tais
profissionais têm.
Notas
(1)O
entendimento pretoriano em epígrafe foi firmado no Recurso de Revista nº.
RR-5.286/1986, tendo sido Relator o Excelentíssimo Senhor Ministro Nelson
Tapajós.
(2)Nunca
é demais lembrar que o Direito Comum tem aplicação subsidiária no Direito do
Trabalho naquilo em que aquele for compatível com este, por força do disposto
no artigo 8º. celetário.
Nesta
medida, o artigo 422 do novo Código Civil estabelece que as partes
contratantes, quando da execução do contrato, devem observar o princípio da
boa-fé.
(3)GOMES,
Orlando: Curso de Direito do Trabalho. pág. 135.
(4)Tal
entendimento jurisprudencial do órgão de cúpula da Justiça do Trabalho foi
proferido nos Embargos ao Recurso de Revista nº. ERR-5.399/80, tendo sido
Relator o Excelentíssimo Senhor Ministro José Ajuricaba da Costa e Silva.
(5)O
eminente jurista Eduardo G. Saad preleciona que "embora a desídia se
prove, na maioria dos casos, através de atos repetidos, é admissível a sua
caracterização com um único fato." (in SAAD, Eduardo
Gabriel: CLT Comentada. pág. 426).
Referências bibliográficas
I.Legislação
BRASIL:
Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05.10.1988.
BRASIL:
Decreto-Lei nº. 5.452, de 01.05.1943. Aprova a Consolidação das Leis do
Trabalho.
BRASIL:
Lei nº. 10.406, de 10.01.2002. Institui o Código Civil.
II.Obras
Doutrinárias
GOMES,
Orlando: Curso de Direito do Trabalho. 14ª. ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense,
1996.
SAAD,
Eduardo Gabriel: CLT Comentada. 38ª. ed. São Paulo: Ed. LTr., 2005.
III.Site
Jurídico
Acesso em: 06 de outubro de 2005
Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6992