Acidente
ou doença do trabalho.
Demanda
reparatória contra o empregador. Competência jurisdicional
José Roberto Lino Machado *
Diante da Emenda Constitucional nº 45, de 8 de
dezembro de 2004, publicada no DOU de 31 de dezembro de 2004, que deu nova
redação ao art. 114 da CF, cujo caput passou a conter o inciso VI - de tal arte
que passa à competência da Justiça do Trabalho processar e julgar "as
ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de
trabalho" -, deixou esta Corte de ser competente para o julgamento do
recurso ora sob exame. Como se trata de incompetência absoluta, em razão da
matéria, aplica-se a exceção prevista no art. 87 do CPC (ver também art. 91 do
CPC). A regra incide até mesmo sobre os processos em execução de sentença: é o
que ressuma da Súmula 10 do STJ: "Instalada a Junta de Conciliação e
Julgamento, cessa a competência do Juiz de Direito em matéria trabalhista,
inclusive para a execução das sentenças por ele proferidas". No mesmo
sentido da tese exposta, acórdão do STJ, relatado pelo Ministro Sálvio de
Figueiredo, noticiado por Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa nos
seguintes termos: "A alteração de competência ´´ratione materiae´´ tem
aplicação imediata, se não ressalvada na lei que trouxe a modificação, e se
aplica independentemente da fase em que se encontre o processo" (Código de
Processo Civil e legislação processual em vigor, 36ª ed., São Paulo: Saraiva,
2004, nota 4 ao art. 87 do CPC).
Não é possível, à vista da redação atual do
art. 114 da CF, interpretar-se extensivamente a expressão acidentes de trabalho
no art. 109, caput, I, da CF para estendê-la a toda e qualquer ação que tenha
como componente de sua causa de pedir fato constitutivo um acidente de
trabalho. Aliás, ainda na vigência da redação anterior do art. 114 da CF, no
exame de ação de reparação de danos movida pelo empregado contra empresa
pública, tive oportunidade de examinar a questão nos seguintes termos:
"Quando o art. 109, caput, I, da CF, exclui da competência da Justiça do
Trabalho as ações de acidente de trabalho, está se referindo às ações visando
ao recebimento do seguro do trabalho (previsto nos arts. 7º, XXVIII; e 201, §
10, da CF) nas hipóteses nas quais seguradora seja a União, entidade autárquica
ou empresa pública federais; não está se referindo, porém, às ações fundadas na
responsabilidade civil extracontratual destas pessoas jurídicas.
Costumeiramente, tem-se entendido nos meios jurídicos nacionais, por ação
acidentária a que o segurado ou seus dependentes movem contra o INSS para o
recebimento do seguro social ao qual se julgam com direito. As ações contra o
empregador, embora de natureza acidentária a causa de pedir, costumam ser
denominadas ação de responsabilidade civil. É certo que, geralmente, pouco
importa a denominação de uma ação, mas a relevância do vocabulário usualmente
empregado surge, no caso sob exame, do fato de a expressão acidente de trabalho
ter sido utilizada pelo legislador constituinte: de supor-se que o legislador
usou a expressão no seu sentido costumeiro, principalmente porque está
excepcionando a competência da Justiça Federal em relação à União, às entidades
autárquicas e empresas públicas federais." (AI nº 807.143.0.5). Agora está
claro: as ações excluídas da competência dos juízes federais são tanto as de
acidente de trabalho (de competência da Justiça Estadual) como as ações
sujeitas à Justiça do Trabalho.
Não vejo, por enquanto, razão suficiente para
alterar o que vem de ser dito por causa do pronunciamento em sentido contrário
proferido, em 9 de março de 2005, pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso
Extraordinário nº 438.639, de Minas Gerais (recorrente: Mineração Morro Velho
Ltda.; recorrido: Adão Carvalho dos Santos).
Em primeiro lugar, não foi publicado
oficialmente o teor do acórdão e dos votos divergentes para que seja possível
avaliar o seu alcance. Em segundo lugar, trata-se do primeiro julgamento sobre
a matéria, à luz da Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004,
feito pelo STF, apesar de que o tenha feito por seu plenário (além de não se
tratar de norma sumulada a que ressuma do referido julgamento, para que
houvesse "súmula vinculante" seria imprescindível o registro de
"controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração
pública", a qual tivesse sido objeto de "reiteradas decisões" da
Corte Suprema: ver art. 103-A, caput e § 1º, da CF, na redação dada pela Emenda
45/05). Em terceiro lugar, como se viu acima, os argumentos que levaram esta
Câmara a abdicar da competência para o julgamento das ações de ressarcimento de
danos movidas pelos empregados (ou ex-empregados) contra sua empregadora (ou
ex-empregadora) são suficientemente sérios para que não se veja postura
contestatória da proeminência devida ao Supremo Tribunal Federal: pelo
contrário, defende-se com firmeza a convicção contrária ao seu julgamento
primeiro e, ainda, solitário, porque possível, e, por isso, dever de ofício,
contribuir para o aprimoramento da interpretação do texto constitucional, que,
em último grau jurisdicional, incumbe àquela egrégia corte. Aliás, antes de
vigente a EC 45/05, a então Sexta Câmara do extinto Segundo Tribunal de Alçada
Civil sustentava, à vista do texto da Súmula 736 do STF, sua competência para o
julgamento das ações de ressarcimento de danos decorrentes de acidente do
trabalho, o que também afasta qualquer suspeita de interpretação motivada pela
intenção subjacente de livrar-se de parte significativa do seu acervo de autos
à espera de distribuição.
Com a finalidade de contribuir para o
aprofundamento do estudo da matéria em pauta, seguem as seguintes considerações
adicionais:
1ª) Não é certo que a competência da justiça
estadual para o julgamento das lides resultantes de acidente do trabalho
acarretará pronunciamentos díspares sobre o mesmo fato histórico: o juiz da
ação de reparação de danos não se vincula ao julgamento do juiz da ação
acidentária movida contra o INSS (partes diferentes, como se vê) e vice-versa.
Aliás, no Estado de São Paulo, até há poucos anos, era do Tribunal de Justiça a
competência para julgar as ações de reparação de danos contra o empregador, e
do Segundo Tribunal de Alçada Civil a competência para julgar as ações de
acidente do trabalho contra o INSS. De acordo com a Resolução nº 1, de 27 de
dezembro de 1971, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, competia ao
Segundo Tribunal de Alçada Civil julgar em grau de recurso "as ações de
acidente do trabalho" (art. 42, "f"). De acordo com a Resolução
nº 2, de 15 de dezembro de 1976, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
continua do Segundo Tribunal de Alçada Civil a competência para julgar em grau
de recurso "as ações de acidentes do trabalho" (art. 13,
"e"). Tais ações sempre foram consideradas como as movidas pelo empregado
contra o INSS. De qualquer modo, na Constituição do Estado de São Paulo, de 5
de outubro de 1989, ficou definido que aos Tribunais de Alçada competiria em
grau de recurso processar e julgar "as ações de acidentes do
trabalho", entre outras elencadas no art. 79, sem prejuízo de "outros
feitos definidos em lei". Entre os Tribunais de Alçada a competência seria
distribuída por resolução do Tribunal de Justiça (art. 79, § 2º). A Lei
Complementar estadual nº 225, de 13 de novembro de 1979, manteve a competência
do Segundo Tribunal de Alçada Civil para "as ações relativas a acidentes
do trabalho" (art. 16, caput, II, "a"). O Provimento n° 24, de
15 de janeiro de 1980, do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, continuou dando ao Segundo Tribunal de Alçada Civil competência para
julgar "ação de acidente do trabalho", tendo deixado para competência
da Primeira Seção Civil do Tribunal de Justiça o julgamento das ações de
"responsabilidade civil em geral", na qual se incluía a ação do
empregado (ou do ex-empregado) contra a sua empregadora (ou ex-empregadora)
para obter o ressarcimento de danos decorrentes de acidente do trabalho. O
Provimento nº 29, de 20 de fevereiro de 1984, claramente definiu como
competência da Primeira Seção Civil do Tribunal de Justiça o julgamento de
"ações derivadas de acidente do trabalho, fundadas no Direito comum",
ao mesmo tempo em que manteve a competência do Segundo Tribunal de Alçada Civil
para ao julgamento de "ação de acidente do trabalho". Mais claro não
podia ter sido o Provimento nº 35, de 18 de dezembro de 1992, ao fixar a
competência da Primeira Seção Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo para o julgamento das "ações derivadas de acidente de trabalho,
fundadas no Direito Comum, excluídas as ações de acidente de trabalho (artigo
643, § 2º, da CLT e Súmula nº 501 do então STF), cuja competência recursal
pertence ao 2º Tribunal de Alçada Civil". Foi a Lei Complementar estadual
nº 822, de 13 de outubro de 1997, que incluiu na competência dos Tribunais de
Alçada Civil, o julgamento de "ações relativas a acidente do trabalho,
fundadas no direito especial ou comum, bem como as de prevenção de acidentes e
segurança do trabalho" (art. 1º, XIII). Antes disso, as ações de
ressarcimento de danos fundadas no direito comum vinham sendo julgadas pelo
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo enquanto as ações acidentárias eram
julgadas pelo Segundo Tribunal de Alçada Civil. Nunca a falta de unidade de
jurisdição de ambos os tipos de ações foi vista como causadora de duplicidade
de pronunciamentos sobre o mesmo fato histórico. Nem quando a competência para
o julgamento de ambos os tipos de ações passou a ser do Segundo Tribunal de
Alçada Civil (Resolução nº 102, de outubro de 1997, do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo), jamais se pensou em prevenção da Câmara julgadora da ação
acidentária para o julgamento da ação de ressarcimento de danos ou vice-versa,
nem se pensou, mesmo porque isso contrariaria o Código de Processo Civil, que o
julgamento de uma das ações interferisse, necessariamente, no julgamento da
outra. Em primeiro grau de jurisdição, o Código Judiciário do Estado de São
Paulo, aprovado pelo Decreto-lei Complementar nº 3, de 27 de agosto de 1969,
atribuiu aos Juízes das Varas de Acidente do Trabalho competência para
"processar, julgar e executar as questões relativas a acidente de
trabalho, previstas na legislação federal, e seus incidentes, inclusive cumprir
precatórias expedidas em causas dessa natureza" (art. 40), sem prejuízo da
competência das varas cíveis da Capital para o julgamento das ações de
ressarcimento de danos movidas contra a empregadora. Ao contrário, parece muito
mais sensato que o empregado possa, na mesma reclamação trabalhista movida
contra seu empregador, também pleitear o ressarcimento dos danos materiais e
morais do qual se julgue credor (aliás é ao juiz trabalhista que incumbe julgar
o pleito de adicional de periculosidade ou de insalubridade). Vê-se que mais
risco de duplicidade de interpretação das conseqüências do mesmo fato histórico
corre o julgamento de parte da pretensão do reclamante na Justiça do Trabalho e
parte na Justiça Comum, uma podendo encontrar insalubridade do ambiente laboral
e outra negar essa insalubridade.
2ª) Não há dicotomia de competência para o
julgamento da ação de ressarcimento de danos materiais e da ação de
ressarcimento de danos morais, pois a Emenda Constitucional nº 45 deu a
competência para o julgamento de ambas as ações à Justiça do Trabalho (nova
redação dada ao art. 114, caput, VI, da CF).
3ª) Tampouco tem relevância a argüição de
faltarem juízes do trabalho em várias comarcas, a qual não tem natureza
jurídica e nem mesmo prática, à vista do que está disposto no art. art. 112 da
CF, na redação que lhe deu a EC 45/04: "A lei criará varas da Justiça do
Trabalho, podendo, nas comarcas não abrangidas por sua jurisdição, atribuí-la
aos juízes de direito, com recurso para o respectivo Tribunal Regional do
Trabalho".
* Desembargador,
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Disponível
em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6659