® BuscaLegis.ccj.ufsc.Br
Georgenor de Sousa Franco Filho
Juiz Togado do TRT da 8ª Região
Professor Titular de Direito Internacional e Direito do Trabalho da
Universidade da Amazônia (UNAMA)
conferência proferida no II Congresso Brasiliense de Direito
Constitucional,
promovido pelo Instituto Brasiliense de Direito Público em Brasília, dia
28.10.1999
I.
INTRODUÇÃO
Inicialmente,
devo começar agradecendo. Creio que essa é uma das poucas virtudes que todos
devemos conservar. E quero, então, neste exórdio, agradecer ao meu dileto amigo
Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho e ao ilustre Prof. Inocêncio
Mártires Coelho, que me proporcionaram retornar a Brasília, e, ao lado desses
ilustres juristas: Amauri Mascaro Nascimento, professor de todos nós, Hugo
Gueiros Bernardes e Salvador Perez del Castillo, além do eminente Ministro Ives
Gandra da Silva Martins Filho, integrar este painel.
O
tema deste painel é induvidosamente palpitante e que está a exigir a reflexão
de todos nós, e pretendo trazer minha contribuição a esse debate.
II.
A PROPOSTA DA RELATORA
Quero
basear minha exposição a partir do parecer da Deputada Zulaiê Cobra Ribeiro,
apresentado, na condição de Relatora, à Comissão de Reforma da Estrutura do
Poder Judiciário, relativa à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº
96-A/92, em setembro deste ano, pretendendo novas alterações na Constituição da
República de 1988 (CR/88), considerando, sobretudo, sua complementação de voto.
Destacarei
alguns dos pontos que, sob a minha ótica, são mais relevantes relativos ao
Poder Judiciário em geral e à Justiça do Trabalho em particular.
Observo,
de plano, que, ao contrário do parecer do Relator anterior, Deputado Aloysio
Nunes Ferreira, a proposta atual conserva a Justiça do Trabalho, conquanto
alterando, substancial e oportunamente, sua competência. Afinal, a proposta de
extinção pura e simples da Justiça do Trabalho, muito ao contrário de
representar um enxugamento da máquina do Judiciário, acarretaria em retirar da
sociedade brasileira o segmento desse Poder que melhor cuida das graves
questões sociais que atingem nosso país.
Os
pontos que pretendo considerar são:
controle
externo da magistratura
Juizados
especiais trabalhistas
Extinção
da representação classista
Comissões
extrajudiciais de solução de conflitos
Poder
normativo da Justiça do Trabalho
Extinção
do jus postulandi
Nova
estrutura da Justiça do Trabalho
Justiça
do Trabalho itinerante e descentralizada
Tratados
sobre direitos humanos
Controle
Externo
O
tema relativo ao controle externo da magistratura é representado pela proposta
de criação do Conselho Nacional de Justiça (novo art. 103-A, CR/88).
Relativamente
a esse Conselho, sua atividade deve ser cuidadosamente desenvolvida, de modo a
que não venham a sofrer os juízes de instâncias inferiores pressões de ordem
política, que possam vir a prejudicar suas decisões.
A
meu ver, a composição do Conselho deve ser alterada, a fim de ser acrescentado
de, pelo menos, um representante da Justiça do Trabalho de 2º grau, na trilha
que é proposta para o Superior Tribunal de Justiça, que deverá indicar quatro
representantes: um Ministro do STJ, um Desembargador de Tribunal de Justiça, um
Juiz Federal e um Juiz Estadual.
Noto,
todavia, que, a rigor, seria desnecessário criá-lo a partir de que fossem
fortalecidas as atividades das Corregedorias dos Tribunais, cuja atuação
presentemente tem se limitado à expedição de provimentos e de recomendações sem
qualquer força cogente junto aos juízes de 1º grau.
Juizados
Especiais Trabalhistas
O
parecer apresentado propõe a criação de Juizados Especiais que terão
competência para conciliar, julgar e executar causas trabalhistas (novo art.
98, § 1º, CR/88). A composição, certamente, deverá observar a regra dos
juizados especiais civis, tratados no art. 98, I, da proposta, isto é, com
juízes togados e leigos.
Trata-se
de proposta de reforma tópica, absolutamente desnecessária, porque não promove
o descongestionamento da Justiça do Trabalho, mas, antes, cria mais um entrave
ao sugerir novo órgão julgador. Considere-se, no particular, que a grande
maioria das ações que tramitam perante as 1.109 JCJs brasileiras são de pequena
monta, o que justifica, sim, - e com urgência, - que se retomem as regras
processuais contidas na nossa cinqüentenária CLT, e que o art. 769 consolidado
seja utilizado como verdadeiramente foi redigido, ou seja, que as normas
adjetivas comuns sejam fonte subsidiária e não principal do processo do
trabalho.
Acredito
que esse Juizados Especiais são verdadeiro absurdo. E não são poucos os que
pensam em, para melhorar as condições da Justiça do Trabalho, tomar o modelo de
sucesso dos Juizados Especiais de Pequenas Causas e transplantá-lo para o
Judiciário trabalhista. E dizem: "assim a Justiça do Trabalho será
célere!". Seria cômico se não fosse sério, mas estamos diante do quadro
dantesco da criatura (os Juizados Especiais de Pequenas Causas) servir de fonte
de inspiração ao seu próprio criador, porque foi no modelo da Justiça do
Trabalho que foi colhida a inspiração para seu surgimento.
Ademais,
se a proposta objetiva –, como será visto adiante, - o fim da representação
classista, não encontro justificativa para conservar os juízes leigos, mesmo a
título honorífico e sem remuneração.
De
outro lado, cria esse dispositivo uma nova instância julgadora: turmas de
juízes de primeiro grau (novo art. 98, I). Ora, esse Tribunal de 1º grau não
representará nenhuma melhoria na entrega da prestação jurisdicional. Ao
contrário, significará um acréscimo de despesas aos cofres públicos por várias
razões. Primus, a maioria das cidades brasileiras possuem apenas uma Junta de
Conciliação e Julgamento. Para reunir, esse Tribunal necessitará ser composto
por juízes de cidades diferentes, o que importará em despesas com deslocamento
e diárias. Secundo, nos locais onde forem instalados, terá de haver
indispensável adaptação de salas e de toda a infra-estrutura necessária ao seu
regular funcionamento. Tertius, do ponto de vista da celeridade processual,
teremos o acréscimo, absolutamente desnecessário, de mais uma instância
recursal, sobretudo se for versada matéria constitucional. Assim, ao invés das
atuais quatro instâncias, estaremos com cinco instâncias (Juntas de Conciliação
e Julgamento (JCJ), Tribunais de 1º grau, TRTs, TST e STF).
Extinção
da representação classista
Propõe
o relatório apresentado o fim da representação classista na Justiça do
Trabalho, em todas as instâncias (novo art. 49). Os debates acerca da
existência dos juízes classistas vêm de longa data, sendo desnecessário elencar
os argumentos favoráveis e contrários à sua existência.
O
que, a meu ver, é relevante abordar é a regra que figurava no Parágrafo Único
do art. 50 da proposta originalmente apresentada, segundo o qual "os
atuais Ministros e Juízes classistas ficarão em disponibilidade remunerada até
o término do respectivo mandato".
A
situação que se apresentava era inadequada. Se tivessem de observar o restante
do respectivo mandato, deveriam fazê-lo desempenhando suas atividades
regulares, recebendo distribuição normal, despachando os processos recebidos,
proferindo seus votos, participando dos julgamentos, até que se completasse o
período do exercício desse munus público. É certo, neste ponto, que existe a
questão da paridade. No entanto, esse aspecto pode ser afastado considerando
que, podem ser convocados os seus suplentes para suprir a falta do titular.
Agora,
o art. 49 proposto simplesmente prega a extinção da representação classista, no
entanto, não trata da destinação de suas vagas, que, a meu ver, deveriam, no
caso dos Tribunais Superior e Regionais, passar a ser ocupadas por juízes
togados, mantendo o mesmo número de julgadores nessas cortes, extintas apenas
as vagas nos futuros juizados trabalhistas de 1º grau.
Comissões
extrajudiciais de solução de conflitos
A
proposta apresentada pretende a introdução de órgãos de conciliação, mediação e
arbitragem (novo art. 116 da CR/88), com a seguinte redação:
Art.
116 (NR) – A lei criará órgãos de conciliação, mediação e arbitragem, sem
caráter jurisdicional e sem ônus para os cofres públicos, com representação de
trabalhadores e empregadores, que terão competência para conhecer de conflitos
individuais de trabalho, no prazo legal.
Parágrafo
único - A propositura do dissídio perante os órgãos previstos no caput
interromperá a contagem do prazo prescricional do art. 7º, XXIX.
Não
se trata de inovação. Ao contrário, tramita, há algum tempo, no Congresso
Nacional o Projeto de Lei nº 4694/98, que objetiva a mesma coisa, e que foi
votado dia 21 passado, sendo aprovado, com alterações, pela Câmara dos
Deputados.
A
diferença entre ambos é que, no projeto de lei, no texto submetido à votação,
era proposta a criação de Comissões de Conciliação Prévia, em empresas com mais
de 200 empregados, com a participação dos sindicatos. O que resultou aprovado
foi o caráter facultativo na constituição dessas comissões, possível por grupos
de empresas, sem exigência de número de empregados, podendo mesmo até possuir
caráter intersindical (cf. Gazeta Mercantil, ed. de 22.10.99, p. A-7). A meu
ver, data venia, a facultatividade esvazia grandemente a intenção do
legislador, pela sabida tradição brasileira de preferir as disputas litigiosas.
No parecer que se examina, os órgãos não são apenas de conciliação, mas
ampliados também para decidir mediante mediação e arbitragem, sem qualquer
referência à participação de sindicatos na eleição e composição desses
colegiados.
A
proposta não fixa prazo para o trabalhador recorrer a esse órgão. Diz que este
é o legal, o que desloca para a lei ordinária, donde, por presunção, deve ser
no limite da prescrição bienal. Note-se, neste aspecto, que o parágrafo único
trata de interrupção da prescrição nos mesmos moldes do projeto de lei.
Nesse
projeto de lei, ao cuidar da renúncia do empregado de acesso à Comissão, é
exigida a comprovação dessa recusa pelo próprio órgão, o que, certamente, é um
apreciável incentivo à implantação de meios extrajudiciais de solução de
divergências, que devem ser implementados e incentivados, porquanto, por
reconhecida tradição, mecanismos dessa natureza ainda não adquiriram a
necessária confiança do brasileiro, mais afeito às soluções jurisdicionais,
sendo, portanto, forma salutar que merece aplausos e incentivo.
Acredito
que a proposta contida, originalmente, no Projeto de Lei nº 4694/98 seria mais
adequada que a que terminou aprovada e a do parecer apresentado, ressaltando,
no particular, a grande relevância que deve ser dada à atuação das entidades
sindicais, cuja responsabilidade deve ser incentivada e ampliada, a fim de que
essas entidades, representativas de importante segmento da sociedade, possam
desempenhar melhor seu papel.
Tomando
por base a Proposta de Emenda Constitucional, imagino que seria sugerível a
ampliação da atuação das Comissões tratadas no Projeto de Lei nº 4694/98, para
incluir, também, a possibilidade da prática da mediação e da arbitragem em
matéria individual, que está prevista no art. 114 da CR/88, para questões
coletivas.
Neste
ponto, interessante observar a regra que pretende o novo art. 98, §5º, do
parecer. Dispõe esse dispositivo que, verbis:
Art.
98, § 5º - Ressalvadas as entidades de direito público, os interessados em
resolver seus conflitos de interesse poderão valer-se do juízo arbitral, na
forma da lei.
Esse
dispositivo trata, no caput, da criação de juizados especiais. O preceito em
exame exclui entes de Direito Público (administração direta e indireta), da
mesma forma como o juízo arbitral exclui juízo natural.
Acredito,
no particular, de grande e louvável alcance esse preceito, este sim, realmente
desafogador do Poder Judiciário, verificando, todavia, que, ao referir na forma
da lei, o que teremos é a aplicação da Lei nº 9307/96, destinada à arbitragem
comercial, mas que se pode aplicar perfeitamente à arbitragem em matéria
trabalhista, à falta de norma específica para cada situação.
Poder
normativo da Justiça do Trabalho
Estão
sendo propostos limites ao poder normativo da Justiça do Trabalho. Esse
sistema, que já teve sua época de ampla utilização, vem, pouco a pouco, tendo
sua importância reduzida, por iniciativa dos próprios interlocutores sociais e
pela ação da Justiça do Trabalho, em exigir, através da Instrução Normativa nº
4, do C. TST, a adoção de uma série de pressupostos para admitir o ajuizamento
de dissídio coletivo.
Ao
ter sido reduzido o poder normativo da Justiça do Trabalho, limitado à greve em
atividades essenciais, com possibilidade de lesão ao interesse público,
acredito que não se atentou para a realidade brasileira. Existem dificuldades
de várias ordens. A uma, nosso país está pulverizado de sindicatos de todos os
matizes, geralmente fracos e sem poder algum de barganha. Segundo o Ministério
do Trabalho, existem aproximadamente 20.000 sindicatos no Brasil. A duas, há
evidente dificuldade legislativa em implementar preceitos constitucionais
programáticos, donde, o que se tem conseguido, então, é a criação de normas
surgidas, ou, autonomamente, mediante negociação coletiva direta, ou através do
poder normativo da Justiça do Trabalho. A três, porque a proposta limita a
legitimidade para ajuizamento do dissídio coletivo apenas ao Ministério Público
do Trabalho, quando, às vezes, e considerando as distâncias e a realidade
brasileira, poderia ser atribuída também a outros segmentos da sociedade.
Deveria,
a meu ver, ser conservado o poder normativo da Justiça do Trabalho, com
alterações oportunas, de modo a suprir a omissão legislativa de um lado, e
superar dificuldades momentâneas de outro. Sobretudo, até que a estrutura
sindical brasileira esteja verdadeiramente sólida e, adiante, limitado aos
dissídios de natureza jurídica, eis que o cerne da questão que baliza o fim do
poder normativo está nos dissídios de natureza econômica, pelos gravames que
eventual decisão da Justiça do Trabalho possa trazer à economia nacional.
Assim,
pode até ser recomendável até mesmo sua abolição futura, mas deve ser
processada de forma homeopática, observando, necessariamente, as peculiaridades
regionais.
Extinção
do jus postulandi
É
uma das principais peculiaridades do processo do trabalho o jus postulandi das
partes, e uma antiga reivindicação da nobre classe dos advogados sua extinção.
Não
está expresso seu término na proposta apresentada. No entanto, o art. 133 da
CR/88 ganhará nova redação e a indispensabilidade do advogado não será mais nos
termos da lei, como atualmente se encontra, mas nos termos do estatuto do
advogado.
Se
for assim, a lei não poderá mais ser interpretada como sendo a CLT, em seu art.
839, mas lei própria, qual o Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906, de
04.julho.1994), por corolário, não poderá o trabalhador dos rincões distantes
do Brasil buscar a proteção da Justiça do Trabalho moto proprio, mas apenas se
assistido de advogado. Creio que não é recomendável esse mecanismo. Volto a assinalar
a necessidade de ser ter a realidade brasileira como parâmetro para uma
alteração legislativa dessa ordem. Nesses vários Brasis em que se divide o
Brasil, locais existem que sequer possuem advogados em número suficiente,
embora possuam JCJs para atender a demanda trabalhista. Ademais, existem
reclamações trabalhistas de valor pequeno ou mesmo sem valoração pecuniária que
enseje à percepção de honorários advocatícios, mas que possuem importante
repercussão na vida do obreiro: anulação de penas de advertência e de
suspensão; anotação em CTPS, dentre outros.
Haverá
dificuldade de encontrar um causídico que se disponha a esse serviço. O
trabalhador, então, terá obstado seu acesso à Justiça, porque sem assistência
de advogado. Importa, então, rever essa postura, a fim de que o direito
insculpido no art. 5º, nº XXXV, da Lei Fundamental, seja garantido.
Nova
estrutura da Justiça do Trabalho
Segundo
o art. 51 da proposta original da ilustre Deputada Zulaiê Cobra, deveriam ser
extintos os Tribunais Regionais do Trabalho que, a 31.dezembro.1999, possuíssem
menos de 15 JCJs. A complementação que efetuou, e em boa hora, veio rever essa
posição, e não poderia ser de outra forma.
Não
se poderia retirar a estrutura existente, e que funciona adequadamente. Com as
características exigidas, existem apenas cinco TRTs em situação dessa natureza,
quais os sediados nos Estados do Maranhão (16ª Região), das Alagoas (19ª
Região), de Sergipe (20ª Região), do Piauí (22ª Região) e do Mato Grosso (23ª
Região). Porém, existem inúmeros aspectos devem ser considerar e que parece
terem sido levados em conta, tanto que a proposta inicial foi eliminada na
complementação de voto.
São
vários os destaques que podem ser considerados.
Primeiro,
afora as JCJs, existem juizados de direito investidos de jurisdição trabalhista
que são, ultima ratio, órgãos de 1º grau da Justiça do Trabalho, e cujas
decisões são susceptíveis de recurso ao TRT respectivo.
Segundo,
porque desprivilegiar alguns Estados em nome de uma pseudo-regionalização da
Justiça do Trabalho, quando os Tribunais Regionais Eleitorais, v.g., são
regionais no nome e, estaduais na atividade.
Terceiro,
muito ao contrário de extinguir Regionais, que garantem a celeridade na entrega
da prestação jurisdicional, encurtam as imensas distâncias brasileiras e
aproximam as instâncias recursais do cidadão, o que é necessário é a criação,
em nome do princípio federativo, dos TRTs que faltam em Estados que não foram
lembrados até o momento. Não há TRTs nos Estados do Acre, do Amapá, de Roraima
e do Tocantins. Ou seja, ao invés de acabar com os existentes, desmontando toda
uma estrutura que levou anos para ser construída, - e que, felizmente, não vai
mais ocorrer, - deveriam, sim, ser criados os TRTs que estão faltando em nosso
país.
Considere-se,
ainda, dentro desse aspecto, que a competência constitucional para propor
mudanças na estrutura da Justiça do Trabalho somente pode decorrer de
iniciativa do C. Tribunal Superior do Trabalho (atual art. 96, II, c, da
CR/88), e, ao que se sabe, não pretende aquela Corte Superior apresentar
projeto dessa natureza. O constituinte derivado, data venia, não pode proceder
dessa forma, porque o preceito constitucional é cláusula pétrea, a uma porque
fruto do entendimento do constituinte originário; a duas, porque qualquer
alteração desse porte importará em interferência direta de um em outro Poder da
República, o que não é cabível, pena de vulneração do art. 2º da CR.
O
novo texto proposto é salutar, ao prever, no novo art. 113, § 1º, que, verbis:
"Art.
113 – omissis
§ 1º
- A lei somente criará Tribunais Regionais do Trabalho quando demonstrada a
efetiva necessidade do órgão, considerando-se o número de habitantes e de
processos trabalhistas".
Adequado,
mas que não deve ensejar a que se olvide o aspecto destacado acima da ausência
de quatro TRTs em quatro Estados da Federação.
Justiça
do Trabalho itinerante e descentralizada
A
nova proposta apresentada traz interessante dispositivo, que se ajusta,
perfeitamente, à realidade brasileira. Trata-se do disposto nos §§ 2º e 3º do
novo art. 113, verbis:
"Art.
113 – omissis
.....................................................................................
§ 2º
- Os Tribunais Regionais do Trabalho instalarão a justiça itinerante, com a
realização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos
limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos
públicos e comunitários.
§ 3º
- Os Tribunais Regionais do Trabalho poderão funcionar descentralizadamente,
constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do
jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo"
Os
preceitos revelam duas situações distintas: Justiça do Trabalho itinerante e
Justiça do Trabalho descentralizada.
Quanto
à última, devemos considerar seu alto alcance social, sobretudo nas regiões
onde a demanda pelo Judiciário é grande (no centro-sul-sudeste brasileiro,
especialmente), ou onde o acesso rodoviário, aéreo ou fluvial é deficiente ou
oneroso (no norte e no nordeste do país). As dificuldades devem ficar à conta
do deslocamento oneroso, mas, os resultados positivos devem ser mais
acentuados, além de se possibilitar, justamente à Justiça do Trabalho, pelo seu
altíssimo alcance social, sua aproximação do jurisdicionado (trabalhadores e
empregadores), levando, mais celeremente, a solução, à nível recursal, das
demandas trabalhistas.
Quanto
ao primeiro, o caráter itinerante do Judiciário Trabalhista, não se trata de
novidade alguma, tendo sido previsto no Lei nº 6947, de 17.9.1981, cujo § 3º do
art. 2º dispunha, verbis:
Art.
2º omissis
....................................................................................
§ 3º
- Para conveniência da distribuição da Justiça, em jurisdições de grandes
distâncias a percorrer, o Tribunal Regional do Trabalho poderá regular o
deslocamento de Junta, com recursos próprios, visando ao recebimento de
reclamações e à realização de audiências".
Com
efeito, pelo menos em termos de Justiça do Trabalho da 8ª Região, cujo Regional
é sediado em Belém, e que jurisdiciona os Estados do Pará e do Amapá, essa
prática vem de longe data, tendo merecido, em passado não muito remoto, elogios
da comunidade pela iniciativa exitosa que realizou, e que, face problemas
conjunturais, não foi possível prosseguir. A 11 de abril de 1986, o então
Presidente do TRT da 8ª Região, Juiz Prof. Pedro Thamaturgo Soriano de Mello,
agora aposentado, fez inaugurar a lancha Justiça do Trabalho. Essa embarcação,
que percorreu os muitos rios da Amazônia, possuía 15 metros de comprimento por
cinco de largura, equipada com sala de audiências, gabinete de Juiz,
Secretaria, sala de espera, copa, cozinha, alojamento para 12 pessoas, todos
com sistema de ar condicionado. Durante vários anos, a lancha Justiça do
Trabalho atendeu ao jurisdicionado na região amazônica, sobretudo os que
desenvolviam atividades nos municípios situados na calha do rio Tocantins,
especialmente Abaetetuba e Tucuruí, apreciando várias centenas de reclamações
trabalhistas. A falta de recursos impediu que essa iniciativa pioneira se
prosseguisse, e a embarcação acabou sendo, em setembro de 1993, doada à Polícia
Federal, e entregue a 22 de outubro daquele ano.
Outras
demonstrações salutares do caráter itinerante da Justiça do Trabalho são,
igualmente, da 8ª Região. No início da década de 80, quando a 8ª Região ainda
jurisdicionava toda a vasta região amazônica, foi operacionalizada uma junta
itinerante em Parintins, com o então titular daquele órgão, Juiz aposentado
Hermes Tupinambá, atendendo a população ribeirinha, dos municípios
jurisdicionados pela JCJ daquela cidade do Estado do Amazonas, em barcos da
localidade.
Recentemente,
na JCJ de Breves, situada na Ilha do Marajó, a Juíza Presidente do órgão, Dra.
Maria de Nazaré Medeiros Rocha, atendendo solicitação de autoridades de
Municípios vizinhos sob os quais possui jurisdição trabalhista, tem realizado
deslocamento da Junta para atender à demanda local de reclamações trabalhistas.
Assim, em expediente dirigido à Corregedoria Regional, da qual sou Titular,
comunicou sua atuação, mediante deslocamento, aos Municípios de São Sebastião
da Boa Vista e Curralinho, distantes, respectivamente, 6 e 4 horas de barco do
Município sede da Junta, e, proximamente, fará deslocamento para o Município de
Oeiras do Pará, a 3 horas de barco, a exemplo do que fez no Município de
Melgaço, em maio deste ano, que dista 4 horas de barco de Breves. Demonstrada
está, então, que providência pretendida é salutar e já vem sendo praticada,
exitosamente, no Brasil, pela Justiça do Trabalho da 8ª Região.
Tratados
sobre Direitos Humanos
O
Projeto apresentado introduz novo parágrafo, o § 3º, ao art. 5º do nosso Código
Político Máximo, com a seguinte redação, verbis:
Art.
5º - omissis
.....................................................................................
§ 3º
- Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados, em
cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos
respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais,
condicionada à aplicação pela outra parte"
Quem
aplicará esses tratados internacionais será o Poder Judiciário, inclusive a
Justiça do Trabalho, máxime se considerarmos que os direitos sociais, aqueles
que se destinam aos trabalhadores, são, na sua essência, direitos humanos,
classificados como direitos de segunda geração.
Com
efeito, algumas sugestões podem ser apresentadas para o aperfeiçoamento do
texto, como, aliás, tive oportunidade de fazer, por ocasião da reunião do
Colégio de Presidentes e Corregedores dos TRTs, em Florianópolis, em setembro
deste ano.
O
primeiro aspecto é relativo aos uso de sinônimos. Tratados e convenções são
palavras sinônimas, tanto que foi apresentada emenda na Assembléia
Constituinte, pelo Deputado paraense Aloysio da Costa Chaves, justamente
eliminando o excesso que havia no atual § 2º do art. 5º. Assim, e pelas mesmas
razões, que assinalei em artigo publicado na Revista do TRT da 8ª Região, deve
ser adotada apenas a expressão tratados, denominação genérica para documentos
dessa natureza.
É
oportuna a forma de aprovação dos tratados que versem sobre direitos humanos.
Com isso, ou seja, elevando-os à Emenda Constitucional, colocar-se-ão tais
documentos acima de leis federais, o que impossibilitará, pelo seu relevante alcance,
que se invoque lei complementar ou lei ordinária, necessariamente normas
infraconstitucionais, em detrimento de tratados internacionais que cuidam de
direitos humanos.
Porém,
há um outro aspecto que deve ser observado com cuidado. O final do dispositivo
proposto, com a redação como se encontra, poderá suscitar dúvidas, na medida em
que fica condicionada à aplicação pela outra parte.
Ora,
essa exigência induz a possibilidade de estarmos ante tratados bilaterais, e
que são pouquíssimos os realmente importantes sobre esse tema. A maioria são
multilaterais, muitos dos quais já ratificados pelo Brasil. Igualmente sugere
reciprocidade, o que, data venia, não é recomendável porque para preservar
direitos humanos não se pode exigir aplicação semelhante pela outra parte.
Por
isso mesmo, sugeri, na mencionada reunião de setembro do Colégio de Presidentes
e Corregedores dos TRTs, nova redação a esse dispositivo, e que reitero agora,
mediante a supressão das expressões e convenções e condicionada à aplicação pela
outra parte.
III.
REFLEXÕES CONCLUSIVAS
Acredito
que deva ter ultrapassado o tempo limite que me foi oferecido pelos
organizadores deste Congresso. Estou certo de que somente o coração brasileiro,
que tudo desculpa e tudo compreende, é que poderá perdoar-me a indelicadeza da
demora excessiva em ocupar-lhes esta parte da tarde da última quarta-feira de
outubro deste milênio. Felizmente não é domingo, porque, nesse dia, até o Pai
descansou, como lembra o livro do Genesis.
O
que trouxe à reflexão de cada qual foi uma visão superficial do que está sendo
tentado modificar com relação ao Poder Judiciário trabalhista. Não cuidei da
próxima competência ampliada da Justiça do Trabalho, e, neste particular,
embora a proposta apresentada a amplie, acredito que ainda assim o faz
tenuemente, porquanto não estão incluídos na nova competência, e deveriam
estar, os crimes contra a organização do trabalho, como se constata da redação
do futuro art. 115 da Constituição, embora já tenha sido dado significativo
passo, ao incluir ações relativas a acidentes de trabalho.
Anote-se
que as alterações que estão sendo propostas devem estar bem intencionadas.
Afinal, as mudanças devem se propor a representar uma melhora para a
comunidade. E que signifiquem exitosa conquista, fruto de longas reivindicações
de todos, inclusive dos integrantes da Magistratura. Ihering escreveu que,
"todas as grandes conquistas que a história do direito registra ... foram
alcançadas à custa das lutas ardentes, na maior parte das vezes continuadas
através dos séculos" (Ihering. A luta pelo direito, p. 20).
É
essa luta por essa conquista que devemos continuar encetando. Devemos, todavia,
ter indispensável cautela com novas e excessivas leis. Nossa Constituição,
v.g., contempla pelo menos trinta e quatro direitos para os trabalhadores (os
incisos do art. 7º), e, apesar de já estar com mais de 10 anos de vigência,
normas existem que ainda continuam a ser programáticas. Por isso mesmo, é que,
neste ponto, recordo Bobbio, quando lembrou a necessidade de criar mecanismos
para tornar efetivos os direitos que existem. Isto é que importa, até mesmo
porque, como acentuou o eminente Ministro Wagner Pimenta, ao tomar posse na
Presidência do C. TST: "o homem é um ser maravilhoso, que já criou milhões
de leis, sem melhorar os 10 mandamentos". Logo, como se vê, não são mais
leis que vão reduzir as desigualdades ou melhorar a entrega da prestação
jurisdicional. O que é preciso é, de um lado, retomar o processo simplificado
do trabalho, que está na nossa CLT, e, de outro, a leitura atenta e a aplicação
efetiva do que reputo o mais importante de todos os princípios da República do
Brasil, aquele insculpido no art. 1, III, da Carta em vigor: a dignidade da
pessoa humana.
Assim,
tratando o ser humano, a pessoa humana, com dignidade, haverá menos
desigualdade, mais justiça, mais respeito, mais afeto e mais amor. Amor! Esta é
a palavra mágica que nos tem faltado: o vínculo da perfeição de que falou São
Paulo aos Colossenses (3, 14).
É o
que precisamos ter. E venceremos, com amor, a luta pelo direito e a conquista
da verdadeira igualdade entre os homens.
Retirado
de: http://www.neofito.com.br/. Acesso em: 19 abr. 05.