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A fiscalização do trabalho frente à flexibilização das normas trabalhistas

 

José Manuel Machado

 

 SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. ABORDAGEM GENÉRICA SOBRE A FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO; 2.1. Histórico Geral; 2.2. A inspeção do trabalho no Direito Internacional; 2.3. Evolução da Inspeção do Trabalho no Brasil; 2.4. A Posição Enciclopédica da Inspeção do Trabalho; 2.5. Natureza Jurídica da Inspeção do Trabalho; 2.6. Conceito de Inspeção do Trabalho; 2.7. Posição Institucional da Inspeção do Trabalho; 2.8. Modalidades de Fiscalização; 2.9. Poderes e Funções dos Auditores-Fiscais do Trabalho; 3. A INSPEÇÃO DO TRABALHO NO PANORAMA DA FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES TRABALHISTAS; 3.1. Histórico da flexibilização; 3.2. A fiscalização do trabalho e a Lei do FGTS; 3.3. A fiscalização do trabalho e a Lei 6.019/74 - Trabalho Temporário; 3.4. A fiscalização do Trabalho e a Lei nº 6.494/77 - Estágios; 3.5. A fiscalização do trabalho e o parágrafo único do art. 442 CLT - Cooperativa; 3.6. A fiscalização do trabalho e a Lei nº 9.601/98 - Contrato de Trabalho por Prazo Determinado e o Banco de Horas; 3.7. A fiscalização do trabalho e a Lei nº 9.608/98 - Serviço Voluntário; 3.8.A fiscalização do trabalho e a Lei nº 9.841/99 - Microempresa e Empresa de Pequeno Porte; 3.9. A fiscalização do trabalho e a Medida Provisória nº 1.952 - Suspensão do Contrato de Trabalho para Qualificação Profissional; 3.10. A fiscalização do trabalho e o artigo 627-A da CLT - Novo Perfil da Inspeção Estatal; 3.11. A fiscalização do trabalho e a Lei nº 9.958/00 - Comissão de Conciliação Prévia; 3.12.A fiscalização do trabalho e A REFORMA TRABALHISTA - o Projeto de Lei nº 5.483/01 - Supremacia do Negociado sobre o Legislado; 4. A INSPEÇÃO SOCIAL ANTE A FLEXIBILIZAÇÃO; 4.1. Inspeção Social e Sanção; 4.2. Inspeção Social e o Modelo Sindical Brasileiro; 4.3. Inspeção Social e os instrumentos de proteção contra atos anti-sindicais; 4. 4. Inspeção Social e ampliação de competência da Inspeção Estatal; 5. APLICAÇÃO DA TÉCNICA DA PONDERAÇÃO DE INTERESSES PELA INSPEÇÃO ESTATAL; 5.1. O Princípio Protetor no Direito do Trabalho e a Evidência do Princípio da Autonomia Privada Coletiva no Ordenamento Jurídico, sob o Prisma Constitucional; 5.2. O Tratamento do Princípio Protetor no Direito do Trabalho, Ante a Onda da Flexibilização; 5.3. Aplicaçãodo Princípio Protetor pela Técnica da Ponderação de Interesses sob a Chancela do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; 6. A NOVA DIMENSÃO DO CAMPO DE ATUAÇÃO DA INSPEÇÃO ESTATAL; 6.1. A Nova Dimensão do Campo de Atuação da Inspeção Estatal e a Integração Econômica; 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS; 8. NOTAS; 9. BIBLIOGRAFIA.


1 - INTRODUÇÃO

            Nosso propósito na elaboração desta singela monografia partiu do interesse em verificar se os dados e a realidade confirmam, fundamentadamente, a afirmação de certos setores da sociedade de que grande parte dos profissionais que atuam na área trabalhista são contrários a flexibilização apenas por receio de perda de poder.

            A flexibilização das normas trabalhistas, ao lado da desregulamentação, tem sido apontada como uma boa alternativa ao enfrentamento da crise por que passa o Direito do Trabalho no Brasil, por consoante com a valorização da negociação coletiva subjacente no princípio da autonomia privada coletiva, que juntamente com o princípio protetor possui envergadura constitucional. Decorre dessa possibilidade a indagação de ser ou não a flexibilização limitadora da atuação do Estado na promoção da defesa dos direitos dos trabalhadores.

            Considerando que a primeira forma de atuação do Estado em prol do cumprimento da legislação trabalhista se dá pela prevenção, através do órgão encarregado da fiscalização, busca-se nesta monografia exatamente conhecer as implicações da flexibilização das normas trabalhistas na área da inspeção do trabalho, no que diz respeito ao aspecto substancial e procedimental das atividades dos Auditores-Fiscais do Trabalho.

            Primeiramente, procura-se desenvolver uma abordagem genérica da inspeção do trabalho, onde se conhece o histórico geral desde o seu surgimento, sua posição no Direito Internacional, sua evolução no Brasil, sua posição enciclopédica quanto ao assentamento jurídico, sua natureza jurídica, sua conceituação, sua posição institucional no aparelho estatal, o modo de operacionalização da fiscalização e os poderes e funções dos Auditores-Fiscais do Trabalho.

            Considera-se que a flexibilização das normas trabalhistas não é fenômeno recente, que diversas providências legislativas já a promove há algum tempo. Na persecução dessa compreensão, no terceiro capítulo, demonstra-se todo o processo de modificação da legislação trabalhista no Brasil, desde as origens até a fase atual, destacando-se a posição da inspeção do trabalho no panorama da flexibilização, que de fato surge ainda no início do período de governo militar, com a instituição do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço -FGTS pela Lei nº 5.107/66.

            Embora iniciada ainda no governo militar, é no governo Fernando Henrique Cardoso que a flexibilização das normas trabalhistas é projetada com maior ênfase, consubstanciada no discurso da necessidade de modernidade e de liberação dos atores sociais para negociação dos direitos trabalhistas, posto que os próprios trabalhadores, através de suas organizações sindicais, melhor promoverão a defesa de seus direitos. A par dessa questão, necessita-se conhecer areal possibilidade dos Sindicatos de trabalhadores atuarem efetivamente na fiscalização do cumprimento da legislação trabalhista, fato que se demonstra no quarto capítulo, destacando-se a posição da inspeção social em face da flexibilização, do modelo sindical brasileiro e dos instrumentos de proteção contra atos anti-sindicais.

            No capítulo V, aborda-se a questão da possibilidade de conflito entre os interesses protegidos por princípios constitucionais, em especial o princípio protetor, lastreado no valor da dignidade humana que fundamenta nossa República (art. 1º C.F/ 88), e o princípio da autonomia privada coletiva (art. 7º, VI, 8º, 9º, 10º CF),onde aponta-se a técnica que melhor atende a inspeção do trabalho na tomada de decisão nos casos de colisão desses princípios, dada a realidade que cerca o seu campo de atuação dentro de um sistema normativo caracterizado pela flexibilização. Para tal mister demonstra-se a viabilidade da aplicação da técnica da ponderação de interesses.

            No sexto capítulo descreve-se a nova dimensão do campo de atuação da inspeção estatal. Mostra-se que a globalização e a integração econômica e comercial, a flexibilização e o crescimento da atividade informal trouxeram uma nova conformação para a inspeção do trabalho, que passa a ter que atender a uma crescente demanda de reclamações de trabalhadores, recebe incumbências de atuar estrategicamente no combate ao trabalho infantil, ao trabalho forçado, à discriminação no trabalho etc., e é guindada a se revestir num novo perfil mediante a alteração do artigo 627 da CLT e da edição da Medida Provisória nº 2.175, que prescreveu novas atribuições para a Auditoria-Fiscal do Trabalho.

            Por fim, faz-se uma conclusão acerca das constatações percebidas ao longo do trabalho empreendido, de modo que as indagações que o motivou são esclarecidas com base em doutrinas firmes e específicas sobre o assunto e em observações fidedignas das questões que se aponta. Nesse passo, registramos as dificuldades que encontramos para pesquisar o assunto, dada a escassez de publicações sobre do tema, o que nos fez relatar muito de nossa própria experiência de militante na área da inspeção do trabalho, mas sempre mantendo-nos fiel à realidade dos fatos.


2 - ABORDAGEM GENÉRICA SOBRE A FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO

            2.1 - Histórico Geral

            A Inspeção do Trabalho vincula-se diretamente ao Direito do Trabalho, vez que é uma criação decorrente da própria natureza desse direito que figura, no plano histórico das relações de trabalho, como um sistema de normas de proteção ao trabalhador concernente com o desenvolvimento organizado da sociedade e com a afirmação do estado moderno.

            De acordo com a consensada posição doutrinária, o Direito do Trabalho, sob sua concepção disciplinadora das relações do trabalho, aparece com advento da revolução industrial.E este mesmo acontecimento histórico é o marco original no surgimento da Inspeção do Trabalho, eis que até o século XIX, antes do despontar dessa luz da modernidade, inexistia norma de proteção ao trabalhador.

            Sem embargo dessa constatação, fala-se em certos acontecimentos que indicariam o germinar da Inspeção do Trabalho. Alguns citam as Corporações de Artes e Ofícios, ainda na idade média, onde teriam surgido "os veedores, que eram autorizados pelo grêmio para fiscalizar o cumprimento de seus estatutos. Eram verdadeiros inspetores da produção que garantiam, para os consumidores, tanto o preço, quanto a qualidade". (1)

            Acredita-se ainda que a origem da Inspeção do Trabalho "estaria nas leis das Índias, que protegiam os autóctones na prestação de seus serviços". (2)

            Ainda buscando explicação, aponta-se o ano de 1204 para tal origem, quando foram nomeados por Phillippe-Augusto, da França, 4 (quatro) gardes-jurés, junto aos tecelões. Com a organização do trabalho, era necessário controlar a produção no que se refere a qualidade e quantidade da matéria-prima, o que impunha uma vigilância econômica. Assim, esses inspetores controlavam os grupos de artesãos, podendo fazer-lhes visitas a qualquer hora do dia ou da noite para verificação da aplicação do regulamento referente a dias e horas de trabalho, bem como a quantidade de produto; podiam também requisitar a força policial. (3)

            A seguir, surge na França, em 13.08.1669, um "serviço de inspeção", realizado pelos chamados Commis Inspecteurs, posteriormente denominados inspetores de manufaturas ou de fábricas.A finalidade dessa regulamentação era mais a riqueza nacional do que a sorte dos operários, à medida que se buscava o progresso,pouco importando a condição dos trabalhadores. (4)

            Logo após, foram instituídos os inspetores gerais e os inspetores ambulantes. Podiam eles ingressar nos estabelecimentos, inclusive à noite, mediante arrombamento, caso tivessem suas ações obstruídas. Na ocorrência de infração aos regulamentos, lavravam os chamados procès-verbaux. Deviam apresentar relatórios, fazer estatísticas e levantamentos a respeito das condições de trabalho. (5)

            Assim foi até 1788, quando então institui-se a função de inspetor geral das manufaturas e do comércio, cuja extinção se deu por ser considerada inútil e atrofiada.

            Finalmente, em 1833, surgiu a inspeção governamental, com a nomeação de quatro inspetores, com autonomia para entrar nas fábricas, resolver conflitos decorrentes da aplicação das leis e impor sanções, e que tinham o estatuto de juiz de paz. (6) Essa inspeção teve grande apoio da população, dada sua efetividade na atuação, marcando historicamente o surgimento da Inspeção do Trabalho no seu aspecto mais consentâneo com a realidade das relações de trabalho.

            Somente em 1844, as funções administrativas e judiciais dos inspetores ingleses foram separadas, cabendo-lhes as funções administrativas e, aos juizes as judiciais. (7) Seguindo essa experiência, diversos países passaram a adotar uma inspeção do trabalho.

            2.2 - A inspeção do trabalho no Direito Internacional

            No plano internacional, a inspeção do trabalho passou a ter significativa importância a partir do surgimento da Organização Internacional do Trabalho - OIT. Esta Organização foi estabelecida no Tratado de Versailles, aprovado pela Conferência da Paz de 1919, cujo art. 427, nº 9, prescreveu sobre a inspeção do trabalho nestes termos: "cada Estado deverá organizar um serviço de inspeção que compreenderá mulheres, a fim de assegurar a aplicação das leis e regulamentos para a proteção dos trabalhadores".

            O fim da primeira guerra mundial fez surgir grandes preocupações pela busca da manutenção da paz, o que motivou a que as nações vencedoras da grande batalha, ao elaborarem o referido tratado, nele incluísse os enunciados que contemplassem também a orientação pela pacificação das sociedades no campo das relações de trabalho. Assim, no preâmbulo da parte XIII, que cuidou da criação da OIT (8), foi enunciado:

            "a sociedade das Nações tem por objetivo estabelecer a paz universal, que não pode ser fundada senão sobre a base da justiça social";

            "existem condições de trabalho que implicam para um grande número de pessoas em injustiça, miséria e privações";

            "a não adoção por uma nação qualquer de um regime de trabalho realmente humanitário é um obstáculo aos esforços dos demais, desejosos de melhorar a sorte dos trabalhadores nos seus próprios países".

            Eis aí a tríplice fundamentação para que uma legislação trabalhista fosse adotada mundialmente e que traduzisse em garantias de condições de trabalho mais humanizadas, objetivando a melhoria das condições sociais dos indivíduos.

            Uma vez consolidada internacionalmente a importância de uma legislação trabalhista e a necessidade da intervenção estatal nas relações de trabalho, de modo a acompanhar a efetiva aplicação das leis e regulamentos disciplinadores das condições de trabalho, a OIT, atuando ante a preocupação com as tensões mundiais que ameaçassem a paz mundial, adotou em sua primeira reunião a Recomendação nº 5, que tratou da criação de um serviço público de higiene.

            Quanto a Inspeção do Trabalho especificamente, a OIT dela cuidou em sua quinta reunião, em 1923, quando adotou a Recomendação nº 20. Nesta recomendação a Conferência traçou os "Princípios Gerais para a Organização da Inspeção do Trabalho". Esta foi a pedra fundamental para a futura convenção que viria a se constituir no principal instrumento internacional que trata da questão da inspeção.

            Passados mais de 20 anos do lançamento dos contornos da inspeção estatal que deveria ser criada, tempo esse motivado por diversos fatores, entre eles a segunda grande guerra, em 1947 a OIT adotou a Convenção nº 81, por ocasião de sua 30ª Reunião. Essa foi então a convenção que se constituiria no ordenamento internacional de maior importância para o controle estatal das relações de trabalho. Cuidou ele da Inspeção do Trabalho na Indústria e no Comércio, disciplinando a atuação dos inspetores do trabalho quanto aos seus direitos e deveres, as obrigações a serem cumpridas pelos empregadores, as medidas a serem observadas pelos Membros da Organização Internacional, etc.

            Outra importante Convenção para a Inspeção do Trabalho foi a de nº 129, adotada na 53ª Reunião da OIT, em 1969. Esta Convenção tratou da Inspeção do Trabalho na Agricultura (9).

            Com esses instrumentos normativos internacionais, a Inspeção do Trabalho passou a ter grande importância nos países membros da OIT, pois hoje um país é avaliado internacionalmente quanto ao seu comprometimento com a causa dos trabalhadores também em razão da seriedade com que trata a inspeção estatal.

            2.3 - Evolução da Inspeção do Trabalho no Brasil

            Data de 1891 o surgimento da Inspeção do Trabalho no Brasil. Veio com o Decreto nº 1.313, de 17 de janeiro, pelo qual foi estabelecida a obrigatoriedade de fiscalização de "todos os estabelecimentos fabris em que trabalhassem menores". Porém, tal fiscalização abrangia apenas o Distrito Federal, dado que a Constituição de 1891 estabelecia a competência dos Estados para legislar sobre trabalho. Desse modo, o referido Decreto do governo federal não trazia qualquer obrigação para os Estados, ficando limitado ao Rio de Janeiro, capital do Brasil à época (10).

            Além dessa limitação territorial, a fiscalização alcançava apenas atividades industriais, ficando excluído o trabalho no comércio, serviço e agricultura, o que a tornou ineficaz.

            Em 1918 foi criado o Departamento Nacional do Trabalho, que também não alcançou êxito em razão da limitação constitucional do governo federal para legislar sobre trabalho, o que dificultava o cumprimento pela República do Brasil das obrigações contidas no Tratado de Versailles, ou seja, a de "organizar um serviço de inspeção do trabalho". Essa dificuldade só começou a ser superada com a reforma constitucional de 1926, quando a competência para legislar sobre a organização do trabalho passa dos Estados para a União. A partir dessa reforma é que começa a edição de um conjunto de normas de proteção ao trabalho na esfera federal.

            Com efeito, em 1931 veio o Decreto nº 19.671-A, pelo qual foi criado o Departamento Nacional do Trabalho, que tinha como atribuição básica"promover medidas de previdência social e melhorar as condições de trabalho". No que tange a fiscalização, ficou como competência desse Departamento a verificação do cumprimento de determinadas leis, como as de acidente de trabalho, férias, trabalho das crianças e das mulheres e ainda, o estudo e fiscalização da aplicação dos convênios e tratados internacionais ratificados pelo Brasil.

            Já no ano de 1932 são criadas as Inspetorias Regionais nos Estados da Federação, conforme Decreto nº 21.690, de 01.08.32, ficando assim descentralizados os trabalhos de fiscalização da aplicação das leis de proteção ao trabalho. Em 1940 o Decreto nº 2.168 transformou as Inspetorias em Delegacias Regionais do Trabalho. O trabalho nos portos, na navegação e na pesca por sua vez ficou sob encargo da Delegacia do Trabalho Marítimo.

            Em 01.05.43, através do Decreto-Lei nº 5.452, toda a legislação sobre trabalho até então em vigor foi reunida, surgindo a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT. Nesta consolidação a Inspeção do Trabalho teve uma disciplina própria, sendo tratada no Título VII, sob a denominação "processo de multas administrativas", com prescrição das prerrogativas, deveres e obrigações dos inspetores do trabalho, encarregados da fiscalização do cumprimento das normas de proteção ao trabalho (11).

            Embora essa série de medidas legislativas tratando da inspeção do trabalho, eram tímidas as ações efetivas de controle do cumprimento da legislação trabalhista, o que colocava o país em posição desconfortável no cenário internacional. Foi então que o Brasil ratificou a Convenção nº 81 da OIT, através do Decreto Legislativo nº 24, de 29.05.56. A par dessa ratificação, o governo federal editou o Decreto nº 55.841, de 15.03.65, regulamentando a Inspeção do Trabalho.

            Mas bem o país acabara de dar sinais de compromisso com a causa da proteção ao trabalhador, vieram os "anos-de-chumbo" e em 1971 o Brasil promove a denúncia da Convenção 81, sob o argumento de que dois problemas fundamentais o impossibilitavam de cumpri-la: o art. 6º, que cuidava do estatuto do pessoal e o parágrafo 2º do art. 11, que trata do reembolso dos gastos efetuados pelos inspetores.

            Mas os anos nevoentos passaram, pela sua insustentabilidade, e finalmente no ano de 1987 o Brasil rerratificou a Convenção 81 com efeito repristinatório (12). Assim entramos numa nova era, em que a inspeção do trabalho entrou num crescente desenvolvimento e aperfeiçoamento, ante a própria conjuntura econômica, política e social que demandava a intervenção estatal para viabilizar a melhoria das condições de trabalho.

            Na Constituição da República de 1988, é atribuída à União competência para "organizar, manter e executar a inspeção do trabalho" (art. 21, XXIV), competência esta que não era contemplada nas cartas anteriores. Com isso, o governo federal começa um processo de reestruturação da inspeção do trabalho e diversas medidas legislativas são adotadas nesse sentido, tais como a reorganização do Ministério do Trabalho, que pela lei nº 8.028 detém a competência para fiscalização do trabalho (art. 19, VII, alínea a). Também a carreira de Inspetor do Trabalho criada pela Lei nº 6.479, de 09.04.44 passou por grandes transformações, entre as quais a mudança da denominação para "Fiscal do Trabalho" e atualmente para "Auditor-Fiscal do Trabalho", passando a integrar as "carreiras do fisco federal", juntamente com os Auditores-Fiscais da Receita Federal e INSS, nos termos da Medida Provisória nº 2.175, de 30.08.99, bem como a redefinição de sua competência, onde foi contemplada a possibilidade de fiscalização das relações de trabalho e o acesso aos livros contábeis dos empregadores.

            2.4 - A Posição Enciclopédica da Inspeção do Trabalho

            Não é pacífica a doutrina quanto ao assentamento jurídico da Inspeção do Trabalho, sendo por alguns autores colocada como integrante do Direito Administrativo do Trabalho enquanto por outros é considerada como inserida num dos ramos do Direito do Trabalho.

            Consoante ao que levantamos nessa questão, quem melhor orienta sobre ela é Nelson Mannrich (13), eis que apontando a fundamentação das correntes que se esgrimam alcança a sustentação convincente para o estabelecimento e fixação da Inspeção do Trabalho na circunscrição do Direito. Argumenta o insigne doutrinador que a ação do Estado objetiva prioritariamente promover a justiça social, buscando o desenvolvimento da pessoa humana, mediante o engajamento de todos na organização política, econômica e social do País. E, ante esse objetivo, a legislação social não mais pode ser vista numa posição estática de tutela do trabalhador, mas sim deve representar uma intervenção do Estado que vai além da simples proteção, de modo a afastar os entraves provocados pelas desigualdades, onde entra a inspeção do trabalho como instrumento de efetivação desse objetivo do Direito do Trabalho.

            A par dessa constatação da real proposta do direito do trabalho,inconcebível a colocação da Inspeção do Trabalho em outra ciência que não a do próprio Direito do Trabalho. Reforça, assim, o autor a sua posição de que a inspeção do trabalho não constitui ramo autônomo da ciência jurídica. Ainda por mais abundantes que sejam os seus estudos, por mais abrangente que seja o objeto de sua incidência e por mais vasto que seja o campo de sua observação, nada lhe retira o aspecto instrumental, constituindo parte de um grande conjunto. Não se pode dizer que haja "uma categoria diferenciada de sujeitos, de relações ou de objeto", para justificar sua separação do Direito do Trabalho. Ainda que o Estado integre a relação jurídica, o que pode, quando muito, é surgir um elemento adicional na discussão da natureza do próprio Direito do Trabalho, hoje já ultrapassada, dada que a argumentação de ser ele público ou privado é de caráter muito mais didático do que científico.

            Quanto ao enquadramento da Inspeção no âmbito do Direito do Trabalho, primeiro há que se definir pela viabilidade da divisão deste Direito como ciência jurídica. Como é quase pacífica entre os doutrinadores essa divisão: Direito Individual do Trabalho e Direito Coletivo do Trabalho, além de outras como faz Amauri Mascaro Nascimento; Direito Público do Trabalho, como sendo "o conjunto de princípios que disciplinam as relações entre o trabalhador e o Estado e o empregador e o Estado" (14). Nesta parte o ilustre professor insere a Inspeção do Trabalho. Já Octavio Bueno Magano denomina esta parte da divisão a que estaria a inspeção como "Direito Tutelar do Trabalho", onde estriam também a disciplina da jornada, segurança e medicina do trabalho, entre outras (15).

            No compasso desta gama de normas de ordem públicas estabelecidas de modo imperativo pelo Estado: registro, duração do trabalho, descanso, segurança e saúde, entre outras, de modo que as partes não podem delas dispor, é que aparece o poder público para impor o seu interesse que no fundo é o interesse da sociedade. Com efeito, o conjunto de normas que disciplinam o interesse do Estado no controle das relações de trabalho é o que se convencionou chamar de Direito Público do Trabalho ou Direito Tutelar do Trabalho.

            Por outro lado, em face da presença do Estado na promoção do controle dessas relações de trabalho, alguns autores adotaram a divisão chamada "Direito Administrativo do Trabalho" (16), na qual está inserida a Inspeção do Trabalho. Contudo, os expert que adotam esta denominação esclarecem não ser ela uma divisão do Direito Administrativo. Ao contrário, é ela integrante do Direito do Trabalho, constituindo-se no conjunto de órgãos estatais que tem por função a elaboração, aplicação e controle das normas que têm por objetivo proteger os trabalhadores.

            Pelo exposto, conclui-se que não há uma autonomia do denominado "Direito Administrativo do Trabalho", embora seja ele imantado por certos princípios que disciplinam o Direito Administrativo. Como a Inspeção do Trabalho tem por proposta dar alcance objetivo ao sistema de proteção criado pelo Estado, na busca da dignidade humana do trabalhador, cujo aparato legislativo em que opera está afeto ao Direito do Trabalho e sua estrutura ser estatal, é sustentável que fique inserida no denominado Direito Público do Trabalho.

            2.5 - Natureza Jurídica da Inspeção do Trabalho

            O Estado na promoção da aplicação do Direito do Trabalho atua em duas atividades distintas: uma jurisdicional, em que o Estado-Juiz diz o direito no caso concreto e, a outra, administrativa pela qual desempenha as funções de fiscalização da aplicação das normas trabalhistas.

            A Inspeção do Trabalho apresenta um tríplice vínculo jurídico: o empregado, o empregador e a sociedade. O empregado vincula-se ao empregador, mediante o contrato e ambos se vinculam ao Estado, na medida em que lhes são impostas obrigações e deveres de ordem pública. A presença deste último justifica-se pelo interesse social no cumprimento das normas trabalhistas de natureza cogente, por tratar-se de uma atividade irrenunciável do Estado (17).

            A atividade administrativa desempenhada pelo Estado, através da Inspeção do Trabalho, caracteriza-se como atividade de conservação ou atividade social, visando o bem-estar geral. Assim, para o exercício destas atividades o Estado é dotado de mecanismos que possibilitam coibir os abusos e determinar correções necessárias ao alcance do objetivo pelo qual age. Essa faculdade utilizada pela Inspeção do Trabalho no desempenho de sua atividade de conservação ou social é o que se denomina poder de polícia. O Código Tributário Nacional coloca como conceito de polícia, verbis:

            "Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos." (18)

            Na doutrina de MELLO encontra-se esta definição:

            [...] pode-se definir a polícia administrativa como a atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção ("non facere") a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo. (19)

            Por sua vez, dada a multiplicidade das formas de atuação da Inspeção do Trabalho, ora desempenhando ações preventivas, ora repressivas, a ação de polícia atribuída à inspeção é um tanto variável, sendo classificada de polícia judiciária e polícia administrativa, conforme a forma como são desenvolvidas as ações fiscais. Há contudo quem defenda não estar caracterizada em nenhuma dessas espécies de polícia, embora contrariem a quase unanimidade da doutrina.Tenta-se explicar que a classificação somente deve ser estabelecida ao cabo da ação fiscal, de modo que se possa conhecer sob que modo fora desenvolvida a atividade em cada caso concreto.

            Com efeito, se a conduta de determinado empregador ensejou a sua denúncia à autoridade judiciária, em razão de caracterização de crime, estaria configurada a classificação da atividade da inspeção como polícia judiciária. Por outro lado, se a ação fiscal alcançou o êxito a que determinada infração fosse corrigida, restabelecendo a normalidade no meio em que o trabalho é desenvolvido, estaria a atividade de inspeção classificada como polícia administrativa.

            Ressalta-se que a função de Inspeção do Trabalho constitui um meio de autuação no caso concreto da legislação social, implicando ações que vão além da simples forma de polícia de segurança ou prevenção. É um meio de integração da lei para atingir seus fins específicos. Decorre disso que os poderes de autorização ou derrogação vão além daqueles da polícia, eis que o agente da inspeção, no uso do seu poder discricionário, pode promover a adequação da norma ao caso concreto, de modo que possa promover a efetivação dos fins buscados pela lei. Essa possibilidade já não se vê na simples autorização de polícia, que se coloca apenas para sustentar o afastamento de um limite a ser obedecido pelo particular.

            De modo geral, as normas trabalhistas são de caráter imperativo e cobradas de modo repressivo, ante a "ordem pública" que as ensejam, mas nem por isso a aplicação delas afasta de plano a possibilidade de flexibilização, dado o princípio da norma mais favorável. E é na busca da mais adequada efetivação das leis trabalhistas que deve atuar o Auditor-Fiscal do Trabalho, utilizando o seu poder discricionário para melhor identificar a norma aplicável e modo de traduzi-la em benefício para o trabalhador.Adverte-se, porém, que o poder discricionário aqui levantado não é sinônimo de livre apreciação e interpretação da lei pelo Auditor. Apenas nos limites legais deve afastar-se da rigidez da norma para melhor alcance de sua finalidade.

            Nesse sentido, para um bom termo do uso do poder discricionário, colacionamos a lição de MELLO:

            Não se confundem discricionariedade e arbitrariedade. Ao agir arbitrariamente o agente estará agredindo a ordem jurídica, pois terá se comportado fora do que lhe permite a lei. Seu ato, em conseqüência, é ilícito e por isso mesmo corrigível judicialmente. Ao agir discricionariamente o agente estará, quando a lei lhe outorga tal faculdade (que é simultaneamente um dever), cumprindo a determinação normativa de ajuizar sobre o melhor meio de dar satisfação ao interesse público por força da indeterminação legal quanto ao comportamento adequado à satisfação do interesse público no caso concreto. (20)

            Segundo leciona MANNRICH, citando Mário Pinto,

            quando analisamos a natureza jurídica da Inspeção do Trabalho,a partir dos atos por ela praticados através de seus agentes, no sentido de garantir o cumprimento daquelas normas de ordem pública social, segundo determinadas limitações jurídicas e contratuais, podem-se apontar dois sistemas: o completamente liberal ou o laissez-faire, como acontece na Inglaterra e o regulador, cujo exemplo é a França. Em cada um deles a Inspeção terá uma atuação específica. (21)

            Para melhor compreensão, deve-se ressaltar que a função de vigilância não é a única em que atua a Inspeção para alcançar a efetivação da legislação trabalhista. Por assim ser, as atividades de prevenção e orientação devem nortear o planejamento das ações fiscais, o que não descaracteriza a obrigação de vigilância do Estado, ao contrário, a torna mais legítima.

            Conclui-se que a Inspeção do Trabalho é uma atividade estatal, desempenhada por agentes revestidos de poderes especiais para exercerem atividades preventivas ou repressivas, com vistas à garantir a efetiva obediência às normas trabalhistas e, por conseqüência, a melhoria da condição social do trabalhador.

            2.6 - Conceito de Inspeção do Trabalho

            Não ocorrem relevantes divergências entre os doutrinadores (22) quanto ao conceito de Inspeção do Trabalho. De maneira geral afirmam que se trata de uma atividade do Estado e não um órgão do Estado, eis que não há um órgão devidamente estruturado sob a denominação "Inspeção do Trabalho", esta é uma atividade a que um ministério: o Ministério do Trabalho tem por competência desempenhar. Afirmam ainda que essa atividade existe em razão do interesse público na promoção do bem estar social, ensejando que esteja dotada de um poder de polícia para possibilitar a que cuide da prevenção e promova a punição dos infratores.

            Dadas essas premissas, conceitua-se a Inspeção do Trabalho como a atividade desempenhada pelo Estado para tornar efetivo o cumprimento da legislação do trabalho.

            2.7 - Posição Institucional da Inspeção do Trabalho

            A Inspeção do Trabalho está inserida na esfera de competência do Ministério do Trabalho e Emprego, conforme disposto no art.14, Inciso XIX, alínea b, da Lei nº 9.649, de 27.05.98, que criou a estrutura administrativa do Poder Executivo Federal. Essa providência legislativa de disciplinamento da fiscalização do trabalho decorre da competência da União fixada na Constituição Federal (art. 21, XXIV), que por sua vez estabeleceu ser ela atividade institucional do Ministério do Trabalho e Emprego (Lei nº 8.028, art. 19, VII, alínea a).

            No âmbito interno do Ministério do Trabalho e Emprego, a atividade de fiscalização está afeta à Secretaria de Fiscalização do Trabalho - SEFIT, órgão técnico de cúpula, com sede na capital federal, que se encarrega do planejamento e normatização das ações fiscais do Estado brasileiro para acompanhamento do cumprimento da legislação trabalhista, tanto no que concerne as normas legais quanto as convencionais.

            As atividades planejadas e normatizadas pela SEFIT são executadas nos Estados pelas Delegacias Regionais do Trabalho - DRT, que são órgãos descentralizados e sediados nas capitais. Nestas Delegacias estão lotados os Auditores-Fiscais do Trabalho que se encarregam de promoverem as atividadesde auditoria e fiscalização junto aos empregadores, além de outras atividades pertinentes às relações de trabalho.

            2.8 - Modalidades de Fiscalização

            O modo de operacionalização das fiscalizações é disciplinado pela Instrução Normativa Intersecretarial nº 08, de 15.05.95, quais sejam:

            a) fiscalização dirigida - é a que resulta de prévio planejamento da Secretaria em Brasília em conjunto com a Delegacia Regional, com a participação, sempre que possível, das entidades sindicais de trabalhadores, outros órgãos ou instituições;

            b) fiscalização indireta: a resultante do programa especial de fiscalização, realizada através de Sistema de Notificação para a Apresentação de Documentos nas Delegacias Regionais;

            c) fiscalização imediata: ocorre independentemente de designação prévia, nos casos em que o Auditor-Fiscal do Trabalho deparar com situações que submetam o trabalhador a perigos iminentes ou constate infração que possa tornar difícil a sua comprovação futura;

            d) fiscalização por denúncia: é a decorrente de Ordem de Serviço emitida em razão de reclamação do trabalhador ou entidade sindical e que, pela natureza, demanda prioridade no atendimento;

            e) plantão: é a atividade interna de fiscalização para orientação ao público, homologação de rescisões de contratos e instrução de processos de anotação de Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS;

            f) atividade especial: é a destinada à mediação de conflitos coletivos entre trabalhadores e empregadores, à coordenação de mesas de entendimento com vistas a que empregadores infratores firmem termo de compromissos no sentido de efetivo cumprimento da legislação trabalhista e ainda à análise de processos.

            2.9 - Poderes e Funções dos Auditores-Fiscais do Trabalho

            A Convenção nº 81 da OIT, que se encontra incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro com hierarquia de lei, eis que fora ratificada pelo Brasil, indica em linhas gerais os objetivos a serem atendidos pela Inspeção do Trabalho. Vejamos:

            a) assegurar o cumprimento das disposições legais relativas às condições de trabalho e à proteção dos trabalhadores no exercício de sua profissão;

            b) fornecer informações e conselhos técnicos aos empregadores e trabalhadores sobre os meios mais eficazes de observar as disposições legais;

            c) levar ao conhecimento da autoridade competente as deficiências ou os abusos que não estão especificamente compreendidos nas disposições legais existentes;

            Prescreve ainda a Convenção 81 da OIT que os Auditores-Fiscais do Trabalho estão autorizados:

            a) a penetrar livremente e sem aviso prévio, a qualquer hora do dia ou da noite, em qualquer estabelecimento submetido à fiscalização;

            b) a penetrar durante o dia em todos os locais que eles possam ter motivo razoável para supor estarem sujeitos ao controle da fiscalização;

            c) a proceder a todos os exames, controles e inquéritos julgados necessários para assegurar que as disposições legais são efetivamente observadas, podendo interrogar, seja só ou em presença de testemunhas, o empregador ou o pessoal do estabelecimento sobre quaisquer matérias relativas à aplicação das disposições legais, pedir vistas de todos os livros, registros e documentos prescritos pela legislação relativa às condições de trabalho, retirar ou levar para análise, amostras de materiais e substâncias utilizadas ou manipuladas, contando que o empregador ou seu preposto seja advertido dessa retirada.

            Ressalte-se que a Medida Provisória nº 2.175-29, de 27.08.2001, confere poderes aos Auditores-Fiscais do Trabalho para proceder exames nos livros contábeis dos empregadores com vistas à eficaz verificação do cumprimento da legislação trabalhista. Traz ainda esta norma competência para os Auditores apreciarem questões atinentes tanto à relações de emprego como também à relações de trabalho.

            A ação fiscal deve ser precedida de prévia identificação do Auditor-Fiscal do Trabalho perante o empregador ou seu preposto, mediante a exibição de sua identificação profissional, exceto quando julgar que a identificação poderá prejudicar a eficiência da ação fiscal, caso em que se identificará ao final da ação. (art. 12-1 da Conv. 81 OIT).

            Sob a ótica formal e simplista do sistema normativo as atividades desenvolvidas pelos Auditores-Fiscais do Trabalho são basicamente as seguintes:

            a) atividade de fiscalização - é a atividade exercida perante os estabelecimentos empregadores, onde são exercidas atividades laborativas sujeitas ao cumprimento da legislação trabalhista.As pessoas jurídicas de direito público apenas ficam sujeitas à fiscalização do trabalho no que concerne ao cumprimento da Lei do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS. Nesta atividade os Auditores-Fiscais promovem o exame de livros e documentos, inclusive contábeis, que tenham pertinência com o sistema protetivo do trabalho a que se encarrega controlar: controle de registro dos empregados, controle de jornada de trabalho, concessão de férias, análise da locação de mão-de-obra (com vistas a apurar a regularidade da terceirização), controle das rescisões contratuais, controle do recolhimento da contribuição sindical tanto da categoria econômica quanto profissional, controle da contratação de aprendizes, controle da proteção especial das mulheres, menores e deficientes físicos, controle do pagamento de salários, concessão de vale-transporte, controle do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, controle do cumprimento dos Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho, controle do cumprimento das normas de saúde e segurança nos locais de trabalho, providências de embargos e interdições, entre outras.

            b) atividade de vigilância e orientação – é considerada a mais importante atividade dos Auditores e está preconizada na Convenção nº 81 da OIT. Uma vez desempenhada a contento possibilita um maior cumprimento das normas de proteção aos trabalhadores, ante a promoção de informações e aconselhamentos técnicos aos empregadores que em muitos casos deixam de observar corretamente a legislação apenas por desconhecimento, não tendo a intenção de desrespeito às prescrições legais. Assim, se constatada essa realidade, sustenta-se que deve o Auditor-Fiscal preferir a orientação à punição.

            c) atividade de investigação - esta atividade contempla diversas providências que o Auditor pode tomar em razão de determinadas ocorrências, compreendendo entre elas a de interrogação do empregador e empregados sobre questões relacionadas ao cumprimento de normas, a de colher amostras e documentos mediante termo de apreensão, investigação de acidentes de trabalho para análise de causas e atribuição de responsabilidade, etc..

d) atividade de notificação e autuação - a atividade de notificação compreende a notificação dos empregadores para que apresentem documentos à fiscalização do trabalho para serem auditados. Todo e qualquer documento que possa demonstrar fatos relacionados aos direitos trabalhistas são passíveis de exibição ao Auditor-Fiscal do Trabalho, tais como livros contábeis, comprovantes de registros de empregados, contratos de trabalho, folhas de pagamentos de salários, recibo de férias, controle de jornada de trabalho, guias de recolhimentos de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, contratos de estágios, etc.. A notificação tem ainda por finalidade a determinação para que o empregador cumpra efetivamente certas normas trabalhistas que não estejam sendo observadas.

            Já a autuação é a atividade de apontamento das infrações cometidas pelos empregadores. Decorre de um comando imperativo, conforme disposto no artigo 628 da CLT, nestes termos "a toda verificação em que o Auditor-Fiscal do Trabalho concluir pela existência de violação de preceito legal deve corresponder, sob pena de responsabilidade administrativa, a lavratura de auto de infração". É assim o auto de infração o instrumento de acusação de que lança mão o Auditor para comunicar a autoridade competente o cometimento de determinada infração pelo empregador. Nele é descrita toda a caracterização do fato constatado, mediante a identificação do infrator, redação da ementa correspondente, relatório e capitulação da infração, elemento de convicção, etc., enfim, constitui-se um "verdadeiro libelo acusatório" (23), de modo a ensejar, após possibilitar-se a ampla oportunidade de defesa ao infrator, um julgamento seguro da autoridade competente para imposição ou não da penalidade correspondente.


3 - A INSPEÇÃO DO TRABALHO NO PANORAMA DA FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES TRABALHISTAS

            3.1 Histórico da flexibilização

            A compreensão da posição da Inspeção do Trabalho no cenário em que se desenvolve a flexibilização das relações trabalhistas no Brasil passa necessariamente pelo conhecimento das etapas em que ocorre todo o processo de modificação da legislação trabalhista, desde as origens até a fase atual.

            Na busca dessa compreensão conclui-se que a flexibilização das relações trabalhistas tem origem em tempos mais distantes, ou seja, não é um fenômeno novo. Na verdade foi iniciada logo após o início da ditadura militar, em 1966, com a lei nº 5.107/66, que criou o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e catapultada com toda ênfase no governo Fernando Henrique Cardoso, mais claramente no seu segundo mandato, sob a argumentação de necessidade de adequação à realidade do mercado de trabalho, onde a "modernidade" é a inspiração sustentadora da necessidade de colocação das empresas brasileiras no mercado internacional, da busca de produtividade e diminuição dos encargos trabalhistas, entre outros.

            Sustenta-se que na era Vargas situa-se o marco inicial da construção do modelo de legislação trabalhista brasileiro, onde fora criado o conjunto de normas contempladoras da acomodação do operariado nacional que, ante o limiar das transformações econômicas, colocar-se-ia em posição de demandas reivindicativas que pudessem perturbar o desenvolvimento econômico. Aí estaria a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, objeto de questionamentos nas décadas que se seguiram (24).

            Com o governo militar as turbulências políticas e econômicas do período são enfrentadas com diversas medidas de limitação de direitos sociais e políticos, entre as quais, a promoção do fim da estabilidade no emprego constante da CLT. Assim, surge a primeira importante medida flexibilizadora no Brasil. Essa medida veio ao encontro aos anseios da classe econômica, uma vez que a norma que estabelecia a possibilidade de opção do trabalhador entre a estabilidade ou o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço em regra não era respeitada pelo empregador, pois a condição para o emprego era a de opção pelo sistema do FGTS, o que possibilitava ao empresariado impor piores condições de trabalho ante a ameaça da dispensa, aliada à repressão imposta pelo regime militar aos sindicatos.

            Passados os anos de governos militares verifica-se o grande movimento em prol da consolidação da democracia, onde os trabalhadores buscam a consagração de seus direitos na Constituição Federal. Nesta, a transição do regime de estabilidade e FGTS é concluído, de modo que apenas passa a existir o regime do FGTS, logicamente respeitados os direitos adquiridos. Outros diversos direitos são inseridos na Carta Magna em prol da classe trabalhadora, embora muitos deles já fossem conquistas anteriores em negociações coletivas de certas categorias.

            Mas embora parecesse frutífera a árvore de direitos trabalhistas na Constituição, revelou-se nem tanto produtiva, eis que diversos direitos nela contemplados necessitavam de regulamentações que jamais ocorreram, tais como: proteção contra dispensa arbitrária, participação dos trabalhadores na gestão das empresas, licença paternidade, ampliação do aviso prévio proporcional ao tempo de serviço trabalhado, redução dos riscos inerentes ao trabalho, adicional de remuneração para atividades penosas, proteção do empregado contra efeitos da automação, entre outros. Ao contrário, a partir da década de 90 passam esses e outros direitos a serem questionados ante o discurso da "modernização" do sistema trabalhista brasileiro, de modo que neste período intensificam-se as discussões em torno da flexibilização das relações de trabalho, onde os discursos, pouco articulados e sem concretização no governo Collor, ganham novos contornos e sustentação no governo Fernando Henrique Cardoso, que efetivamente apresenta propostas e insere mudanças no sistema normativo trabalhista.

            As alterações constitucionais e infraconstitucionais de modificação do sistema têm sido amplamente discutidas por juristas, sociólogos, economistas, sindicalistas, enfim, em diversos seguimentos da sociedade. Nessa análise destaca-se a redução de direitos promovida com as medidas adotadas e propostas. A doutoranda BRAGA, fez o seguinte agrupamento das alterações que contornam o modelo idealizado:

            i) alterações que precarizam o trabalho, tornando o contrato e as condições de trabalho mais frágeis, em particular em relação à redução de direitos trabalhistas e previdenciários;

            ii) alterações que tornam as empresas mais livres para contratar e dispensar empregados com redução do custo do trabalho ou com estímulo a negociações coletivas descentralizadas;

            iii) alterações que retiram do Estado as atribuições relativas à proteção de direitos trabalhistas e previdenciários; e

            iv) alterações que forçam mudanças no papel dos sindicatos. (25)

            As alterações voltadas ao modelamento do idealizado sistema normativo trabalhista brasileiro, dotando-o da "flexibilização" apaixonadamente defendida ou atacada, trouxeram para a Inspeção do Trabalho significativos questionamentos quanto ao seu papel nos cenários pós-mudanças, impingindo-a à definição de métodos de atuação compatível com a defesa dos direitos dos trabalhadores ante as novas práticas dos empregadores com respaldo formalístico da legislação então criada sob o argumento da "modernização". Esse desafio apresentado à inspeção estatal desenvolveu-se no paralelo do formalismo da legislação flexibilizadora e ancorado na realidade das relações trabalhistas.

            Como é reconhecido pelos estudiosos da legislação trabalhista no Brasil, são indicados diversos exemplos de alterações constitucionais e infraconstitucionais que caracterizam a flexibilização do sistema normativo na área do Direito do Trabalho, entre os quais são destacados, numa ordem cronológica, os seguintes:

            a) instituição do regime do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço pela Lei nº 5.107/66;

            b) instituição do regime de trabalho temporário pela Lei nº 6.019, de 03/01/74;

            c) regulamentação dos estágios de estudantes de estabelecimentos de ensino superior e de ensino médio profissionalizante do 2º grau e supletivo, através da Lei nº 6.494, de 07/12/77, alterada pela Medida Provisória nº 1.952;

            d) contratação de serviços de sociedade cooperativa declarada no parágrafo único do artigo 442 da CLT (parágrafo acrescentado pela Lei nº 8.949, de 09/12/94);

            e) criação da modalidade de contrato de trabalho por prazo determinado pela Lei nº 9.601, de 21/01/98;

            f) regulamentação do serviço voluntário pela Lei nº 9.608, de 18/02/98;

            g) definição de obrigações trabalhistas diferenciadas para as microempresas e empresas de pequeno porte, através da Lei nº 9.841, de 05/10/99;

            h) autorização do Banco de Horas pela Lei nº 9.601/98;

            i) autorização para suspensão dos efeitos do contrato de trabalho do empregado para fins de participação de cursos de qualificação profissional, conforme artigo 476-A da CLT, acrescido pela MP nº 1952;

            j) criação de um "novo perfil para a fiscalização do trabalho", pela inserção do artigo 627-A na Consolidação das Leis do Trabalho, através da MP nº 1.952;

            k) instituição da criação de Comissões de Conciliação Prévia, através da Lei nº 9.958, de 12/01/00;

            l) encaminhamento do Projeto de Lei nº 5.483/01, que altera o artigo 618da CLT, invertendo a pirâmide jurídica no caso específico das Convenções ou Acordos Coletivos de Trabalho.

            Essas alterações legislativas trouxeram para a Inspeção do Trabalho novas atribuições e o chamamento, por conseqüência das peculiaridades de cada norma, a uma sofisticação na forma de atuação ante a explosão de demandas surgidas, como se demonstra em cada uma destas legislações flexibilizadoras.

            3.2 - A fiscalização do trabalho e a Lei do FGTS

            A estabilidade no emprego que tinha status de norma constitucional desde a carta de 1937 (art. 137, letra j) e inserida na CLT num capítulo próprio (VII do Título IV), ganhou a "concorrência" de um novo regime com a edição da Lei nº 5.107, de 13.09.66. Com esta lei criou-se o regime do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, possibilitando ao trabalhador a opção por este novo instituto ou pelo regime da estabilidade.

            Este novo regime fora implantado em face da ordem econômica que se pretendia acelerar no Brasil com a tomada do poder pelos militares, eis que para o empresariado o sistema da estabilidade era tido como um empecilho à mobilidade capitalista. Assim, em que pese a Lei de criação desse novo regime indicara possibilidade de opção do trabalhador pelo sistema que melhor lhe conviesse, a prática de contratação operava de forma unilateral e o empregado apenas aderia ao que o empregador estabelecia, o que em geral se dava pelo regime do FGTS, ou seja, estava decretado o fim da estabilidade no emprego, exceto logicamente para aqueles que a alcançaram até a edição da lei fundiária.

            A simultaneidade desses regimes perdurou até a entrada em vigor da Constituição da República, de 05.10.88, quando foi extinto o velho regime da estabilidade temporal, preservando os direitos adquiridos, e estabelecido o sistema do Fundo de Garantia, mediante uma indenização compensatória em caso de despedida arbitrária. Hoje, passados quase quarenta anos da criação do FGTS, praticamente inexistem casos de trabalhadores da iniciativa privada com estabilidade, dada a lógica do sistema anteriormente apresentada.

            Com a Lei do FGTS, a Inspeção do Trabalho passou a se incumbir da fiscalização dos depósitos nas contas vinculadas dos trabalhadores (art. 23), bem como do pagamento da multa pela rescisão do contrato de trabalho, calculada sobre o montante dos depósitos fundiários (art. 18 e parágrafos). Atualmente vigora a lei nº 8.036, de 11.05.90, pela qual os empregadores são obrigados a recolherem mensalmente o percentual de 8 % (oito por cento) do total da remuneração do empregado na sua conta vinculada (art. 15).

            A fiscalização do cumprimento desta nova legislação, que veio flexibilizar as relações de trabalho, exigiu a adequação da forma de desenvolvimento da ação fiscal à realidade dos fatos que passaram a surgir, já que no sistema da estabilidade a apreciação era bastante simples, como é o exemplo da verificação da estabilidade: identificava-se a data de admissão do empregado e concluía-se pela aquisição da estabilidade ou não, conforme o lapso de tempo trabalhado para o empregador, permitindo estabelecer os direitos a que esse trabalhador faria jus no que tangia a questão da estabilidade, enquanto no sistema atual o campo de verificação foi significativamente ampliado, dada a amplitude de possibilidades que o empregador encontra para descumprir a norma.

            Com efeito, no sistema do Fundo de Garantia a fiscalização tem que atentar para os múltiplos artifícios intentados pelos empregadores que se interessam em burlar o sistema, tais como:

            a) o pagamento de salários "por fora", ou seja, fora da folha de pagamento oficial, com vistas ao não recolhimento do valor integral do FGTS;

            b) a terceirização irregular com vistas fugir da responsabilidade pelos encargos sociais decorrentes da contratação direta;

            c) a contratação de estagiários em desacordo com a lei, impedindo o trabalhador à aquisição dos direitos trabalhistas diretamente;

            d) a contratação de trabalhadores através de sociedades cooperativas, sem observar requisitos legais, frustrando-os também no que se refere aos direitos decorrentes da relação de emprego;

            e) a omissão na folha de pagamento de parcelas componentes da remuneração;

            f) não pagamento de determinados direitos trabalhistas com incidência de FGTS;

            g) anotação de jornada extraordinária paralela ao controle normal do horário de trabalho, visando ao não recolhimento do FGTS sobre o valor pago por elas;

            h) pagamento de participação nos lucros sem as formalidades legais, desvirtuando a natureza da verba paga, com vistas ao não recolhimento do FGTS;

            I) simulação de dispensa injustificada de trabalhadores com o objetivo de beneficiar o empregado para saque do FGTS.

            A constatação dessas práticas impõe à Auditoria-Fiscal do Trabalho a adoção de estratégias capazes de tornar eficaz à comprovação do desvirtuamento da lei e conseqüente lesão aos direitos trabalhistas, de modo que se possa determinar a correção necessária, seja através da ação administrativa direta, seja via ação judicial (ação civil pública promovida pelo Ministério Público do Trabalho). Para tanto, a fiscalização do trabalho tem que abandonar o tradicional procedimento formalístico e passar à análise concreta da realidade dos fatos detectados, o que implica necessariamente uma certa "sofisticação" dos procedimentos.

            3.3 - A fiscalização do trabalho e a Lei 6.019/74 - Trabalho Temporário

            Outra lei considerada flexibilizadora das relações de trabalho foi a Lei nº 6.019, de 03.01.74, eis que até então a "bilateralidade" que sempre fora a regra, onde a figura do empregado contracenava com a do empregador e apenas entre eles o contrato era tratado. Esta lei trás para a arena do trabalho uma terceira pessoa: a empresa de trabalho temporário que se encarrega de contratar o trabalhador temporário, mediante um contrato de natureza trabalhista, e colocá-lo a disposição de uma empresa tomadora dos serviços, através de um contrato de natureza civil.

            Contudo, o funcionamento da empresa de trabalho temporário submete-se a certas regras específicas traçadas na citada lei, devendo ser registrada também no Ministério do Trabalho (art. 6º e 9º)e a colocação de trabalhador temporário a disposição do tomador dos serviços condiciona-se a que sejam observadas as prescrições da referida lei, sob pena de nulidade e formação do vínculo empregatício com a tomadora. A permissão da lei é para casos específicos, conforme disposto no artigo 2º: "Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanentemente ou a acréscimo extraordinário de serviços". Também o trabalhador temporário goza de certos direitos específicos, entre eles remuneração equivalente à percebida pelos empregados de mesma categoria da empresa tomadora, jornada de 8 horas, férias proporcionais ao término do contrato, etc.. Assim, não é ampla a possibilidade de utilização do trabalhador temporário, ao contrário, apenas é legal quando a situação que impele a contratação é subsumida integralmente no permissivo da lei e, nesse sentido é a orientação doutrinária de TEIXEIRA FILHO, citando também MARANHÃO:

            ‘correspondendo - não há negá-lo - a uma necessidade socioeconômica, o contrato de fornecimento de mão-de-obra pode tornar-se, no entanto, instrumento de burla e fraude às leis de proteção ao trabalhador subordinado’. "E tal se dá sempre que esse tipo especial de prestação de serviços ocorre" substituindo-se à via normal da contratação". (26)

            Diante de mais essa modalidade contratual, a Fiscalização do Trabalho há que alçar sua mira para horizontes que podem estar cobrindo desvirtuamentos ou fraudes à legislação trabalhista. E esta ação precisa ser uma verdadeira auditoria nos procedimentos e elementos que envolvem a contratação do trabalho temporário, de modo a constatar fielmente a sua regularidade, tudo com vistas a uma eventual declaração de nulidade da intermediação e conclusão pelo vínculo diretamente com a tomadora dos serviços. Não há dúvidas que a edição da Lei nº 6.019/74 permitindo a tomada de mão-de-obra temporária trouxe para a Inspeção do Trabalho novos encargos de vigilância.

            3.4 - A fiscalização do Trabalho e a Lei nº 6.494/77 - Estágios

            Com esta lei permitiu-se às pessoas jurídicas de Direito Privado, aos órgãos de Administração Pública e as Instituições de Ensino aceitar, como estagiários, os alunos regularmente matriculados em cursos vinculados ao ensino público ou particular, desde que, comprovadamente freqüentem cursos de educação superior, de ensino médio, de educação profissional de nível médio ou superior ou escola de educação especial.

            Essa flexibilização, aplaudida unanimemente quanto ao propósito com que foi editada, acabou, na prática, promovendo sérias distorções no cumprimento da legislação trabalhista. Milhares de empregadores passaram a conceder estágios a estudantes com a clara intenção de mascarar a relação de emprego que de fato existe entre o estudante e o concedente do estágio, ficando, assim, "isentos" dos custos trabalhistas da contratação empregatícia, ante a proteção de um contrato de estágio que quanto à formalidade atende as prescrições da lei.

            Ocorre, contudo, que a própria legislação reguladora da concessão desses estágios estabelece critérios para sua realização de forma legal, entre eles destacam-se: a obrigação de estarem os estagiários freqüentando cursos de educação superior, de ensino médio, de educação profissional de nível médio ou superior ou escolas de educação especial (par. 1º, art. 1º, Lei 6404/77); que o estágio somente poderá ocorrer em unidades que tenham condições de propiciar experiência prática na linha de formação do estagiário (par. 2º, art. 1º); que o estágio pode assumir a forma de atividades de extensão, mediante a participação do estudante em empreendimentos ou projetos de interesse social (art. 2º). Ainda, por seu turno, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 6494, de 07.12.96, modificou a organização dos cursos profissionalizantes e os inseriu no ensino médio, além de permitir a instituição educacional optar por oferecer grade curricular complementar a determinada profissionalização.

            E são essas exigências, em geral, que deixam de ser observadas quando, por exemplo, uma determinada empresa que não cuida de empreendimento ou projeto de interesse social contrata um estagiário de ensino médio não profissionalizante (2º grau) para desempenhar atividades rotineiras do estabelecimento, eis que neste caso o aluno de 2º grau não profissionalizante apenas poderia freqüentar estágio em empreendimentos ou projetos de interesse social. Outro exemplo encontramos quando a unidade concedente não proporciona condições para a experiência prática na linha de formação do estudante de ensino profissionalizante. Levantamentos indicam que ante as exigências da lei é altíssimo o número de estágios irregulares no Brasil e é aí que entra a Fiscalização do Trabalho no contexto desta flexibilização, buscando identificar os casos de contratação de empregados sob a "máscara" do termo de compromisso de estágio firmado entre as partes e com a interveniência de instituição de ensino, colhendo as provas dos requisitos da relação de emprego e determinando a regularização dos vínculos mediante anotação da CTPS do empregado, além da correspondente autuação e remessa de relatório ao Ministério Público do Trabalho.

            Gizado, assim, que na esteira dessa lei flexibilizadora das relações de trabalho o espaço no qual atua a fiscalização do trabalho está ampliado e o caminhar na estrada alargada será muito árduo.

            3.5 - A fiscalização do trabalho e o parágrafo único do art. 442 CLT - Cooperativa

            A lei nº 8.949, de 09.12.94, inseriu no artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho o parágrafo único. Eis os termos dessa flexibilização: "Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela."

            Afirma-se que com essa alteração surgiu uma das piores formas de precarização das relações de trabalho em nosso país: as cooperativas de trabalho. Com elas milhares de trabalhadores viram ruir suas conquistas mínimas alcançadas ao longo de décadas, dada a forte campanha engendrada por alguns seguimentos empresariais e lideranças arregimentadoras de mão-de-obra, que formalizam cooperativas de trabalho com o evidente intuito de fraudar a legislação trabalhista ante uma simulação de trabalho cooperado.

            O cooperativismo tem como fundamento o desenvolvimento social e econômico dos membros cooperados, conforme emana do conceito doutrinário de cooperativa, aprovado no Congresso de Praga (1948) pela Aliança Cooperativa Internacional, nestes termos: "será considerada como Cooperativa, seja qual for a sua constituição legal, toda associação de pessoas que tenha por fim a melhoria econômica e social de seus membros pela exploração de uma empresa baseada na ajuda mútua e que observe os princípios de Rochdale". Princípios de Rochdale são princípios fundamentais de uma sociedade cooperativa, quais sejam: adesão livre, singularidade do voto, a distribuição pro rata das transações dos membros, juros limitados sobre o capital, neutralidade política e religiosa, administração democrática, vendas a dinheiro e à vista e desenvolvimento da educação.

            No Brasil, com a Lei nº 5.764/71, o sistema de cooperativa foi implantado com esses mesmos princípios, além de acoplar os princípios da dupla qualidade e o da identidade profissional. Além desses, a doutrina confirma os princípios da igualdade social e da retribuição pessoal diferenciada.

            As Cooperativas de Trabalho, em geral, passam ao largo desses princípios do cooperativismo, como se depreende deste trecho de um relatório de um Auditor-Fiscal do Trabalho elaborado numa fiscalização realizada numa empresa:

            Já são onze horas da noite. Desde às sete horas da manhã trabalhadores carregam e descarregam caminhões, empilhando caixas.Não ganham nenhum adicional por trabalharem por tantas horas, tampouco por já ser noite. Calçam chinelos, não usam luvas, seus pés e mãos ficam mercê da sorte no manuseio das cargas. Quando por acaso se machucam ou ficam doentes, impedidos de trabalhar por alguns dias,não recebem pagamento algum. Eles e suas famílias estão entregues à própria sorte. Não têm direito a vale-transporte, salário-família ou qualquer outro benefício. Ao final quando não são mais necessários, são descartados sem direito a nenhuma indenização ou aviso prévio e não podem amparar-se no seguro desemprego. Ainda neste outro: "......maus empresários têm montado cooperativas de trabalho,utilizando-se de intermediários, e substituindo seus trabalhadores, contratados, sujeitos dos direitos trabalhistas, por "cooperados", que são arregimentados sem que saibam sequer o que significa uma cooperativa. Não lhes é oferecida alternativa. Vão descobrindo aos poucos o que significa essa sua condição de "cooperado". Quando chega o natal, procuram saber do décimo terceiro. Não têm direito. Após um ano de trabalho, cansados, com a família ansiosa por compartilhar um período de férias, descobrem que as não terão. Pouco a pouco, ficam sabendo de sua real condição, descrita a mim por um cooperado: "Somos quase que escravos" (27)

            Diante desse quadro cabe à Inspeção do Trabalho, no que tange ao trabalho prestado por cooperativas de trabalho, promover ações de fiscalização que revelem com segurança a realidade das condições de trabalho, de modo a aferir se os princípios do cooperativismo estão sendo observados e por conseqüência a melhoria da condição social dos trabalhadores associados ou, se ao contrário, a terceirização do trabalho via cooperativa é mais uma simulação para fraudar as leis trabalhistas, impedindo os interessados ao recebimento de direitos trabalhistas consagrados na legislação. Neste caso a documentação de toda a situação e condição de trabalho é indispensável à imposição de penalidades, ao levantamento de direitos dos trabalhadores, à determinação de correção da irregularidade e comunicação ao Ministério Público, o que implica análise de contratos de fornecimento de mão-de-obra, das condições de segurança, da situação pregressa de cada trabalhador mediante entrevista, da constituição da cooperativa e outros procedimentos que possam revelar a realidade dos fatos que cercam a exploração do trabalho dos associados.

            Nesse passo, juntamente com outras instituições, ganhou a Inspeção do Trabalho a responsabilidade pelo desenvolvimento e promoção de métodos de fiscalização que mirem nas fraudes engendradas por empregadores, detendo a marcha destruidora do sistema de proteção laboral e, na mão firme do poder de polícia do Estado buscar resgatar a dignidade humana dos trabalhadores, contribuindo para a reposição do império da Constituição e da Lei.

            3.6 - A fiscalização do trabalho e a Lei nº 9.601/98 - Contrato de Trabalho por Prazo Determinado e o Banco de Horas.

            A Lei nº 9.601, de 21.01.98, veio flexibilizar os artigos 59 e seus parágrafos e 443 e parágrafos da Consolidação das Leis do Trabalho. No que tange ao art. 59 esta lei autorizou o chamado "Banco de Horas", em que o empregador fica dispensado do pagamento dos adicionais de horas extras mediante a compensação das horas trabalhadas além da jornada normal de trabalho dentro de um determinado período. Já no que se refere ao artigo 443 a lei flexibilizou aquelas limitações para a validade do contrato de trabalho por prazo determinado, desde que observadas as regras traçadas na lei.

            Contudo, essa alteração na legislação do trabalho trouxe certos critérios a serem observados pelos empregadores para dela beneficiarem-se. Para o apelidado ‘banco de horas", onde são creditadas ou debitadas as horas aquém ou além da jornada normal, a citada lei impõe, entre outras, as seguintes exigências para sua validade:

            a) que a instituição da compensação decorra de norma coletiva de trabalho (Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho);

            b) a limitação da jornada diária em 10 horas de trabalho;

            c) a limitação das horas trabalhadas no período de um ano à soma das jornadas previstas;

            d) pagamento das horas não compensadas, com o devido acréscimo legal, em caso de despedida do empregado antes do término da compensação.

            Relativamente ao Contrato por Prazo determinado as alterações mais relevantes são:

            a) que as contratações sejam previstas em Convenções ou Acordos Coletivos de Trabalho;

            b) que represente acréscimo no número de empregados da empresa ou estabelecimento;

            c) que garanta estabilidade aos empregados dela detentores durante a vigência do contrato por prazo determinado;

            d) a redução de alíqüotas de certas contribuições sociais;

            Diante dessa flexibilização a Inspeção do Trabalho passou a cuidar para que não ocorresse o desvirtuamento do propósito da lei, eis que não raramente os empregadores, ávidos por reduzir custos com a mão-de-obra, buscam o respaldo formal da lei para acobertar a fraude. Com efeito, certas questões são extremamente relevantes, devendo ser auditadas com toda a atenção que possibilite a descoberta de simulações voltadas à fraude, sendo exemplo: a substituição de empregados contratados a prazo indeterminado por outros contratados a prazo determinado, a manipulação de dados na definição de percentuais de trabalhadores contratados a prazo determinado, apresentação de Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho sem a observância das formalidades que a lei lhes impõe para que vigorem, manutenção das condições de trabalho baseadas na lei flexibilizadora além dos prazos previstos em normas coletivas ou na própria lei, ausência de isonomia de tratamento dos direitos dos trabalhadores sujeitos à lei 9.601/98. Dessa observância poderá resultar a determinação de ajustes na aplicação da norma flexibilizadora ou até mesmo a consideração de nulidade e conseqüente determinação de pagamentos de direitos e reversão à ordem legal.

            3.7 - A fiscalização do trabalho e a Lei nº 9.608/98 - Serviço Voluntário

            Dentre as leis que vêm flexibilizando as relações trabalhistas, considera-se a que disciplinou a prestação de serviço voluntário uma das mais coerentes, eis que possibilitou diversas instituições, públicas e privadas sem fins lucrativos, a alavancarem o desenvolvimento de atividades beneficentes de apoio em vários seguimentos.

            Até a edição da Lei nº 9.608, em 18/02/98, não havia uma definição legislativa da questão do serviço voluntário que estabelecesse claramente os limites da relação entre o prestador do serviço voluntário e a entidade, implicando uma certa insegurança às partes. De acordo com o texto desta lei, para seus fins, o serviço voluntário é "a atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade. (art. 1º). A prestação do serviço voluntário na forma da lei não gera vínculo de emprego nem obrigações trabalhistas ou previdenciária, podendo o prestador do serviço ser reembolsado pelas despesas que realizar no desempenho da atividade voluntariosa mediante expressa previsão e autorização da entidade".

            Em razão dessa importante definição legal do serviço voluntário o cesto de modalidades de simulações para a fraude da legislação trabalhista ganhou mais uma alternativa. Instituições constituídas mediante o atendimento formal das prescrições da lei podem simular a prestação do serviço voluntário de seus colaboradores remunerados, mediante a formalização de termos de adesão, mascarando as remunerações com a natureza de "ressarcimento de despesas", de modo a fugir das obrigações legais dos reais vínculos de emprego que possui.

            Mas essa alternativa para a fraude não serve à crítica da lei, dada a importância desta para permitir que instituições sérias possam desempenhar seu papel de forma segura ante as possíveis demandas trabalhistas de colaboradores mal intencionados e abusos da própria instituição no que tange a contratação de pessoal. A lei está bem colocada e cabe aos órgãos de fiscalização acompanhar a sua devida aplicação.Aqui se abre mais uma missão para Inspeção do Trabalho:verificação criteriosa dos reais fins das instituições que utilizam os serviços voluntários de colaboradores e a natureza dos contratos dos colaboradores, buscando identificar possíveis desvios e fazendo prevalecer a ordem legal.

            3.8 - A fiscalização do trabalho e a Lei nº 9.841/99 - Microempresa e Empresa de Pequeno Porte

            A Lei nº 9.841, de 05.10.99, que instituiu o Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, trouxe para elas tratamento jurídico diferenciado em diversos aspectos, entre eles o que diz respeito ao regime previdenciário e trabalhista, mediante a prescrição de abrandamento de obrigações trabalhistas, conforme consta nos artigos 10 a 13 da lei. Entre as quais destacam-se:

            a) desobrigação de anotação da jornada de trabalho;

            b) desobrigação da anotação de férias nos registros do empregado;

            c) desobrigação de empregar e matricular aprendizes;

            d) desobrigação de possuir o "Livro de Inspeção do Trabalho";

            e) direito ao critério da dupla visita quando fiscalizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

            Essa importante flexibilização trouxe para a Inspeção do Trabalho certo aumento de tempo para o desenvolvimento de determinadas ações fiscais, dada a desobrigação de documentação de questões trabalhistas, como é o caso da jornada de trabalho e das férias, de modo que a operação fiscal submete-se a critérios de apuração mais complexos e, por conseqüência, são mais demoradas as respostas das demandas.

            3.9 - A fiscalização do trabalho e a Medida Provisória nº 1.952 - Suspensão do Contrato de Trabalho para Qualificação Profissional

            Por esta medida legislativa foi inserido o artigo 476-A na Consolidação das Leis do Trabalho, permitindo a suspensão do contrato de trabalho, por um período de 2 (dois) a 5 (cinco) meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, com duração equivalente à suspensão contratual, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho e aquiescência formal do empregado, ficando asseguradas a este, quando do retorno ao trabalho, todas as vantagens que, na sua ausência, tenham sido concedidas à categoria a que pertence.

            Essa medida flexibilizadora teve aspectos muito positivos no que se refere à criação de melhores condições para qualificação do trabalhador brasileiro, mediante a desoneração do empregador de certos custos da manutenção do empregado no período de participação nos programas. Por outro lado, carreou para a Inspeção do Trabalho a vigilância na aplicação dessa suspensão bilateral do contrato de trabalho, de modo a combater os abusos que eventualmente possam ocorrer, dado que no Brasil não é novidade a utilização de instrumentos legais para camuflar o descumprimento da lei.

            Com efeito, a citada norma sujeita a suspensão contratual a certos requisitos, que se não observados implicam utilização indevida dos benefícios prescritos e, nesse sentido, a ação fiscal deve atentar, entre outras, em especial para as questões a seguir:

            a) quanto à observação dos períodos máximos permitidos para suspensão do contrato;

            b) quanto ao número de suspensões de um mesmo contrato dentro do lapso de tempo determinado (uma vez a cada 16 meses);

            c) quanto ao pagamento de benefícios voluntariamente concedidos pelo empregador;

            d) quanto às dispensas de empregados no transcurso da suspensão ou imediatamente após;

            e) se o curso ou programa de qualificação foi de fato ministrado no período da suspensão do contrato;

            f) se a aquiescência formal do empregado para suspensão do contrato foi livremente decidida por ele;

            g) se os instrumentos coletivos de trabalho que autorizaram a suspensão observou os requisitos legais da negociação coletiva.

            Sendo comprovada a utilização da suspensão do contrato de trabalho com o intuito de descumprimento da legislação do trabalho, compete à fiscalização do trabalho desconsiderá-la e cobrar os direitos trabalhistas decorrentes dos contratos. Mostra-se assim mais uma norma flexibilizadora das relações do trabalho que aumenta o ângulo de observação da Inspeção Estatal, afastando-a cada vez mais do modelo formalista da análise para levá-la a modos de operação que dêem efetividade ao princípio protecionista do Direito do Trabalho.

            3.10 - A fiscalização do trabalho e o artigo 627-A da CLT - Novo Perfil da Inspeção Estatal

            Em 09.12.99, pela Medida Provisória nº 1.952-18, o Presidente da República promoveu a inserção do art. 627-A na CLT. Essa providência legislativa foi adotada para dar sustentação ao cumprimento do "Programa de Transformação do MTE", que contempla a construção de um "Novo Perfil da Fiscalização do Trabalho", cujo ponto central é o estabelecimento de modos de procedimentos ancorados em novos instrumentos que possibilitem, com maior eficácia, o combate às infrações e o correto cumprimento da legislação trabalhista.

            Com efeito, o art. 627-A da Consolidação das Leis do Trabalho veio permitir que o Auditor-Fiscal do Trabalho promova a ação fiscal mediante a instauração de "Mesas de Entendimento", objetivando a orientação sobre o cumprimento das leis de proteção ao trabalho, bem como a prevenção e o saneamento de infrações à legislação mediante Termo de Compromisso firmado pelo empregador infrator, que se livrará da autuação prescrita no art. 628 da CLT mediante o cumprimento do compromisso firmado.

            Essa alteração na legislação provocou a reação de alguns profissionais que militam na área do Direito do Trabalho, sob a alegação de que o Estado estaria abrindo mão do seu poder de polícia. Contudo, não é essa a conclusão mais adequada ao caso, dado que essa alteração apenas trouxe a possibilidade da utilização do poder discricionário do Auditor-Fiscal em face de determinadas circunstâncias observadas nas ações de fiscalização. "O poder de polícia é inerente e indissociável da função fiscalizadora, somente podendo ser suprimido em virtude de lei. É o que garante aos agentes do Estado o acesso às instalações, documentos e informações da empresa e, em especial, dota-os do poder de sanção". (28)

            Nesse norte, passa a ter a Inspeção do Trabalho mais uma alternativa para o desempenho de sua missão constitucional, que é a de zelar pelo cumprimento da legislação de proteção ao trabalhador, podendo lançar mão de um instrumento que possa possibilitar o êxito da missão. Para tanto, o Auditor-Fiscal do Trabalho precisa estar preparado, também, para o exercício da função de mediação, eis que a alternativa da "mesa de entendimento" implica a negociação em busca de resultados que melhor atendam ao cumprimento da legislação trabalhista, onde ganha o trabalhador com a real proteção de seus direitos e ganha o empregador com a desoneração da autuação e com a orientação recebida.

            Presente, pois, mais uma norma flexibilizadora das relações do trabalho que implicam aprimoramento da Inspeção Estatal e ampliação do seu espaço de ação.

            3.11 - A fiscalização do trabalho e a Lei nº 9.958/00 -Comissão de Conciliação Prévia

            Com a edição da Lei nº 9.958, de 12.01.2000, foi disciplinada a instituição das Comissões de Conciliação Prévia, de composição paritária, com representantes dos empregados e dos empregadores. Estas comissões têm por atribuição a tentativa de conciliação das partes para uma composição que ponha termo aos eventuais conflitos individuais de trabalho.

            Uma vez instituída a Comissão, seja no âmbito da empresa ou entre os sindicatos, representante dos trabalhadores e representante da classe patronal, as demandas na Justiça do Trabalho ficam condicionadas à prévia tentativa de conciliação perante a Comissão de Conciliação Prévia, devendo ser provada essa tentativa por meio de certidão ou ata da reunião de conciliação. Com essa norma jurídica surgiu um novo pressuposto processual a ser observado quando se intentar ações na justiça especializada: o da prova de tentativa de conciliação perante a comissão, quando esta funcionar para a categoria a que se vincula o trabalhador. Outrossim, alguns profissionais do direito consideram essa nova exigência uma condição da ação e não um pressuposto processual, além de outros que a consideram mesmo inconstitucional e que exigência alguma há de ser feita. Contudo, conclui-se que a melhor doutrina a concebe como um pressuposto processual e nesse sentido pende a jurisprudência que ora se forma.

Embora pareça que reflexo algum essa lei possa ter trazido para a Inspeção do Trabalho, a verdade é que não obstante sejam poucas as Comissões de Conciliação Prévia instituídas até então, uma nova demanda é sinalizada para ser atendida pela fiscalização do trabalho. Começa a surgir nos plantões de orientação das Delegacias Regionais do Trabalho um tipo específico de solicitação de determinados trabalhadores: a orientação quanto a seus direitos trabalhistas e respectivos valores a receber decorrentes de contratos de trabalho com vistas à negociação perante as Comissões de Conciliação Prévia. Assim, começa a revelar-se mais essa demanda diante das inovações criadas por essa Lei.

            3.12 - A fiscalização do trabalho e a Reforma Trabalhista - o Projeto de Lei nº 5.483/01 - Supremacia do Negociado sobre o Legislado.

            Das propostas de alteração na legislação para flexibilização das relações do trabalho, a mais polêmica foi a que propôs nova redação do artigo 618 da Consolidação das Leis do Trabalho. Este projeto de lei foi retirado do Congresso Nacional pelo governo Lula. De acordo com a proposta, as condições de trabalho seriam reguladas por Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho e, na ausência destes, reguladas pela lei.

            Mas não é ilimitado o poder de disposição das partes para a contratação coletiva. Esta proposta legislativa que permitiria a disposição dos direitos regulados em lei traçou os limites para a negociação, ressalvando as questões de interesse financeiro da União e ainda, obviamente os direitos trabalhistas com prescrição constitucional, de modo que essas questões não poderiam ser contrariadas pela convenção ou acordo coletivo. Eis os termos da proposta de alteração, in verbis:

            "Art. 1º - Na ausência de convenção ou acordo coletivo, firmados por manifestação expressa da vontade das partes e observadas as demais disposições do Título VI desta Consolidação, a lei regulará as condições de trabalho."

            "par. 1º - A convenção ou acordo coletivo, respeitados os direitos trabalhistas previstos na Constituição Federal, não podem contrariar lei complementar, as leis nºs 6321, de 14 de abril de 1976, e 7418, de 16 de dezembro de 1985, a legislação tributária, a previdenciária e a relativa ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, bem como as normas de segurança e saúde do trabalho."

            Pondera-se, conforme depreendido das disposições transcritas, que a iniciativa do executivo federal na flexibilização da legislação do trabalho evidenciava dois pontos bem característicos. Um é quanto a obviedade do enunciado que expressa "respeito aos direitos trabalhistas previstos na Constituição Federal" quando da negociação coletiva, eis que por esta lei ordinária jamais poderiam tais direitos serem desprezados. Afirma-se até que tal redação foi promovida para atenuar a preocupação daqueles seguimentos contrários a essa alteração na CLT. O outro ponto que sobressai foi a preocupação do Governo Federal em retirar do campo da negociação coletiva exatamente as questões que refletem diretamente no equilíbrio fiscal, ou seja, com possibilidade de impacto no orçamento em razão de comprometimento na arrecadação federal. Esta a razão para a proibição de contrariedade de lei complementar, que normalmente dispõem sobre tributos, da lei 6321/76, que dispõe sobre o Programa de Alimentação do Trabalhador -PAT, disciplinando a forma de benefício junto ao Imposto de Renda das empresas que aderem ao programa, da lei 7418/85, que trata do Vale-Transporte concedido ao trabalhador e os benefícios junto ao Imposto de Renda decorrente da concessão regular, e ainda, da legislação tributária, previdenciária e do FGTS, que são fontes principais da arrecadação federal. Quanto as normas de segurança e de saúde do trabalhador, também a ressalva feita é evidente, eis que o reflexo da precarização decorrentes de afrouxamento das normas de segurança e saúde recai exatamente nos cofres da União, em razão das contas hospitalares no tratamento de acidentados e dos benefícios previdenciários com incapacidade ou morte dos trabalhadores.

            Em que pese infrutífera a tentativa, até então, da alteração proposta para o art. 618 da CLT através desse projeto de lei, ainda não está totalmente afastada a possibilidade de tal intento, haja vista que diversos seguimentos da sociedade continuam pressionando para que se promova a chamada "Reforma Trabalhista" que está na agenda do atual governo, o que possibilitaria ser novamente colocada proposta com o mesmo teor daquela constante do Projeto de Lei nº 5.483/01.

            Com essa polêmica possibilidade de alteração da legislação, a Inspeção do Trabalho passaria a alçar sua mira também para outros alvos além daqueles que já se encontram no seu raio de ação. A função de vigilância seria desenvolvida no viés da liberdade de contratação coletiva, de modo a acompanhar o fiel cumprimento da legislação trabalhista, agora observando tanto o interesse dos trabalhadores quanto aqueles interesses reservados pelo governo federal de cunho arrecadatório.

            A contratação coletiva de trabalho, como fonte do direito do trabalho, já é objeto de acompanhamento pela inspeção do trabalho quanto a sua fiel aplicação no que tange a parte normativa e, eventual incremento de normas autônomas, tornará mais abrangente a atuação dos Auditores-Fiscais do Trabalho que terão,numa determinada ação fiscal, uma variedade de normas a serem analisadas e as conseqüentes implicações ao caso concreto observado, de modo que eventuais convenções ou acordos coletivos de trabalho concebidos como tábua de limitações dos direitos trabalhistas insculpidos na Constituição Federal sejam firmemente combatidos.


4 - A INSPEÇÃO SOCIAL ANTE A FLEXIBILIZAÇÃO

            Além da Inspeção Estatal promovida pelo Estado por intermédio da Inspeção do Trabalho, existe ainda a Inspeção Social, que é desempenhada pela sociedade civil através dos seguimentos organizados ou até mesmo de indivíduos isoladamente interessados em determinada questão. A principal organização que desempenha essa atividade de inspeção social é o Sindicato de Trabalhadores. Afirma-se que o sindicato age em diversos níveis em defesa dos direitos dos seus representados. Ele está presente nos locais de trabalho através das comissões ou representantes sindicais, possibilitando o acompanhamento do cumprimento da legislação protetora dos trabalhadores.

            A par dessa presença, propugna-se pela auto-suficiência dos sindicatos no controle das relações de trabalho, de modo que a legislação flexibilizadora, por contemplar geralmente as Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho como modos de contratação, estaria a significar o afastamento máximo do Estado dessas relações e a privilegiar a ação controladora da entidade sindical. Portanto, em conseqüência dessa interpretação, estariam sendo reduzidas as competências da Inspeção Estatal.

            Proposta esta discussão, indaga-se, para se elevar a questão ao jaez da proposição, se os sindicatos de trabalhadores brasileiros estão preparados para a promoção da inspeção das relações de trabalho de modo a atender a contento as demandas dos trabalhadores no que concerne ao descumprimento da legislação trabalhista pelos empregadores. Para tanto, é traçado o perfil das entidades sindicais no Brasil, permitindo uma análise e conclusão sobre essa interpretação que alguns militantes do meio trabalhista sugerem.

            4.1 - Inspeção Social e Sanção

            Não há negar que os sindicatos acompanham de perto o desenrolar das relações de trabalho na base em que atuam, já que se congregam, em geral, em organizações em muitos locais de trabalho, como, por exemplo, através das Comissões Internas de Prevenção a Acidentes - CIPA e através de delegados sindicais. Como bem assevera DAL ROSSO "o sindicato está muito próximo dos trabalhadores - ‘ao rés-do-chão’ - e, dessa forma pode tornar efetiva a observância da legislação e dos acordos de trabalho." (29) Porém, essa não é a realidade brasileira, já que os sindicatos, em regra, não têm forças suficiente para o convencimento dos empregadores ao cumprimento da legislação e quase sempre não conseguem alcançar êxito nas suas ações diretas junto a classe empregadora descumpridora da legislação.

            Outro fator que determina a falta de sucesso na efetivação da vigilância por parte do sindicato é o perfil das empresas brasileiras, onde mais da metade delas são micro ou pequenos empreendimentos e não têm, entre seus empregados, representantes sindicais e tampouco comissões organizadas. Mesmo a direção dos sindicatos muitas vezes não consegue penetração no interior desses estabelecimentos, face a não permissão do proprietário que, não raramente, tem aversão à ação do sindicato e desconhece o seu objetivo e o seu direito de contato com os trabalhadores no interior do estabelecimento.

            Mas a principal razão da pequena efetividade da Inspeção Social é a ausência de mecanismos de sanção contra os infratores. Apenas o Estado é dotado do poder de polícia e a imposição de sanção é atribuição dos seus agentes que atuam na defesa dos interesses públicos, entre eles, o interesse pela paz nas relações trabalhistas. Os sindicatos não têm esse poder de polícia que é intrínseco à própria natureza da atuação do poder público e é a essa sanção que teme o empregador que busca meios de descumprimento das normas que regem as relações do trabalho, não fosse a penalização não haveria o respeito à ação da inspeção levada a efeito pelo Estado.

            A inspeção do trabalho foi efetivada exatamente pela real possibilidade de descumprimento da legislação, como salienta DAL ROSSO, nestes termos:

            A iniciativa privada não encontra limites éticos ou morais na exigência de mais trabalho do que os impostos pela capacidade humana. Conseqüentemente, infrações às normas estabelecidas são mais do que meras possibilidades teóricas. São a realidade concreta cotidiana. A probabilidade da infração introduz a necessidade da inspeção do trabalho. (30)

            Com efeito, desprovido do poder de polícia e a conseqüente possibilidade de imposição de sanção nenhum órgão alcançaria êxito na atividade de vigilância da correta aplicação da legislação trabalhista. "O poder-dever de agir da autoridade pública é hoje reconhecido pacificamente pela jurisprudência e pela doutrina. O poder tem para o agente público o significado de dever para com a comunidade e para com os indivíduos, no sentido de quem o detém está sempre na obrigação de executá-lo" (31). Por terra vai, assim, o argumento de que na flexibilização das leis trabalhistas o poder de polícia do Estado fica diminuto. Se leis e contratos exigem cumprimento sob pena de sanção aplicada pelo poder público e, não tendo a entidade sindical a delegação para tanto, não há que se falar em substituição da Inspeção Estatal pela Social. O que é indispensável e salutar é a contribuição das ações dos sindicatos para uma eficaz atuação da fiscalização do trabalho, já que aqueles possuem informações valiosas para que a Inspeção do Trabalho promova a aferição da aplicação da legislação pelos empregadores.

            4.2 - Inspeção Social e o Modelo Sindical Brasileiro

            Afirma-se que a flexibilização ora em implemento no Brasil tem raízes no Estados Unidos da América, onde historicamente a negociação coletiva foi fato determinante no desenvolvimento do Direito do Trabalho. As iniciativas de flexibilização da legislação brasileira no âmbito do direito do Trabalho, ressaltando a participação dos Sindicatos na negociação, teria como justificativa buscar uma virada no campo laboral mediante a construção de um sistema que nos EUA dera bons frutos.

            Mas se é verdadeira essa indicação, pondera-se que o perfil do sindicalismo norte-americano, justificado pela sua própria constituição histórica, é absolutamente diferente do modelo brasileiro. Não obstante as diferenças históricas, desde 1993 o sistema sindical americano vem sendo incentivado, baseado nos estudos e análises da Comissão Dunlop designada pelo governo para encontrar alternativas de incentivo à sindicalização. As propostas americanas, em resumo são: aumento da sindicalização e da negociação coletiva, melhorar o sistema de representação sindical para que o trabalhador tenha liberdade de escolher ou não seu representante sindical, melhorar o modo de solução de conflitos trabalhistas no local de trabalho, descentralizar e internalizar a responsabilidade pela regulamentação das condições de trabalho do local de trabalho. Esses são alguns dos objetivos a serem perseguidos pela sociedade americana, além de outros, conforme bem destacado por BIGNAMI (32).

            Como se vê, algumas das medidas do governo brasileiro vão também nessa linha de pensamento, como a instituição das comissões de conciliação prévia e a lei que privilegia as negociações coletivas. Porém, são medidas isoladas que se chocam com diversos outros pontos que foram motivo de propostas no estudo americano, dado que no Brasil não são tratados com seriedade, quais sejam: incentivo à sindicalização, melhoria do sistema de representação do trabalhador, adoção de medidas de proteção à liberdade de sindicalização, criação de condições de atuação das representações sindicais, etc.. Assim, enquanto os norte-americanos traçaram um conjunto de medidas para o enfrentamento da questão trabalhista, motivada pelo desemprego, no Brasil apenas cria-se medidas pontuais e isoladas que não alcançam o objetivo desejado.

            A estrutura sindical brasileira, moldada constitucionalmente com forte inspiração no modelo corporativista italiano, passa ao largo de uma Inspeção Social eficaz, ante os pressupostos legais para validade da constituição da organização sindical, dispostos na Constituição Federal: unicidade sindical, formação por categoria e contribuição sindical. Esses requisitos legais não combinam com o princípio da liberdade sindical insculpido no art. 8º da Carta Magna, cuja observação foi lucidamente feita pelo Professor Amauri Mascaro Nascimento, nestes termos: "....o sistema de organização sindical é contraditório. tenta combinar a liberdade sindical com a unicidade sindical imposta por lei e a contribuição sindical oficial." (33)

            Para que uma Inspeção Social possa ser intentada, primeiramente há que se rever o modelo sindical que vigora no Brasil. Nesse sentido é o pensamento da melhor doutrina que trata do assunto.

            Com efeito, propugna-se pela adoção de alteração na legislação de modo a suprimir a regra da unicidade sindical. Octávio Bueno Magano aponta que hoje em dia a idéia da unicidade sindical está superada, pois parte de um pressuposto verdadeiro na época em que surgiu, mas presentemente falso, qual seja, "o de que as categorias e profissões devem estar identificadas com a visão unitária do Estado a respeito da economia. Tal visão se mostra incompatível com as diretrizes de uma sociedade democrática e pluralista." (34)

            Outra providência necessária é a modificação dos textos normativos que tratam da conceituação de categorias econômicas, profissional e diferenciada, de modo que os seguimentos de trabalhadores tenham sustentação legal para formação de sindicatos que os represente de fato.

            A terceira medida para garantia da autonomia sindical, como ressalta SILVA, é a revogação da regra constitucional que prevê a área do município como limite mínimo da base territorial dos sindicatos. Segundo sustenta, "Com isso, abrir-se-ia a possibilidade de criação de sindicatos por empresas ou por região geográfica, em conformidade com a similitude das condições de trabalho nas empresas envolvidas e de acordo com as conveniências e circunstâncias ditadas pelos interesses dos trabalhadores e empregadores." (35)

            É fundamental também que seja extinta a contribuição sindical obrigatória, por não ser compatível com o modelo idealizado, onde o estatuto deve estabelecer as regras de sustentação da entidade.

            Demonstrado, nestes apontamentos, que o atual modelo sindical brasileiro não é adequado para alavancar a inspeção social de modo a alcançar sucesso no combate às infrações que cada dia multiplicam-se e tomam novas formas no âmbito das empresas, como o exemplo verificado numa empresa de transportes no Espírito Santo que, ante o grande número de assaltos aos seus ônibus, passou a exigir dos candidatos a emprego no cargo de cobrador um Fiador e com renúncia das poucas cláusulas do Código Civil que protege esse garantidor. Eis o absurdo a que se chega nas relações de trabalho.

            4.3 - Inspeção Social e os instrumentos de proteção contra atos anti-sindicais

            A atividade de fiscalização da aplicação da legislação trabalhista pressupõe o exercício de uma autoridade sobre as partes que estão obrigadas ao cumprimento das normas, o que implica garantias ao exercício dessa autoridade para que tenha êxito a ação de fiscalização.

            Ante esse pressuposto, a assunção da atividade de inspeção pelos sindicatos de trabalhadores passa pela necessidade de adoção de instrumentos de proteção contra atos anti-sindicais. E isso somente se processa por meio de leis que estabeleçam ordens de garantia à atuação sindical no exercício da inspeção social.

            Atos "anti-sindicais", na definição de SILVA, é qualquer ato que venha a prejudicar indevidamente o titular de direitos sindicais, quando em exercício de atividade sindical, seja ele um indivíduo ou o próprio sindicato (36). A compreensão mais abrangente de atos "anti-sindicais" é dada por esse insigne Professor citando a classificação das expressões apontadas por ERMIDA URIARTE, são elas: "fuero sindical"; "práticas desleais", "atos de discriminação" e "atos de ingerência".

            O "fuero sindical" é o conjunto de medidas de proteção ao dirigente e ao militante sindical, para preservá-los dos prejuízos que possam sofrer pela sua atuação. Esse instituto que a princípio albergava apenas a proteção contra a despedida, tende, modernamente, a ser estendido objetiva e subjetivamente à todo trabalhador sindicalizado ou que desenvolva atividades sindicais e contra todos os atos prejudiciais.

            As "práticas desleais" estão assentadas na lei nacional de relações de trabalho dos Estados Unidos da América, de 1935 ("Lei Wagner"), que proíbe determinadas condutas dos empregadores ("unfair labour practices"), tais como: Obstrução de direitos sindicais, atos de ingerência dos empregadores nas associações de trabalhadores, certos atos discriminatórios e a negativa de promover a negociação coletiva.

            Os "atos de discriminação" são conceituados na Convenção nº 98, de 1949, pela Organização Internacional do Trabalho, onde se estabelece que os trabalhadores gozarão de adequada proteção contra atos de discriminação com relação ao seu emprego em razão de suas relações sindicais. Prescreve também a necessidade de adequada proteção contra as ingerências entre as organizações sindicais.

            Eis aí o conjunto de práticas que a doutrina resume em "atos anti-sindicais". Para proteção das organizações sindicais contra esses atos o Estado deve adotar medidas jurídicas sérias e de aplicação urgente ante a repercussão negativa para as relações de trabalho.

            No Brasil praticamente inexistem mecanismos de proteção contra esses atos, de modo a permitir a plena atuação dos sindicatos de trabalhadores na defesa dos direitos trabalhistas de seus representados. Por conseqüência, qualquer tentativa de fomentação da Inspeção Social não logrará êxito sem uma ampla reforma no ordenamento jurídico nacional que acolha prescrições claras contra os "atos anti-sindicais", incluindo remédios jurídicos que as torne efetivas tanto no aspecto preventivo quanto no reparatório.

            SILVA aponta que é indispensável garantir a efetividade da ação sindical durante o processo de negociação coletiva, e isso pressupõe não somente que o Estado impeça as práticas desleais do empregador, mas que também garanta mecanismos reparatórios, que permitam recompor determinadas situações de fato. Nesse campo, a legislação brasileira é muito tímida, ao passo que o "Statuto dei Lavoratori" da Itália serve como exemplo de garantias estatais mais eficazes. E acrescenta o mestre:

            Faz-se necessário, ainda, o incremento da fiscalização trabalhista, de modo a garantir que o Direito do Trabalho seja efetivamente observado no dia-a-dia. Essa fiscalização deve ser efetuada não só para preservar os dispositivos legais de tutela do trabalhador (como, por exemplo, os relativos à medicina e segurança do trabalho), mas também para assegurar o cumprimento das normas contidas nos convênios coletivos de trabalho. (37)

            4. 4 - Inspeção Social e ampliação de competência da Inspeção Estatal

            A lacuna deixada pela ausência de uma inspeção social eficaz tem sustentado a tese de que o Estado precisa manter um sistema de inspeção estatal de qualidade, com vistas à garantia de que a legislação trabalhista seja fielmente cumprida. Neste sentido advoga SILVA, alertando que "é preciso valorizar a inspeção do trabalho, dotando-a de maiores recursos econômicos e multiplicando o número de fiscais." (38)

            No mesmo sentido leciona João de lima Teixeira Filho, defendendo a presença firme do Estado para acompanhar a aplicação das leis de proteção ao trabalhador, quando observa que "quão mais desenvolvida for a cidadania, a consciência e o apreço pela ordem jurídica, menos reclamada é a presença da inspeção do trabalho. E vice-versa. Essa é a correlação. O que varia, em cada caso, é o grau de intensidade desses componentes, conforme a ênfase que lhes seja dispensada." (39) Sem a necessidade de comentários sobre a consciência dos empregadores brasileiros quanto ao respeito à ordem jurídica trabalhista, indiscutível que o Estado deve atuar da forma mais ampla possível para que o sistema protetivo legal não seja letra morta.

            Não é diferente a conclusão a que se chega MANNRICH,que destaca a "encruzilhada" em que se coloca a Inspeção do Trabalho, ou seja, sua posição entre a atividade econômica e a vida social, onde ao Auditor-Fiscal cabe o exercício de uma "verdadeira magistratura social". Como administrador de conflitos deve ser capaz de lutar contra a burocracia, transformando-se, naturalmente, em conselheiro dos empregadores e empregados, sem prejuízo de sua autoridade e independência na função de defensor do cumprimento da legislação trabalhista.

            Aponta ainda esse respeitado jus laboralista que apesar do alargamento da esfera da negociação coletiva e do declínio do papel do Estado nas relações trabalhistas, que a Inspeção do Trabalho é imprescindível para a concretização dos fins do Direito do Trabalho, para garantia dos direitos fundamentais dos trabalhadores e para a tutela dos interesses sociais ligados à segurança e medicina do trabalho. E arremata o professor:

            As transformações que se operam em relação ao contrato de trabalho, longe de significar o fim da Inspeção do Trabalho,sinalizam, tão-somente, uma modificação substancial de seu modelo tradicional, especialmente onde o Estado interferiu mais e teve na repressão e punição o papel mais destacado, para ceder lugar às ações voltadas à concertação e prevenção. (40)

            As transformações e reorganização da Inspeção do Trabalho no Brasil, defendida unanimemente pelos militantes na área das relações do trabalho, ganharam força com o incremento das alterações na legislação trabalhista flexibilizando as normas do trabalho. Nesse compasso, foram produzidas medidas legislativas que se traduziram em importantes instrumentos de modernização da fiscalização do trabalho, de modo que as novas formas e contornos tomados para as contratações trabalhistas possam ser monitorados pelo Estado.

            Giza-se como de grande importância o artigo 627-A acrescentado à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), permitindo ao Auditor-Fiscal do Trabalho a instauração de procedimento especial de fiscalização, visando a orientação para o cumprimento das leis de proteção ao trabalho, bem como a prevenção e o saneamento de infrações à legislação mediante Termo de Compromisso firmado pelo empregador. Essa providência veio valorizar a negociação em defesa dos direitos do trabalhador, o qual passa a ter preferência em relação a autuação. Dependendo da natureza da irregularidade e do interesse do empregador em promover o acerto, o Estado abre mão da punição para que o trabalhador seja beneficiado e para que a infração seja saneada.

            Outra medida fundamental foi a organização da carreira da Auditoria-Fiscal do Trabalho, que se encarrega de promover a fiscalização trabalhista. Isso ocorreu em agosto de 1999, através da Medida Provisória 2.175 e as principais alterações foram a consagração da Auditoria-Fiscal do Trabalho como carreira integrante do "Fisco Federal", a valorização do Auditor-Fiscal do Trabalho, mediante a reestruturação de cargos e o estabelecimento de uma carreira,a definição de atribuições específicas e a prescrição de prerrogativas para o exercício da ação fiscal. Dentre os dispositivos deste novo instrumento jurídico, dois deles trouxeram sustentação para que a fiscalização do trabalho enfrente os novos desafios no campo laboral: o primeiro é o que trata da atribuição de competência ao Auditor-Fiscal do Trabalho para assegurar, em todo o território nacional, o cumprimento de disposições legais e regulamentares (inclusive acordos, convenções e contratos coletivos de trabalho) não só no âmbito das relações de emprego, mas também de trabalho. Isso importa que também as relações de trabalho passam a receber a proteção da Auditoria-Fiscal do Trabalho, que até então não tinha poderes para quaisquer ações sobre contratação que não configurasse vínculo empregatício (art. 11, Inciso I); o segundo tratou da competência do Auditor-Fiscal do Trabalho para promover o exame da contabilidade das empresas, não podendo os empregadores invocar os artigos 17 e 18 do Código Comercial para se eximirem da exibição dos lançamentos contábeis, face expressa vedação contida na Medida Provisória retrocitada. Com esta previsão, ganha a fiscalização uma ferramenta importante para combater a sonegação de direitos trabalhistas.

            Afirmam os expert que a nova configuração da Inspeção do Trabalho permitirá ao Estado atuar com possibilidades de êxito no combate a precarização das relações de trabalho advindas com as formas de flexibilização, constituindo-se, assim, num mecanismo de frenagem aos abusos nas contratações trabalhistas por empregadores com ânimos mais libertários, inspirados nos ventos que sopram distorcidamente os fundamentos dessa nova onda.


5 - APLICAÇÃO DA TÉCNICA DA PONDERAÇÃO DE INTERESSES PELA INSPEÇÃO ESTATAL

            Freqüentemente setores favoráveis a uma ampla reforma da legislação trabalhista apontam para profissionais do direito que atuam na defesa dos direitos do trabalhador: juízes, membros do Ministério Público, Auditores-Fiscais do Trabalho e advogados, entre outros, como intransigentes opositores da reforma por medo de perda de espaço profissional, face o enxugamento da base legal de sustentação da legitimidade de atuação desses operadores jurídicos. Eis uma visão limitada que não se sustenta.

            Na Constituição da República Federativa do Brasil estão agasalhados diversos princípios, os quais representam a materialização, no ordenamento maior, dos valores e interesses da nossa sociedade que, revelando-os nas suas manifestações, indicou um modelo de Estado que contemplasse pretensões dos variados seguimentos sociais.

            Diante da envergadura constitucional com que foram contemplados certos interesses, não é incomum que os princípios que os sintetizem entrem em choque, ante o antagonismo das pretensões de cada seguimento. Nesse passo, no que tange à flexibilização das normas trabalhistas encontraremos situações que estarão protegidas por princípios constitucionais e que irão demandar análise criteriosa por parte daqueles que, como autoridade competente em cada caso concreto, terão que decidir por qual interesse proteger.

            Na persecução de uma justa solução para as situações concretas que se apresentarão, em que princípios constitucionais estarão em oposição, a técnica da ponderação de interesses pode se constituir num método eficaz de tomada de posição, pois como brilhantemente demonstrou Daniel Sarmento "os critérios cronológico, de especialidade e hierárquico não são suficientes para a solução das tensões entre normas constitucionais. Tais questões desafiam o uso de método mais dinâmico e flexível, que possa dar conta das infinitas variáveis fáticas que estes conflitos podem ostentar". (41)

            No âmbito de competência da Fiscalização do Trabalho diversas questões trabalhistas são demandadas, como noutro passo demonstramos, e que consideradas sob o fundamento da flexibilização, contemplada na supremacia do negociado sobre o legislado, poderão revelar interesse com lastro de um princípio constitucional que seja obstativo da concretização de outro interesse também protegido por um princípio constitucional. Nesse caso, surge para a inspeção estatal a necessária adoção de um método que indique qual o princípio deva prevalecer, e neste contexto a ponderação de interesses é fundamental, como indica o autor desta obra de engenharia jurídica. Vejamos:

            Assim, a ponderação de interesses consiste justamente no método utilizado para resolução destes conflitos constitucionais.

            Tal método caracteriza-se pela sua preocupação com a análise do caso concreto em que eclodiu o conflito, pois as variáveis fáticas presentes no problema enfrentado afiguram-se determinantes para a atribuição de ‘peso’ específico a cada princípio em confronto, sendo, por conseqüência, essenciais à definição do resultado da ponderação. (42)

            Para a aplicação concreta dessa técnica é indispensável que pelo menos dois princípios constitucionais sejam conflitantes. Isso importa a que previamente seja analisada a real obstrução de um deles pela manutenção do outro, eis que muitas vezes podem ser acomodados pela forma orgânica que caracteriza o sistema de normas constitucionais, pois como lecionou CANOTILHO, citado por SARMENTO "o princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a constituição em sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão entre as normas constitucionais a concretizar" (43)

            Portanto, a técnica da ponderação exige seja primeiramente vencida uma fase de admissibilidade, qual seja a impossibilidade de harmonização dos princípios que se apresentarem no caso concreto sob análise. Se vencida esta fase restar clara a colisão dos princípios utilizar-se-á da técnica da ponderação efetivamente.

            Como ressalta SARMENTO, esse método requer uma pré-compreensão do problema, levando o operador do Direito a comparar o "peso genérico que a ordem constitucional confere, em tese a cada um dos interesses envolvidos." (44) Para tanto, deve nortear sua compreensão pelo conjunto de valores subjacentes à Constituição. Esse peso é "indiciário do peso específico", ressalta o ilustre Professor. Por sua vez, este último é medido diante do problema concretamente apresentado, já que é dependente do conhecimento do grau de intensidade que cada interesse é protegido pelos respectivos princípios conflitantes.

            Como bem aponta Daniel "o nível de restrição de cada interesse será inversamente proporcional ao peso específico que se emprestar, no caso, ao princípio do qual ele se deduzir, e diretamente proporcional ao peso que se atribuir ao princípio protetor do bem jurídico concorrente." (45)

            Em matéria de Direito do Trabalho, onde especificamente opera a fiscalização do trabalho, sem logicamente afastar outros ramos do direito, por serem imanentes à própria atuação estatal, como o Direito Constitucional e o Direito Administrativo, dois princípios constitucionais se destacarão nas questões reveladas com a efetivação da flexibilização das normas trabalhistas. São eles o princípio protetor e o princípio da autonomia privada coletiva, dos quais trataremos no tópico a seguir.

            5.1 - O Princípio Protetor no Direito do Trabalho e a Evidência do Princípio da Autonomia Privada Coletiva no Ordenamento Jurídico, sob o Prisma Constitucional

            Partimos aqui da noção pós-positivista de princípios, ou seja, hoje concebidos como norma, uma vez que já estão superadas as idéias sobre a sua juridicidade, construídas nas fases jusnaturalista e juspositivista. Para BOBBIO, citado por GOMES, não há dúvidas de que os princípios são normas, quando leciona:

            ‘.....Para sustentar que os princípios gerais são normas os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não regulamentado: mas então servem ao mesmo escopo a que servem as normas expressas. E por que não deveriam ser normas?’. (46)

            Os doutrinadores concordam, quase unanimemente, de que os princípios são normas mais abrangentes, de maior generalização que as leis, estando a evidência dessa diferenciação no critério adotado para o enfrentamento de conflito entre regras ou entre princípios. Enquanto o choque entre as regras é solucionado pelo critério de validade, afastando a aplicação de uma das regras, a contrariedade entre princípios é resolvida pela valoração dos interesses por eles protegidos, não servindo o critério de validade para tal fim.

            No Brasil o Direito do Trabalho, desde sua concretização, tem como traço marcante o princípio protetor. Essa insígnia foi absoluta até a Constituição de 1988, quando teve seu atributo de comando levemente abrandado com os dispositivos que permitem a modificação dos salários e da jornada mediante negociação coletiva (art. 7º, Inc. VI e VIII, CF/88). Com isto, é sinalizada a reaparição do princípio da autonomia privada no âmbito das relações do trabalho.

            O princípio protetor que informa o Direito do Trabalho é uma norma constitucional, contudo essa compreensão não é tão evidente sob um simples olhar sobre o texto da carta magna, pois não está expresso num dispositivo da Constituição de 1988. Mas um princípio para ser norma constitucional não necessita ser expresso, eis que pode estar presente na Constituição de um país de forma implícita e nem por isso tem menos força que os princípios explícitos.

            PLÁ RODRIGUES, ao lecionar sobre os princípios informa que não há "uma forma única e exclusiva de se manifestarem [...] Poderíamos dizer que nem sequer há uma forma preferida de manifestação". (47) Josef Esser também tem uma brilhante observação sobre os princípios implícitos, afirmando que "Los principios no escritos son los más fuertes. [...] Donde más evidente es esto, es en materia constitucional, donde vemos a cada paso cómo principios escritos son pronto desplazados por obra de la coyuntura política, mientras que las verdades elementales permanecen incólumes". (48)

            Na busca da compreensão de que o princípio protetor é norma de cunho constitucional, é intocável a observação feita por GOMES após pesquisar com profundidade o tema. Afirma ela:

            É inquestionável que, das disposições de direitos fundamentais sociais constitucionais, podemos induzir o princípio protetor, ou seja, a presença do Estado para equilibrar uma situação materialmente desigual - a relação de trabalho - mesmo sendo esta uma relação contratual, baseada na liberdade dos indivíduos. [...] Apesar de não escrito, é na própria Constituição que encontraremos a base jurídica para a consideração do princípio protetor como direito constitucional dos trabalhadores. Sendo princípio fundamental do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana, torna-se razoável que a sociedade exija um nível mínimo de cidadania para todos, inclusive para o trabalhador, justificando-se a ação protetora do Estado; (49)

            Também no tocante ao princípio da autonomia privada coletiva a mesma autora informa: "O princípio da autonomia privada coletiva tampouco se encontra previsto expressamente em uma disposição da Constituição. Ambos, no entanto, são normas constitutivas do ordenamento jurídico" (50), indicando, assim, a presença dos dois princípios na Constituição Federal.

            Está plasmado, portanto, na Constituição da República Federativa do Brasil o princípio protetor justificador da declaração de direitos garantidora das condições dignas, de respeito obrigatório que possibilite o desenvolvimento das relações de trabalho, onde a pessoa humana do trabalhador seja respeitada para que possam ser concretizados os valores expressos na Constituição de 1988.

            5.2 - O Tratamento do Princípio Protetor no Direito do Trabalho, Ante a Onda da Flexibilização

            Como prólogo desta etapa, importante a doutrina de BOBBIO sobre a heterogeneidade da categoria dos direitos fundamentais:

            [...] desde quando passaram a ser considerados como direitos do homem, além dos direitos de liberdade, também os sociais - a categoria em seu conjunto passou a conter direitos entre si incompatíveis, ou seja, direitos cuja proteção não pode ser concedida sem que seja restringida ou suspensa a proteção dos outros [...] as sociedades reais, que temos diante de nós, são mais livres na medida em que menos justas e mais justas na medida em que menos livres. (51)

            Cai como uma pérola essa conclusão de Bobbio nesta questão da flexibilização, eis que dois princípios do Direito do Trabalho se encaixam com perfeição sob o aspecto da categoria heterogênea desse direito fundamental social constitucional, quais sejam: o princípio protetor e o princípio da autonomia privada coletiva. Uns querem mais liberdade, outros mais justiça. Como solucionar?

            Indiscutível que as questões econômicas têm guiado as propostas de reforma da legislação trabalhista, onde a âncora dessas propostas é lastreada com a justificativa da necessidade de competitividade das organizações econômicas e de diminuição do desemprego. GOMES, que pesquisou com dedicação o assunto, aponta serem "esses os argumentos favoráveis à transformação do Direito do Trabalho em um direito ‘flexível’, o que pode, enfim, desfigurá-lo por completo, pelo abandono das disposições protetoras e, conseqüentemente, da garantia de alguma justiça nas relações de trabalho". E acrescenta em razão disto que "não se deve considerar um suposto princípio da flexibilidade - pois esse não existe no nosso Direito. A flexibilidade pode simplesmente constituir uma especificidade do ordenamento jurídico". (52)

            A flexibilização das normas trabalhistas, como noutro momento apontamos, não é um processo novo, ao contrário, já vem sendo implementada há algum tempo. Apenas agora se busca um modelo normativo que contemple clara e expressamente uma característica flexível, como o que está sendo tratado através do Projeto de Lei nº 5.483/01, em tramitação no Senado.

            No entanto, a prática da flexibilização que ora se almeja,estará condicionada pela efetiva atuação do princípio protetor como norma fundamental da concepção de Estado Social e de Direito do Trabalho, opondo-se logicamente ao princípio da autonomia privada coletiva em certos casos em que os valores insculpidos na Carta Magna apontarem com luz ofuscante para este.

            Com efeito, dentro de um ordenamento legal em que apareça como especificidade a flexibilidade, não há dúvidas de que com muito mais ênfase atuará o princípio protetor, em especial num Estado em que as condições gerais do trabalho são caóticas. Mas a concorrência deste princípio não será absoluta, eis que o princípio da autonomia privada coletiva o condicionará e, por conseguinte, implicará circunscrição das condições jurídicas de como será a sua aplicabilidade.

            Gizamos, para a delimitação da aplicação do princípio protetor que o princípio da proporcionalidade, já clássico nos sistemas jurídicos, deve ser contemplado com suas respectivas dimensões: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade estrita da norma protetora.

            No que concerne a proporcionalidade, embora a Constituição não a textualize como princípio e também não disponha sobre ser ela critério de interpretação, é indiscutível sua fundamentação como postulado constitucional. Nesse sentido ensina Willis Santiago, citado por GOMES:

            [...] o princípio da proporcionalidade...determina a busca de uma ‘solução de compromisso’, na qual se respeita mais, em determinada situação, um dos princípios em conflito, procurando desrespeitar o mínimo ao(s) outro(s), e jamais lhe(s) faltando minimamente com respeito, isto é ferindo-lhe seu ‘núcleo essencial’. Esse princípio, embora não esteja explicitado de forma individualizada em nosso ordenamento jurídico, é uma exigência inafastável da própria formula política adotada por nosso constituinte, a do ‘Estado Democrático de Direito’, pois sem a sua utilização não se concebe como bem realizar o mandamento básico dessa fórmula, de respeito simultâneo dos interesses individuais, coletivos e públicos. (53)

            Relativamente às dimensões do princípio da proporcionalidade, a adequação das normas protetoras deve ser aferida sob critérios de utilidade de sua presença, ou seja, se de fato serão úteis ao fim perseguido. A necessidade diferencia-se da adequação por indagar se o meio empregado é o que menos limitação vai gerar ao outro direito em oposição, também de natureza fundamental. Já a proporcionalidade em sentido estrito, como critério na análise do conflito entre o princípio protetor e o da autonomia privada coletiva, diferentemente dos dois anteriores pelos quais se verificam condições fáticas, visa a aferição das condições jurídicas, de forma que as disposições de um princípio serão analisadas em relação às disposições do princípio conflitante, e de acordo coma máxima da ponderação, conforme leciona Ana Virginia, nesta brilhante observação:

[...].Considerando que o princípio protetor é adequado e necessário para que se alcance um patamar mínimo de dignidade para o trabalhador e justiça nas relações de trabalho, convém analisar em que medida essa proteção deve ser concretizada, de modo que os prejuízos causados à autonomia dos atores sociais não sejam superiores aos benefícios gerados pelas regras protetoras. (54)

            Assim, na sua atuação a inspeção do trabalho deverá orientar-se por critérios que estejam em perfeita sintonia com essas exigências fáticas que possam sustentar validamente o princípio protetor no Direito do Trabalho.

            Nesse norte, a técnica da ponderação de interesses será a ferramenta mais adequada, posto que é dirigida por critérios manejados com bastante objetividade, guiada pelo princípio da proporcionalidade considerado na sua total dimensão, ou seja, partindo da consideração de suas três etapas: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.

            A par desse contorno, a restrição imposta a um dos interesses em conflito, abarcados pelos princípios da proteção ou da autonomia privada, deverá estar claramente justificada. Nesse sentido os ensinamentos de SARMENTO:

            [...] na ponderação, a restrição imposta a cada interesse em jogo, num caso de conflito entre princípios constitucionais, só se justificará na medida em que: (a) mostrar-se apta a garantir a sobrevivência do interesse contraposto, (b) não houver solução menos gravosa, e (c) o benefício logrado com a restrição a um interesse compensar o grau de sacrifício imposto ao interesse antagônico. (55)

            A restrição tratada pela técnica da ponderação de interesses é realizada tanto no plano abstrato quanto no plano concreto, embora não seja absoluta a aceitação de que a ponderação abstrata seja propriamente uma ponderação de interesses, face estar mais adstrita ao campo da interpretação. No que tange a ponderação concreta não se discute sua definição como técnica de ponderação de interesses. É exatamente esta ponderação que servirá à fiscalização do trabalho, chamada por SARMENTO de ponderação "ad hoc" (56) uma vez que ocorre diante de situações concretas.

            Com efeito, nas ações fiscais são identificados casos em que o princípio protetor e o princípio da autonomia privada coletiva se chocam, como ocorre nos casos em que jornadas de trabalho negociadas provocam tamanho desgaste físico dos trabalhadores que colocam em risco sua segurança, sendo afetada a própria dignidade humana. Esse exemplo e inúmeros outros implicam tomada de decisão pela autoridade fiscalizadora que precisa optar entre qual regra deve prevalecer: a negociada ou a legislada.Eis aí o exemplo onde efetivamente a técnica da ponderação de interesses será utilizada, pois estaremos diante de dois princípios constitucionais: o da proteção e o da autonomia privada. Evidentemente que essa ponderação há de ser feita sob parâmetros reais que não deixem dúvidas quanto a sua oportunidade e validade em face dos valores que informam nossa Carta Magna.

            5.3 - Aplicação do Princípio Protetor pela Técnica da Ponderação de Interesses sob a Chancela do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

            A ponderação de interesses como técnica não atua circunscrita a um processo endogênico de aferição dos valores, que pudesse ser entendida como um método simplesmente procedimental. Inversamente, como provado por SARMENTO, é um método muito mais abrangente, e assim ensina:

            A ponderação incorpora uma irredutível dimensão substantiva, na medida em que seus resultados devem se orientar para a promoção dos valores humanísticos superiores, subjacentes à ordem constitucional. Estes valores estão sintetizados no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que confere, que confere unidade teleológica a todos os demais princípios e regras que compõem o ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional. (57)

            A dignidade da pessoa humana foi contemplada como um fundamento da República Federativa do Brasil, conforme dispõe o art. 1º, Inciso III, da Constituição Federal de 1988. Com isso, é o princípio que dá unidade a todo o sistema jurídico, tudo o mais tem de cuidar para não afastar de sua órbita, sob pena, caso atente contra essa dignidade, de ser afastado pela ação daqueles que têm como atribuição fazer valer o regramento jurídico.

            A própria dimensão do princípio da dignidade da pessoa humana é questão infinita. Como bem sintetizou SARMENTO, "A essência do princípio em questão é difícil de ser capturada em palavras" e aponta este mestre para outra fera do saber, dizendo assim:

            Como observou com acuidade Walter Claudius Rothenburg, em lição que parece ser talhada à foice para o princípio da dignidade humana,... sendo os princípios manifestação primeira dos valores constitucionais, é certo que estão carregados de sentimentos e emoções. Ignorá-los seria desconsiderar a importância simbólica da constituição e seu significado histórico enquanto projeção de expectativas da comunidade. Vai daí que é impossível uma compreensão exclusivamente intelectual dos princípios: eles também são sentidos (experimentados no plano dos afetos). (58)

            Flutua no entorno da pessoa humana tudo o que é organizado para permitir a existência do homem e, em especial, o ordenamento jurídico há de ser justificado pela finalidade da garantia da vida digna e nunca por arredá-la qualquer milímetro para que outro interesse seja privilegiado, eis que primeiro o ser humano, que fora o primeiro a chegar, precedendo ao Direito e ao Estado, estes só se justificam pela existência daquele. A pessoa humana deve ser concebida e tratada como "valor-fonte" do ordenamento jurídico, como leciona REALE. (59)

            E neste sentido o princípio da dignidade da pessoa humana é o núcleo de todo o sistema jurídico que em torno dele gravita e por ele deve se alimentar, devolvendo-lhe em forma de garantia toda a energia necessária para sua existência, formando assim, uma simbiose perfeita. Essa idéia pode ser observada no que escreveu com pena-de-ouro Luzia Marques da S. C. Pinto, nestes termos " o poder constituinte, ao estabelecer o estatuto dos governantes e governados, isto é, domínio dos homens sobre homens, não pode divorciar-se da idéia de que a legitimidade do poder assenta nos direitos da pessoa humana, sendo os indivíduos simultaneamente a causa eficiente e a causa final de toda a organização política." (60)

            Imperativo aqui destacar que o princípio da dignidade da pessoa humana responde também numa dimensão negativa, ou seja, impõe limites inafastáveis para a atuação do Estado, devendo ser invalidado qualquer ato estatal que atente contra esta dignidade, seja ele ato normativo, administrativo ou jurisdicional, pois estará desprovido de eficácia jurídica, mesmo não afrontando qualquer outro dispositivo da Constituição.

            Assim, como destacou PEREZ LUÑO, citado por Daniel Sarmento, este princípio tem uma dupla dimensão constitutiva. Uma negativa, que é impeditiva da submissão da pessoa humana a ofensas e humilhações, e outra positiva, que impõe o reconhecimento da autonomia imanente ao Homem, pressupondo a garantia de condições para o pleno desenvolvimento da sua personalidade. (61) Esta dimensão positiva traz para o Estado a obrigação de atuar efetivamente para que a dignidade humana prevaleça em todos os sentidos no âmbito do território, ou seja deve promover ações que possibilite a cada indivíduo ter alimentação adequada, educação básica, saúde, moradia e outros direitos elementares do homem.

            Também no âmbito das relações privadas, patrimonialista ou não, o princípio em questão deve obrigatoriamente ser respeitado, pois é condição inafastável nas relações particulares, individuais e coletivas, ante a posição de privilégio que ocupa ele no texto constitucional e por estar carregado de valores substanciais ligados à pessoa humana. Essa a sacação de SARMENTO que bem a liga ao contexto desta questão: "ficar superada a dicotomia direito público/ direito privado, de construção romana, em face da progressiva constitucionalização do direito privado, que passa a gravitar em torno da constelação de princípios constitucionais, capitaneados por aquele que ocupa a posição-mor: o princípio da dignidade da pessoa humana". (62)

            Tal a magnitude desse princípio no ordenamento jurídico brasileiro, embora carregado de certo subjetivismo pela sua indeterminação, que funciona também como fundamento para integração da ordem constitucional. Pela mesma importância, é destacada a função hermenêutica por ele desempenhada, como observa SARMENTO quando magnificamente exarou em sua obra inaugural A Ponderação de Interesses na Constituição Federal, nestes termos:

            [...] Como fundamento basilar da ordem constitucional, o princípio da dignidade da pessoa humana configura diretriz inafastável para a interpretação de todo o ordenamento. Na condição de vértice axiológico da Constituição, o cânone em pauta condensa a idéia unificadora que percorre toda a ordem jurídica, condicionando e inspirando a exegese e aplicação do direito positivo, em suas mais variadas manifestações. É a partir desta perspectiva que o princípio da dignidade da pessoa humana revela-se como guia substantivo para a realização da ponderação entre interesses constitucionais. (63)

            Sob essa perspectiva é que a fiscalização do trabalho, mediante situações concretas advindas da flexibilização, deve atuar para aplicação do princípio protetor no Direito do Trabalho, já que a dignidade da pessoa humana posta-se como o excelente critério substantivo na realização da ponderação de interesses constitucionais. Nessa atuação, logicamente que a ponderação deverá tomar a dignidade da pessoa humana não isoladamente sob o aspecto individualista, mas sobretudo sob o aspecto personalista, onde o homem possa ser contemplado em sua dimensão coletiva, em que a sua proteção individual seja o reflexo do desejo da sociedade que elegeu e construiu o modelo de Estado que ora contempla os princípios constitucionais presentes nessa proteção da pessoa humana. Isso implica respeito àquelas regulamentações particulares, sustentadas pelo princípio da autonomia privada coletiva, que não atentem contra a dignidade da pessoa humana e a outros interesses de ordem pública. Por outro lado, essa autonomia privada não prevalecerá quando atentar contra essa condição máxima do ser humano: a dignidade, devendo o Estado atuar positivamente para afastar qualquer ato, público ou privado, que represente aviltamento da dignidade da pessoa humana.

            Revelado está, ao contrário do propalado em certas avaliações, que o fundamento jurídico para a defesa dos direitos dos trabalhadores não se reduz por simples "reforma trabalhista", posto que os princípios constitucionais do Direito do Trabalho são cláusulas pétreas, são normas fundamentais.


6 - A NOVA DIMENSÃO DO CAMPO DE ATUAÇÃO DA INSPEÇÃO ESTATAL

            O ciclo de alterações por que vêm passando as normas trabalhistas no Brasil, com perspectivas reais de novas modificações para promoção de sua flexibilização, coloca a fiscalização do trabalho, responsável pela inspeção estatal no âmbito das relações de trabalho, no cenário modelado pela ordem econômica vigente, que tem ditado a agenda política e desenhado o panorama social que ora se observa.

            A globalização da economia trouxe implicações e aponta perspectivas que nos faz imaginar o fim do Estado Moderno, ante a evidência de um modelo de regulação social neofeudal, pois na medida que o Estado mostra-se incapaz de criar condições para atender as demandas sociais, disciplinar as relações econômicas e "de monopolizar um poder de coação jurídica efetiva ao nível internacional, são as empresas transnacionais que vão promulgando o quadro jurídico, em conformidade com seus interesses, a partir do qual dar-se-á a regulação social." (64)

            Em que pese o cenário que a globalização vem projetando até então, não se pode tê-lo como amnéstico de que a República Federativa do Brasil constitui-se num Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos, entre outros, a dignidade da pessoa humana, a cidadania e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art.1º CF). E mais, nossa República Federativa está assentada em objetivos que dão sustentação à escolha do modelo de Estado Democrático de Direito. São eles: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Essa a fonte na qual a inspeção do trabalho deve ininterruptamente buscar suas energias para que possa atuar numa arena em que a cada dia o antagonismo dos interesses mostrar-se-á mais evidente, de modo que a ação fiscal seja desenvolvida na busca da preservação dos direitos que verdadeiramente se subsumam nos ditames constitucionais que corporificam a ordem do Estado Democrático de Direito.

            Por essa orientação é que a aplicação do princípio protetor e o princípio da autonomia privada coletiva indicam a nova dimensão do campo de atuação da inspeção estatal nas relações de trabalho, pois, como já vem ocorrendo há algum tempo, a fiscalização do trabalho abandona a ação preponderantemente formal, de utilização de uma técnica pontuada num check list, para atuar com observância dos fatores substanciais das relações de trabalho em cada posto de labor nos estabelecimentos que são submetidos à Auditoria-Fiscal do Trabalho (denominação criada pela Medida Provisória 2.175, desde o ano de 1.999). Essa auditoria passa a ser realizada nas relações de trabalho e não apenas nas relações de emprego como ocorria até meados do ano de 1.999, o que possibilitou o Estado intervir em certas situações de natureza civil em que o trabalho esteja envolvido ( modificação também inserida pela mesma Medida Provisória).

            Essa nova conformação das atribuições da Auditoria-Fiscal do Trabalho veio permitir que o Estado possa verdadeiramente cumprir sua obrigação de cunho constitucional, inserta no Inciso XXIV do artigo 21 da Constituição Federal, dando poderes para que o órgão encarregado desse mister maneje ferramentas adequadas a caracterizar o que a realidade atual do mundo do trabalho vem revelando, qual seja a diversificação da natureza das relações trabalhistas, muitas vezes com o desvirtuamento dos propósitos de cada instituto eleito pelas partes. Com isso, é possível o enfrentamento efetivo de questões que a realidade nos revela, como as que transcrevemos a seguir, que são apenas uma insignificante amostra de como é o mundo real da prática do trabalho. Escolhemos trechos de dois relatos, o primeiro atinente às cooperativas de trabalho, já transcrito no início deste trabalho, nestes termos:

            Já são onze horas da noite. Desde às sete horas da manhã trabalhadores carregam e descarregam caminhões, empilhando caixas.Não ganham nenhum adicional por trabalharem por tantas horas, tampouco por já ser noite. Calçam chinelos, não usam luvas, seus pés e mãos ficam mercê da sorte no manuseio das cargas. Quando por acaso se machucam ou ficam doentes, impedidos de trabalhar por alguns dias,não recebem pagamento algum. Eles e suas famílias estão entregues à própria sorte. Não têm direito a vale-transporte, salário-família ou qualquer outro benefício. Ao final quando não são mais necessários, são descartados sem direito a nenhuma indenização ou aviso prévio e não podem amparar-se no seguro desemprego. Ainda neste outro: "......maus empresários têm montado cooperativas de trabalho,utilizando-se de intermediários, e substituindo seus trabalhadores, contratados, sujeitos dos direitos trabalhistas, por "cooperados", que são arregimentados sem que saibam sequer o que significa uma cooperativa. Não lhes é oferecida alternativa. Vão descobrindo aos poucos o que significa essa sua condição de "cooperado". Quando chega o natal, procuram saber do décimo terceiro. Não têm direito. Após um ano de trabalho, cansados, com a família ansiosa por compartilhar um período de férias, descobrem que as não terão. Pouco a pouco, ficam sabendo de sua real condição, descrita a mim por um cooperado: "Somos quase que escravos. (65)

            O segundo caso são trechos de um escrito intitulado "Manual de Exploração do Escraviário", que é uma crítica ao tratamento do estagiário pela legislação brasileira. Vejamos:

            A idéia e a pretensão de escrever este manual, surgiram a partir da minha vida cotidiana enquanto gerente e estudante de direito, também como escraviário (escravo + estagiário) do Curso de Administração de Empresas em um grande banco estatal. Vivenciei nesses longos anos, no ambiente de trabalho como gerente e estagiário (2 anos), os dois pólos da relação, Capital versus Trabalho. Na relação jurídica estágio, o predador anda em perfeita harmonia com sua presa.

            Na verdade, confesso que a verdadeira vontade em escrever sobre esta temática, nasceu do choro e revolta de uma colega estagiária que após 15 dias do parto foi obrigada a retornar ao seu local de estágio, sob pena de rescisão do seu contrato. Seu medo e a necessidade do "emprego", a fizeram voltar ainda com cheiro de placenta.

            Este escrito é o que seu título diz: um manual. Não é uma obra científica. É algo para se ter à mão.Ao escrevê-lo, pensei em compor um guia ao representante do Capital de como bem explorar a mão-de-obra do escraviário alienado, um instrumento que facilitasse a todos que se utilizam dessa espécie de trabalhador a melhor se localizar nesta fascinante aldeia global do capitalismo selvagem.

            Não me preocupei no aprofundamento de discussões doutrinárias acerca do assunto, com questões filosóficas e ideológicas, mas com o real habitat do escraviário no mundo do trabalho.

            Perceberá o leitor, que em face da minha formação em Administração e Direito, algumas argumentações foram buscadas desses ramos da ciência e que o estágio de estudantes se revela um verdadeiro círculo vicioso e silencioso entre o estudante/escola/empresa.

            Nos corredores da Justiça do Trabalho e nas andanças observando o ambiente de trabalho de várias empresas e órgãos públicos, pude observar como testemunha viva, a exploração do estudante escraviário, um jovem bicho homem sem identidade de trabalhador pois nem é prestador de serviço regido pelo Código Civil (locação de serviço), tampouco uma espécie de empregado, protegido pela CLT. É uma figura híbrida, sui-generis, que navega entre o estudo e o trabalho.

            O que se observa é que a grande maioria das unidades concedentes de estágio, estabeleceram um caldo de cultura de que o estagiário é um empregado ou servidor público, fugindo aos objetivos que é de ensino e aprendizagem na linha de formação do estudante, usando como instrumento e máscara de emprego, pois é economicamente mais viável, mesmo correndo riscos em manchar o nome da instituição quando de eventuais reclamatórias trabalhistas.

            [...] Como o escraviário não é um trabalhador que está protegido pelas Leis Trabalhistas, não há nenhum impedimento legal para a jornada de estágio iniciar a partir das 22:00 h, isso para o estudante maior de 18 anos e desde que compatível com o seu horário escolar. O horário noturno onde os empregados aceitam trabalhar mesmo desmotivados e o custo de produção aumenta pelo pagamento dos adicionais noturnos previstos na legislação. (sic).

            [...] O livre jogo das forças do mercado e a redução da presença do Estado na Economia, a busca insana do lucro com maior eficiência, tudo isso somado à ausência de políticas de proteção em favor dos setores mais pobres, aliado também à revolução tecnológica, prenunciando uma sociedade pós-industrial na qual a tecnologia elimina mais emprego do que cria, está levando à formação de uma classe marginalizada econômica e socialmente. A atual onda tecnológica e o fenômeno da globalização, estão destruindo em curto espaço de tempo milhões de emprego, surgindo novos postos de trabalho em novos ramos da economia.

            Esse novo mercado tem desfigurado o trabalhador típico, ou seja, o empregado, exigindo ‘colaboradores’ com alto grau de informação e instrução, caracterizando um trabalho autônomo, temporário, não registrado e jornada de meio período, sem qualquer preocupação com o bem-estar do trabalhador, isto é, o que o mercado globalizado quer e precisa é de mão-de-obra barata, na busca incessante da eficiência a qualquer custo.

            Nesse contexto de menor custo, é que se insere a figura do estagiário brasileiro. Há muito já se percebe uma corrida de parte de substituição da mão-de-obra permanente por estagiários, vez que não há encargos trabalhistas nesta modalidade de prestação de serviço, tampouco, necessidade de retribuição, pois aos olhos do legislador brasileiro, não é uma relação de trabalho, apenas educacional que gentilmente, as empresas e órgãos públicos oferecem sua estrutura e sua cultura, ao treinamento e formação do estudante sob supervisão escolar., além da flexibilidade em rescindir o contrato do estudante sem direito a aviso prévio e indenização.

            [...] Finalmente, toda essa exclusão social dos Direitos Sociais Constitucionais do Trabalho relativamente à figura do trabalhador Estagiário, fere nossa Carta Magna em seus fundamentos de valorização do trabalho, com o intuito de garantir uma vida digna, assegurando os direitos sociais, promover o bem de todos sem qualquer forma de discriminação, erradicar a marginalização social, reduzir as desigualdades e construir uma sociedade LIVRE, JUSTA E SOLIDÁRIA. (sic). (66)

            Esses simples exemplos, extraídos da realidade brasileira, demonstram que o Estado precisa estar presente e de fato atuar para que a dignidade da pessoa humana não seja suplantada por interesses econômicos, sob pena de concretização de um modelo de regulação social neofeudal. Nesse sentido, em cada situação de enfrentamento de princípios constitucionais, a ponderação de interesses servirá como técnica nessa nova dimensão do campo de atuação da inspeção estatal. E essa técnica pode ser aplicada tanto nas situações novas, que se verifique caso eventualmente seja inserido no ordenamento jurídico brasileiro o princípio da supremacia do negociado sobre o legislado, a exemplo do adormecido projeto de Lei nº 5.483/01, quanto nas situações advindas da flexibilização promovida pela série de normas já concretizadas, das quais falamos no capítulo 3 deste trabalho.

            Atentos a essa realidade, para bem caracterizar eventuais desvirtuamentos no cumprimento da legislação trabalhista a Auditoria-Fiscal do trabalho precisa estar ancorada em métodos eficazes, com vistas a produzir bem as provas e nunca simplesmente "arrancar as provas", pois assim como no passado o uso da maconha e da cocaína pela classe de melhor poder aquisitivo era tido como "vício social elegante", hoje, sob uma cosmovisão econômica, a utilização desvirtuada de certas formas de trabalho, como Cooperativas de Trabalho, Estagiários e Trabalho Temporário, que vise sobretudo a redução de custos para alcançar a maior competitividade possível, é vista por muitos e importantes seguimentos da sociedade como "ação social elegante", que não raramente conta com simpatia dentro das próprias instituições públicas que têm como atribuição fazer valer os direitos gravados pela Constituição. Para que tenham êxito as ações fiscais que busquem combater práticas abusivas contra os direitos trabalhistas, de forma que se sustentem no âmbito administrativo e judicial, é indispensável que os atos sejam praticados com absoluto respeito às regras do nosso Estado Constitucional.

            Com efeito, relatórios devem ser produzidos com indiscutível clareza e certeza do fato que objetivar combater, face a necessidade de subsidiar eventuais ações do Ministério Público e, em especial, não deixar dúvidas perante órgãos julgadores, tanto administrativo quanto judicial, pois, com o pesado poder bélico do capital internacional, interessado em ditar as regras que permitam a multiplicação do seu lucro no menor tempo possível, será buscada em todas as esferas a manutenção das práticas trabalhistas que permitam a continuação do desvirtuamento. Pareceres de juristas de envergadura internacional já são encomendados e renomados escritórios de advocacia são contratados para defesa desses interesses. Isto obriga a que o Estado atue com responsabilidade e qualidade, atento não só ao interesse individual do trabalhador, mas também respeitando os limites da autonomia privada, pois o norte é a dignidade da pessoa humana e certamente que em muitas relações de natureza civil na área laboral estarão em sintonia com essa ordem. O que é preciso combater nas relações trabalhistas são as "ações sociais elegantes" que possam produzir o mesmo resultado produzido pelos "vícios sociais elegantes" do passado.

            Projeta-se neste contexto, uma necessidade de que os agentes encarregados da auditoria-fiscal do trabalho tenham uma razoável formação acadêmica para um bom desempenho da missão. Essa qualidade pode ser compreendida quando se analisa o nível das provas para preenchimento dos cargos de Auditor-Fiscal do Trabalho nos últimos concursos. Além do Direito do Trabalho especificamente, o Direito Administrativo, Constitucional, Comercial, Civil, Penal e Tributário também são cobrados, bem como língua portuguesa e uma língua estrangeira, economia do trabalho e sociologia do trabalho.

            Isto, aliado a outras estratégias de reciclagem periódica dos Auditores-Fiscais, possibilita a formação de uma estrutura qualitativa de pessoal para enfrentamento da realidade atual no mundo do Trabalho. Nesse sentido o "Programa de Transformação do MTE: o novo perfil da fiscalização do trabalho" implantado no ano de 2001.

            Com o mesmo propósito, ou seja, criar alternativas para uma atuação mais efetiva da inspeção estatal, em 09.12.99, pela Medida Provisória nº 1.952-18, o Presidente da República promoveu a inserção do art. 627-A na CLT. Essa providência legislativa foi adotada para dar sustentação ao cumprimento ao referido "Programa de Transformação do MTE", que contempla a construção de um "Novo Perfil da Fiscalização do Trabalho", cujo ponto central é o estabelecimento de modos de procedimentos ancorados em novos instrumentos que possibilitem, com maior êxito, o combate às infrações e o correto cumprimento da legislação trabalhista.

            Com efeito, o art. 627-A da Consolidação das Leis do Trabalho veio permitir que o Auditor-Fiscal do Trabalho promova a ação fiscal mediante a instauração de "Mesas de Entendimento", objetivando a orientação sobre o cumprimento das leis de proteção ao trabalho, bem como a prevenção e o saneamento de infrações à legislação mediante Termo de Compromisso firmado pelo empregador infrator, que se livrará da autuação prescrita no art. 628 da CLT mediante o cumprimento do compromisso firmado.

            Essa alteração na legislação provocou a reação de alguns profissionais que militam na área do Direito do Trabalho, sob a alegação de que o Estado estaria abrindo mão do seu poder de polícia. Contudo, não é essa a conclusão mais adequada ao caso, dado que essa alteração apenas trouxe a possibilidade da utilização do poder discricionário do Auditor-Fiscal em face de determinadas circunstâncias observadas nas ações de fiscalização. "O poder de polícia é inerente e indissociável da função fiscalizadora, somente podendo ser suprimido em virtude de lei. É o que garante aos agentes do Estado o acesso às instalações, documentos e informações da empresa e, em especial, dota-os do poder de sanção". (67)

            Nesse norte, passa a ter a Inspeção do Trabalho mais uma alternativa para o desempenho de sua missão constitucional, que é a de zelar pelo cumprimento da legislação de proteção ao trabalhador, podendo lançar mão de um instrumento que possa possibilitar o êxito da missão. Para tanto, o Auditor-Fiscal do Trabalho precisa estar preparado, também, para o exercício da função de mediação, eis que a alternativa da "mesa de entendimento" implica a negociação em busca de resultados que melhor atendam ao cumprimento da legislação trabalhista, onde ganha o trabalhador com a real proteção de seus direitos e ganha o empregador com a desoneração da autuação e com a orientação recebida.

            Além dessa estruturação qualitativa indicadora da nova dimensão do campo de atuação da Auditoria-Fiscal do Trabalho, há que se destacar a intensificação das demandas por ações fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego, decorrente especificamente dos efeitos da precarização do trabalho. Como no âmbito da justiça do trabalho, as reclamações de trabalhadores perante as Delegacias Regionais do Trabalho, diretamente ou por seus representantes sindicais, cresceram significativamente, provando que a flexibilização das normas trabalhistas procedidas ao longo dos últimos trinta e cinco anos, mais precisamente a partir da criação do FGTS, como nos exemplos que elencamos no capítulo 3 deste trabalho, só fez alargar o campo de atuação da inspeção estatal.

            E essa é a tendência com a intensificação da flexibilização, em que se propugna a prevalência das negociações coletivas, dadas as premissas que impedem uma atuação sindical efetiva e que garanta o cumprimento de direitos trabalhistas, como as relacionadas ao modelo sindical brasileiro e à proteção contra atos anti-sindicais demonstradas no capítulo 4 (A Inspeção Social Ante a Flexibilização). Se por um lado o Estado procura flexibilizar mais e regulamentar menos as relações de trabalho, por outro, é chamado cada vez mais a declarar e fazer cumprir direitos.

            É também nesse compasso quantitativo que fica alargado o campo de atuação da inspeção do trabalho. Se é nobre que o Estado flexibilize mais e regulamente menos, e aqui o propósito deste trabalho não é discutir essa viabilidade sob qualquer aspecto e sim os limites do campo de fiscalização, indiscutivelmente nobre é o Estado atuar para garantia dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Essa obrigação de fiscalização está ligada a atuação positiva do Estado frente aos valores sublinhados pelos princípios constitucionais.

            6.1 - A Nova Dimensão do Campo de Atuação da Inspeção Estatal e a Integração Econômica

            A nova dimensão do campo de atuação da inspeção estatal pode também ser medida pelas perspectivas geradas pela globalização e pela flexibilização das normas trabalhistas. São novas funções que a fiscalização do trabalho tem que assumir por força de uma realidade irreversível, tendo o Estado que reorientar sua função de controle, mediante estabelecimento de estratégias que possam alcançar a significativa parcela de trabalhadores que estão à margem do setor formal, bem como promover medidas de combate a certas práticas trabalhistas que atendam às prescrições indicadas nos processos de integração econômica ou comercial.

            Essas prescrições forçosamente levarão os países integrantes a responderem positivamente na busca de garantias mínimas para os trabalhadores, influenciando para um alargamento das atividades da inspeção do trabalho na medida que cada Administração do Trabalho buscar efetivamente atuar em questões fundamentais, como "liberdade de associação e de negociação, proibição de trabalho forçado e de alto risco para a saúde e a vida, combate á discriminação, erradicação do trabalho infantil e migração de trabalhadores". (68)

            A Organização Internacional do Trabalho - OIT, em um estudo no final do século XX prescreveu as mudanças que ocorreriam nos Ministérios do Trabalho no século XXI. Entre as considerações feitas consta que os Ministérios do Trabalho que tradicionalmente atenderam e regularam os mercados de trabalho organizados e atenderam às associações mais organizadas (sindicatos e organizações de empregadores), devem enfrentar um duplo desafio.

            Por um lado, existe a necessidade de introduzir uma série de reformas para adaptar a ação relacionada com os âmbitos laborais, tradicionalmente atendidos pelos ministérios, o que implicará redefinir suas formas de intervenção, abandonar algumas funções e assumir outras novas. Por outro, surge como demanda importante a atenção a grupos de trabalhadores não incorporados aos setores modernos, principalmente os informais e os desempregados. Esta dimensão adicional, além de necessária pode contribuir a legitimar socialmente a ação dos Ministérios do Trabalho vinculados às políticas sociais do governo. (69)

            Outro sinal da nova dimensão do campo de atuação da inspeção do trabalho, sob a ótica internacional, ainda não adotada pelo Brasil, mas viável ante a pauta da integração econômica, são os "Modelos Emergentes para a Inspeção do Trabalho", também de orientação da OIT. Esses "modelos" são concebidos como técnicas de auditoria para atuação da inspeção na fase de prevenção de riscos à saúde dos trabalhadores, conforme descrevem os Auditores-Fiscais do Trabalho GUEIROS JÚNIOR e LOPES, que em monografia sintetizam o que seriam esses modelos emergentes embasados em novas técnicas de auditoria. Vejamos:

            - experiências de ‘self inspection’, em que as empresas solicitam a Inspeção do Trabalho com o objetivo de estabelecer riscos e controle de riscos aceitáveis, numa parceria entre a Inspeção eo Staff de gestão; essa estratégia tem sido utilizada por grandes empresas e pressupõe uma cultura de segurança em nível elevado; a Inspeção do Trabalho vai praticamente desenvolver um trabalho de Auditoria, mas esse sistema não implica ainda na emissão de Certificação;

            - Programas de Gerenciamento de Riscos por Objetivos, em que a Inspeção do Trabalho participa em um programa conjunto articulando as ações para a qualidade e segurança, desenvolvendo uma abordagem focal, por uma seleção de agentes de riscos e sistemas de controle prioritários; nesse caso, a empresa pode solicitar uma Certificação Voluntária, quando a empresa deseja obter um reconhecimento e acreditação sobre os seus progressos; em outros modelos, é utilizada uma pontuação para estabelecer-se estudos comparativos com empresas de atividade semelhante e assim se avaliar a gestão de riscos de uma atividade industrial específica em determinada área ou região;

            - Avaliação de Performance, que, segundo a OIT, vem se constituindo a ênfase principal dos programas de prevenção sob o contexto de uma moderna Inspeção do Trabalho; neste caso, há uma pontuação envolvendo inclusive escores sobre os riscos que afetam também a comunidade fora da empresa; no caso de uma pontuação negativa, a empresa é submetida a inspeções preventivas;

            - Programa de Proteção Voluntária, em que a empresa solicita a colaboração da Inspeção do Trabalho para um programa em que os sistemas de gestão e as normas regulamentadoras são confrontadas para uma aferição; em caso de eficiência no cumprimento das normas, a Autoridade da Inspeção do Trabalho emite uma Certificação em que reconhece-se (sic) publicamente a eficiência dos sistemas de gestão de riscos naquela empresa; de acordo com a Certificação a empresa pode ser retirada da lista de prioridades da Inspeção do Trabalho. (70)

            Sobressai, do conjunto de questões observadas neste trabalho, que a flexibilização das normas trabalhistas e a mundialização da economia vieram e continuarão traçando os novos contornos do campo de atuação da Auditoria-Fiscal do Trabalho no Brasil. Vê-se que a dimensão atual está assentada em dois aspectos principais, um quantitativo e outro qualitativo. O quantitativo decorrente do crescimento de reclamações de trabalhadores e de sindicatos de trabalhadores para que a fiscalização atue para fazer cumprir direitos trabalhistas que os Empregadores deixam de cumprir, cuja demanda aumentou ano a ano não obstante a flexibilização das normas, bem como das novas atividades encampadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego na atuação estratégica, inclusive nas atividades informais, na promoção de ações afirmativas, de combate à discriminação no trabalho, ao trabalho infantil e ao trabalho forçado, já que são questões que afetam a imagem do Estado junto à comunidade internacional.

            Quanto ao aspecto qualitativo, salta da necessidade de atuação efetiva dos Auditores-Fiscais do Trabalho, de modo a sustentar seus relatórios e autuações com base em informações seguras, colhidas com observância às regras do Estado Democrático de Direito, dado que terá pela frente o enfrentamento do capital internacional, sem limites para custeio de despesas com defesas que possam garantir-lhe a livre manipulação das formas de trabalho previstas na legislação brasileira, como o estágio de estudantes, o trabalho temporário e de cooperativa, trabalho por tempo determinado e banco de horas, entre outros. Pode surgir disto uma colisão de princípios que guardam os interesses correspondentes, implicando adoção de critérios pela inspeção do trabalho que sirvam validamente para solução do impasse, tal como a técnica da ponderação de interesse.

            Também nesse contexto de qualidade são colocadas as ações estratégicas para alcance das classes que precisam da proteção do Estado para serem resgatadas, quais sejam o combate ao trabalho infantil, à discriminação no trabalho e ao trabalho forçado, além da penetração no seio da informalidade para cumprimento de metas públicas de redução de acidentes do trabalho, vez que o vulto dessas demandas exigem planejamento estratégico e dentro de uma realidade conjuntural, pois são questões não solúvel apenas por número de fiscalizações mas acima de tudo pela qualidade das ações afirmativas, cujo propósito é de buscar uma imagem satisfatória para o país no âmbito internacional que lhe possibilite colher dividendos comerciais.

            Ainda sob a dimensão qualitativa é inserida a atividade de mediação em negociação coletiva e em mesa de entendimento, esta prevista no artigo 627-A, recém inserido na CLT, já que o êxito das mediações está diretamente vinculado às habilidades dos mediadores, os quais devem estar preparados para o enfrentamento de interesses que contrariam as prescrições normativas, e, também, para o reconhecimento das possibilidades de prevalência da autonomia privada, ponderando para que a dignidade no trabalho seja alcançada não só pela dimensão individual mas também coletiva. Esse resultado é alcançado em razão da qualidade das ações e não da quantidade delas, apenas.


7 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Ao cabo deste trabalho, passamos ao destaque sintetizado dos pontos principais que nos permite tomar como conclusão dos fatos objeto do estudo, o que não é logicamente uma posição absoluta acerca do tema, pois pode assumir diferentes contornos conforme a ótica sob a qual cada um analisa as questões aqui abordadas:

            7.1 - a fiscalização do trabalho surgiu no Brasil em 1891, mas por vários anos não funcionou efetivamente como órgão de defesa dos trabalhadores, pois a União enquanto detentora dessa atribuição executiva não tinha competência privativa para legislar sobre o Direito do Trabalho, já que os Estados tinham competência para legislar sobre esse direito. Somente com a reforma constitucional de 1926, quando a organização do trabalho passa para a competência da União, foi possível promover reformas para se ter também de fato um órgão de inspeção, mas cuja efetivação somente alcançou êxito em 1965, após passados mais de 20 anos do surgimento da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, mediante a regulamentação da inspeção do trabalho. Isto graças ao compromisso assumido pelo Brasil em 1956 com a ratificação da Convenção nº 81 da Organização Internacional do Trabalho - OIT.

            7.2 - A legislação trabalhista, considerada como normas rígidas, tem sido ponto de acirrados debates sobre a necessidade de sua flexibilização, contudo, conforme se depreende da análise das alterações normativas nas últimas quatro décadas, diversas foram as modificações que revelam não ser a flexibilização um fenômeno novo. Teve de fato início com a Lei nº 5.107, ainda no ano de 1966, quando fora instituído o regime do FGTS, pelo qual a estabilidade no emprego que tinha status de norma constitucional deixa de ser absoluta. Já esta lei visava atender aos interesses econômicos do Brasil, pois o sistema da estabilidade era tido como um empecilho à mobilidade capitalista. Na mesma esteira da flexibilização vieram uma série de outras leis que demonstram cristalinamente que há muito a flexibilização vem ocorrendo. Entre elas destacam-se:

            7.2.1 - instituição do regime de trabalho temporário pela Lei nº 6.019, de 03/01/74;

            7.2.2 - regulamentação dos estágios de estudantes de estabelecimentos de ensino superior e de ensino médio profissionalizante do 2º grau e supletivo, através da Lei nº 6.494, de 07/12/77, alterada pela Medida Provisória nº 1.952;

            7.2.3 - contratação de serviços de sociedade cooperativa declarada no parágrafo único do artigo 442 da CLT (parágrafo acrescentado pela Lei nº 8.949, de 09/12/94);

            7.2.4 - criação da modalidade de contrato de trabalho por prazo determinado pela Lei nº 9.601, de 21/01/98;

            7.2.5 - regulamentação do serviço voluntário pela Lei nº 9.608, de 18/02/98;

            7.2.6 - definição de obrigações trabalhistas diferenciadas para as microempresas e empresas de pequeno porte, através da Lei nº 9.841, de 05/10/99;

            7.2.7 - autorização do Banco de Horas pela Lei nº 9.601/98;

            7.2.8 - autorização para suspensão dos efeitos do contrato de trabalho do empregado para fins de participação de cursos de qualificação profissional, conforme artigo 476-A da CLT, acrescido pela MP nº 1952;

            7.2.9 - criação de um "novo perfil para a fiscalização do trabalho", pela inserção do artigo 627-A na Consolidação das Leis do Trabalho, através da MP nº 1.952;

            7.2.10 - criação de Comissões de Conciliação Prévia, através da Lei nº 9.958, de 12/01/00.

            7.3 - Embora não seja fato novo, a flexibilização ganha uma nova dimensão com o intento da chamada "Reforma Trabalhista", oportunidade em que setores da sociedade buscarão resgatar a essência do Projeto de Lei nº 5.483/01, objeto de debates carregados de energia favorável ou contrária a esta proposta, que visa privilegiar a autonomia privada coletiva mediante a afirmação normativa de prevalência do negociado sobre o legislado.

 7.4 - Em que pese a flexibilização da legislação laboral vista nos últimos anos, com a série de normas desde a lei do FGTS em 1966, as reclamações de trabalhadores e de sindicatos de categorias profissionais cresceu ano a ano, provando que apenas a flexibilização de normas não reduz o desrespeito aos direitos dos trabalhadores, pois na medida que foram sendo disciplinadas novas formas de contratação os empregadores foram multiplicando os desvirtuamentos dessas formas de relações de trabalho para obtenção de maiores lucros, o que, em contrapartida, gerou uma crescente demanda de pedidos perante o Ministério do Trabalho para que a fiscalização promovesse a defesa dos direitos trabalhistas não respeitados pela classe econômica. Isso não foi diferente quanto as demandas junto à Justiça do Trabalho.

            7.5 - O crescimento da atividade econômica informal levou uma enorme quantidade de trabalhadores a estar fora do abrigo da legislação trabalhista, mas que buscam o amparo do Estado quando se acidentam ou chegam à idade avançada.

            7.6 - A integração econômica e a luta pelo comércio internacional buscada pelo Brasil, trouxeram-no uma obrigação de atendimento a certas exigências da comunidade internacional no plano das políticas públicas, eis que afetas à sua imagem no exterior e diretamente ligadas ao seu interesse econômico, qual seja a atuação para resgate da condição mínima de dignidade humana. Nesse mister a inspeção do trabalho passa também a desenvolver ações para o combate ao trabalho infantil, ao trabalho forçado e à discriminação no trabalho, entre outras.

            7.7 - A Auditoria-Fiscal do Trabalho, responsável pelo acompanhamento do cumprimento da legislação trabalhista, no que diz respeito ao modo de atuação, não acompanhou pari passu as modificações ocorridas na legislação, o que a deixou até recentemente dissociada da realidade e do dinamismo das relações do trabalho decorrentes das modificações no sistema normativo trabalhista e mesmo dos efeitos das transformações econômicas.

            7.8 - Somente a partir do ano 1.999 a Auditoria-Fiscal do Trabalho começa a ganhar um novo perfil que vem de encontro à realidade das relações de trabalho no Brasil. Com efeito, os Auditores-Fiscais do Trabalho passam a ter competência para assegurar o cumprimento de disposições legais nas relações de trabalho e não apenas nas relações de emprego (MP nº 2.175), recebem o poder para instauração de procedimento especial de fiscalização, visando à orientação e busca de solução negociada mediante Termo de Compromisso do Empregador (art. 627-A CLT), bem como passam a ter o poder de inspecionar qualquer documento contábil da empresa, o que facilita a identificação de irregularidades praticadas. Com esse novo contorno a inspeção estatal ganha forças para atuar dentro da atual conformação do trabalho no Brasil.

            7.9 - A flexibilização da legislação trabalhista implica reorientação da forma de atuação da Auditoria-Fiscal do Trabalho, pois a diversificação das formas de trabalho e suas respectivas disciplinas obrigam a que se preze pela qualidade das ações fiscais, em especial a produção de provas, a elaboração de relatórios e as autuações, que certamente, pelo interesse e poder do capital internacional que tende a predominar e pelo acirramento da competitividade, serão contestadas com defesas de qualidade e "peso" que possam fazer prevalecer os ares libertários da flexibilização. Por outro lado, essa mesma qualidade é indispensável para que se respeite os limites legais da autonomia privada, mediante o correto enquadramento de cada situação concreta que revele essa prevalência.

            7.10 - No Direito do Trabalho dois princípios constitucionais se destacam: o princípio protetor e princípio da autonomia privada coletiva. Com a flexibilização das normas trabalhistas há uma tendência de que esses princípios possam cada vez mais estar em colisão entre si, ante a natureza dos interesses que possam estar protegendo.

            7.11 - O princípio protetor e o princípio da autonomia privada presentes no Direito do Trabalho são dotados de juridicidade, eis que concebidos hoje como norma, pois esta é a concepção pós-positivista de princípios. Portanto, servem ao sistema jurídico, mesmo não estando expressos na Constituição, também para regular os casos de natureza trabalhista, pois decorrem dos direitos sociais expressos no artigo 7º da C.F/88.

            7.12 - O princípio protetor é norma que constitui o Estado em obrigação de fazer no que tange à defesa dos direitos dos trabalhadores indicados no artigo 7º da Carta Magna, visto esses direitos subjacentes no princípio da dignidade da pessoa humana, concebido como fundamento da República Federativa do Brasil, a qual deve ser informadora de toda a atividade estatal.

            7.13 - Na função de zelar pelo cumprimento da legislação trabalhista a Auditoria-Fiscal do Trabalho freqüentemente encontra situações concretas de colisão entre o princípio protetor e o princípio da autonomia privada coletiva, ante a incompatibilidade entre os interesses por eles respectivamente protegidos. Nessas situações, onde for impossível a manutenção de um interesse sem o afastamento do outro, a autoridade fiscalizadora terá de lançar mão de um método que validamente sustente a sua escolha pelo direito a prevalecer. Para essas situações, a melhor técnica é a da ponderação de interesses.

            7.14 - Para aplicação da técnica da ponderação de interesses o Auditor-Fiscal do Trabalho deverá ter uma pré-compreensão do caso, mediante a comparação do peso genérico conferido pela ordem constitucional a cada um dos interesses, orientando-se pelo conjunto de valores subjacentes na Constituição. Essa compreensão dos interesses será indiciária do peso específico, que, por sua vez, será atribuído aos respectivos interesses protegidos pelo princípio protetor e pelo princípio da autonomia privada, de acordo com o grau de intensidade de cada interesse estiver protegido. Para essa finalidade, a técnica da ponderação deverá estar chancelada pelo princípio da dignidade da pessoa humana.

            7.15 - A flexibilização das normas trabalhistas, a globalização, o crescimento da atividade informal e a integração econômica e comercial, são fatores que contribuíram para uma nova dimensão do campo de atuação da inspeção estatal, ante as conseqüências para o próprio Direito do Trabalho. Com efeito, houve um crescimento em escala geométrica do número de pedidos de fiscalização face o descumprimento da lei, a Auditoria-Fiscal teve que se reorientar para produção de trabalhos de qualidade frente á "engenharia" do desvirtuamento de certas formas de trabalho (estágio, cooperativas de trabalho e o trabalho temporário, etc.), foi ampliada a sua competência para que atuasse também no âmbito das relações de trabalho e não apenas nas relações de emprego, recebeu a incumbência de desenvolver ações estratégicas de fiscalização para combate do trabalho infantil, do trabalho forçado e da discriminação no trabalho.

            7.16 - A flexibilização das normas trabalhistas no Brasil não é impeditiva nem limitadora da atuação da Auditoria-Fiscal do Trabalho na promoção da defesa dos direitos dos trabalhadores, pois: sendo competência da União organizar, manter e executara inspeção do trabalho (art. 21, XXIV da C.F/88); insculpida a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, que por sua vez constitui-se num Estado Democrático de Direito ( art.1º ); constituindo-se objetivos fundamentais de nossa República:construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º); e, ainda, considerando que os Direito Sociais insertos no artigo 7º da Constituição são sobretudo Direitos Fundamentais, a autonomia privada encontra seus limites na ordem pública regida por esses valores subjacentes na Constituição Federal.

            7.17 - A atual dimensão do campo de atuação dos órgãos estatais que atuam no atendimento das demandas dos trabalhadores, mais especificamente o Ministério do Trabalho e Emprego, o Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho, prova não ter sustentação a tese de que operadores do direito atuantes nessas áreas são, na maioria, contrários à flexibilização por receio de perda de poder. A verdade situa noutra órbita. Por uma observação atenta, sem paixão e preconceitos, dela sabem os bons estudiosos.


8 – NOTAS

            1 MANNRICH, Nelson. Inspeção do Trabalho. São Paulo: Ltr, 1991. p. 17.

            2 MANNRICH, Nelson, op. cit., p. 17-18.

            3 MANNRICH, Nelson, op. cit., p. 18.

            4 MANNRICH, Nelson, op. cit., p. 19.

            5 MANNRICH, Nelson, op. cit,. p. 19.

            6 VIANA, Segadas, Instituições de Direito do Trabalho, 18ª ed., vol. 1. São Paulo, Ltr. p. 1272.

            7 MANNRICH, Nelson, op. cit., p. 21.

            8 SÜSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT. São Paulo: LTr, 1994. p. 17.

            9 Esta Convenção n. 129 teve poucas adesões, dados os problemas enfrentados na agricultura, pois, em muitos países, este setor absorve um grande número de trabalhadores, conf. Oficina Internacional del Trabajo. Conferencia Internacional del Trabajo. Actas (71ª Reunião - 1985), págs. 30/10.

            10 TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Instituições de Direito do Trabalho. 18ªed. São Paulo: Ltr, 1999, p. 1274.

            11 MANNRICH, Nelson, op. cit., p. 21.

            12 TEIXEIRA FILHO, João de Lima, op. cit., p. 1275.

            13 MANNRICH, Nelson, op. cit., p. 55-60.

            14 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 225.

            15 MAGANO, Octavio Bueno. Manual de Direito do Trabalho, vol. IV, "Direito Tutelar do Trabalho", p. 12.

            16 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 13ª ed. São Paulo: Ltr, 1987, p. 438.

            17MANNRICH, Nelson, op. cit., p. 61.

            18 BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o sistema tributário nacional e institui normas gerais de Direito Tributátio aplicáveis à União, Estado e Municípios. Diário Oficial da União, Brasília, 27 out. 1966. Seção 1.

            19 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2.000. p. 697.

            20MELLO, Celso Antônio Bandeira de, op. cit, p. 385.

            21 MANNRICH, Nelson, op. cit., p. 69.

            22 MANNRICH, Nelson, op. cit., p. 74.

            23 MANNRICH, Nelson, op. cit., p. 200.

            24 BRAGA, Maria Lúcia de Santana, Flexibilização das Relações Trabalhistas. Informativo AAIT/MG, jan/fev. 2001.

            25 BRAGA, Maria Lúcia de Santana. Flexibilização das Relações Trabalhistas. Informativo AAIT/MG,jan/fev. 2201.

            26 TEIXEIRA FILHO, João de Lima e MARANHÃO, Délio. Instituições de Direito do Trabalho. ob. cit., p. 280.

            27 ROCHA, Djailson Martins. Cooperativas de Trabalho. Informativo SINAIT, n. 22, Abril/Maio/98.

            28 Documento Referencial da Secretaria de Inspeção do Trabalho. Programa de Transformação do MTE: o novo perfil da fiscalização do trabalho. Brasília/2001.

            29 ROSSO, Sadi Dal. A Inspeção do Trabalho. Brasília: Sinait, 1999. p. 12.

            30 ROSSO, Sadi Dal.A Inspeção do Trabalho. Brasília: Sinait, 1999. p. 10.

            31 MEIRELLES, Hely Lopes.Direito Administrativo Brasileiro. 17ª ed., São Paulo: Malheiros Editores. 1991. p. 89.

            32 BIGNAMI, Renato. Uma Proposta para a Reforma Trabalhista Brasileira. São Paulo: SINPAIT, Informativo O ello, nov/dez., 2.000.

            33 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de Direito Sindical - 2ª ed.. São Paulo: LTr, 2.000.

            34 MAGANO, Octávio Bueno. Manual de Direito do Trabalho. São Paulo. LTr. 1993.

            35 SILVA, Otavio Pinto e. A Contratação Coletiva como Fonte do Direito do Trabalho. São Pulo: LTr, 1998.

            36 SILVA, Otavio Pinto e, op. cit., p. 99.

            37 SILVA, Otavio Pinto e, op. cit., p. 126/127.

            38 SILVA, Otavio Pinto e, op. cit., p. 127.

            39 TEIXEIRA FILHO, João de Lima, op. cit., pág. 1276.

            40 MANNRICH, Nelson, op. cit., p. 262.

            41 SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. 1ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2000, p. 40.

            42 SARMENTO, Daniel, op. cit., p. 97.

            43 SARMENTO, Daniel, op. cit., p. 100.

            44 SARMENTO, Daniel, op. cit., p. 103.

            45 SARMENTO, Daniel, op. cit., p. 104.

            46 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1991, pp. 158-159.

            47PLÁ RODRIGUES, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. 3ª ed. São Paulo: Ltr, 2000, p. 50 e 56.

            48 Os princípios não escritos são os mais fortes. Onde isto é mais evidente, é em matéria constitucional, onde vemos a cada passo o quanto os princípios escritos são mudados por obra da conjuntura política, enquanto que as verdades elementares permanecem incólumes. ESSER, Josef. Principio y norma en la elaboración jurisprudencial del derecho privado. Madrid: Bosch, 1961, p. 90.

            49 GOMES,Ana Virgínia Moreira. A Aplicação do Princípio Protetor no Direito do Trabalho. 1ª ed. São Paulo: Ltr, 2002, p. 41.

            50 GOMES, Ana Virgínia Moreira, op. cit., p. 41.

            51 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 4ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p.43.

            52 GOMES, Ana Virgínia Moreira, op. cit., p. 158.

            53 GOMES, Ana Virgínia Moreira, op. cit., p. 162.

            54 GOMES, Ana Virgínia Moreira, op. cit., p. 171.

            55 SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. 1ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2000, p. 96.

            56 SARMENTO, Daniel, op. cit., p. 110.

            57 SARMENTO, Daniel, op. cit., p. 57.

            58 SARMENTO, Daniel, op. cit., p. 58/59.

            59 REALE,Miguel. "A Pessoa, valor-fonte fundamental do Direito", in Nova Fase do Direito Moderno. São Paulo: Saraiva, 1990, pp. 59/69.

            60 PINTO, Luzia Marques da Silva Cabral. Os Limites do Poder Constituinte e a Legitimidade Material da Constituição. Coimbra: Coimbra Ed., 1994, p.142.

            61 PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos Humanos, Estado de Derecho Y Constitucion. 3ª ed. Madri: Tecnos, 1990, p. 318.

            62 SARMENTO, Daniel, op. cit., p. 72.

            63 SARMENTO, Daniel, op. cit., p. 73.

            64 Cf. ROTH, André-Noel, anotando B. de SouzaSantos. "Droit: une carte déformée. Pour une conception post-moderne dudroit", in Droit et Societé, n. 10, 1988. *Tradução de Margaret Cristina Toba e Márcia Maria Lopes Romero.

            65Djailson Martins Rocha, Cooperativas de Trabalho, Informativo SINAIT, n. 22, Abril/Maio/98.

            66 Zé Ningém. Manual de Exploração do Estagiário. http:\\ebooksbrasil.com/eLibris/escraviario.html. 2001.

            67 Documento Referencial da Secretaria de Inspeção do Trabalho. Programa de Transformação do MTE: o novo perfil da fiscalização do trabalho. Brasília/2001.

            68 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (Suíça). Administração Laboral e Ministérios do Trabalho no Século XXI. Oficina Internacional do Trabalho. 1997, p. 28.

            69 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (Suíça). Administração Laboral e Ministérios do Trabalho no Século XXI. Oficina Internacional do Trabalho. 1997,p. 41.

            70GEIROS JÚNIOR, Samuel e SILVA LOPES, Airton da. Globalização e flexibilização das normas trabalhistas: modelos emergentes para a Inspeção do Trabalho. Brasília: SINAIT, Resultado do concurso de monografia. out. 2000. p. 45/46.


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