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A nova estrutura sindical tem que estar a serviço dos
trabalhadores e não de cúpula da direção sindical
Daniel Pestana Mota
advogado trabalhista,
mestrando pela UNESP de Marília (SP)
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Antecipando-se ao debate e ao próprio governo Lula, os Deputados
Federais Vicente Paulo da Silva e Mauricio Rends encaminharam ao Congresso
Nacional Proposta de Emenda Constitucional (PEC 29/03) que trata da Reforma do
Sistema Sindical Brasileiro. Em linhas gerais, a PEC – ao menos em tese -
enuncia o fim do sindicato único, a extinção da contribuição sindical e o
reconhecimento jurídico das Centrais Sindicais de grau superior. Abordaremos,
sem pretender esgotar as discussões que a matéria comporta, alguns aspectos que
entendemos ser de suma relevância.
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I - AS CARACTERÍSTICAS DO ATUAL SISTEMA SINDICAL BRASILEIRO
O atual
sistema sindical brasileiro, à partir da promulgação da Constituição de 1.988,
caracteriza-se por ter uma formação de caráter híbrido, muito embora haja
disposição expressa prevista na mesma Constituição dispondo ser vedado ao
Estado qualquer interferência nas questões sindicais. Na sua obra Os Sindicatos
na Nova Constituição(01), Leôncio Martins Rodrigues sustenta que o novo texto
constitucional preservou a estrutura sindical corporativa e impediu, ao mesmo
tempo, a intervenção do Estado nos assuntos internos do Sindicato. Nos
atreveremos, data vênia, a discordar do renomado sociológo. Para nós, seja
após, ou ainda antes da atual Constituição, nunca houve liberdade e autonomia
sindicais. Há, contudo, não apenas a interferência estatal, mas sobretudo a
limitação das funções sindicais face à conformação estabelecida pela Carta
Política.
Com
efeito, a mesma Constituição que proíbe o Estado de intervir na organização
sindical determina que o sistema a ser adotado seja o da unicidade, além de
exigir que os sindicatos, para adquirirem legitimidade, devam possuir um
registro junto ao Ministério do Trabalho. Percebe-se, logo de início, que em
detrimento à liberdade afigura-se um sistema cujas limitações são impostas pela
lei. Tais normas são a base daquilo que Armando Boito Jr.(02) classifica como
"sindicalismo de Estado", ou seja, a existência de regras jurídicas
que limitam, efetivamente, a liberdade e a autonomia dos sindicatos.
Portanto,
de antemão e sem qualquer esforço interpretativo, aufere-se que aquilo que o
Estado concedeu com uma mão (no caso a "vedação" para interferir nos
sindicatos), acabou por retirar com a outra (a exigência de registro no
Ministério do Trabalho e a adoção da unicidade sindical). Para nós, portanto,
desde a promulgação da CLT e das primeiras leis que trataram da organização
sindical, até os dias atuais, nunca houve, de fato, a tão propalada liberdade
sindical.
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II - A CRISE DO SINDICALISMO MODERNO
O advento
do neoliberalismo trouxe ao mundo do trabalho questões pontuais que acabaram
por minar, efetivamente, todo o sistema de defesa das relações de trabalho.
Conforme Boito Jr (03), no plano da política de Estado, o neoliberalismo no
Brasil, e em geral na América Latina, assenta-se sobre quatro eixos: abertura
comercial, privatização de mercadorias e serviços, desregulamentação do mercado
de trabalho e redução dos gastos sociais do Estado. Entre nós, o complexo de
reestruturação produtiva foi implementado logo no início do governo Collor de
Melo, e à partir de então grandes empresas passaram a incorporar um conjunto de
novas estratégias produtivas. Para Giovanni Alves (04), desenvolveu-se o que
podemos considerar um toyotismo sistêmico e um impulso à adoção da automação
microeletrônica generalizada. Mas não é só. Surge, ainda, uma nova logística da
cadeia produtiva, com a adoção sistêmica da terceirização, propiciando às
grandes empresas, sobretudo às corporações transnacionais, desenvolver novos
laços de subcontratação e, obviamente, de redução de custos.
Os
trabalhadores, por seu turno, completamente fragmentados pela nova divisão do
trabalho, não apenas têm mostrado incapacidade de resistência: acabaram por
incorporar aos seus discursos a defesa de algumas práticas capitalistas
modernas. Inauguraram uma fase caracterizada pelo "sindicalismo
propositivo", o que, na visão de Boito Jr., expressa o rebaixamento do
conteúdo das propostas dos trabalhadores. O que é mais grave: tal constatação
não se aplica apenas às chamadas linhas ou correntes sindicais mais
identificadas com o peleguismo; à esquerda do movimento sindical brasileiro (ao
menos em tese), a CUT também se vê bombardeada pela ofensiva avassaladora do
capital em sua nova fase. É o que demonstra o surgimento de correntes internas
que preconizam cada vez mais o abandono de concepções socialistas ou
anticapitalistas, em troca de uma disposição em se adequar à ordem do capital.
Na
verdade, como enuncia Giovanni Alves com muita propriedade "o novo
complexo de reestruturação produtiva possui um componente político-ideológico
que pode ser traduzido na sua função histórica de constituir sempre uma nova
hegemonia do capital na produção, articulando a coerção capitalista e o
consentimento operário."
Neste
cenário, onde o movimento sindical incorpora um papel de mero coadjuvante, ou
seja, o ator que exerce papel secundário, pretende-se que a PEC 29/03 surja
como a "salvação da lavoura". Com todo respeito aos posicionamentos
contrários, procuraremos demonstrar quão ineficaz se mostra a proposta
apresentada ao Congresso Nacional.
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III - DOS PONTOS PRINCIPAIS A SEREM ALTERADOS
A PEC
29/03 modifica as disposições contidas no artigo 8º, da Constituição Federal,
podendo ser assim resumida: acaba com a unicidade sindical, permitindo a criação
de sindicatos à partir do local de trabalho; acaba, progressivamente, num prazo
de quatro anos, com o imposto sindical, apesar de manter a soberania da
assembléia para instituir a contribuição confederativa ou de fortalecimento
sindical; legaliza as centrais sindicais.
Em
primeiro lugar há que ser frisado que a PEC possui lacunas que levarão ao
legislador ordinário a tarefa de regulamentar questões de suma importância, o
que nos parece uma extrema infelicidade, mormente ante a composição corporativa
tanto da Câmara dos Deputados como do Senado Federal. É o que se vê na questão
do fim da unicidade: pelo texto da PEC os litígios entre as entidades sindicais
pela legitimidade para negociação coletiva serão submetidos à central sindical
a que elas sejam filiadas ou a comissão mista composta pelas diversas centrais
sindicais quando elas forem filiadas a centrais distintas; ou por mediação e
arbitragem, quando não houver acordo na comissão mista ou quando as entidades
não forem filiadas a qualquer central.
Ora,
quando se fala em liberdade sindical a adoção de arbitragem nos afigura, no
mínimo, contraditória. A começar pela letra da lei que trata do instituto:
"apenas direitos patrimoniais disponíveis podem ser submetidos à
arbitragem" (Art. 1º, da Lei 9307/96). Ademais, parafraseando o Professor
João José Sady (05), "quem vai arbitrar? Quem vai dizer qual dos
"sindicatos únicos" será o "sindicato único" de verdade? A
arbitragem, é claro, diz a PEC. Ora, mas, quem são estes árbitros, como serão
escolhidos, não fica delimitado. Terá que ser um poder mas, que homens terão
este poder ? A PEC não o diz."
No que
pertine à determinação de que as Centrais Sindicais elegerão o sindicato
representativo para fins de negociação coletiva, algumas questões merecem
consideração: Inicialmente, a PEC acaba por reconhecer, juridicamente, as
Centrais Sindicais, entes que atualmente possuem reconhecimento apenas
político. Infere-se que, dado o antagonismo que caracteriza as diversas
centrais hoje existentes no Brasil, buscou-se uma saída incessantemente
negociada com as respectivas lideranças a fim de que pudesse o texto da PEC
atender aos interesses de tais atores sociais. Assim, uma vez que a própria CUT
é contra a adoção irrestrita da Convenção 87, da OIT, "costurou-se"
um acordo político que, salvo melhor juízo, pode piorar ainda mais o já
combalido sistema sindical brasileiro.
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IV - DOS REFLEXOS E CONSEQUÊNCIAS IMPLÍCITAS CONTIDOS NA PEC
O
reconhecimento jurídico das centrais sindicais possui uma característica
estratégica, sobretudo para o Governo Lula, que no afã de demonstrar seu
engajamento por reformas estruturais – sobre as quais o discurso governista
praticamente joga nas costas toda a responsabilidade pelo desenvolvimento do
País – poderá precarizar ainda mais as relações trabalhistas. Se num primeiro
momento foi possível comemorar o arquivamento determinado pelo governo do
Projeto de Lei que alteraria o artigo 618, da CLT, e praticamente acabaria com
o caráter público da legislação trabalhista, há motivos de sobra para que a
preocupação novamente tome conta das mentes mais lúcidas.
É cediço
que uma das bandeiras do PT e da CUT, relativamente à questão trabalhista,
repousa na instituição do contrato coletivo de trabalho. Nota-se que, apesar de
a PEC não fazer qualquer alusão ao mesmo, por via transversa abre-se a efetiva
possibilidade do instituto ser adotado, já que desaparecendo a representação
por categorias, desapareceriam, natural e acessoriamente, as convenções
coletivas de trabalho. Forçoso inferir, pois, que a pretexto de se evitar um
retardamento na celebração de "acordos coletivos" pelas disputas de
representatividade que seriam travadas pelos diversos sindicatos, acabariam as
centrais sindicais celebrando um contrato coletivo de trabalho único, aplicável
como legislação mínima à todos os trabalhadores. Caminho aberto para extinção
gradual de toda a parte material da CLT.
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V - DA ADOÇÃO DO SINDICATO ORGÂNICO
Desde a
Constituição a CUT defende, de maneira aberta, a instituição do sindicato
orgânico, ou seja, sindicatos constituídos através de fusão e submetidos ao
controle da cúpula da central sindical. Veja o que declarou Vicentinho enquanto
presidiu a CUT:
"A
proposta de Sindicato orgânico, que nós defendemos, passa por esses princípios.
Uma estrutura sindical que visa também diminuir o número de Sindicatos em nosso
país (...)Por isso entendemos que até mesmo em nossa Central, que hoje é a
maior da América Latina, devemos nos preparar para a diminuição do número de
Sindicatos, através de fusões, quebrando a unicidade sindical e unificando os
Sindicatos nas regiões. Queremos Sindicatos cada vez maiores, das cidades para
as regiões, das regiões para o Estado. Não é absurdo pensar em um único
Sindicato de metalúrgicos no Estado, à semelhança de professores (como já
existe), absurdo é existirem centenas de Sindicatos de uma mesma categoria. O
importante é que quando um Sindicato sentar à mesa de negociação, ele seja
representativo."
Há todo
um projeto cutista em curso que visa instituir o sindicato orgânico. No ramo de
comércio e serviços, no mês de julho de 1990, em Vitória, no Espírito Santo, é
criado o Departamento Nacional dos Comerciários da CUT. Mais tarde, no CONCUT
que se realizou em 1993 nasce a CONTRACS – Confederação Nacional dos
Trabalhadores no Comércio e Serviços da CUT, avançando para o conceito de
construção de ramo aglutinando comércio e serviços, além disso transforma o
Departamento em Confederação passando a representar os trabalhadores no
comércio e Serviços. Várias categorias se organizam em diferentes confederações
e federações como a FITTEL/FENATEL, FITERT/FENART, CNB/CONTEC, CNM/CNTM.
A partir
da 9ª Plenária, a CUT indica para as instâncias verticais a meta da
constituição de sindicatos por ramos de atividade com base mínima estadual em
todos os Estados, evitando-se a fragmentação das atuais entidades de
abrangência estadual ou regional em sindicatos municipais ou por empresa. Até o
ano de 2.000 eram contabilizadas confederações e federações cutistas orgânicas
constituídas em 12 ramos, com diferentes graus de estruturação e organização:
financeiros (CNB), metalúrgicos (CNM), químicos (CNQ), seguridade social
(CNTSS), transportes (CNTT), construção civil e madeira (CNTICM), vestuário
(CNTV), alimentação (CONTAC), comércio e serviços (CONTRACS) e educação (DNTE),
telemática (CNTTI) e urbanitários (FNU). A CUT investe numa política de
reestruturação sindical baseada no fenômeno da unidade, unificando sindicatos e
criando órgãos de representação superior.
A PEC
29/03, ainda que adotando uma "suposta" pluralidade, praticamente
abre as portas para a adoção ampla do sindicato orgânico. É pouco provável,
aliás, que a supressão dos termos "categoria econômica e
profissional" se traduza numa pulverização sindical capaz de agregar, numa
mesma entidade, trabalhadores ou empregadores de diversos ramos do setor
produtivo, de serviços, doméstico ou público. A preocupação, no entanto, diz
respeito a possível centralização burocrática dos sindicatos, tornando–os meras
instâncias administrativas das Centrais, cujo objetivo pode acabar aprisionando
e contendo as iniciativas e soberania das assembléias de base, além é claro, de
deter total controle sobre os recursos financeiros das entidades.
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VI - A PANACÉIA DO IMPOSTO SINDICAL
Um ponto
que sempre provoca acaloradas discussões cinge-se ao fim do chamado
"imposto sindical". Em recente entrevista, o Presidente do Tribunal
Superior do Trabalho, Ministro Francisco Fausto (06) asseverou que "tanto
a unicidade, que é defendida em algumas áreas sindicais brasileiras, quanto o
imposto retiram do sindicato a liberdade de atuar como representante dos
empregados. Então, para que haja representatividade sindical, é preciso haver
uma mudança muito grande na estrutura sindical, de tal maneira que os
sindicatos passem a viver exclusivamente da contribuição de seus associados,
tornando-se mais livres." Ambas matérias são tratadas pela PEC, mas no que
pertine ao fim do imposto sindical novamente se conclui pelo antagonismo
presente no projeto.
Da mesma
forma que prevê o fim do imposto sindical, e ainda assim em termos progressivos
pelos próximos quatro anos, a PEC determina que "o empregador fica
obrigado a descontar em folha de pagamento e a recolher às organizações
sindicais as contribuições associativas, as contribuições para o custeio do
sistema confederativo e as contribuições de fortalecimento sindical ou
similares que sejam aprovadas pela assembléia geral representativa de acordo
com os respectivos estatutos."
Aufere-se
que fica mantida a chamada contribuição confederativa, o que reforça a tese de
que pretende-se garantir às entidades de grau superior (fortalecidas pela
adoção do sindicato orgânico), ou seja, às Federações, Confederações e Centrais
receita proveniente dos salários dos trabalhadores, sendo que os percentuais
atribuídos a cada entidade poderão ser estipulados, por exemplo, de maneira
unilateral pelos órgãos de cúpula.
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CONCLUSÕES
Não se
pretende, de maneira alguma, encerrar qualquer discussão sobre a PEC
encaminhada ao Congresso Nacional, mas tão somente lançar as bases para um
debate mais amplo que o caso enseja. Nossa intenção foi a de, tão somente,
trazer ao debate questões pontuais que se acham presentes nas análises
preliminares acerca das disposições constitucionais objeto da alteração
legislativa em curso.
Assim
sendo, em linhas gerais pode ser inferido sem qualquer esforço que a intenção de
se conseguir liberdade sindical pode desaguar numa ditadura de cúpula, alijando
as entidades de base dos processos decisórios. A PEC possui dispositivos
incompletos e outros efetivamente antagônicos, não enfrentando de forma
concreta os problemas autênticos que envolvem a estrutura sindical corporativa
que reina desde a Era Vargas. Talvez por questões políticas derivadas da
articulação preliminar com todas as Centrais Sindicais quanto aos principais
pontos do Projeto foi posta de lado, ao menos inicialmente, a discussão sobre
os problemas centrais que envolvem o tema da estrutura sindical brasileira,
como a transparência patronal das negociações coletivas, a ampliação do direito
de greve, a moralização das lideranças sindicais e o combate à corrupção, dentre
outros. De qualquer forma demarcado está o objeto, e bem ou mal o pontapé
inicial já foi dado.
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NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
(01)
Rodrigues, Leôncio Martins. "Os Sindicatos na Nova Constituição" em
Análise da Nova Constituição Federal ao término do primeiro turno de votação,
Núcleo de Estudos Constitucionais, Unicamp, Campinas, 1988.
(02)
BOITO JR, Armando. "O Sindicalismo de Estado no Brasil – Uma análise
crítica da estrutura sindical, Unicamp, Campinas, 1991.
(03)
______________ "Neoliberalismo e Corporativismo de Estado no Brasil",
in Do Corporativismo ao Neoliberalismo, ARAÚJO, Ângela (org), Boitempo, São
Paulo, 2002.
(04) ALVES,
Giovanni. "O Novo (e precário) Mundo do Trabalho – Reestruturação
produtiva e Crise do Sindicalismo", Boitempo, São Paulo, 2000.
(05)
SADY, João José, Artigo publicado no site www.defesadotrabalhador.com.br, 14 de
maio 2.003.
(06)-
PASSOS, Edésio, Reforma Sindical, - Sistema de unicidade sindical tem de ser
mantido, artigo publicado no site Consultor Jurídico em 07.05.03.
(07) Ver
íntegra da entrevista no site www.pelaordem.com.br
Retirado de: http://www1.jus.com.br