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A EXECUÇÃO TRABALHISTA: A
responsabilidade do sócio e sua posição processual
Juiz José Lucio Munhoz
DUAS VIDAS DISTINTAS
Dispõe o Art. 20 do Código Civil que a sociedade possuí existência distinta
da de seus membros. A pessoa jurídica, sabemos, é uma ficção criada pelo
direito com a finalidade de distinguir os sócios e suas atuações particulares
da entidade por eles criadas e o desenvolvimento da atividade empresarial (1) perseguida. Sócio, assim, é todo aquele que
empresta o seu nome à empresa, ainda que não objetive qualquer lucro (2). Diversos dispositivos legais, entre eles o do
Art. 330 do Código Comercial, estabelece que a responsabilidade dos sócios vai
somente até o limite de seu quinhão, que deverá ser devidamente integralizado
(Art. 289), perdurando aquela pelas dívidas contraídas ou perdas havidas até a
sua efetiva retirada da sociedade (Art. 339). É claro que esta saída do sócio
deve ser como prescreve a lei (Art. 338) para que tenha validade perante
terceiros.
Pelo que até aqui se disse, estabeleceu--se, ao menos inicialmente, que as
pessoas física e jurídica não se misturam, cada qual tendo sua existência de
forma absolutamente distinta, com direitos e obrigações próprias, respondendo o
sócio tão somente até o limite de sua participação na entidade de que faça
parte.
DOS ATOS ILÍCITOS
O direito, temos falado, veio estabelecer regras de convivência entre as
pessoas, visando disciplinar as relações sociais com o objetivo de evitar a
ocorrência natural de litígios e ou a sua forma de resolvê-los. Dessa maneira
as pessoas (todas elas) devem pautar sua atuação dentro do campo do direito, ou
seja, das normas estabelecidas por aquela coletividade da qual façam parte. A
sociedade também deve observar tal ordenamento e, assim, seus objetivos devem
ser lícitos (Art. 287 do Código Comercial e Art. 5º, XVII, da C.F). Este,
aliás, é um dos pilares básicos de qualquer Estado Democrático de Direito.
Quando o membro de uma sociedade a utiliza e age com excesso de poder ou em
infração à lei passa a responder de forma pessoal por tais atos. Isto é
consequência natural. Vejamos : A pessoa jurídica, embora tendo uma vida
própria, é mera ficção criada pelo direito (e disso não podemos nos esquecer) e
age, sempre, pelas mãos de pessoas físicas (diretores, gerentes, sócios,
administradores, etc.). Quando estas atuam de forma ilícita disvirtuam a
atividade e os objetivos da própria sociedade e, portanto, passam a ser
responsáveis por estes atos ou omissões, e de outra maneira não poderia ser.
Este princípio pode ser encontrado no Art. 135 do Cód. Tributário Nacional e no
Art. 1518 do Código Civil. Este último, ainda, dispõe que todo aquele que
concorrer para a prática do dano responderá por ele, inclusive os cúmplices.
Ampliando ainda mais o leque, o Art. 1521, III, do Código Civil responsabiliza
o comitente ou patrão pelos atos dos prepostos ou empregados. É a
caracterização plena da chamada "culpa in eligendo". Quando um
ilícito é praticado, todos estes respondem (sem entrar no mérito, neste
momento, se de forma principal, solidária ou subsidiária) por ele.
O não pagamento de uma verba trabalhista (salário, horas extras, adicionais
ou quaisquer outras) consitui-se em infração à lei, vez que tais benefícios
estão nela previstos (CLT). A simples (?) natureza alimentar justifica tal
interpretação, até porque qualquer ato que vise burlar tais direitos é
considerado fraudulento (Art. 9º da CLT).
Pode-se concluir, portanto, que o débito trabalhista decorreu de uma
ilicitude e, por tal motivo, não só a sociedade mas também seus próprios
membros passam a ser responsáveis por aquele. Ainda que se argumentasse que o
não pagamento de crédito trabalhista não seja um ilícito em sua forma pura, mas
tão somente o não cumprimento de uma obrigação contratual, ainda assim, como
veremos, persistiria a responsabilidade dos sócios para com tais débitos.
Lembrando-nos de nossas aulas de direito, temos que os tribunais ingleses,
inicialmente, começaram a notar que as sociedades, algumas vezes, eram
utilizadas como meio de tornar impunes as pessoas físicas que as dirigiam e que
delas se beneficiavam. Passaram os juízes ingleses, nessas ocasiões, a
responsabilizar os membros da sociedade de forma direta pelos danos causados a
terceiros. Começou-se a criar uma tese jurídica que viesse a fundamentar a
realidade vivenciada pelos bretões, à qual deu-se o nome de
"Desconsideração da Personalidade Jurídica".
Se o sócio adquire, com a sociedade, benefícios que enriquecem o seu
patrimônio pessoal, aumenta o seu poder de compra e lhe propicia uma vida
melhor, é evidente que deve arcar com os "riscos" desta atividade
empresarial escolhida, como, aliás, preceitua o Art. 2º da CLT (3). Podemos acrescentar, aqui, que o
"risco" não é só quanto ao lucro ou ao capital por ele empatado na
sociedade, ainda mais em face daquele que contribuiu, com sua força de
trabalho, para o benefício daquela atividade. Não podemos, novamente, deixar de
observar que a pessoa jurídica é apenas uma "ficção" do direito e,
por trás dela, existem pessoas físicas que, na verdade, buscam benefícios
pessoais diretos.
Já é bem antiga a disposição do Código Tributário Nacional ao
responsabilizar diretamente o sócio pelo débito tributário no caso de
liquidação da sociedade. Disposição ainda mais avançada foi acolhida pelo
Código de Defesa do Consumidor, onde adotando de forma plena a teoria da
Desconsideração da Personalidade Jurídica, possibilita ao juiz responsabilizar
diretamente os membros da sociedade quando agirem com excesso de poder ou de
forma ilegal; bemo como nos casos de falência, inatividade ou simples
insolvência. O Código chega ao ponto de permitir a desconsideração da pessoa
jurídica quando esta seja, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento do
consumidor (Art. 28 da Lei nº 8.078/90).
Se tal proteção se dá ao consumidor, independentemente de sua condição
social ou financeira, porque é que haveria de negá-la ao trabalhador, em regra
socialmente mais necessitado ? Se para ressarcir o consumidor admite a lei que
a sociedade seja desconsiderada e a responsabilidade seja de seus membros, esta
posição ainda mais aqui se admitirá, tendo em vista o caráter alimentar do
crédito trabalhista e aplicação subsidiária do direito comum ao direito do
trabalho (Art. 8º, Parágrafo Único, da CLT).(4)
A AUTONOMIA DO PROCESSO DE EXECUÇÃO
Teria o sócio que fazer parte expressa do título executivo, ou seja,
integrar o processo em sua fase de cognição para que pudesse ser
responsabilizado e sofrer as consequências da execução trabalhista ? A
resposta, com certa tranquilidade, nos parece ser negativa. A lei aqui aplicada
subsidiariamente (Código de Proteção e Defesa do Consumidor) possibilita a desconsideração
da personalidade jurídica a qualquer momento, sendo desnecessário que os sócios
tenham sido nomeados e integrados à lide no processo de conhecimento. A
jurisprudência e doutrina também nos afigura pender em não exigir a citação do
sócio na fase cognitiva, em que pese o brilhantismo de Humberto Theodoro Junior
em sentido oposto (5). A responsabilidade do
sócio é tão cristalina que se dispensa, no caso, qualquer discussão em fase de
conhecimento para declará-la, ainda mais tendo em vista os princípios que regem
o processo do trabalho. Pensar o contrário seria quase tornar nulo o instituto,
pois geralmente se observa que a empresa devedora não mais existe (ou se
encontra em insolvência plena) quando do processo de execução e impossibilitar,
nesta fase, a responsabilização do sócio seria, na verdade, negar ao credor o
bem da vida que lhe pertence e que já foi reconhecido judicialmente.
Que o sócio é responsável nós já vimos e que ele não precisa fazer parte da
fase de conhecimento ou constar do título executivo também nos afigura claro,
mas antes de aprofundar um pouco mais a abordagem é necessário estabelecer a
existência autonôma do processo de execução em face do processo de
conhecimento.
Um litígio pode envolver a discussão a respeito da existência de determinado
direito ou tão somente quanto ao cumprimento de uma obrigação já declarada. No
primeiro caso, a tutela jurisdicional é acionada para "dizer o
direito", declarando, condenando ou constituindo uma relação jurídica.
Estabelecida uma obrigação (incontroversa ou declarada judicialmente) a parte
pode (e deve) cumprí-la "moto proprio", sob pena de o
estado-juiz ser acionado para forçá-lo, aplicando a força, a sanção,
substituindo a sua vontade, à entregar o bem da vida para quem de direito.
Os atos de sanção acontecem por meio do processo de execução, que é autônomo
em relação àquele de cognição. No processo comum é pacífico este entendimento,
mas no processo do trabalho ainda há divergências, onde alguns propagam a idéia
de que a execução é apenas uma "fase" do processo, uma extensão deste
(6). Ousamos divergir. As naturezas de um e
outro (cognição e execução) são distintas. Não há porque estabelecer duas
conceituações diferentes de um único instituto - a execução - para o processo
comum e outra para o laboral, ainda mais quando este prevê a aplicação daquele
subsidiariamente (Art. 769 da CLT) (7).
Valentim Carrion (8) interpreta de
maneira correta esta singularidade, inclusive quando indica que a própria CLT
acolhe a independência do processo de execução, ao estabelecer que nesta não se
pode discutir matéria pertinente à causa principal (Art. 879, § 1º).
O fato de a execução processar-se nos mesmos autos não lhe retira a autonomia,
vez se tratar de um meio de economia e celeridade processual. Tanto são
distintos os processos que em cada qual há uma citação - e não intimação - para
que o Réu (Reclamado ou Executado) seja integrado à lide (9).
O SÓCIO E SUA POSIÇÃO PROCESSUAL
Uma coisa é ser responsável pelo débito, na relação do direito material,
outra bem diferente é ser sujeito passivo da relação processual. O sócio, como
responsável que é pelo débito trabalhista, é também sujeito passivo da
execução, conforme prevê o Art. 4º, V, da Lei de Execuções Fiscais (10), aplicado subsidiariamente na Execução
Trabalhista, por determinação expressa do Art. 889 da CLT (11). Tanto o sócio é parte no processo executório
que tem o direito de, primeiramente, ver excutidos os bens da sociedade para só
depois sofrer o encargo de sua condição (Art. 596 do CPC) (12).
Toda relação processual, por sua vez, só passa a ter existência quando se
forma o triplé Autor - Estado/Juiz - Réu. Assim, a citação válida é
absolutamente necessária para a regularidade do processo, seja ele de
conhecimento ou de execução.
Embora seja desnecessário que o sócio faça parte do processo principal ou
conste no título executivo, é fato que o mesmo só pode ser integrado ao
processo de execução se for citado para tanto. Apenas com a citação o sujeito
passará ao polo passivo. A CLT, nos parece, faz exigência neste mesmo sentido,
onde determina que o juiz mande expedir mandado de citação ao executado (Art.
880). Sem que haja a citação, o processo de execução, em relação ao que não foi
citado, é nulo, nos exatos termos do Art. 618, II, do CPC(13), e pode-se alegar tal circunstância em embargos
à execução, de acordo com o Art. 741, V, do CPC (14).
Assim, só nos parece legítimo o processo de execução em face do sócio quando
este foi citado para pagar ou nomear bens à penhora, pois só com este ato é que
o mesmo passou a compor o polo passivo do processo.
Quando não encontrados bens da empresa ou nem mesmo ela própria, pode-se
voltar a execução contra os sócios da mesma, ante a responsabilidade destes,
mas necessário se faz a citação. A simples penhora se torna irregular sem que
haja aquele ato de integração formal do sócio ao feito. É necessário
propiciar-lhe a oportunidade de indicar bens livres da sociedade (Art. 596,
CPC), nomear bens à penhora ou mesmo pagar o débito.
Quanto ao processo de execução fiscal, aqui analogicamente aplicado,
encontramos entendimentos jurisprudenciais neste sentido perante o TJ/SP, o
extinto TFR (como relator o hoje Ministro do STF Ilmar Galvão) e na Excelsa
Corte.
Alguns entendem que o sócio, por não ter participado do processo de
cognição, ainda que responsável pelo débito, é sempre terceiro perante a
execução e, como tal, teria legitimidade para apresentar Embargos de Terceiro.
Esta posição, embora em análise superficial, é defendida por Manoel Antonio
Teixeira Filho, Francisco Antonio de Oliveira e por Pedro Paulo Teixeira Manus.
Também parte da jurisprudência segue o mesmo trilho.
Ora..., "data maxima venia", entendo que tal aspecto não foi
suficientemente analisado por tão ilustres autores, pois não leva em
consideração o aspecto autônomo do processo de execução. Se o sócio foi citado
para pagar ou nomear bens à penhora, ele é parte perante o processo de
execução, foi integrado à lide, assumiu o polo passivo da ação (Art. 4º, V, da
Lei de Execução Fiscal), e, como tal, não é terceiro. A sua condição pessoal de
terceiro somente seria aceita se, sem ser citado, sofresse penhora em seus bens
pessoais. Neste caso, não foi citado, não é parte no feito e, portanto, a
execução perante o mesmo seria nula (Art. 618, II, CPC) e ele teria
legitimidade para apresentar embargos de terceiro com a finalidade de
descontituir a penhora, já que não integrado à lide não poderia sofrer turbação
ou esbulho na posse de seus bens (Art. 1046, CPC).
Todavia se citado foi, passou a integrar a lide e somente pode se utilizar
de embargos à execução, que é o meio de defesa colocado à disposição do
executado (884 CLT e 736 do CPC), sendo que somente por meio destes é que o
sócio pode se utilizar do benefício do Art. 596 do CPC. Em 1977 o S.T.F já
pensava dessa forma(15).
Pensar de outra maneira seria confundir os institutos de Embargos à Execução
e dos Embargos de Terceiro. As matérias de um são diferentes das do outro. Nos
posicionamos no sentido de que os problemas decorrentes da execução (impugnação
aos cálculos ou execesso de execução) somente podem ser discutidos, após a
penhora, por Embargos à Execução. Se o sócio for considerado terceiro não teria
legitimidade para estes Embargos e tais alegações não poderiam ser feitas em
Embargos de Terceiro, prejudicando-o de forma inconteste. Por outro lado,
aceitar que tais teses pudessem ser apreciadas nos Embargos de Terceiro seria
violar a conceituação doutrinária e legal deste instituto.
Em resumo, para finalizar, podemos concluir que o sócio é responsável pelo débito
trabalhista da sociedade, de forma subsidiária, sendo desnecessária a sua
integração à lide na fase de conhecimento, mas absolutamente excencial sua
citação para o processo de execução.
Se citado, o sócio passou a ser parte do feito e não teria legitimidade para
Embargos de Terceiro, só podendo se defender por meio dos Embargos à Execução,
ocasião em que também poderia se utilizar do benefício de ordem.
Se não citado na fase de execução não pode sofrer penhora e, por ser
estranho ao feito, pode apresentar Embargos de Terceiro com a finalidade de ver
desconstituída a penhora realizada, quando então os atos devem ser considerados
nulos e somente se prosseguirá com a execução em face dele se citado for.
Esta é a nossa opinião
Retirado
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