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A
INCONSTITUCIONALIDADE DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL INSTITUÍDA PELA LEI Nº 9.876/99,
COBRADA DAS EMPRESAS TOMADORAS DE SERVIÇOS DE COOPERATIVAS DE TRABALHO
Rodrigo Fogaça Varanda, consultor tributário no Rio de Janeiro
1 - Introdução. 2 –
Histórico da Legislação. 3 - Da Inexistência de Fundamentação Constitucional –
Ofensa ao art. 195, I, alínea “a”, da Constituição Federal de 1988. 4 - Da
Equiparação de Cooperativa à Pessoa Jurídica. 5- Da Necessidade de Lei
Complementar que Não Foi Observada - Ofensa ao artigos 195, § 4º c/c 154, I, da
Constituição Federal de 1988. 6 - Do Estímulo e Apoio ao Cooperativismo –
Ofensa ao art. 174, § 2º, da Constituição Federal de 1988. 7 – Da Não
Observância ao Princípio da Igualdade – ofensa ao art. 150, II, da Constituição
Federal de 1988. 9 - Conclusão
1 - Introdução
Não é novidade para os advogados que militam na área do Direito Tributário, que
o Governo Federal, na sua incansável ânsia de arrecadar recursos financeiros
para a manutenção das contas públicas, as quais na sua grande maioria são mau
administradas, ignore os mais sagrados princípios basilares do ordenamento
constitucional pátrio.
A contribuição social instituída pela nova redação que a Lei nº 9.876/99
conferiu ao artigo 22, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, é mais um exemplo da
fúria arrecadatória do Governo Federal, uma vez que esta, assim como vários
outros tributos existentes em nosso ordenamento jurídico, está sendo cobrada
dos contribuintes sem nenhum respaldo do Texto Constitucional.
Portanto, o presente estudo tem como objetivo traçar um panorama da legislação
instituidora da contribuição social em foco, bem como demonstrar que a referida
contribuição não se coaduna com as Limitações Constitucionais ao Poder de
Tributar impostas pelo Poder Constituinte Originário ao legislador
infraconstitucional.
2 – Histórico da Legislação
Com o advento da Lei Complementar nº 84, de 18 de janeiro de 1996, o Governo
Federal, sob o pretexto de manutenção da Seguridade Social, instituiu a
cobrança de contribuição social a cargo das cooperativas de trabalho, com a
alíquota fixada na razão de 15% incidente sobre o total das importâncias pagas,
distribuídas ou creditadas aos seus cooperados, a título de remuneração ou de
retribuição pelos serviços prestados a empresas por intermédio das sociedades
cooperativas.
Posteriormente, com a promulgação da Lei nº 9.876, de 26 de novembro de 1999, a
qual, dentre outras mudanças, modificou a redação do artigo 22 da Lei nº
8.212/91, introduzindo-lhe o inciso IV, a cobrança da contribuição social acima
mencionada foi expressamente revogada por aquele diploma legal, valendo
transcrever este dispositivo para uma melhor compreensão do tema, verbis:
'Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social,
além do disposto no art. 23, é de:
(...)
IV – quinze por cento sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação
de serviços, relativamente a serviços que são prestados por cooperados por
intermédio de cooperativa de trabalho.'
Verifica-se que a transferência do encargo do recolhimento deste tributo, que
sob a égide da Lei Complementar nº 84/96 era das sociedades cooperativas, com o
advento da Lei nº 9.876/99 passou para as empresas tomadoras de serviços deste
tipo de sociedades, havendo, portanto, uma substancial mudança na sistemática
do pagamento desta contribuição social.
Muito embora alguns doutrinadores sustentem a impossibilidade de revogação de
uma lei complementar por intermédio de uma lei ordinária, entendemos que, na
presente hipótese, a mesma foi perfeitamente cabível, uma vez que a Lei
Complementar nº 84/96 - a qual foi criada com base na competência residual da
União Federal, constitucionalmente prevista nos artigos 195, § 4º c/c 154, I -
com o advento da Emenda Constitucional nº 20/98, foi recepcionada com força de
lei ordinária, tendo em vista que os tributos criados por aquela lei
complementar, agora encontravam-se expressamente previstos em Texto Constitucional,
por meio da citada emenda.
Desta forma, considerando-se o entendimento corroborado pelo Supremo Tribunal
Federal em inúmeros julgados, de que os tributos expressamente previstos na
Carta da República podem ser instituídos com base em lei ordinária, podemos
afirmar que a Lei Complementar nº 84/96, logo após a entrada em vigor da Emenda
Constitucional nº 20/98, passou a ser formalmente lei complementar, e
materialmente lei ordinária, sendo, portanto, passível de modificação através
de uma simples lei ordinária.
3 - Da Inexistência de Fundamentação Constitucional – Ofensa ao art. 195, I,
alínea “a”, da Constituição Federal de 1988
Como já fora anteriormente mencionado, o artigo 1º da Lei nº 9.876/99, ao
acrescentar o inciso IV ao art. 22 da Lei nº 8.212/91 pretendeu criar uma nova
contribuição a cargo das empresas tomadoras de serviços de sociedades
cooperativas de 'quinze por cento sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura
de prestação de serviços que lhe são prestados por cooperados por intermédio de
cooperativas de trabalho.'
Ressalta à obviedade que a referida contribuição não foi criada com fundamento
no inciso I, alínea “a”, do art. 195, da Constituição Federal, pelas razões
abaixo colacionadas.
O inciso I do art. 195, já na redação conferida pela Emenda Constitucional nº
20/98, define as hipóteses em que se pode instituir contribuições sociais a
cargo do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei,
valendo transcrever o citado artigo:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma
direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos
orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das
seguintes contribuições sociais:
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei,
incidentes sobre:
a) folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a
qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo
empregatício;
b) a receita ou o faturamento;
c) o lucro.”
Como se depreende da leitura do citado dispositivo constitucional, para se
instituir uma contribuição social com o seu fundamento de validade
consubstanciado na alínea “a”, I, do art.195, da Carta da República,
pressupõe-se que: (i) o sujeito passivo seja um tomador de serviços que seja
empregador, empresa ou entidade a ela equiparada por lei, e (ii) que seja
incidente sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou
creditados, a qualquer título, à pessoa física.
Vejamos, constitucionalmente, as hipóteses em que se configura a incidência da
contribuição social prevista na alínea “a”, do inciso I, do art. 195, CF:
Tomador dos serviços Prestador dos serviços Conseqüência
Pessoa Física Empresa Não há contribuição
Pessoa Física Pessoa Física Não há contribuição
Empresa Empresa Não há contribuição
Empresa Pessoa Física Contribuição devida
Com efeito, deflui nitidamente da Constituição Federal que apenas quando uma
empresa, ou entidade a ela equiparada, contratar uma pessoa física será devida
a contribuição social prevista no art. 195, inciso I, alínea “a”, da Carta
Magna.
A nova contribuição prevista no inciso IV, do art. 22, da Lei nº 8.212/91 não
encontra seu fundamento de validade em nenhuma das hipóteses previstas nos
inciso I, II e III, do art. 195, da CF/88, como se vê no quadro abaixo:
Contribuições previstas no art. 195 da CF A nova contribuição instituída pela
Lei nº 9.876/99
I .– do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei,
incidentes sobre:a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos
ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo
sem vínculo empregatício;b) a receita ou o faturamento;c) o lucro; a) incide
sobre o pagamento ou crédito feito a uma pessoa jurídica (cooperativa) e não a
uma pessoa física;b) incide sobre uma despesa da empresa tomadora de serviços e
não sobre a receita ou faturamento;c) não incide sobre o lucro.
II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social não incidindo
contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de
previdência social de que trata o art. 201; Não se trata da contribuição devida
pelo trabalhador ou pelos demais segurados da previdência social.
III – sobre a receita de concursos de prognósticos. Não incide sobre a receita
de concursos de prognósticos.
Em reforço à tese de que a Lei nº 9.876 criou uma nova contribuição social que
não encontra seu fundamento de validade no art. 195, I, “a”, da Carta
Constitucional, vale dizer que a base de cálculo desta nova exação é “o valor
bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços”, ao passo que a base
de cálculo prevista no citado artigo constitucional é “a folha de salários e
demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título”.
Denote-se que as base de cálculos acima referidas são totalmente distintas, o
que nos faz concluir que o tributo criado pela Lei nº 9.876/99 é uma exação
inteiramente nova, que não está prevista no art. 195, I, “a”, CF/88.
4 - Da Equiparação de Cooperativa à Pessoa Jurídica
Contudo, é de cristalina nitidez que as sociedades cooperativas são pessoas
jurídicas criadas na forma da Lei nº 5.764/71. A referida lei, que define a
Política Nacional do Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades
cooperativas e dá outras providências, assim dispõe em seus artigos 4º e 18, §
6º:
Art.4º As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza
jurídicas próprias, de natureza civil, não sujeitas á falência, constituídas
para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades
pelas seguintes características:
(...)
'Art. 18 - omissis
§ 6º - Arquivados os documentos na Junta Comercial e feita a respectiva
publicação, a cooperativa adquire personalidade jurídica, tornando-se apta a
funcionar.'
Deve ser observado, ainda, que o parágrafo único, art. 15, da Lei nº 8.212/91
equipara a sociedade cooperativa à empresa, nos seguintes termos:
'Art. 15. Considera-se:
(...)
Parágrafo único. Equipara-se a empresa, para os efeitos desta Lei, o
contribuinte individual em relação a segurado que lhe presta serviço, bem como
a cooperativa, associação ou entidade de qualquer natureza ou finalidade, a
missão diplomática e a repartição consular de carreira estrangeiras.'
A equiparação da cooperativa à empresa segundo o art. 15, parágrafo único, da
Lei nº 8.212/91 é, para efeitos fiscais, perfeitamente possível, tendo em vista
que o art. 195, inciso I, da Constituição Federal, com redação que lhe foi dada
pela Emenda Constitucional nº 20/98, expressamente possibilita a referida
equiparação, desde que estabelecida em lei, o que ocorre in casu.
A jurisprudência dominante no SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, do qual é exemplo o
Recurso Especial nº 205.383 (Relator Ministro Garcia Vieira, Primeira Turma, in
DJU do dia 28/06/99), já firmou o entendimento de que a cooperativa de trabalho
é equiparada à empresa, conforme se depreende da leitura da ementa abaixo
transcrita:
“TRIBUTÁRIO – DECADÊNCIA – DÉBITO PREVIDENCIÁRIO – INCIDÊNCIA – REMUNERAÇÃO
PAGA A TRABALHADORES COOPERADOS
(...)
Incide contribuição previdenciária sobre os honorários pagos pela cooperativa a
seus médicos autônomos.
A cooperativa de trabalho é equiparada à empresa.
Recurso parcialmente provido.”
E não se venha alegar que o serviço contratado pelas empresas tomadoras de
serviços junto às sociedades cooperativas é, na realidade, prestado por pessoas
físicas (cooperados), e que por tal razão, tal exação se enquadraria nos
ditames constitucionais previstos no art. 195.
A empresa tomadora de serviços quando contrata o serviço de cooperados, celebra
o contrato diretamente com a cooperativa, a qual, por força de lei e da
jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça é pessoa jurídica. Há,
na hipótese, verdadeiro contrato entre pessoas jurídicas, embora a prestação
dos serviços se dê pelos cooperados, integrantes da pessoa jurídica.
Caso se admita que por serem os serviços contratados pelas empresas tomadoras
destes, prestados por pessoas físicas (cooperados), e que em razão disto a
cooperativa deve ser equiparada a tal, deve-se considerar, também, pela mesma
linha de raciocínio, que as empresas prestadoras de serviços são na realidade
pessoas físicas, uma vez que os serviços prestados por estas também são
realizados por pessoas físicas (empregados). isto, à toda evidência, seria uma
aberração jurídica!!
Não bastasse, o artigo 110 do Código Tributário Nacional estabelece que:
'A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de
institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou
implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou
pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar
competências tributárias.'
Com efeito, o Código Civil de 1916 trata em capítulos distintos as pessoas
físicas e as pessoas jurídicas (Das Pessoas Naturais – arts. 2º a 12 e Das
Pessoas Jurídicas – arts. 13 a 30).
Vê-se, por aí, que a expressão 'pessoa física' é um conceito de Direito Privado
utilizado expressamente na Constituição Federal para definir e limitar a
competência tributária prevista na alínea “a”, inciso I, do art. 195, da CF/88.
Ressalta à obviedade que uma lei não pode criar duas naturezas jurídicas
distintas para a mesma pessoa, ou seja, equiparar a cooperativa à empresa –
pessoa jurídica – quando ela for tomadora de serviços e à pessoa física quando
for prestadora de serviços através de seus cooperados.
5- Da Necessidade de Lei Complementar que Não Foi Observada - Ofensa ao artigos
195, § 4º c/c 154, I, da Constituição Federal de 1988
Assim, a nova contribuição, introduzida pela Lei nº.9.876/99, a qual possui
hipótese de incidência e base de cálculo diversas das contribuições previstas
no art. 195, I, II e III, do Texto Constitucional, encontra-se no campo da
competência residual da União Federal, pelo que deveria ter sido criada com
fundamento no §4º, do art. 195, CF, in verbis:
“§ 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção
ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I. “
Por sua vez, assim dispõe o art. 154, I, CF:
“Art. 154. A União poderá instituir:
I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde
que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios
dos discriminados nesta Constituição;”
Como se depreende da leitura dos dispositivos constitucionais acima
transcritos, para que a União Federal crie uma nova contribuição social, não
prevista na Carta da República, destinada a garantir a manutenção ou expansão
da Seguridade Social, deve fazê-la por meio de lei complementar, o que não
ocorreu na presente hipótese.
Portanto, percebe-se que a exação em comento já nasceu maculada pelo manto da
inconstitucionalidade formal.
6 - Do Estímulo e Apoio ao Cooperativismo – Ofensa ao art. 174, § 2º, da
Constituição Federal de 1988
O estímulo e apoio ao cooperativismo encontra respaldo em nosso Texto
Constitucional, mais especificamente no art. 174, § 2º, e encontra inspiração
muito visível nas Constituições portuguesa e espanhola. Assim como na nossa, o
que ali se procura é fomentar esta modalidade associativa, que apresenta, sem
dúvida nenhuma, um grande alcance social, quando levada a efeito, debaixo de um
autêntico espírito cooperativo.
O já citado art. 174, §2º, da Constituição Federal estabelece:
'Art. 174 - omissis
(...)
§2º - A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de
associativismo.'
Pode parecer, em princípio, que o apoio e estímulo ao cooperativismo, consoante
disposto no §2º, do art. 174, da Constituição Federal , consistiriam mera
disposição programática, ou seja, um programa ou intenção, sem conteúdo
normativo.
Todavia, a Constituição Federal não contém recomendações. Se existe dispositivo
estabelecendo apoio e estímulo ao cooperativismo, a legislação
infraconstitucional não pode ignorar estes ditames contemplados na Carta Magna.
Outrossim, aplicando-se uma interpretação teleológica do dispositivo
constitucional supra, verifica-se que este tem por finalidade garantir que o
Estado adotará as medidas necessárias para apoiar e estimular as sociedades
cooperativas.
Destarte, como apoiar e estimular o cooperativismo se as empresas tomadoras de
serviços de cooperativas estão sujeitas a um encargo tributário – 15% sobre o
valor da nota fiscal ou fatura – que não existe na hipótese da contratação de
uma sociedade não-cooperativa??
Ora, a lei que dificulta a contratação de uma sociedade cooperativa, uma vez
que institui a cobrança de uma nova exação incidente sobre esta contratação,
certamente coloca-se em oposição à norma constitucional, pois a criação do
referido tributo certamente atuará em desfavor da criação e manutenção do cooperativismo.
7 – Da Não Observância ao Princípio da Igualdade – ofensa ao art. 150, II, da
Constituição Federal de 1988
Inobstante todas as inconstitucionalidades acima apontadas, a exação em
comento, viola, ainda, o princípio da igualdade, constitucionalmente previsto
no art. 5º, caput e art. 150, inciso II.
A violação ao princípio da isonomia in casu é flagrante, uma vez que se uma
empresa (tomadora de serviços) contrata uma outra empresa (prestadora de
serviços) para lhe prestar serviços, ao invés de contratar a mão-de-obra de uma
cooperativa, a qual é equiparada à empresa, ficará aquela (empresa tomadora de
serviços) desobrigada de recolher a contribuição ora combatida, ao passo que na
contratação de sociedade cooperativa, estará obrigada ao recolhimento.
Neste sentido, cabe destacar a obra de J. J. Gomes Canotilho, que ao traçar
comentários sobre a relação entre o Estado e as sociedades cooperativas, disse
que esta relação deve pautar-se no princípio da igualdade, nos seguintes
termos:
“O Estado está obrigado a estimular e a apoiar a criação de cooperativas, bem
como a sua actividade, mas não pode impô-las nem tutelá-las. Para que esta
obrigação estadual não vá de encontro à liberdade de constituir cooperativas e
ao direito destas de prosseguirem livremente suas actividades, os estímulos e
apoios do Estado não podem traduzir-se em formas de ingerência na Constituição
ou na vida das cooperativas e devem pautar-se pelos princípios da igualdade, da
imparcialidade e da não discriminação” (Constituição da República Portuguesa
anotada, 2ª edição, Coimbra Ed., v. 1, pp. 414)
É inquestionável e perfeitamente plausível, vez que o aludido preceito
constitucional destina-se seguramente a restringir a atuação do Poder
Legislativo, que ao editar normas, quer de Direito Tributário, quer qualquer
outra norma dotada de jurisdicidade, deve observar o princípio da igualdade
Certo é que a igualdade diante da imposição tributária, não significa que todos
devem ser tratados da mesma forma. Decorrência de tal princípio, todos aqueles
sujeitos passivos da obrigação tributária que se encontram na mesma situação, o
que é o caso das cooperativas e empresas prestadoras de serviços, devem ser
tratados da mesma forma igualitária.
A lei que contenha uma imposição tributária deve ser dirigida e aplicada a
todos os contribuintes que se encontrem na mesma situação, da mesma maneira e
com a mesma intensidade. Aqueles que estiverem na mesma situação jurídica devem
necessariamente receber o mesmo tratamento tributário.
O tributo, mesmo que criado por lei, editada pela pessoa jurídica competente,
não pode alcançar apenas alguns contribuintes, beneficiando,
injustificadamente, outros que estejam nas mesmas condições.
Num Estado Democrático de Direito, como o Brasil o é, o princípio da igualdade
se afigura como limite essencial ao Poder Legislativo, no exercício de sua
competência tributária.
A norma constitucional em que está inserto o Princípio da Igualdade tem
eficácia plena, aplicabilidade direta, imediata e integral, pois independe de
legislação ou qualquer outra providência.
Portanto, tendo em vista que a legislação instituidora da contribuição em foco
está criando um fator diferenciador no momento de contratação de serviços das
sociedades cooperativas, eis que encontra-se plenamente configurado o
tratamento desigual entre pessoas jurídicas que se encontram em situações
equivalentes (empresas prestadoras de serviços e cooperativas), verifica-se o
confronto desta lei com a regra insculpida no art. 5º, caput e art. 150, II, da
Carta Constitucional.
8 - Da Jurisprudência dos Tribunais Pátrios
Tendo em vista as inúmeras inconstitucionalidades que maculam a cobrança da
contribuição social instituída pelo art. 22, IV, da Lei nº 8.212/91, com a
redação que lhe foi dada pela Lei n 9.876/99, inúmeros são as manifestações
jurisprudenciais dos tribunais pátrios que vêm reconhecendo a
inconstitucionalidade de tal exação, conforme se verifica das decisões abaixo
transcritas:
“TRIBUTÁRIO – APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – NÃO RECOLHIMENTO DA EXAÇÃO
INSTITUÍDA PELA LEI Nº 9876/99, POR CRIAR NOVO TRIBUTO – NECESSIDADE DE LEI
COMPLEMENTAR
- Trata-se de apelação em mandado de segurança impetrado por empresa tomadora
de serviços de cooperativa, que visa a obtenção da segurança para o não
recolhimento da exação instituída pela Lei nº 9.876/99, vez que esta estaria
por criar novo tributo, e, sendo assim, estaria em desconformidade com o art.
195 da Constituição.
- Da análise da mencionada lei, não me parece assimilável ao conceito daquelas introduzidas
pela EC nº 20/98, pois sua adoção careceria de veiculação por via de lei
complementar, como estabelece o art. 195, § 4º da Constituição da República.
- Conclui-se, por fim, que a contribuição social instituída pela Lei nº
9.876/99 é tributo novo, distinto da exação criada pela LC nº 84/96, e que não
se identifica com nenhuma das hipóteses de incidência referidas no art. 195, da
Constituição da República.
- O próprio Plenário do Supremo Tribunal no julgamento dos recursos
extraordinários nºs 166.772/RS e 177.296/RS, consolidou orientação no sentido
de que a exação instituída pela Lei nº 9.876/99 viola, flagrantemente, o
pressuposto que impõe lei complementar como modelo legislativo para o exercício
da competência tributária residual.
- Recurso provido para conceder a segurança.”
(Tribunal Regional Federal da Segunda Região - Apelação em Mandado de Segurança
- Processo: 2001.02.01.043920-1 - Órgão Julgador Primeira Turma - Data da
decisão: 20/05/2002 - DJU data:03/09/2002 - Página 157 – Relator Desembargador
Federal Ricardo Regueira)
* * * * *
“CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - LEI Nº 9.876/99 - ALTERAÇÃO DO ART. 22 DA LEI
8.212/91 - RETENÇÃO DE 15% SOBRE O VALOR BRUTO DAS FATURAS OU NOTAS FISCAIS
EMITIDAS PELAS COOPERATIVAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS - ALTERAÇÃO DA BASE DE
CÁLCULO, A QUAL PASSA A NÃO MAIS RESIDIR SOBRE O VALOR DOS RENDIMENTOS DO
TRABALHO PAGOS OU CREDITADOS À PESSOA FÍSICA PRESTADORA DO SERVIÇO - CRIAÇÃO DE
NOVA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA ATRAVÉS DE LEI ORDINÁRIA - INCONSTITUCIONALIDADE
- VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 195, I E § 4º E 154, I, DA CONSTIUIÇÃO FEDERAL.
- A Lei Complementar n. 84/96, em seu art. 1º, II, instituía uma contribuição
social, cujo fato gerador estava expresso na prestação de serviços a pessoas
jurídicas por intermédio de cooperativas, além de que a base de cálculo
consistia justamente nas importâncias distribuídas ou creditadas aos
cooperados, sendo que a alíquota estabelecida era a de 15%. O sujeito passivo
da obrigação tributária era a cooperativa.
- Ocorre, no entanto, que a Lei Complementar n. 84/96 veio a ser revogada pelo
art. 9º da Lei n. 9.876, de 26 de novembro de 1999, sendo que esse mesmo texto
legal veio, também, a alterar o artigo 22, da Lei n. 8.212/91, posto que foi
acrescido o inciso IV.
- Foi criada, assim, uma nova contribuição social, agora não mais a cargo da
cooperativa, mas sim da empresa tomadora de serviços, e tendo por base de
cálculo não os valores creditados ou distribuídos aos cooperados, mas sim o
valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços emitidas pelas
cooperativas.
- A sujeição passiva, portanto, foi alterada, deixando de ser da cooperativa,
vindo a ser da empresa tomadora de serviços que contrata com a cooperativa. E,
neste particular, cabe salientar que não se trata, como quer fazer crer a
autarquia previdenciária, de extinção da substituição tributária que estaria
prevista pela legislação anterior. É que, na Lei n. 84/96, as cooperativas
nunca figuraram na condição de substitutos tributários das empresas tomadoras
de serviços, sendo que, na realidade, assumiam a posição de sujeito passivo na
relação tributária e realizavam a hipótese de incidência justamente no momento
em que procediam a distribuição ou crédito em favor dos cooperados dos valores
relativos à prestação de serviços por eles realizada.
- Ademais, a base de cálculo também foi alterada, posto que deixou de ser os
valores creditados ou distribuídos a cooperados, tendo sido definido como
tanto, pela Lei n. 9.876/99, o valor bruto da nota fiscal ou fatura de
prestação de serviços, o que significa que está a englobar não só os
rendimentos de trabalho pagos ou creditados aos cooperados, mas despesas outras
que integram o preço contratado, tais como taxa de administração e outras.
- Todos esses ângulos estão a denotar que o sujeito passivo e a base de cálculo
definida na Lei nº 9876/99 estão em descompasso com o artigo 195, I, da
Constituição Federal, pois indispensável seria que a incidência ocorresse sobre
rendimentos do trabalho pagos ou creditados à pessoa física que preste serviço.
Porém, no caso em tela, além de não se constatar a incidência sobre o valor dos
rendimentos do trabalho, e sim sobre o valor da nota fiscal ou fatura emitida,
ainda, não diz respeito a importâncias devidas às pessoas físicas, mas decorrem
de contratos firmados entre a tomadora de serviços e a cooperativas, portanto,
diz respeito a relações estabelecidas entre pessoas jurídicas. É que,
sabidamente, a cooperativa é uma pessoa jurídica, conforme inclusive decorre da
Lei n. 5.764, de 16 de dezembro de 1971, em seu artigo 4º, pelo que não há como
subsumir-se à hipótese prevista no dispositivo constitucional mencionado.
- Houve, sem dúvida, a instituição de nova contribuição, pois a anterior,
prevista pela Lei Complementar n. 84/96, foi expressamente revogada pelo artigo
9º da Lei 9.876/99 e, assim sendo, somente poderia ser criada mediante lei
complementar, na forma do artigos 195, § 4º e 154, I, da Constituição Federal,
o que não se verificou na espécie.
- Recurso de apelação e remessa oficial a que se nega provimento.”
(Tribunal Regional Federal da Terceira Região - Apelação em Mandado de
Segurança - Processo: 2000.61.19.012631-1 - Órgão Julgador Quinta Turma - Data
da decisão: 08/05/2001 - DJU data:18/09/2001 - Página 540 – Relatora Juíza
Suzana Camargo)
9 - Conclusão
Portanto, como se verifica da leitura e análise de todos os aspectos abordados
ao longo do presente trabalho, podemos concluir que a contribuição social
instituída pela Lei nº 9.876/99, a qual modificou a redação do art. 22 da Lei
nº 8.212/91, é inconstitucional, uma vez que esta não encontra o seu fundamento
de validade em nenhuma das hipóteses estabelecidas no art. 195, I, II e III da
Constituição Federal, isto porque esta nova contribuição, diferentemente das
contribuições previstas no citado artigo, possui uma nova hipótese de
incidência (contratação de serviços prestados por cooperados por intermédio de
cooperativa de trabalho), bem como uma nova base de cálculo (o valor bruto da
nota fiscal ou fatura de prestação de serviços).
Uma vez comprovado que a exação em foco não possui previsão na Carta da
República, verifica-se que a sua instituição, no exercício da competência
residual da União Federal, constitucionalmente prevista no art. 195, § 4º c/c
art. 154, I, somente poderia ser veiculada através de lei complementar, o que
não ocorreu no presente caso.
Denote-se, também, que esta nova contribuição social, em contrariando a regra
estabelecida pelo art. 174, § 2º, CF/88, faz com que cooperativismo não seja
apoiado e incentivado, pois a contratação de este tipo de sociedades estaria
por demasiadamente onerada, uma vez que as empresas teriam que pagar mais um
tributo.
Além disto, a contribuição ora combatida viola ainda o princípio da igualdade,
ao passo que coloca as sociedades cooperativas em pé de desigualdade com as
empresas prestadoras de serviços, as quais são equiparadas as cooperativas por
expressa determinação legal, bem como por reiteradas manifestações
jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que no caso de uma
empresa tomadora de serviços contratar com uma empresa prestadora de serviços,
ficará desobrigada de recolher a contribuição social criada pela Lei nº
9.876/99.
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