Buscalegis.ccj.ufsc.Br

 

 

Abertura do comércio nos dias de repouso

Daniel Batista

Acadêmico de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL
Estagiário da Assessoria Jurídica da Delegacia Regional do Trabalho em Santa Catarina

 

1.      A exigência do repouso semanal remunerado.
  
  Todos nós sabemos que o repouso semanal é de grande necessidade vital. O trabalhador após enfrentar a carga semanal de serviço sofre grande desgaste corporal e mental, sendo necessário o sagrado repouso, a fim de restituir a grande quantidade de energia investida e evitar que a fadiga provocado pelo excesso de trabalho comprometa a saúde e leve o obreiro ao “stress”.
  
  Além do descanso deve-se levar em conta os laços familiares e a estabilidade do instituto, como leciona (1) Valentim Carrion “O trabalho em dias que os filhos, a esposa e os amigos descansam contribui para a dissolução dos laços gregários, tão importantes para a própria sociedade, e a estabilidade do indivíduo; também repercute sobre a produção, a economia, a criminalidade etc.”
  
  O descanso semanal é disciplinado pela CLT e pela Lei n.º 605, de 5 de janeiro de 1949, tendo o seu regulamento aprovado pelo decreto n.º 27.048, de agosto de 1949. Esses textos vigoram em face do artigo 7º, inciso XV da carta constitucional, pois se estabelece apenas preferencialmente o repouso recair em Domingo.
  
  No artigo 7º do regulamento Decreto n.º 27.048, (referente a Lei n.º 605 de 12 de agosto de 1949), contém casos em que é possível trabalho nos dias de repouso, porém fora dos casos previstos, verbis:
  
  “ Art. 8º Fora dos casos previstos no artigo anterior, admitir-se-á, excepcionalmente, o trabalho em dia de repouso:
  
  a) quando ocorrer motivo de força maior, cumprindo à empresa justificar a ocorrência perante a autoridade regional a que se refere o art. 15, no prazo de 10 (dez) dias;
  b) quando, para atender à realização ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto, a empresa obtiver da autoridade regional referida no art. 15 autorização prévia, com discriminação do período autorizado, o qual, de cada vez não excederá de 60 (sessenta) dias, cabendo neste caso a remuneração em dobro, na forma e com ressalva constante do art. 6º, § 3º.”
  
  A autorização prévia concedida para as empresas nessas hipóteses, são de caráter transitório, como reza o artigo 9º da Lei n.º 605/49:
  
  “ Nas atividades em que não for possível, em virtude das exigências técnicas das empresas, a suspensão do trabalho, nos dias feriados civis e religiosos, a remuneração será paga em dobro, salvo se o empregador determinar outro dia de folga”
  
  É importante ressaltar que nos casos de força maior não é necessária a prévia autorização, no entanto é necessária a justificativa da atividade posteriormente ao órgão competente, visto que a falta da mesma poderá acarretar uma multa administrativa.
  
  
  2. O comércio pode funcionar aos domingos e feriados?
  
  O avanço diário do comércio apresenta a tendência de abertura de grandes centros comerciais, shoppings, grandes lojas de departamentos, lojas de conveniência. Essas empresas com as portas abertas todos os dias, nas grandes capitais e centros urbanos, tem grande presença no Brasil e no mundo, devido ao novo perfil apresentado pelo consumidor, exigindo serviços 24 horas por dias e 7 dias por semana, pela comodidade, segurança, facilidades, serviços alternativos, etc.
  
  Essa realidade é provida pela Lei 10.101, de 19 de dezembro de 2000, art. 6º e parágrafo único:
  
  “art. 6º. Fica autorizado, a partir de 9 de novembro de 1997, o trabalho aos domingos no comércio varejista em geral, observando o art. 30, inciso, I, da Constituição
  
  Parágrafo Único – o repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de quatro semanas, com o Domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras previstas em acordo ou convenção coletiva.”
  
  Porém a CLT e lei 605/49 são claras, proíbem o trabalho aos domingos, quando não autorizado.
  
  
  No entanto, há de se observar que o art. 6º da Lei 10.101, de 19 de dezembro de 2000, permite o funcionamento do comércio varejista em geral admitindo atividades comerciais que se encontram na relação a que se refere o art. 7º da lei 605/49, presente no Decreto nº27.048, de 12 de agosto de 1949, tem a permissão “ex lege”, de trabalho nos dias de repouso, em caráter permanente, visto que existem inúmeros serviços que são imprescindíveis à sociedade, por esta razão não podem ser paralisados. O legislador tratou de esclarecer quais as atividades que merecem a autorização permanente de funcionamento nos dias de repouso, sendo que, então, temos a impossibilidade de concessão de repouso semanal em todos os domingos aos trabalhadores envolvidos nas referidas áreas do regulamento abaixo, in verbis:
  
  
  “ II – COMÉRCIO
  
  1) Varejista de peixe
  2) Varejista de carnes frescas e caça
  3) Varejista de pão e biscoitos
  4) Varejista de frutas e verduras
  5) Varejista de aves e ovos
  6) Varejista de produtos farmacêuticos (farmácias, inclusive manipulação de receituário)
  7) Flores e Coroas
  8) Barbearias (quando funcionando em recinto fechado ou fazendo parte do complexo do estabelecimento ou atividade mediante acordo expresso com os empregados)
  9) Entrepostos de combustíveis, lubrificantes e acessórios para automóveis (postos de gasolina)
  10) Locadores de bicicletas e similares
  11) Hotéis e similares (restaurantes, pensões, bares cafés, confeitarias, leiterias e bomboneirias)
  12) Hospitais, clínicas, casas de saúde e ambulatórios
  13) Casas de diversões (inclusive estabelecimentos esportivos em que o ingresso seja pago)
  14) Limpeza e alimentação de animais em estabelecimentos de avicultura
  15) Feiras-livres e mercados, inclusive os transportes inerentes aos mesmos
  16) Porteiros e cabineiros de edifícios residenciais
  17) Serviço de propaganda dominical
  18) Artigos regionais nas estâncias hidrominerais
  19) Comércio em portos, aeroportos, estradas, estações rodoviárias e ferroviárias
  20) Comércio em hotéis
  21) Agências de turismo, locadora de veículos e embarcações
  22) Comércio em posto combustíveis
  23) Comércio em feiras e exposições ”
  
  A princípio não existem objeções quanto aos itens taxados no regulamento, mas no entanto, a Lei n.º 605/49 e o seu regulamento presente no Decreto n.º 27.048/49, são da década de 40, visto que na época os bens e serviços de primeira necessidade, a grosso modo, enquadravam-se perfeitamente as necessidades da população, no entanto o comércio mudou, os hábitos dos particulares não são mais os mesmos. Por exemplo os grandes Supermercados, que vendem de tudo, desde discos e roupas, até pneus e lubrificantes automotivos.
  
  Os Supermercados e as grandes lojas de departamento não estão especificadas na listagem mencionada, visto também não se enquadram em nenhum dos itens. Mesmo assim podem ser abertos nos dias de repouso? (2) O Superior Tribunal de Justiça assim tem decidido:
  
  RECURSO ESPECIAL. SUPERMERCADO. FUNCIONAMENTO NOS DIAS DE REPOUSO. MULTA. DESCABIMENTO DA PUNIÇÃO. O Decreto n.º 27.048/49, que regulamentou a Lei n.º 605/49, permite que o comércio de gêneros de primeira necessidade funcione nos dias de repouso. Os modernos supermercados beneficiam-se de tal orientação. Recurso especial conhecido e provido. (Recurso Especial n.º 94.559 – Relator Exmº Sr. Ministro José de Jesus Filho – in DJU de 7.10.96)
  
  
  É fato notório que os Supermercados não negociam apenas produtos de primeira necessidade, existem vários produtos que escapam da definição de gêneros de primeira necessidade, aparenta-se um desrespeito à proibição contida na lei de regência (Lei n.º 605/49 e o seu regulamento presente no Decreto n.º 27.048/49).
  
  No entanto, o STJ tem considerado os Supermercados como uma extensão moderna dos antigos mercados e pequenos comércios varejistas, desta forma ficam protegidos pela Lei Federal 605/49, regulamentada pelo Decreto 27.048/49.
  
  
  3. As Leis Municipais e o Comércio
  
  Suponhamos que um município através de seus vereadores, aprova uma lei que regula o horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais na localidade. Na referida lei existe um artigo que condiciona a emissão de alvará de funcionamento para empresa, mediante a apresentação de acordo entre as Empresas e o Sindicato dos empregados. O Município através da referida lei, estará impondo uma obrigatoriedade ao condicionar a abertura do comércio, mediante apresentação de prévio acordo trabalhista com o Sindicato.
  
  A lei n.º 10.101, de 19 de dezembro de 2000, indica a observação do inciso I, artigo 30 da Constituição, o referido dispõe o seguinte, verbis:
  
  “Art. 30. Compete aos Municípios:
  I - legislar sobre assuntos de interesse local;”
  Compete aos Municípios dispor sobre o horário do comércio varejista, apesar de não estar especificado, desde que respeitadas as leis Estaduais e Federais. Sabemos que existe hierarquia legal, as leis estaduais e municipais não podem ferir as federais. O STF assim já aduziu através da Súmula 419, in verbis:
  
  “ Os municípios têm competência para regular o horário do comércio local, desde que não infrinjam leis estaduais ou federais válidas”.
  
  Portanto a lei será inconstitucional, porque a competência de legislar sobre matéria trabalhista, é privativa da União. Como dispõe o artigo 22, inciso I da Carta Magna, verbis:
  
  “ Compete privativamente à União legislar sobre:
  
  I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho (grifei)”
  
  (3) Francisco Antônio de Oliveira assim se posiciona: “ É questão de hierarquia de normas (controle da lei no espaço). Evidentemente, não poderá o município em suas posturas contrariar leis estaduais ou federais”
  
  Então o Município que sancionar uma lei propondo tal condicionamento, estará ultrapassando o seu direito de legislar.
  
  Se no caso da concessão de abertura permanente da referida lista de espécies de comércio, como reza o regulamento do Decreto n.º 27.048/49, estará a lei municipal criando obrigações, ferindo o disposto na lei federal. É um perfeito caso para uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade), devido a carência de legitimidade do Município.
  
  
  Referências bibliográficas:
  
  (1) CARRION, Valentin – Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, São Paulo: Saraiva
  (2) (Recurso Especial n.º 94.559 – Relator Exmº Sr. Ministro José de Jesus Filho – in DJU de 7.10.96)
  (3) OLIVEIRA, Francisco Antônio de – Consolidação das Leis do Trabalho: comentada, São Paulo: RT, 2000
  
  

 

 

Retirado de: www.direito.com.br