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A fiscalização de e-mails e o direito à privacidade


- Fernanda Pires Letieri


Recentemente duas grandes empresas foram notícia com coincidências de acontecimentos interessantes. Ambas são montadoras de veículos, com estabelecimentos em vários países e tiveram funcionários brasileiros envolvidos em circulação de mensagens eletrônicas inapropriadas ao ambiente de trabalho. E não é só: nos dois casos, as tais mensagens indecorosas foram parar em território estrangeiro, ou seja, em unidade das respectivas empresas, situada em outro País, sendo que ambas foram receptadas por funcionárias.
O tema dá ensejo a diversas questões polêmicas e, timidamente, começa a receber análises e estudos de juristas brasileiros e estrangeiros e a fazer parte de jurisprudências.
O cerne da questão é o fato de haver dois lados totalmente contraditórios, os quais, no entanto, são passíveis de defesa. A movimentação, já iniciada por parte das empresas, é no sentido de tentar se resguardar de novos episódios e conseqüentes prejuízos, e até mesmo, de possibilitar a caracterização de eventuais demissões, como sendo por justa causa. Os empregados, por sua vez, tentam minimizar os efeitos e justificar a fatalidade das ocorrências.
A verdade é que, de um lado há a defensável posição de que a empresa, enquanto proprietária dos equipamentos de informática e com o intuito único de preservar seu nome e imagem e, principalmente, evitar prejuízos, pode e deve fiscalizar e barrar o envio e recebimento de mensagens consideradas inapropriadas. Vale ressaltar, que o direito à propriedade é garantia constitucional.
Por outro lado, tem-se o direito à privacidade e à intimidade do cidadão brasileiro, também, garantidos pela Constituição Federal, bem como, o direito à inviolabilidade de correspondência, da mesma forma assegurado pela lei maior.
As pouquíssimas decisões já proferidas abordam outras questões controvertidas. Equipara-se a violação de mensagem eletrônica à gravação de conversa telefônica, cujo entendimento jurisprudencial é o de obtenção de prova por meio ilícito e a conseqüência é a sua invalidade. Contrário a isso, há que se considerar a responsabilidade objetiva da empresa por uma mensagem enviada por um computador de sua propriedade, que certamente terá, vinculada a esta mensagem, o nome da empresa e o seu conseqüente comprometimento.
Chega-se a um ponto, que o monitoramento de mensagens parece justificável e até mesmo adequado; se não fosse, porém, a previsão legal no Código Penal Brasileiro. O artigo 151 disciplina os crimes contra a inviolabilidade de correspondência e impõe pena de detenção ou multa para aquele que devassar conteúdo de correspondência fechada dirigida a outrem, ou, para aquele que se apossar de correspondência alheia, ainda que não fechada.
Enfim, o que há de mais fácil em toda essa discussão é demonstrar que os dois lados antagônicos são repletos de razões para, no mínimo, causarem mais uma boa e acirrada discussão jurídica nos tribunais brasileiros e do mundo todo.
Para se ter uma idéia, em decisão inédita recentemente proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (Distrito Federal e Tocantins), foi reconhecida, por unanimidade, a justa causa na demissão de ex-funcionário de uma seguradora, acusado de utilizar o correio eletrônico da empresa para repassar imagens pornográficas. Vale ressaltar, a referida decisão reformou a sentença proferida em primeira instância que não havia acolhido a justificativa da empresa para a demissão, sob a alegação de que as provas haviam sido obtidas ilegalmente.
Entendemos que diante da necessidade identificada por uma empresa em fiscalizar os e-mails de determinados funcionários, a quebra desse sigilo se torna justificável, da mesma forma que, na área de telemarketing de algumas empresas a prática de gravar ligações, (a qual num primeiro momento, parece ilegal) atualmente já é considerada normal e lícita.
No mesmo sentido, a prática de revista de funcionários, ainda que possa parecer constrangedora, também já é aceitável nos dias de hoje e permite a revista dos funcionários e de seus pertences.
É certo que, em todas essas situações parte-se do princípio de que o empregador está agindo de boa-fé, sem excessos, e tendo como único objetivo resguardar a sua imagem e garantir a idoneidade e segurança sua e de seus funcionários.
Aliás, mesmo diante de todas essas divergências, é possível identificar um interesse comum entre o remetente de mensagem eletrônica e o seu destinatário, seja ele considerado usuário enquanto pessoa física ou representante de empresa. Todos querem ter suas informações pessoais ou de seu interesse devidamente protegidas, de tal maneira que terceiros não façam má utilização de seu conteúdo, modifiquem ou desvirtuem os dados ali contidos.
Atualmente e já com o intuito de resguardar as informações que circulam por meio eletrônico, alguns usuários inserem avisos de alerta que trazem algumas providências que devem ser tomadas, caso a mensagem seja recebida por destinatário não identificado e ausente de interesse.
Normalmente, as solicitações são para que a mensagem seja imediatamente apagada e seu conteúdo ignorado. Os mais precavidos registram ainda, que não se responsabilizam por eventuais modificações no teor da referida mensagem.
Se ainda não há como o usuário se proteger totalmente devido à ausência de legislação pertinente, no mínimo, essas observações podem sugerir que aquele usuário de boa-fé está se utilizando dos avanços tecnológicos com seriedade.
Com relação aos escritórios de advocacia, o conteúdo desses avisos de alerta são ainda mais específicos, na medida em que determinadas mensagens realmente podem conter informações privilegiadas, ser produto de trabalho protegido de advogado ou de divulgação proibida, sendo, portanto, de caráter confidencial.
Para estes casos, a proteção do conteúdo de mensagens transitadas pelo mundo jurídico já possui norma regulamentadora, que expressamente considera como direito do advogado o sigilo profissional, através da inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de suas correspondências e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins (Lei nº 8906/94 - Estatuto da OAB).
Sabemos que com a difusão da informática será cada vez mais difícil negar a necessidade de monitoramento de mensagens eletrônicas que partem e chegam nas empresas, através de seus funcionários. Para que tal prática seja mais facilmente aceita, sugerimos que o empregador tome algumas precauções, tais como: adoção de política interna de comunicação para explicar o uso correto do correio eletrônico, enquanto ferramenta de trabalho fornecida pelo empregador ao empregado e também para informar expressamente a possibilidade de monitoramento dos usuários de e-mails; e obtenção da anuência dos empregados quanto a essa prática da empresa, obtida através de documento específico ou termo aditivo ao contrato de trabalho, sendo que, para as contratações futuras, recomenda-se a inclusão de cláusula contratual que autorize essa prática e preveja punições para aquele que violar a norma interna de uso de correio eletrônico, que, dependendo do caso, poderá ser a demissão do funcionário faltoso.
Dessa forma, o descumprimento de obrigação específica contratual poderá ensejar a rescisão de contrato por justa causa, tendo em vista os prejuízos que a má utilização do correio eletrônico poderá causar à empresa.
Os casos que vierem a surgir serão individualmente analisados até que a jurisprudência reflita o posicionamento majoritário que se formará quanto ao tema, o qual, acreditamos, será no sentido de acompanhar a evolução tecnológica e suas necessidades, restando demonstrado que nossos tribunais, mais uma vez, estão inovando em prol da modernização. (Fernanda Pires Letieri /Página 2)(Fernanda Pires Letieri - Advogada, sócia do escritório Manhães Moreira Advogados Associados )

 

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