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A REPARAÇÃO DO DANO MORAL NO DIREITO DO TRABALHO

 

 

 

PROFESSOR LUIZ DE PINHO PEDREIRA DA SILVA

 

 

 

1.      A RESPONSABILIDADE E A RESPONSABILIDADE CIVIL

Responsabilidade é a obrigação de reparar o dano causado a terceiro em conseqüência de uma conduta ativa ou omissiva. O fundamento da responsabilidade é o dever do homem de não prejudicar os demais, o neminem leadere dos romanos, áureo princípio que permanece íntegro em matéria de responsabilidade, consoante a lição de AGUIAR DIAS.

 A responsabilidade é uma categoria jurídica extensiva a todos os ramos do direito, público e privado, mas alcançou o seu maior desenvolvimento numa das disciplinas constitutivas deste último, o Direito Civil, de que um dos mais importantes institutos é a responsabilidade civil. Consiste esta no dever imposto a quem infligiu dano a outrem, em decorrência de violação de direito deste, de reparar o prejuízo, quer se causado pelo próprio agente, por pessoa sob sua responsabilidade ou por fato de animal ou coisa sob sua guarda.

 A responsabilidade civil pode ser contratual, quando originada de inadimplemento de contrato, e extracontratual ou aquiliana, quando não há convenção entre as partes mas resulta do dever de a ninguém prejudicar. Há de atender a certos pressupostos, que são: fato voluntário do agente, que tanto pode ser uma ação como uma omissão; imputabilidade ou capacidade de discernimento do agente; ilicitude, que se revela pela prática por parte do lesante de ato ou omissão violadores do dever de não prejudicar ou pelo descumprimento da regra que impõe esse dever.

 A ilicitude pressupõe: dolo, culpa ou risco, isto é, exposição dos demais a perigo em proveito próprio (teoria objetiva); nexo causal entre a ilicitude e o prejuízo; dano, assim considerado o resultado da ofensa feita por terceiro a um direito, patrimonial ou não, que acarrete prejuízo ao ofendido, conferindo-lhe, em decorrência, a pretensão a uma indenização. O dano pode ser patrimonial, quando passível de avaliação pecuniária, ou moral, quando insuscetível de estimação dessa natureza.

 

 2. O CONCEITO DE DANO MORAL

 Embora seja verdadeiro que o dano moral é, como disse, aquele suscetível de ser aquilatado monetariamente, não esgota essa afirmação o seu conceito. As definições de dano moral são divididas em dois grupos: as que adotam formulações negativas e as que adotam formulações positivas.

 Umas conceituam o dano moral de forma que ele seria todo dano extrapatrimonial. Esta concepção, muito difundida e a que, em oportunidade anterior, aderi, sofre críticas bastante fundadas. A primeira delas é a de que, para cobrar esse tipo de definições de valor pleno, deve-se previamente sustentar que os entes ou coisas cujas características se pretende determinar só admitem dois tipos de diversidade; de maneira que, não pertencendo um dos elementos que se pretende classificar a um grupo,  deve-se concluir automaticamente pela sua inclusão no grupo oposto, quando é certo que pode existir uma espécie de dano que, não sendo patrimonial, tampouco possa ser considerado moral.

 A contraposição dano patrimonial - dano não patrimonial exauriria completamente o campo do dano jurídico, no qual não poderia ter ingresso outro tipo de dano. E que este é possível demonstra o fato de estar reconhecido na doutrina e sobretudo na jurisprudência da Itália um tertium genus de dano: o dano biológico, ao lado do dano patrimonial e do dano moral. O dano biológico é a lesão à integridade física ou psíquica do indivíduo, enquanto o dano moral seria a conseqüência dessa lesão.

 Outra censura às definições negativas, de que teve a primazia SCONAMIGLIO, é aquela, segundo a qual, uma definição negativa somente pode ser admitida quando se trata de operar na esfera de fenômenos homogêneos, enquanto os danos patrimoniais e os danos morais constituem fenômenos completamente diversos.

 Cabe, então, optar pelas concepções de formulação positiva. Destas devem ser descartadas as que identificam o dano moral com os sofrimentos experimentados por uma pessoa e que se expressam por meio da dor física ou moral, do "menoscabo dos sentimentos", da pena moral, dos padecimentos não suscetíveis de apreciação econômica, como as dos civilistas argentinos Llambías e Bustamante Alsina. Objeta-lhes com razão ANTONIO VASQUEZ VIALARD que esses efeitos psicofísicos, conquanto sejam uma conseqüência da lesão provocada por um dano moral, não se produzem necessariamente, como acontece quando o dano afeta um demente, um menor que não tem compreensão ou um ente ideal.

 Devem ser desprezadas também, conquanto de formulação objetiva, as definições que consideram dano moral o constrangimento sofrido por alguém por efeito de lesão de direito personalíssimo, não obstante uma delas seja de autor tão categorizado como Orlando Gomes. Isto excluiria do conceito de dano moral a lesão de direitos que não são personalíssimos, mas podem constituir objeto de dano não patrimonial, tais os pertinentes a grupos humanos, como a família e as pessoas jurídicas.

 Antecedendo a sua definição de dano moral, que adotarei, escreveu, em excelente monografia sobre este, o professor RAFAEL GARCIA LOPEZ, da Universidade Espanhola de Navarra: "... a esfera do poder jurídico do sujeito de direito se compõe de bens pessoais (como a vida, o nome, a honra, etc...); bens patrimoniais, que se desenvolvem na esfera de caráter econômico que cerca a pessoa; e bens familiares e sociais, que representam o poder da pessoa dentro das organizações em que o sujeito se move.

 No conjunto de tais bens jurídicos ou relações jurídicas delimitam-se clara e nitidamente dois setores perfeitamente identificados: por um lado, o formado pelos bens ou relações de valor econômico, que se denomina patrimônio; por outro, aquele conjunto de bens e direitos que configuram o âmbito puramente pessoal do titular da esfera jurídica (bens ou direitos da personalidade, direitos de família e sociais). O patrimônio determina o que a pessoa tem e o âmbito pessoal o que a pessoa é".

 Depois de outras considerações, define o dano moral - atendendo à natureza do seu objeto e à consideração dele como efeito ou conseqüência perniciosa - nestes termos: "o resultado prejudicial que tem por objeto a lesão ou menoscabo de algum dos bens ou direitos correspondentes ao âmbito estritamente pessoal da esfera jurídica do sujeito de direito, que se ressarcem por via satisfatória sob o critério eqüitativo do juiz". É assim compreendendo o dano moral que falarei sobre a sua reparação no Direito do Trabalho.

 

 3. A NATUREZA DA REPARAÇÃO DO DANO MORAL

 Controvertida é, na doutrina, a natureza da reparação do dano moral. Formaram-se, a respeito, duas correntes, uma das quais lhe atribui função punitiva enquanto a outra considera-a compensatória.

 Para RIPERT, adepto da teoria da pena, o que a condenação ao pagamento de danos morais realmente visa não é a satisfação da vítima e sim o castigo do autor da ofensa. "As perdas e danos não têm aqui caráter ressarcitório e sim caráter exemplar".

 A reparação do agravo moral não pode ser considerada como pena, entre outros motivos porque esta possui um caráter sancionador, objetiva infligir ao causador do dano um castigo, diferentemente da reparação, que procura remediar a ofensa causada ao lesionado, que é o fim colimado pelo direito. Ademais, a pena tem caráter personalíssimo, sendo, conseqüentemente, intransmissível, e não pode passar da pessoa do ofensor; reveste-se de "incontagiabilidade", para usar a linguagem de PONTES DE MIRANDA, e a indenização do dano moral pode ser paga por um terceiro, como, para exemplificar, o empregador do preposto que foi seu autor ou uma companhia seguradora.

 VON THUR nega que tenha a reparação de dano moral função expiatória, pois sua finalidade não é acarretar perda ao patrimônio do culpado e sim proporcionar vantagem ao ofendido para que possa destiná-la a procurar as satisfações materiais ou ideais que considere convenientes, acalmando o sentimento de vingança inato ao homem.

 Os partidários da teoria que vêem na reparação do dano moral uma pena privada partem do pressuposto da necessidade de equivalência entre a reparação e o dano, equivalência esta que se observa na reparação do dano patrimonial, mas que não pode se verificar na reparação do dano moral porque não pode haver equivalência entre a dor e o dinheiro. Ainda argumentam os representantes da teoria da pena, entre os quais avulta GABBA, que, em se referindo o dano moral a bens inestimáveis, insuscetíveis de avaliação econômica, a entrega de dinheiro como conseqüência do evento danoso seria imoral e importaria de certo modo a equivalência do ressarcimento. Não se justificando este, a reparação pecuniária ainda constituiria um enriquecimento sem causa.

 A isto respondem os seguidores da teoria da reparação de natureza satisfatória que não se trata, no caso do dano moral, de equivalência no mesmo sentido em que dela se fala a respeito do dano patrimonial. A reparação pecuniária tem, aqui, função satisfatória, sendo o dinheiro apenas um instrumento, um meio, para proporcionar à vítima sensações agradáveis, bens morais que contrabalancem o sofrimento a ela infligido com o agravo a outro bem moral. Como exemplos de tais sensações agradáveis podem ser apontadas viagens, possibilidade de, na hipótese de perda de um filho, propiciar a outros filhos a realização de curso superior, ajuda a alguém. A indenização por dano moral pode não fazer desaparecer a dor, nem mesmo atenuá-la, como é viável acontecer quando o dano moral consistiu na perda de filho, mas em qualquer caso exerce essa função de "contrapeso da sensação negativa", isto é, a função satisfatória. É ela geralmente reconhecida pela doutrina brasileira, a qual, entretanto, propende para uma solução mista, que reconhece à reparação do dano moral o caráter, ao mesmo tempo, de pena e de ressarcimento satisfatório. É esta a posição de alguns dos nossos civilistas mais eminentes, como CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA e MARIA HELENA DINIZ. Mas a Constituição de 1988 assegura o direito à indenização pelo dano moral decorrente da violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Comentando-a, não hesita ALCINO PINTO FALCÃO em qualificar como "ressarcimento civil", a indenização por dano moral prevista no inciso do art. 5º.

 Parece-me que, assim, a Carta Magna excluiu a possibilidade de considerar-se a indenização por dano moral como pena. Aliás, já foi ressaltada a incoerência dos que consideram imoral a reparação pecuniária desse dano mas admitem pagamento de dinheiro em conseqüência dele, desde que a título de pena. RAFAEL GARCIA, embora partidário da função exclusivamente satisfatória da reparação, admite que, indiretamente, a indenização por dano moral produz um certo efeito intimidativo.

 

 4. BREVE NOTÍCIA HISTÓRICA SOBRE O PROBLEMA DA REPARAÇÃO DO DANO MORAL NO DIREITO BRASILEIRO

 A abordagem do tema que estamos desenvolvendo não se realizou antes de promulgada a Constituição Federal de 1988 porque até então estava aferrada a jurisprudência, principalmente do Supremo Tribunal Federal, à tese da irreparabilidade do dano moral, segundo a qual a dor não tem preço. Depois de assinalar, em livro de 1983, que o Supremo não aceitara ainda a tese da reparabilidade do dano moral, dizia AGUIAR DIAS não lhe parecer aceitável tão forte resistência às vozes oraculares de Pedro Lessa, Pedro dos Santos, Filadelfo Azevedo, Orozimbo Nonato e Aliomar Baleeiro. A reparação do dano moral, segundo informação de Pedro Lessa em voto vencido a ela favorável, era concedida antes da vigência do Código Civil. Após o advento deste passou-se a entender que o dano moral não era reparável, não obstante o claro pronunciamento de CLOVIS BEVILACQUA, no sentido da sua reparabilidade. Assim pronunciou-se o ínclito autor do projeto do Código: "O Código Civil não desconhece a satisfação por dano moral".

 A jurisprudência, entretanto, consolidou-se no sentido de que o dano moral só era indenizável quando fosse indireto, ou, em outras palavras, quando resultasse de dano patrimonial, o que não era reparar o dano moral e sim o dano patrimonial com ele cumulado. Fora disto somente admitia a reparação do dano moral quando expressamente autorizada em lei, como nos casos excepcionais da Lei de Imprensa e do Código de Telecomunicações. O fundamento para a reparação do dano moral se encontra realmente nos artigos do Código Civil, nº 76, consoante o qual para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse econômico, ou moral, e 159, em cuja conformidade aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.

 Embora achando que não se encontra no Código Civil brasileiro preceito consagrador da responsabilidade por dano moral, chegava ORLANDO GOMES à conclusão de que se tratava de lacuna cujo preenchimento era imperioso "para atualização de nossa lei civil, tanto mais necessária quando procedem os argumentos invocados pelos partidários da responsabilidade".

 A reforma viria, não como preconizado, através do Código Civil e sim de fonte de direito de hierarquia mais alta, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, incisos V e X. O primeiro preceito garante aos brasileiros e estrangeiros residentes no país  "o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem". O segundo, mais abrangente, declara "invioláveis a intimidade, a vida privada, a imagem e a honra das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

 Interpretando a segunda parte do inciso X, elucida CELSO RIBEIRO BASTOS que ela "cuida de assegurar o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". E prossegue: "É óbvio que a Constituição não quis excluir outras formas de punição também compatíveis com a lesão a estes direitos, haja vista a existência dos crimes contra  a honra. O que ela quis deixar certo é que, além da responsabilização administrativa, quando for o caso, cabe também uma responsabilização de natureza civil.

 A novidade que há aqui é a introdução do dano moral como fator desencadeante da reparação.

 No entanto essa tradição no caso há de ceder diante da expressa previsão constitucional".

 Tal previsão torna meramente acadêmica a velha discussão sobre a reparabilidade ou não do dano moral e oportuno o estudo do problema da reparação do dano moral no Direito do Trabalho.

 

 5. O DANO MORAL E O DIREITO DO TRABALHO

 Em trecho citado nas conclusões das 5ªs Jornadas Argentinas de Direito do Trabalho e da Seguridade Social, HORACIO DE LA FUENTE sublinha que, como é sabido, o trabalhador deve cumprir pessoalmente a principal prestação a seu cargo e, em geral, não de forma ocasional, como ocorre nos outros contratos, mas permanentemente, incorporando-se a uma organização alheia com a obrigação de realizar suas tarefas em lugar e condições determinados, submetido a todo momento às faculdades de direção e disciplinares que a lei reconhece ao empregador. Isto quer dizer que enquanto "nas contratações privadas" se acham normalmente em jogo valores econômicos e como exceção podem ser afetados bens pessoais dos contratantes, geralmente de forma indireta, no contrato de trabalho, o trabalhador, pela situação de dependência pessoal em que se encontra, arrisca permanentemente seus bens pessoais mais valiosos (vida, integridade física, honra, dignidade, etc.). Consta das mesmas conclusões que, no ordenamento jurídico argentino, a personalidade e a dignidade do trabalhador foram objetos de uma especial proteção, garantindo-se assim seus interesses ideais e morais. Conforme os princípios morais, o empregador há de responder pelos danos morais que cause, se por seu dolo ou culpa, lesam-se esses interesses ou bens patrimoniais.

 Em artigo doutrinário o mesmo jurista se manifesta no sentido de que "O Direito do Trabalho aparece, assim, como o ramo jurídico em cujo seio o estudo do dano moral deveria alcançar seu máximo desenvolvimento, já que, como se disse, nesse direito a proteção da personalidade adquire especial dimensão, tanto por sua primordial importância - dado o caráter pessoal e duradouro da relação - como por ter sido objeto de uma garantia jurídica especial".

 Coincidente é o pensamento de VASQUEZ VIALARD: "Se em algum âmbito de direito o conceito de "dano moral" pode ter alguma aplicação é, precisamente, no do trabalho. A razão da "subordinação" a que está sujeito o trabalhador na satisfação de seu débito leva a que a atuação da outra parte, que dirige essa atividade humana, possa menoscabar a faculdade de atuar que diminui ou até frustra totalmente a satisfação de um interesse não patrimonial.

 Uma das finalidades fundamentais do Direito do Trabalho é a de assegurar o respeito da dignidade do trabalhador, pelo que a lesão que em tal sentido se lhe inflija exige uma "reparação", quer entendida esta expressão em sentido lato ou no de pena.

 Se bem seja certo que esse tipo de menoscabo pode se dar com maior freqüência em relação à pessoa do trabalhador, também pode acontecer pela ação deste sobre a do empregador ou dos que atuam em seu nome, o que também merece a devida consideração, com o propósito de estabelecer um equilíbrio na relação direta entre duas pessoas, que se expressa através dos débitos recíprocos que as vinculam".

 Do mesmo entendimento partilha a professora da Universidade de Montevidéu, CRISTINA MANGARELLI, para a qual os princípios sobre a responsabilidade são de aplicação a todo o campo do direito, donde resulta que se estendem ao Direito do Trabalho. Esclarece que a proteção da personalidade do trabalhador é um dos deveres do empregador, compreendido no de previsão. E informa que, em conseqüência, cabe a reparação do dano moral trabalhista, já consagrada pela jurisprudência do seu país.

 Não há, pois, como deixar de reconhecer que as disposições constitucionais sobre reparação do dano moral têm aplicação no Direito do Trabalho, que elas não excetuam.

 As normas do Código Civil sobre responsabilidade civil são aplicáveis subsidiariamente no Direito especial referido porque não incompatíveis com ele, independendo a reparação do dano moral trabalhista de lei outra que a regule, embora essa lei possa vir a existir.

 

 6. AS FORMAS DE REPARAÇÃO DO DANO MORAL NO DIREITO DO TRABALHO

 RAFAEL GARCIA define a reparação específica, também denominada in natura, como aquela que tem por finalidade repor o prejudicado num estado igual ou similar ao que possuía antes de ocorrer a situação danosa.

 A reparação do dano moral trabalhista pode ser efetuada por dois modos: através da sanção in natura ou da sanção pecuniária. A primeira poderá consistir numa retratação, numa contra-publicação, numa publicação de sentença, enfim, ao menos em teoria, numa retroação do danificado à sua situação anterior ao dano moral. Faz-se a reparação pecuniária mediante o pagamento de indenização, obviamente mediante um pagamento em dinheiro. Como esclarece VASQUEZ VIALARD, tem-se admitido no Direito do Trabalho a reparação in natura, mas ela não esgota a reparação do dano causado, podendo proceder outra, em dinheiro.

 ERNESTO A. MARTORELL é partidário de que, no caso de se comprovar o agravo moral, o julgador ordene as medidas pertinentes para tentar sua reparação natural, procedendo a respeito com sumo cuidado, dado que, na generalidade dos casos, o ressarcimento do agravo exigirá uma compensação adicional, que deverá ser estimada em dinheiro, isto na inteligência de que rara vez poderá o direito pela via natural retrotrair o estado de coisas ao existente antes do ilícito. No Brasil, a compensação adicional à reparação in natura, em pecúnia, será sempre exigível, pois a Constituição da República assegura, em todo e qualquer caso de dano moral, uma indenização. CELSO BASTOS, no comentário acima citado, é muito claro ao expressar o pensamento de que outra qualquer espécie de sanção pelo dano moral há de ser cumulada à indenização.

 

 7. OS PERÍODOS EM QUE PODE SE VERIFICAR O DANO MORAL TRABALHISTA

 O dano moral, no Direito do Trabalho, pode ocorrer nas fases pré-contratual, contratual e pós-contratual. Nota MOSSET ITURRASPE que muitas são as hipóteses imagináveis de empresas que, durante as tratativas, por motivo ou ocasião delas, agridem os sentimentos do aspirante a um trabalho, seja avançando sua intimidade, originando sofrimentos psíquicos, etc.... Assim, causa dano moral o empregador que divulga, no interior da empresa ou fora dela, que um trabalhador não foi admitido como empregado por ser homossexual, alcoólatra, aidético, cleptomaníaco, etc. Ainda quando a acusação seja verdadeira constituirá dano extrapatrimonial, por desnecessária a respectiva publicidade. E se for inverídica torna-se muito mais grave o dano.

 O dano moral pode ainda ser infligido na fase contratual e o é quando o empregador deixa de cumprir certas obrigações derivadas do contrato de trabalho, como as de higiene e segurança do trabalho e de respeito à personalidade e dignidade do trabalhador.

 Prevendo o cometimento de dano moral trabalhista pelo patrão, e sua reparação, judiciosamente ensina DÉLIO MARANHÃO que "As obrigações acessórias do empregador, e que estão previstas na lei,  referem-se de um modo geral, à prevenção dos danos que o empregado possa sofrer tanto física como moralmente pela execução do trabalho; à assistência e indenização quando tais danos ocorrem, às férias anuais para o restabelecimento de energias despendidas no curso da prestação, etc...

 O empregador tem, ainda - prossegue - "a obrigação de dar trabalho e possibilitar ao empregado a execução normal de sua prestação, proporcionando-lhe os meios adequados para isso. E, acima de tudo, tem o empregador a obrigação de respeitar a personalidade moral do empregado na sua dignidade absoluta de pessoa humana. São obrigações que decorrem do princípio geral da execução de boa-fé do contrato, que, como dissemos, está na base da disciplina contratual". A obrigação de dar trabalho é muito discutível, mas indubitavelmente se o empregador não o proporciona, e o faz de forma humilhante para o empregado, infringe o dever de lhe dar tratamento compatível com a sua dignidade, incorrendo, assim, na prática de dano moral.

 Uma das formas humilhantes é não dar trabalho mas exigir que o empregado compareça diariamente ao serviço no seu horário normal.

 Torna-se neste passo oportuno mencionar um acórdão do Tribunal de Apelações do Trabalho de 1º de Turno de Montevidéu, em cuja ementa se lê: "Em nosso direito positivo o dano moral é suscetível de reparação. Para isto dever-se-á ter lesionado um interesse não patrimonial e este dano há de ser produzido por um ato ilícito.

 Além do pagamento do salário, o empregador tem outras obrigações que, em sua maioria, resguardam bens extrapatrimoniais do trabalhador, como por exemplo, honra, dignidade, integridade física, etc... Assim, por exemplo, a obrigação de proporcionar tarefas acordes com a categoria profissional e o dever de dar trabalho, especialmente quando o não desempenho das tarefas afete moralmente o trabalhador.

 O dever de previsão consiste na obrigação do patrão de tomar todas as medidas adequadas para evitar que o trabalhador sofra dano em sua pessoa ou em seus bens".

 Das conclusões das  Vªs Jornadas Argentinas de Direito do Trabalho e da Seguridade Social consta que a responsabilidade por dano moral durante a execução do contrato de trabalho pode nascer da violação de algum dos deveres impostos pela lei de contrato de trabalho, como: respeitar a personalidade do trabalhador, preservá-la e melhorá-la; evitar que se lhe cause qualquer prejuízo moral; respeitar e  salvaguardar sua dignidade tanto ao exercer as faculdades de direção e disciplinares como ao efetuar os controles pessoais; tutelar sua integridade psicofísica; respeitar sua liberdade de expressão ao mesmo tempo que lhe proporcionar ocupação de acordo com sua categoria e qualificação profissional; e, também, dispensar igual tratamento aos que se encontram em igualdade de condições, etc.

 Hipótese de dano moral ocasionado no curso do contrato de trabalho é a enfrentada pela Sala do Social do Superior Tribunal de Justiça da Galícia, que mandou pagar a respectiva indenização a uma empregada em razão de ter sido modificado pelo empregador o seu horário de serviço, impossibilitando-a de freqüentar um curso de Teologia e o Apostolado do Mar, com que estava comprometida, situação que a levou a um estado de acentuada ansiedade.

 Ainda no curso do período de execução do contrato, pode o empregador exercer controle sobre seus empregados, fiscalizando-os por intermédio de vigilantes ou por meios audiovisuais ou outros processos mecânicos. Se essa fiscalização exorbita os limites da prestação de trabalho para se converter numa intromissão na esfera privada do trabalhador, imiscuindo-se, por exemplo, na sua intimidade, caracteriza-se o dano moral.

 

 8. O DANO MORAL NAS FASES DE EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO E PÓS-CONTRATUAL

 Na fase de extinção do contrato de trabalho também pode caber a indenização por dano moral. Em alguns países, como Argentina e Uruguai, entende-se que a indenização da antiguidade, sendo tarifária, cobre o dano moral derivado da despedida, não se podendo a ela cumular outra indenização a título de reparação de prejuízo extrapatrimonial. Mas é assim em princípio, porque se considera ser, excepcionalmente, devida a indenização por dano moral, cumulativamente com a de antiguidade, quando à declaração de rescisão do contrato de trabalho pelo empregador se acrescenta "uma atuação excessiva" (MARTORELL), por parte deste, ocasionadora de um prejuízo moral ao empregado, enfim, um abuso de direito.

 Em outros Estados, bastando mencionar Itália, Bélgica, França e Suíça, tem-se por devida a indenização por dano moral, independentemente da indenização de antiguidade, quando o empregador exercita o seu direito de despedir sem justa causa de modo abusivo. Como tal pode-se qualificar, por exemplo, a dispensa com agressão física ou moral.

 A grande mestra LUISA RIVA SANSEVERINO ensinava que o direito ao ressarcimento dos danos resultantes da dispensa poderia ser sustentado, não a respeito da despedida considerada em si mesma, mas tendo em vista a forma pela qual houve a respectiva intimação e as conseqüências, não econômicas e sim morais, que, como tal, ela acarreta para o trabalhador. Se a despedida não vai, em linha de princípio, considerada como um fato injurioso ressarcível, pode-se de fato chegar à conclusão oposta quando ela represente, para o trabalhador, um ato que direta e sensivelmente lhe ofenda a dignidade e a honra: neste caso a despedida pode, excepcionalmente, dar lugar também ao ressarcimento dos danos segundo os princípios de direito comum. Cita acórdãos da Corte de Cassação Italiana em abono das suas afirmações.

 Tenho sido questionado sobre se a alegação de justa causa de despedida rejeitada por decisão da Justiça do Trabalho, trânsita em julgado, caracteriza dano moral. Aqui é necessário frisar que o dano moral, para ser indenizado, precisa ser relevante, possuir una certa entidad, como se diz em castelhano. Conforme salientou HORACIO DE LA FUENTE, com apoio na doutrina e jurisprudência argentinas, "o simples desgosto, a contrariedade, o desagrado, a indignação, etc constituem estados de ânimo que fazem parte dos riscos dos negócios ou que ocorrem diariamente na cidade e que, portanto, não são reparáveis; como acertadamente foi destacado, nestes casos existe stricto sensu um dano moral, embora pequeno, mas sua importância não  parece suficientemente significativa para ser computada no direito". Assim, se a Justiça conclui não estar provada uma justa causa de improbidade, consistente em fato imputado pelo empregador a empregado seu, o dano moral sofrido por este é relevante e deve ser indenizado, salvo se a improcedência da argüição resultou da aplicação do princípio in dubio pro operario. Mas se a justa causa não provada - foi abandono de emprego ou negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador - não se me afigura que o dano moral causado ao trabalhador afete sua personalidade e dignidade em grau que justifique a reparação. É certo que a acusação e o processo podem ter provocado constrangimentos ao acusado. Todavia, como ainda LA FUENTE pondera, só deve ser objeto de reparação o dano que tenha certa relevância, ou seja, o que for capaz de afetar a personalidade do trabalhador em qualquer de suas manifestações; indubitavelmente, esses  estados de ânimo constituem riscos próprios de toda atividade - que todos os habitantes estamos expostos a sofrer de uma ou de outra forma.

 Em suma, consoante decidiu o Pretor de Bolonha, com a concordância de VINCENZO POSO, em comentário à sentença, o trabalhador injustamente dispensado tem direito, também, ao ressarcimento do dano moral em caso de despedida que, pela forma, conteúdo, tempo e modalidade, seja irremediável e gravemente ofensiva da dignidade do trabalhador.

 A indenização por dano moral procede tanto em situações de despedida direta como de despedida indireta.  Neste sentido pronunciaram-se as XIªs. Jornadas do Trabalho Argentinas. Um caso de despedida indireta com direito da empregada à reparação do dano moral foi objeto de sentença do Pretor de Milão, sintetizada nesta ementa: "A trabalhadora, que tenha se considerado despedida por justa causa em seguida a assédios sexuais e atos de violência realizados pelo representante da sociedade empregadora, tem direito ao ressarcimento do dano biológico e do dano moral (na espécie o pretor, acolhendo a demanda proposta pela trabalhadora, condenou, in solidum, a sociedade empregadora e o seu representante legal que havia praticado os atos de violência)".

 Na fase pós-contratual acha VIALARD possível a ocorrência de violação do dever de, durante ela, uma parte não prejudicar o bom nome ou a honra da outra. Aduz que "determinado tipo de atividades e o contato pessoal que as partes tiveram durante o curso da relação de trabalho permitiu aos atores desta obterem uma série de dados referentes à outra: virtudes, defeitos, vícios, etc... Esse conhecimento não pode ser difundido entre terceiros quando isto possa causar um dano. Não existe razão alguma que legitime uma parte da relação contratual em vigência ou extinta para que revele defeitos ou costumes de pessoas com as quais se entrou em conhecimento e se esteve mais  próximo de certas esferas de sua intimidade, como conseqüência do desenvolvimento da atividade laboral. Admite exceção apenas para a denúncia à autoridade judiciária, ou a revelação, a requerimento desta, de delitos de caráter penal".

 O mesmo autor se refere ao fato de que os empregadores, com alguma freqüência, costumam preparar "listas negras" que difundem entre os colegas de atividade, tornando do seu conhecimento fatos certos (se não o são, constituem vulgar difamação) referentes aos seus ex-empregados, para dificultar que alguém os contrate como tais, atitude esta injustificável. Se o empregado cometeu delito o que cabia era a comunicação à autoridade policial ou à judiciária. Entende que nestes casos tem direito o empregado às indenizações por dano patrimonial e por dano moral.

 Ainda seguindo os ensinamentos de VIALARD, a inserção de juízos desfavoráveis ao ex-empregado em atestado ou informação sobre a conduta deste pode constituir um ilícito, e, portanto, autorizar a reparação por dano moral quando não se fundar em razões válidas.

 DE LA FUENTE, por sua vez, aponta exemplos de responsabilidade na fase posterior à extinção do contrato de trabalho, mas vigentes ainda os deveres que a boa-fé impõe aos que estiveram relacionados. São eles: uma denúncia penal temerária ou dolosa após a despedida, ofensas físicas ou verbais no mesmo período, divulgação das causas de despedida sem que interesse legítimo algum justifique, etc...

 A responsabilidade por dano moral nas fases contratual, de extinção do contrato de trabalho e pós-contratual é extracontratual, fundando-se no dever que se impõe a toda pessoa de não causar dolosa ou culposamente prejuízo a outrem.

 

 9. A REPARAÇÃO DO DANO MORAL TRABALHISTA NO DIREITO BRASILEIRO

 Já vimos que a reparação do dano extrapatrimonial é, hoje, no Brasil, imposição constitucional e que dessa imposição não está excetuado o Direito do Trabalho, com o qual ela combina melhor do que com qualquer outra disciplina jurídica. Aplica-se em nosso país, quanto aos períodos pré-contratual e contratual da relação de emprego, tudo quanto sobre eles expusemos. No tocante ao período de extinção do contrato de trabalho, as indenizações tarifárias, como a de antiguidade, hoje extinta, e a decorrente de rutura ante tempus e injustificada do contrato de trabalho de duração determinada jamais cobriram o dano moral, que só passou a ser reparável depois da vigência da Constituição de 1988, salvo as raras exceções previstas em lei, nenhuma das quais concernentes à rescisão do contrato de trabalho. O FGTS não tem natureza indenizatória e, se tivesse, nenhum dano moral repararia pelos mesmos motivos por que não o reparam as indenizações, mesmo porque na vigência da nova Carta não lhe foi acrescentado, nem às indenizações, um plus correspondente ao dano moral. Logo também ele não é excludente da indenização por dano moral sofrido pelo trabalhador, assegurada na Constituição.

 Assim, não cabe a indenização por dano extrapatrimonial nas despedidas "puras", em que o empregador exerce normal e licitamente o seu direito de dispensa, mas é ela devida naquelas outras hipóteses em que ele acumula à declaração de  rescisão do contrato de trabalho um abuso de direito representado por ofensa a direito incluído no âmbito estritamente pessoal da esfera jurídica do trabalhador.

 

 10. BILATERALIDADE DO DANO MORAL

 O dano moral trabalhista é bilateral. Com isto quero significar que tanto pode ser causado, e é o mais comumente, pelo empregador, ou pelos seus representantes, ao empregado, quanto pelo patrão a este. Esta consideração resulta, segundo assinala VIALARD, de estabelecer-se um equilíbrio em relação direta entre duas pessoas, que se estabelece através dos débitos recíprocos que as vinculam.  As Vªs. Jornadas Argentinas de Direito de Trabalho e Seguridade Social adotaram conclusão no sentido de que "O trabalhador também há de responder pelo dano que, por dolo ou culpa, ocasione aos bens não patrimoniais do empregador". Esse postulado dificilmente passará da teoria à prática, pois serão pouquíssimos os casos em que empregados, na sua quase totalidade economicamente débeis, poderão pagar aos seus empregadores indenização por dano moral.

 

 11. MEIOS PREVENTIVOS

 Uma regra de experiência ensina que é melhor prevenir do que remediar. Tem ela plena aplicação ao dano moral, cujos efeitos prejudiciais dificilmente são apagados de todo pela reparação, sendo, portanto, da maior conveniência evitá-lo. Dois autores argentinos, VASQUEZ VIALARD e HORACIO DE LA FUENTE, sustentam que, por isso mesmo, o trabalhador ameaçado de sofrer um dano moral está legitimado para recorrer à autodefesa privada, recusando-se a cumprir sua obrigação. Assim, esclarece VIALARD, pode se negar a submeter-se a revista ou qualquer outro vexame que afete sua dignidade pessoal ou não comparecer ao local de trabalho ou até recorrer à força no exercício do direito de legítima defesa para evitar que o dano se produza quando exista um perigo atual ou iminente. Tal medida seria legítima se cumpridos os requisitos a que a subordina a doutrina: agressão ilegítima, necessidade racional do meio empregado para a defesa e falta de provocação por parte do que usa os meios de autodefesa.

 Outra solução seria uma ação judicial para solicitar que determine o magistrado à outra parte se abstenha de praticar o ato ou omissão atentatório à dignidade do postulante. Esta situação pode se apresentar a respeito da difusão pública (qualquer que seja o veículo utilizado: boletins, informes, listas negras), sem que haja uma causa que o legitime, na qual se comunicam fatos e circunstâncias que afetam o direito da personalidade do trabalhador ou da outra parte, ainda quando fossem certos, mas sem que exista razão legítima para sua difusão.

 

 12. ÔNUS DA PROVA

 No que diz respeito ao ônus da prova do dano moral, estou com MOSSET ITURRASPE, quando sustenta que sobre a vítima desse dano pesa o ônus de prová-lo em sua existência e  gravidade, mas acrescenta que essa prova pode ser produzida mediante presunções hominis extraídas de indícios, conforme as regras da experiência. Como precisou JORGE GAMARRA, nada impede presumir (porque isto concorda com as regras da experiência) a dor dos ascendentes, descendentes e cônjuge, o complexo de inferioridade do mutilado, o descrédito derivado da difamação. Muitos autores, porém, acham que a prova do dano moral se faz in re ipsa.

 

 13. CUMULAÇÃO DAS INDENIZAÇÕES POR DANO PATRIMONIAL E POR  DANO MORAL

 Prevalece na doutrina brasileira o entendimento de que, sendo autônomos o dano patrimonial e o dano moral, podem ser cumuladas as indenizações ressarcitórias de um e outro, ainda que resultantes do mesmo fato. Para CAIO MÁRIO, não cabe considerar que são incompatíveis os pedidos de reparação patrimonial e indenização por dano moral. "O fato gerador pode ser o mesmo, porém o efeito pode ser múltiplo". A própria jurisprudência se cristalizou neste sentido na Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça, deste teor: "São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato".

 

 14. AVALIAÇÃO DO DANO

 Parece-nos que esse problema pode ser solucionado recorrendo-se à aplicação subsidiária do art. 1553 do Código Civil, na conformidade do qual nos casos não previstos no capítulo II - Da liqüidação das obrigações resultantes de atos ilícitos - fixar-se-á por arbitramento a indenização. O abuso de direito é também ato ilícito, como resulta da interpretação a contrario sensu do art. 152, n. II do Código Civil, que declara não serem ilícitos os atos praticados no exercício regular de um direito reconhecido. Logo, são ilícitos os atos praticados no exercício irregular ou anormal de um direito, como os abusivos. A indenização por dano moral não é o preço da dor (pretium doloris ou pecunis doloris), que nenhum dinheiro paga. Como adverte AGOSTINHO ALVIM, "... ninguém imagina de achar o equivalente, propriamente tal, da dor moral ou física.

 O dinheiro serve para mitigar, para consolar, para estabelecer certa compensação". Esclarece o mesmo escritor de direito, citando outros mestres, que os autores estão de acordo em que o dano moral abrange a dor física. Assim, os acidentes de trabalho podem produzir dano moral, sendo no caso objetiva, e, pois, independente de culpa, a responsabilidade do empregador pelos mesmos. A respeito do dano moral trabalhista, VIALARD pondera que, no caso da fixação do dano extrapatrimonial, o juiz deve ser sumamente prudente para determinar a importância da reparação. "Em cada caso deve fazer expressa referência à sua própria experiência, o que não obsta, em certas circunstâncias,  possa utilizar algumas pautas objetivas, tais como a intensidade dos efeitos, tempo em que se projetou o agravo, prazo de internamento, sequelas que provocam uma deterioração na vida de relação, tipo de tratamento a que teve de ser submetida a vítima".

 CRISTINA MANGARELLI afirma que a dificuldade para determinar com exatidão o montante do dano moral sofrido efetivamente pela vítima é superada pelo arbítrio discricionário  do juiz. E prossegue: "Mas se bem seja feita referência de forma reiterada ao prudente arbítrio do juiz para fixar o quantum ressarcitório, nem tudo fica entregue à sua discricionariedade, já que tanto a doutrina como a jurisprudência assinalaram que existe elementos objetivos que devem ser tomados em conta para graduar o montante da indenização. Por exemplo, se foram produzidas lesões físicas considera-se a importância das mesmas, a extensão do período de recuperação da vítima, o caráter doloroso das lesões, os tratamentos que teve de suportar, as sequelas, o caráter permanente do dano moral, etc... No caso de injúrias toma-se em conta o lugar onde elas foram produzidas e a publicidade.

 

 De todos os modos, mesmo utilizando-se os referidos critérios objetivos, a determinação final do prejuízo fica sujeita ao arbítrio do juiz". Levam-se em conta ainda outros fatores, como personalidade, sexo e idade da vítima. Ao ver de CAIO MÁRIO, deve a vítima receber "uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se  converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva". As más condições do ofensor, todavia, não o eximem do dever ressarcitório.

 Na Argentina e no Uruguai tem-se estimado o montante da indenização por dano moral em função da importância estipulada para reparar o prejuízo patrimonial. A indenização é fixada em dez ou vinte por cento do dano patrimonial. Razão parece-nos ter VASQUEZ VIALARD na sua oposição a esse critério, fundamentada em que constitui ele um grave erro, já que não existe entre ambos os danos uma necessária correlação dessa ou de outra índole. No Uruguai, em caso de despedida, fixa-se em duas vezes o valor da indenização por dano moral. A jurisprudência do trabalho uruguaia enunciou a máxima de que as indenizações em matéria de dano moral devem se adequar aos valores econômicos do meio, à realidade sócio-econômica do país. Num país em desenvolvimento, como o Brasil, as indenizações por dano moral não podem ser vultosas como as que se manda pagar, por exemplo, nos Estados Unidos e outros países ricos.

 De qualquer sorte a indenização por dano moral não pode ser ínfima a ponto de possuir apenas caráter simbólico (tal como na França, quando se mandava pagar apenas um franco), mas também não pode ser de tal modo elevada que constitua fonte de enriquecimento.

 

 15. JUSTIÇA COMPETENTE

 A Constituição Federal, por seu art. 114, atribui competência à Justiça do Trabalho para conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores. Antes da sua vigência já reconhecíamos, apoiando-nos em LUIGI DE LITALA e CRISTÓVÃO TOSTES MALTA, a competência da Justiça do Trabalho para ação de perdas e danos quando uma controvérsia que tenha por objeto o ressarcimento do dano sofrido por uma das partes contratantes for estritamente derivado da relação de trabalho. Refere-se o último autor, expressamente, à ação por dano moral derivado do contrato de trabalho.

 Não infirma essa opinião a circunstância de que tenha o juiz da ação indenizatória para ressarcimento de dano moral de aplicar o direito comum, recorrendo a disposições do Código Civil, pois o direito comum, quando subsidiário do Direito do Trabalho, passa a integrá-lo. Nesse sentido julgou o E. Supremo Tribunal Federal, que, conduzido pelo voto do Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, concluiu não importar à determinação da competência da Justiça do Trabalho dependa a solução da lide de questão de direito civil mas de que o fundamento pedido assente na relação de emprego, inserindo-se no contrato de trabalho (Conflito de Jurisdição nº. 6.959-6, Distrito Federal).

 Concorda esse entendimento com a opinião de CRISTINA MANGARELLI, segundo a qual o princípio da responsabilidade, quando aplicado para preencher lacuna do Direito do Trabalho, a este integra-se, atendidas as suas especificidades.

 

 O Superior Tribunal de Justiça, em numerosos acórdãos, e o próprio Tribunal Superior do Trabalho seguem direção oposta, atribuindo à Justiça comum competência para as causas trabalhistas de dano moral.

 Os pronunciamentos do STJ baseiam-se nos seguintes fundamentos:

 "I - A competência ratione materiae decorre da natureza jurídica da questão controvertida, que, por sua vez, é fixada pelo pedido e pela causa de pedir.

     II - A ação de indenização por perdas e danos  morais e materiais ajuizada por ex-empregados contra ex-empregador, conquanto tenha remota ligação com a extinção do contrato de trabalho, não tem natureza trabalhista, fundando-se nos princípios e  normas concernentes à responsabilidade civil".

 Ora, em se tratando de dano moral sobrevindo quando da extinção do contrato do trabalho não é certo que tenha "remota" ligação com ele. Por outro lado, o fato de serem aplicáveis, no caso, os princípios e normas concernentes à responsabilidade civil não exclui a natureza trabalhista da ação de indenização por dano moral. MANGARELLI demonstrou que a responsabilidade civil não é instituto exclusivo do direito civil, mas extensiva a outros ramos jurídicos, como o Direito do Trabalho, por aplicação subsidiária daquele. E o próprio Supremo Tribunal Federal, no seu aresto já invocado, se manifestou no sentido de que a circunstância de depender a solução da lide de questão de direito civil não afasta a competência da Justiça do Trabalho. O art. 114 da Constituição Federal confere a essa Justiça competência para conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores  decorrentes da relação de trabalho. Este é o caso das reclamações de indenização por dano moral verificado na vigência da relação de trabalho ou quando da sua extinção, que àquela justiça, e não à outra, compete apreciar. O mesmo acontece quando se trate de pedido de reparação de dano moral infligido na fase pós-contratual, por motivo relacionado com o contrato de emprego, de que constitui uma projeção. Ficaria excluído da competência da Justiça especializada o dano moral causado na fase pré-contratual quando a relação de emprego não chegasse a se perfazer.

 O Tribunal Superior do Trabalho destoou dessa orientação, em acórdão da sua 5ª Turma, entendendo que o art. 114 da Lei Maior restringe a competência material da Justiça do Trabalho na ocorrência de litígio que envolva título laboral, não obstante as figuras de empregador e empregado. Mas, a aplicação do direito comum não exclui que o dissídio envolva título laboral, como envolve em se tratando de dano moral trabalhista, consoante vêm reconhecendo acertadamente os Tribunais Regionais do Trabalho. Esta divergência entre os órgãos do Judiciário sobre a competência está criando enormes dificuldades para as partes e seus advogados, que ficam sem saber perante qual Justiça devem propor a ação de dano moral derivado de relação de emprego. A solução será a aprovação pelo Congresso Nacional, do projeto de lei 1.533, de 1996, do deputado Waldomiro Fioravante, cujo art. 3º dispõe: "Compete à Justiça do Trabalho apreciar e julgar as ações de reparação de danos morais e materiais decorrentes da relação de trabalho", embora mereça restrições o conceito de dano moral dado no seu art. 1º.

 

 

 

 

    

   

 

 

Retirado de: http://www.amatra.com.br