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Adicional de insalubridade

(ônus da prova e laudo técnico)

 

 

 

IVAN ALEMÃO

Professor da UFF - Universidade Federal Fluminense

Juiz Presidente da 1ªJCJ/São Gonçalo

 
 
 
 

 Problema que tem atormentado reclamantes, advogados e juizes é o que diz respeito ao ônus da prova e laudo técnico em reclamações com pedidos de adicional de insalubridade.

HISTÓRICO

 O §2º do art. 195 da CLT determina que "argüida em juízo insalubridade ou periculosidade, seja por empregado, seja por sindicato em favor de grupo de associados, o juiz designará perito habilitado na forma deste artigo, e, onde não houver, requisitará perícia ao órgão competente do Ministério do Trabalho".

 O tema correlaciona-se com o do ônus da prova (o ônus é do autor, do réu, do empregado, do empregador, ou há "obrigação do juiz"?) e com o próprio direito adquirido (o fato que constitui o direito é a lesão, o laudo pericial ou a ação?).Longa discussão travou-se durante décadas.

 Nas palavras do sempre ilustre PROF. ARION ROMITA ("Comentários aos Prejulgados do TST" - Editora Rio): "Foi a Lei 185 de 14.01.36 que primeiro determinou, entre nós, o pagamento da taxa de insalubridade, até 50% a mais do salário mínimo (art. 2º).O Decreto-lei nº399 de 30.04.38, que regulamentou a citada lei, deu às Comissões de Salário-Mínimo a atribuição de fixar o adicional dentro do limite legal e no seu art. 4º, declarou caber ao então Ministério do Trabalho Indústria a Comércio organizar quadro das indústrias insalubres, sujeito a revisão periódica. Em virtude desse dispositivo, expediu-se a Portaria nº SMC-51 de 13.04.39.O percentual respectivo, de 40%,20% ou 10%, se máximo, médio ou mínimo o grau de insalubridade, foi fixado pelo Decreto-lei 2.165 de 01.05.40 (art. 6º)".

 Verifica-se que o adicional era fixado pelo Ministério de Trabalho sob o critério da "indústria". O direito era adquirido em função do enquadramento.

 Surge a CLT com a adaptação da regra então vigente. Pela redação original da Consolidação a possibilidade de remuneração estava prevista do art. 79 (no capítulo do salário mínimo):"Quando se tratar de fixação do salário mínimo dos trabalhadores ocupados em serviços insalubres, poderão as Comissões de Salários Mínimos aumentá-lo até a metade do salário mínimo da região, zona ou subzona".

 O PROF. ROMITA, em obra citada, informa que na época sustentou-se que o adicional em questão só era devido aos empregados que percebessem salário-mínimo. Nesse sentido Arnaldo Sussekind e acórdão do STF. Reclamava-se o adicional como se pleiteia salário mínimo, com base em "enquadramento". Todavia, o Prejulgado nº 8 do TST definiu opinião contrária ("É devido o adicional de serviço insalubre, calculado à base do salário mínimo da região, ainda que a remuneração contratual seja superior ao salário-mínimo acrescido da taxa de insalubridade").Dessa forma o adicional deixa de ser parte integrando do salário-mínimo para servir, apenas, de base de cálculo. A aquisição do direito passa a depender do trabalho insalubre (ainda definido pelo MTb) e não sobre o fato do trabalhador receber salário mínimo.

 A participação do juiz na apuração do adicional de insalubridade surge com a Lei 5.431 de 03.05.68 que acrescentou o §5º no então art. 209 da CLT:

"Para fins de instrução de processo judicial, a caracterização e classificação de insalubridade serão feitas exclusivamente por médico-perito, preferencialmente especializado em saúde pública ou higiene industrial, designado pela autoridade judiciária, observadas as normas fixadas no presente artigo".

 Essa Lei deu regra semelhante à Lei 2.573/55 que estabelecia o adicional de periculosidade.

 Só a partir da Lei 5431/68 é que a prova da insalubridade passa a ser definida na demanda, sob livre apreciação do juiz. Nas palavras de ANTONIO LAMARCA em obra publicada na época ("Contrato Individual de Trabalho", fls. 325 - Editora Revista dos Tribunais ),"A Lei 5431 veio acabar com a velha discussão: deveria o tribunal do trabalho submeter-se a laudos administrativos, ou poderia nomear livremente perito para verificar a existência ou o grau de insalubridade? (...) Outra modificação importante é a que dá inteira liberdade ao juiz ("designado pela autoridade judiciária"),para a nomeação, não apresentando foros de juridicidade a corrente dos que admitem um assistente técnico. Nada obsta, porém, que as partes sugiram um nome ao juiz e este o adote".

 Essa Lei (5431/68) foi rapidamente expressamente revogada pelo Decreto-lei 389 de 26.12.68. Quanto à produção de prova não houve substancial modificação, apesar de tender à obrigatoriedade de laudo:

"art. 1º - Argüida em juízo, insalubridade ou periculosidade de atividades ou operações ligadas à execução do trabalho, proceder-se-á a perícia técnica para os efeitos do disposto no art. 209 da CLT..."

 O que o Decreto-lei 389/68 trouxe de novo, gerando enorme polêmica, diz respeito à aquisição do direito:

"art. 3º - Os efeitos pecuniários, inclusive adicionais, decorrentes do trabalho nas condições da insalubridade ou da periculosidade atestadas, serão devidos a contar da data do ajuizamento da reclamação"(grifo nosso).

 Essa norma veio a tornar sem efeito o então Prejulgado 29 do TST de 1967:"O adicional de insalubridade é devido desde dois anos antes da reclamação, quando argüida a prescrição e o empregado exercer atividade classificada como insalubre nos quadro aprovados pela autoridade competente".

 Esse dispositivo legal (art.3º do D.L. 389) pôs termo à antiga controvérsia - como informa o Prof. ROMITA (em obra já citada) - de quatro teses a respeito: 1ª) sustentava que a taxa só é devida a partir da declaração de insalubridade pela autoridade competente (Délio Maranhão); 2ª) fixou-se na data da perícia, como momento a partir do qual é devido o adicional (Rômulo Cardim); 3º) que não é a perícia que cria a insalubridade. O direito ao adicional nasce do fato de trabalhar o empregado em serviço insalubre e não do laudo pericial (Bezerra de Menezes, Arnaldo Sussekind, Carvalho Jr); 4ª) fixou-se no meio termo: nem a partir da data do laudo oficial nem retroatividade aos dois anos que antecedem o ajuizamento. O adicional é devido a contar da propositura da reclamação (Hildebrando Bisaglia).

 Observa-se que a "primeira e segunda corrente", na prática, possibilitavam a frustração do direito quando o empregador demitia o empregado após o resultado do laudo favorável a este. Daí, provavelmente, ter a lei optado pela "quarta corrente". Mesmo neste caso se o empregado já demitido ajuizasse a ação (como é comum) nada receberia. Apenas os estáveis acabavam gozando o benefício.

 Sem dúvida a "terceira corrente" é a mais lúcida. Não é a perícia que cria a insalubridade. O direito ao adicional nasce do fato do empregado trabalhar em serviço insalubre e não do laudo pericial.

 Sustentou-se a inconstitucionalidade do art.3º do Decreto-lei 389/68. Porém, em sentido contrário o Prejulgado 41 do TST e atual Enunciado 162 do TST ("É constitucional o art.3º do DL 389/68").

 Todavia, a "terceira corrente" veio a prevalecer com a Lei 6.514 de 22.12.77 que alterou a CLT (revogando expressamente os arts. 202 a 223 da CLT, a Lei 2573/55 e o Decreto-lei 389/68) e incluiu o atual §2º do art. 195. É de fundamental importância citar o art. 2º dessa lei:

"a retroação dos efeitos pecuniários decorrentes do trabalho em condições de insalubridade ou periculosidade, de que trata o art. 196 da CLT, com a nova redação dada por esta lei, terá como limite a data da vigência desta Lei, enquanto não decorridos dois anos de sua vigência".

 Preponderando a "terceira corrente", mais lúcida e científica, defensora da tese que a prova técnica não é condição "sine qua non" para a aquisição do direito. Acabou o sentido da afirmação de MESSIAS PEREIRA DONATO em obra publicada antes da Lei 6514/77 ("Curso de Direito do Trabalho", fls. 199 - Saraiva):"Se a diligência é o único meio hábil, têm entendido os tribunais que a ela se deve proceder, mesmo em caso de revelia e de confissão ficta." (grifo nosso).

ÔNUS DA PROVA

 O fato constitutivo não é mais considerado o laudo técnico. O fato constitutivo é o trabalho em condições insalubres, que pode ser provado por prova técnica. A ação não tem natureza constitutiva-condenatória  e sim declaratória-condenatória (com efeito retroativo).Prevalece a presunção. Isso porque se o laudo é produzido após o fato constitutivo (quando o empregado vá vinha trabalhando em condições insalubres a tempo, geralmente após a extinção do contrato e sempre após o ajuizamento da ação) os efeitos retroativos são firmados por presunção. O laudo técnico na demanda dificilmente terá condições de avaliar exatamente em que condições o empregado trabalhou. Em geral o estabelecimento já sofreu mudança, nunca se saberá via técnica se eram utilizados materiais de proteção, etc. Para revelar exatamente em que condições o empregado trabalhava necessário o complemento de outras provas, como a testemunhal. Imaginem o quanto é difícil quantificar um som sem ouvi-lo. Na realidade o "laudo técnico" tem servido como indício (se agora há insalubridade é porque antes havia).Assim, há que se desmistificar a prova técnica.

OBRIGATORIEDADE DE LAUDO

 A atual redação do §2º do art. 195 da CLT perdeu o sentido de ser. Isso porque o juiz sequer estará adstrito ao laudo. "O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos" (art. 436 do CPC).Pode ainda determinar de ofício nova perícia (art. 437 do CPC).Não resta dúvida que o laudo pericial é apenas um meio de prova, podendo (certamente) ser utilizada a presunção, inclusive a favor do empregado  (parágrafo único do art. 456 da CLT).
Vê-se, assim, que pela atual legislação a "prova técnica" é uma exigência do direito processual. Para adquirir-se o direito material (adicional) não se exige o laudo pericial, como antigamente. A exigência do §2º do art. 195 da CLT é mera reminiscência da legislação anterior, porém sem a essência que lhe dava sustentação. Se tem alguma utilidade é a favor do empregador que aproveita-se dos obstáculos criados em sua realização. Inútil o parágrafo. Sua revogação só facilitaria o julgamento, cabendo ao juiz analisar ou não a necessidade da prova pericial e até deduzir o próprio ônus conforme circunstâncias. Não é possível igualar as condições de trabalho de um bancário com um soldador; de quem trabalha na indústria com quem trabalha em sala comercial; de quem exerce função braçal com quem exerce trabalho de gabinete; etc. Cabe ao julgador, conforme o caso, exercer a presunção e avaliar o ônus da prova.

DESPESAS

 O problema cotidianamente enfrentado diz respeito às despesas com o laudo pericial. A concepção de que a prova técnica é indispensável (à quem?) e que o ônus de provar as condições insalubres impreterivelmente é do empregado leva a conclusão que se a prova técnica não for produzida com sucesso a pretensão é improcedente. O problema maior consiste na despesa inicial da produção da prova, totalmente contrária ao princípio da gratuidade. Sem dúvida o dispositivo (§2º do art. 195 da CLT) não estipula se o trabalho pericial deve ser pago, menos ainda se o ônus da despesa e da prova é do empregado.

 O resultado de tal indefinição tem gerado o desagradável impasse: a Junta determina a produção da prova, o perito estipula os honorários, o depósito não é efetuado e ela tem que julgar sem o laudo.

 A Constituição Federal estabelece a assistência gratuita prestada pelo Estado (art. 5º, LXXIV),porém não foi estruturada na Justiça do Trabalho. Portanto, viável análise interpretativa face à omissão da lei (art. 8º da CLT).

 O disposto celetista não especifica que o perito deva ser remunerado pelas partes. Até porque sendo o laudo realizado pelo perito do Ministério do Trabalho não haveria necessidade das partes arcarem com despesas. Todavia, o órgão público produz a prova `onde não houver Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho registrado no Ministério do Trabalho'. Não sendo realizado pelo Ministério presume-se que o perito não deva trabalhar de graça. Por outro lado os laudos do Ministério são realizados por seção do estabelecimento e não por empregado.

 Em momento algum a legislação do trabalho trata dos honorários periciais. O Enunciado 236 do TST é que confirma a sua existência ao firmar que "a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão relativa ao objeto da perícia".

 Nestes termos, procura-se o subsídio do CPC. Este trata do tema sob dois pressupostos: o da justiça gratuita, sem despesas para o beneficiário, e o da justiça onerosa. Nesta, a regra aponta: "compete ao autor adiantar as despesas relativas a atos, cuja realização o juiz determinar de ofício ou a requerimento do MP".(§1º do art. 19 do CPC, regra repetida no art. 33 do mesmo diploma).

 Se o reclamante não obteve o benefício da justiça gratuita  (§9º do art. 789 da CLT e art. 5º, inciso LXXIV da CF/88) - quando o perito trabalhará sem receber ( o que fere o próprio Direito do Trabalho) - deduz-se que o autor deverá adiantar as despesas com a produção da prova pericial. Esse tem sido o entendimento majoritário.

 Todavia, há de ser indagado: e se a prova não for produzida? A falta do depósito e laudo provoca a improcedência do pedido?

 Duas ilações podem ser apresentadas. Uma entende que não sendo produzida a prova pericial obrigatória o processo extingue-se sem julgamento do mérito, por ausência de pressupostos de desenvolvimento válido do processo (art. 267, IV do CPC). A outra que julga-se o mérito sob o prisma do ônus da prova e convencimento do julgador, até porque a Juiz não fica adstrito ao laudo pericial (art. 436).

 O entendimento mais correto é o de que o processo deve ser extinto sem julgamento do mérito, quando discute-se direito indisponível .Seria o caso, p.ex., da prova pericial obrigatória na interdição de incapaz (art. 1.183 do CPC).Porém, quando o mérito envolve direito disponível é lúcido que se julgue o mérito, mesmo que sob verdade formal. Aqui deve prevalecer todos os ônus processuais.
O adicional de insalubridade ou periculosidade é direito disponível, suscetível portanto à revelia e confissão ficta.

 O importante a ser destacado é que a norma celetista obriga o juiz a "designar perito". O ato é de ofício, desnecessário o requerimento. Essa norma fere o disposto no art. 765 da CLT que estabelece que o juiz tem  ampla liberdade na direção do processo e valerão pelo andamento rápido das causas. Porém, a norma específica prevalece sobre a geral.

 A obrigatoriedade da produção da prova técnica só vem desprotegendo o hipossuficiente. Em tese a não designação do perito por parte do juiz implicaria na nulidade no julgamento meritório. Todavia, pelo princípio da convalidação "as nulidades não serão declaradas senão mediante provocação das partes, as quais deverão argüí-las à primeira vez em que tiverem de falar em audiência ou nos autos" (art. 795, "caput").Nulidade há se a parte requerer a prova pericial e o juiz simplesmente negar. As "obrigações" do juiz como esta e outras (v.g., realizar duas tentativas de conciliação - art. 847 e 850 da CLT, providenciar que o depoimento de uma testemunha não seja ouvido pelas demais que tenham que depor no processo - art. 824 da CLT) são passíveis de nulidade quando a parte interessada requereu a correção tempestivamente. Se o autor ou o réu não requereram a produção da prova pericial em pleito com pedido de adicional de insalubridade ou periculosidade não há porque anular a sentença.
 
 

 

Retirado de: http://www.uff.br/direito/artigos