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A AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO NA JUSTIÇA DO TRABALHO

 

César P. S. Machado Jr.[1]

 

Ultimamente, temos verificado um significativo aumento no uso da ação de consignação em pagamento na Justiça do Trabalho.

Em várias situações, tal ajuizamento decorre do desconhecimento quanto ao credor ou credores, notadamente no falecimento do empregado, já que a sucessão trabalhista difere daquela do direito comum, como se verifica do art. 1º da Lei 6.858, de 24 de novembro de 1980[2].

Em outras hipóteses, o empregador deseja se prevenir quanto aos efeitos da mora no pagamento, principalmente a partir da Lei nº 7.855/89, que alterando a redação do art. 477 da CLT, estabeleceu prazos para pagamento das verbas rescisórias, sob pena de multa.[3]

O ajuizamento da ação de consignação em pagamento em tais casos é levado em conta pela jurisprudência:

"MULTA ART. 477 – § 8º DA CLT. Controversas as parcelas rescisórias, com recusa de seu recebimento, gerando a propositura de ação de consignação em pagamento, inaplicável se torna a multa do art. 477, § 8º da CLT". (TRT 3ª Reg., 1ª T, RO 11.610/92, Rel. Juiz Allan Kardec Carlos Dias, DJMG 3.9.93, p. 112).

MULTA DO ART. 477/CLT - AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO - O ajuizamento da ação de consignação das parcelas rescisórias até o dia imediato ao prazo estipulado para o seu pagamento, exime o empregador da multa do art. 477/CLT. (TRT 3ª Reg., 3ª T, RO 58/95, Rel. Juiz Sebastião G. Oliveira, DJMG 14.3.95, p. 50).

A multa pelo atraso no pagamento das verbas rescisórias pode ter valor econômico expressivo.

Segundo a interpretação que damos ao dispositivo legal, a expressão "valor equivalente ao seu salário", prevista no § 8º do art. 477 da CLT, somente pode significar uma relação direta entre o número de dias de atraso e o valor salarial de um dia de trabalho, observada a limitação prevista no art. 920 do Código Civil.

Seria injusto penalizar o empregador com multa no valor de um salário mensal do empregado por apenas um dia de atraso, por exemplo, e beneficiar outro empregador que atrasou esse mesmo pagamento por mais de um mês.

Invocamos, aqui, a diretriz do art. 924 do Código Civil, que estabelece que "Quando se cumprir em parte a obrigação, poderá o juiz reduzir proporcionalmente a pena estipulada para o caso de mora, ou de inadimplemento".

Justo, pois, condicionarmos o valor da multa em correspondência direta com o número de dias de atraso, com limite no valor total das verbas rescisórias devidas.

Esse entendimento também é colhido na jurisprudência:

"MULTA MORATÓRIA DO ARTIGO 477, § 8º, DA CLT. Sua apuração far-se-á guardando proporcionalidade entre os dias de atraso no pagamento das parcelas rescisórias e o valor do salário por dia, à razão de 1/30. Interpretação condizente com o princípio da razoabilidade e a idéia de equidade" (TRT 3ª Reg., 1ª T, RO 13.055/92, Rel. Juiz Allan Kardec Carlos Dias, DJMG 3.9.93, p. 112).

"A multa prevista no § 8º do art. 477 da CLT é proporcional aos dias de atraso no pagamento da rescisão". (TRT 8ª Reg., REO 605/91, Rel. Juiz Hermes Tupinambá, publicado na sessão de 28.8.91) (in B. Calheiros Bomfim e Silvério dos Santos, Dicionário de Decisões Trabalhistas, Edições Trabalhistas, 24ª ed., p. 487).

Pelo código de processo civil, temos atualmente duas espécies de consignação em pagamento:

a) a ação de consignação em pagamento judicial, prevista no caput do art. 890;

b) a consignação em pagamento extrajudicial prevista no § 1º do referido art. 890, que tem o seguinte teor:

"Tratando-se de obrigação em dinheiro, poderá o devedor ou terceiro optar pelo depósito da quantia devida, em estabelecimento bancário, oficial onde houver, situado no lugar do pagamento, em conta com correção monetária, cientificando-se o credor por carta com aviso de recepção, assinado o prazo de 10 (dez) dias para a manifestação de recusa".

Os pressupostos do pagamento em consignação estão previstos no Código Civil, art. 973:

"A consignação tem lugar:

I - se o credor, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma;

II - se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condições devidas;

III - se o credor for desconhecido, estiver declarado ausente, ou residir em lugar incerto, ou de acesso perigoso ou difícil;

IV - Se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento;

V - Se pender litígio sobre o objeto do pagamento;

VI - Se houver concurso de preferência aberto contra o credor ou se este for incapaz de receber o pagamento".

Ou seja, em resumo, são pressupostos do pagamento em consignação a mora do credor ou o risco de pagamento ineficaz[4].

Com a petição inicial, que deverá atender o disposto no art. 282 do CPC, o consignante ainda requererá (art. 893):

a) o depósito da quantia ou coisa devida em cinco dias contados do deferimento da petição inicial;

b) a citação do réu para levantar o depósito ou oferecer resposta.

Com o deferimento da petição inicial, a parte deverá efetuar o depósito da quantia ou coisa devida em cinco dias.

A alteração do art. 893, pela Lei n. 8951/94, simplificou o procedimento, já que agora é indispensável o depósito da quantia devida em cinco dias do deferimento da petição inicial, ou a juntada do respectivo comprovante de depósito, na hipótese da consignação extrajudicial anterior.

E a citação agora é para levantar o depósito ou oferecer resposta, no mesmo prazo de 15 dias, sem a dualidade anterior, na qual o prazo de contestação somente tinha início após o dia fixado para o depósito, o que representa significativo avanço, pela diminuição no prazo de tramitação da ação.

Com a citação, o consignado poderá optar por:

a) não contestar o pedido;

b) aceitar a prestação oferecida;

c) oferecer contestação, no prazo geral de 15 dias previsto no art. 297.

Nas hipóteses de não contestação do pedido ou aceitação da prestação oferecida, há o reconhecimento tácito da existência da mora do credor, com o reconhecimento da procedência do pedido, com declaração da extinção da obrigação, na forma do art. 897 do CPC e seu parágrafo único.

Optando por contestar o pedido, o réu poderá alegar que (art. 896):

I - não houve recusa ou mora em receber a quantia ou coisa devida;

II - foi justa a recusa;

III - o depósito não se efetuou no prazo ou no lugar do pagamento;

IV - o depósito não é integral, hipótese que somente será admissível se for indicado o montante devido, podendo o autor completar o valor devido em 10 (dez) dias (art. 899).

Na forma do § 1º do art. 899, na alegação de insuficiência do depósito, poderá o réu levantar, desde logo, a quantia ou a coisa depositada, com a liberação parcial do autor, prosseguindo-se o processo quanto à parcela controvertida.

Importante o advento do § 2º do referido artigo que estabelece que a sentença que concluir pela insuficiência do depósito fixará, sempre que possível, o montante devido, e, neste caso, valerá como título executivo, facultado ao credor promover-lhe a execução nos mesmos autos.

Dispõe o art. 898: "Quando a consignação se fundar em dúvida sobre quem deva legitimamente receber, não comparecendo nenhum pretendente, converter-se-á o depósito em arrecadação de bens de ausentes; comparecendo apenas um, o juiz decidirá de plano; comparecendo mais de um, o juiz declarará efetuado o depósito e extinta a obrigação, continuando o processo a correr unicamente entre os credores; caso em que se observará o procedimento ordinário".

Analisadas, embora superficialmente, as regras da ação de consignação em pagamento no processo civil, vamos analisar sua aplicabilidade ao processo do trabalho, como faculta o art. 769 da CLT, já que totalmente omissas as normas processuais trabalhistas.

Felizmente, houve alteração na redação do disposto no art. 893, com supressão da fixação do prazo para o recebimento da quantia ou coisa devida pelo credor, para, somente então, ter início o prazo de defesa.

Essa dualidade de prazos provocou séria divergência na adoção do procedimento devido, como podemos observar das seguintes ementas:

a) em favor da aplicação integral do procedimento do processo civil:

"AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO - REVELIA DO RÉU - O procedimento da ação de consignação em pagamento não está previsto na CLT, portanto, por força do seu artigo 769, serão aplicadas as disposições da legislação processual civil, que dispõe, no seu artigo 896, caput, que após a data da oferta terá o réu o prazo de 10 dias para contestar o pedido. A sentença que decreta a revelia do réu da ação de consignação em pagamento, sem ter-lhe dado oportunidade de utilizar do prazo de dez dias para contestar o pedido é nula". (TRT 1ª Reg., 5ª T, RO 4/90, j. 6.5.91, Rel. Juiz Murilo Antônio de Freitas Coutinho) (Revista LTr, setembro/92, p. 1.050).

"AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO - RITO PROCESSUAL - Sendo inteiramente omissa a CLT e admitida a ação de consignação em pagamento na Justiça do Trabalho, o rito processual a ser adotado é aquele previsto nos artigos 890 a 900, do CPC, não sendo aconselhável a adaptação ao procedimento trabalhista, porque implicaria no descumprimento da lei. Provimento do recurso, para mandar aplicar as normas do processo civil, àão de consignação proposta perante a Justiça do Trabalho". (TRT 9ª Reg., 2ª T, RO 1664/90, Rel. Juiz José Montenegro Antero, DJPR 16.8.91) (in Síntese Trabalhista, Editora Síntese, nº 35, maio/92, p. 59).

"AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO - RITO PROCESSUAL - São inaplicáveis os preceitos do art. 844 da CLT no momento da audiência de oferta do pagamento na ação de consignação em pagamento. Dessa forma, tanto a ausência do autor não provoca o arquivamento do feito, quanto a do réu não induz confissão no que tange à matéria de fato, desde que, no prazo da lei, ofereça resposta (CPC, arts. 896 e 897)". (TRT 12ª Reg., 1ª T, RO-V 151/91, Rel. Juiz J. F. Câmara Rufino, DJSC 4.2.92) (in Síntese Trabalhista, Editora Síntese, nº 37, julho/92, p. 71).

b) pela adaptação ao procedimento previsto na CLT

"Ação de consignação em pagamento - Processo do Trabalho - Prazo para a apresentação de Defesa - No processo do trabalho, onde a audiência é única, torna-se inaplicável o prazo para contestar previsto no art. 896, do CPC, devendo o consignado apresentar defesa na audiência designada para tal (art. 846, da CLT) e sua ausência não caracterizará apenas recusa, mas, sim, revelia e confissão quanto à matéria de fato (art. 844, da CLT)". (TRT 24ª Reg., TP, RO 4.851/93, Rel. Juiz Amaury Rodrigues Pinto Júnior, DJMS 22.4.94) (in Decisório Trabalhista, Editora Decisório Trabalhista, setembro/94, p. 39).

Acreditamos que hoje, superada essa dualidade de prazos, haverá convergência na aplicação plena das regras processuais trabalhistas, previstas no art. 844 e 846 da CLT, através das quais recebido o processo pela Secretaria da Vara do Trabalho, haverá imediata designação de audiência, da qual será o consignante intimado, sendo que sua ausência acarretará o arquivamento do processo, e o consignado será citado para, no dia da audiência, receber a quantia depositada ou apresentar defesa, sendo que sua ausência acarretará a aplicação da revelia e confissão quanto à matéria de fato.

O consignante terá que depositar a quantia ou coisa devida em cinco dias do ajuizamento da ação, independentemente de despacho nesse sentido, na forma do art. 841 da CLT.

Esse depósito é requisito indispensável da petição inicial, e a sua não realização acarretará a aplicação do En. 263 do Tribunal Superior do Trabalho:

"O indeferimento da petição inicial, por encontrar-se desacompanhada de documento indispensável à propositura da ação ou não preencher outro requisito legal, somente é cabível se, após intimada para suprir a irregularidade em dez dias, a parte não o fizer".

Para a realização da consignação é imprescindível a liquidez da dívida.

Segundo Humberto Theodoro Júnior[5], "somente a dívida líquida e certa se mostra exigível, de modo a tornar cabível o respectivo pagamento. É que, enquanto não se apura o quantum debeatur, não há condição de exigir o respectivo pagamento. E, sem exigibilidade da dívida, inadmissível é a mora creditoris, que é, inquestionavelmente, um dos pressupostos fundamentais da ação consignatória".

Prosseguindo, referido autor menciona que "O evidente, na espécie, é que não se pode realizar, na abertura do processo, qualquer depósito, para, mais tarde, apurar e acertar a existência da dívida e respectivo quantum. (...) Assim como o credor não pode executar o devedor por obrigação ilíquida (CPC, art. 586), também não é juridicamente possível a consignação de obrigação da mesma natureza, posto que a ação consignatória não é nada mais do que uma execução forçada às avessas (ou seja, execução de obrigação movida pelo devedor contra o credor)".

Uma das maiores e mais importantes alterações sobre do tema em estudo recaiu sobre a própria natureza jurídica da ação em estudo.

Cândido Rangel Dinamarco[6] é claro a esse respeito, ao mencionar que "A Lei nº 8.951, de 13 de dezembro de 1.994, modernizou o instituto e fez dele um ágil instrumento para a tutela dos litigantes a quem a ordem jurídica material conceder o direito - o direito do devedor-consignante à exoneração ou o direito do credor-demandado a receber o que lhe é devido. Daí considerar-se agora inserida a ação consignatória entre os judicia duplicia, sem qualquer necessidade de reconvir o credor que se afirme com direito a mais do que o ofertado (insuficiência). Basta fazer a alegação e precisar o quantum de que se reputa credor, o que valerá como baliza para o julgamento que poderá vir se tiver razão (art. 128)".

Portanto, a doutrina restritiva quanto à abrangência da cognição na consignação em pagamento deve ser revista, mas no processo trabalhista tal ocorrerá tão somente quando houver defesa com alegação da insuficiência do depósito e indicação dos títulos e valores que o empregado entende devidos, pela circunstância específica do âmbito da quitação trabalhista, como veremos abaixo.

Não mais prevalece, portanto, nessas hipóteses, no processo do trabalho, a lição de Antônio Chaves[7], que na vigência das normas anteriores mencionava que no "seu âmbito não comporta a discussão sobre interpretação de violação de cláusulas contratuais. Seria desviar da ação, um processo próprio, para a solução de dúvidas e divergências entre as partes acerca de seus respectivos direitos".

Em decorrência, não é mais necessária a apresentação de reconvenção, já que foi dado sentido muito mais prático e racional à defesa, que poderá mencionar os títulos e valores que excedam à quantia oferecida, e pela análise da controvérsia a sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinará, sempre que possível, o montante devido, e, neste caso, valerá como título executivo, facultado ao credor promover-lhe a execução nos mesmos autos, liberando-se ao mesmo o depósito realizado.

Para analisarmos a aplicabilidade de todas as hipóteses de defesa, no processo do trabalho, temos de mencionar a circunstância de caracterizar-se o contrato de trabalho como de trato sucessivo, ocorrendo uma simultânea cumutatividade de obrigações entre as partes, levando a existência de inúmeras e sucessivas prestações de parte a parte.

Acrescente-se a isso a irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, como um dos mais importantes princípios de direito do trabalho (cf. art. 9º da CLT).

Em vista destas circunstâncias, não tem sentido a defesa ser baseada:

a) na ausência de recusa ou mora em receber;

b) na justa recusa;

c) no depósito não realizado no prazo ou lugar do pagamento.

Entendemos, por isso, que o único tema possível de defesa do consignado refere-se ao item IV, do art. 896, do CPC, referente à insuficiência dos depósitos, sendo condição de admissibilidade dessa alegação a indicação do montante devido, o que significa a expressa menção dos títulos e valores correspondentes.

Por último, temos que mencionar a matéria mais controvertida deste tema, referente à extinção da obrigação pela quantia consignada.

Aqui se verifica, com grande nitidez, a fragilidade do direito processual do trabalho, incapaz de suprir as necessidades procedimentais do sistema de proteção ao trabalho.

A disposição contida no art. 769 da CLT supera as dificuldades do vazio legislativo, ao estatuir a aplicabilidade do direito processual comum nos casos omissos e na compatibilidade de suas normas.

Porém, para as partes envolvidas no litígio trabalhista - empregado e empregador - essa situação significa um sem número de decisões divergentes e a insegurança jurídica decorrente, já que se existe natural divergência de interpretação aos dispositivos legais, essa divergência é duplicada na avaliação dos casos de omissão da lei processual do trabalho e na adaptação da lei processual comum.

O aplicador do direito não pode se esquecer que o direito processual do trabalho tem como escopo maior a realização do direito do trabalho.

O direito processual não é um fim em si mesmo, mas um instrumento na solução dos conflitos de interesses.

Manoel Antônio Teixeira Filho[8] é claro ao mencionar que "o direito processual do trabalho deve, teleologicamente, servir ao Direito do Trabalho, pois, a não ser assim, esse processo perderá o caráter de especialidade que lhe conferiram a lei e a doutrina. Essa convivência simbiótica entre o processo do trabalho e o direito material a que se refere é vital para ambos".

Ou nas palavras de Coqueijo Costa[9], "O processo não é um fim em si mesmo, mas um instrumento de composição de lides, que garante a efetividade do direito material. E como este pode ter natureza diversa, o direito processual, por seu caráter instrumental, deve saber adaptar-se a essa natureza diversa".

Em decorrência, reflete no direito processual do trabalho com todas as suas repercussões possíveis, o espírito que anima e dá vida ao direito do trabalho, e essas idéias são indispensáveis para a adaptabilidade das regras processuais comuns [10].

Ressalta a doutrina que a natureza jurídica da ação de consignação em pagamento é híbrida.

Humberto Theodoro Júnior[11] ressalta que "Naturalmente, todas as normas que cuidam da criação e extinção das obrigações são de direito material. A forma, contudo, de atuarem as regras materiais em juízo, diante de uma situação litigiosa, é evidentemente regida pelo direito processual. Assim, as regras que cuidam da consignação como meio de liberar o devedor da obrigação, como sucedâneo do pagamento, estipulando condições de tempo, lugar e modo para sua eficácia, bem como prevendo os casos de cabimento dessa especial forma liberatória, integram o campo do direito substancial. Enquanto ao direito processual pertence apenas a área do procedimento da ação consignatória".

Em remate, conclui o mestre: "Uma vez que a pretensão de consignar necessariamente se exercita em juízo, a consignação em pagamento envolverá, na prática, sempre regras promíscuas de conteúdo material e formal. O que leva doutrina abalizada a considerá-la "instituto de natureza híbrida", ou seja, pertencente ao direito processual no que tange à forma pela qual se realiza; e ao direito substancial, quanto aos efeitos de direito civil que produz".

Adroaldo Furtado Fabrício[12] também leciona que "A consignação em pagamento, pelo que ficou dito, é antes de tudo uma forma de extinção das obrigações, o que põe em destaque tratar-se de instituto de direito material, como sugere mais claramente a denominação, que se lhe dá também, de "pagamento por consignação". O depósito que se faz com finalidade liberatória, inclusive, não é um ato processual por essência, tanto que alguns sistemas jurídicos permitem a liberação por essa via sem nenhuma intervenção judicial, desde que não impugnado o depósito".

Por isso, pela natureza de direito material do pagamento, temos que nos apegar aos vários dispositivos da CLT que se referem ao pagamento, como por exemplos os arts. 463 e 464, quanto ao pagamento de salários e no art. 477 e § 2º, o qual menciona que:

"O instrumento de rescisão ou recibo de quitação, qualquer que seja a causa ou forma de dissolução do contrato, deve ter especificada a natureza de cada parcela paga ao empregado e discriminado o seu valor, sendo válida a quitação, apenas, relativamente às mesmas parcelas".

Não podemos nos esquecer que na relação jurídica de emprego, visa o empregador obter a quitação não outorgada pelo empregado, que por essência, jamais pode quitar além dos exatos termos dos títulos e valores constantes do recibo de pagamento, ou seja, sua quitação jamais levará à extinção da obrigação, na existência de diferenças.

Evidentemente que nem mesmo a defesa baseada no art. 896, IV, do CPC, poderá significar a vedação da discussão da existência de outros direitos, que poderão ser postulados em ação distinta.

E isso porque as regras de direito material do trabalho é que condicionam o questionamento da abrangência da quitação.

A natureza dúplice da ação de consignação em pagamento apenas torna desnecessária a utilização da reconvenção. Da mesma forma que o ajuizamento de uma ação trabalhista pelo empregado não o impede de ajuizar outra reclamação distinta, com outra pretensão, também o uso da defesa, que tem o mesmo atributo de reconvenção, não levará à extinção de todos os direitos oriundos da relação de emprego.

Na hipótese contrária estaríamos atribuindo maior força àão de consignação em pagamento pelo empregador, do que a própria reclamação trabalhista proposta pelo empregado, o que fere o bom senso.

Assim, o alcance da quitação está delineado pelo antigo Enunciado nº 41 do Tribunal Superior do Trabalho, nos seguintes termos:

"A quitação, nas hipóteses dos parágrafos 1º e 2º do art. 477, da CLT, concerne exclusivamente aos valores discriminados no documento respectivo".

Não houve alteração desse quadro pelo advento do En. 330, que indica:

A quitação passada pelo empregado, com assistência de Entidade Sindical de sua categoria, ao empregador, com observância dos requisitos exigidos nos parágrafos do art. 477 da Consolidação das Leis do Trabalho, tem eficácia liberatória em relação às parcelas expressamente consignadas no recibo, salvo se oposta ressalva expressa e especificada ao valor dado à parcela ou parcelas impugnadas".

Quanto à abrangência do referido enunciado, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região já decidiu que:

"Enunciado 330/TST - EFEITOS - É inócua a invocação do Enunciado 330/TST, porque a quitação das parcelas rescisórias se dá única e exclusivamente pelos valores constantes do termo de rescisão do contrato de trabalho, nos termos do parágrafo único, do artigo 477/CLT. Demais disso, enunciado é interpretação jurisprudencial que não vincula e quitação é matéria de direito civil". (TRT 3ª Reg., 4ª T, RO 16.719/94, Rel. Juiz Carlos Alberto Reis de Paula, DJMG 4.3.95, p. 41).

Claro a este respeito, o ensinamento do Prof. Antônio Álvares da Silva, quando menciona, em comentário ao referido Enunciado:

“O pagamento, como meio de extinção das obrigações, libera o devedor em relação ao credor até o montante que pagou. E não podia ser diferente pois seria uma absurdo que o credor (no caso o empregado, credor de direitos trabalhistas), liberasse o devedor (no caso empregador, devedor de direitos trabalhistas), além da quantia que recebeu.

No recibo de quitação estão discriminadas as parcelas seguidas de um valor. Para estas parcelas e pelo valor a elas relativo é que se dá a quitação. Não pode ser de outra maneira”. (O Enunciado nº 330 do TST, in Ltr Suplemento Trabalhista nº 49/94, p. 253).

A jurisprudência, igualmente, tem prestigiado esse sentido restritivo da quitação:

"Se o pagamento consignado decorre da rescisão do contrato de trabalho, a defesa deve se limitar às disposições do art. 896 e seus incisos, do CPC (não houve recusa no recebimento, ou não há mora, I; foi justa a recusa, II; o depósito não é integral, IV). Não se presta para justificar a recusa a alegação de que a rescisão não se deu pelo fato nela alegado. O que gerou o pagamento é ato-fato-rescisão e este é incontroverso. Não comporta a consignação a discussão do conteúdo deste ato-fato-rescisão, uma vez que a quitação dela decorrente limita-se ao valor consignado e à parcela quitada, o seu efeito liberatório, em face da rescisão do contrato de trabalho, é aquele fixado no art. 477, § 2º, da CLT". (TRT 3ª Reg., 1ª T, RO 236/92, Rel. Juiz Antônio Fernando Guimarães, DJMG 13.2.93) (in Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, nº 52, p. 235).

"A ação de consignação em pagamento é meio processual idôneo para quitar parcelas que o empregador entenda devidas, mesmo quando o empregado conteste, alegando serem elas insuficientes ou inexatas, já que a quitação trabalhista tem, por natureza, sentido estrito e só vale em relação às parcelas especificadas e pelo valor especificamente pago. Se, em ação autônoma, o empregado pleiteia outras parcelas ou diverge do valor com que foram quitadas as parcelas passadas, a quitação anterior em nada prejudica a ação pois não importa em renúncia ou transação, devendo apenas ser compensada no valor efetivamente pago e recebido". (TRT 3ª Reg., 3ª T, RO 7152/89, Rel. Juiz Antônio Álvares da Silva, DJMG 30.11.90) (in Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, nº 47/50, p. 142).

"Em sede de ação de consignação em pagamento proposta pelo empregador inadmite-se a definição do direito material ou da obrigação decorrente da relação de emprego. O procedimento adotado na ação de consignação em pagamento é especial, de cognição restrita, não se compadecendo com a amplitude cognitiva inerente ao procedimento ordinário". (TRT 15ª Reg., 1ª T, RO 3.697/89, Rel. Juiz Carlos Xavier) (in B. Calheiros e Bomfim e Silvério dos Santos, Dicionário de Decisões Trabalhistas, Edições Trabalhistas, 23ª ed., 1991, p. 9).

Há decisões em sentido contrário:

A ação de consignação em pagamento, julgada procedente, contém substrato de natureza declaratória, eis que declara extinta a obrigação (art. 897 e parágrafo do CPC). Nestes termos é impossível, ao empregado, pleitear em ação distinta, complementação de parcelas contratuais, face ao trânsito em julgado da ação consignatória. Revista conhecida por divergência, mas a que se nega provimento. (TST, 2ª T, RR 1.611/85.0, Rel. Min. Barata Silva, DJ 29.11.85) (in B. Calheiros e Bomfim e Silvério dos Santos, Dicionário de Decisões Trabalhistas, Edições Trabalhistas, 21ª ed., 1988, p. 11).

Portanto, entendemos que o reconhecimento da procedência do pedido formulado na ação de consignação em pagamento não levará à extinção da obrigação, mas a quitação ficará restrita aos títulos e valores objeto do pagamento; o acolhimento da defesa do empregado, pela existência de outros direitos, também não significará a quitação geral, por todos os possíveis direitos oriundos do contrato de trabalho [13].

 


[1] O autor é juiz do trabalho, professor universitário e autor dos livros "O ônus da prova no processo do trabalho", "Embargos do devedor na execução trabalhista" e "Direito do trabalho", todos pela Ltr Editora.

[2] A redação do referido dispositivo é a seguinte: "Os valores devidos pelos empregadores aos empregados e os montantes das contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de Participação PIS-PASEP, não recebidos em vida pelos respectivos titulares, serão pagos, em cotas iguais, aos dependentes habilitados perante a Previdência Social ou na forma da legislação específica dos servidores civis e militares, e, na sua falta, aos sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial, independentemente de inventário ou arrolamento".

[3] Dispõe o § 8º do art. 477 da CLT: "A inobservância do disposto no § 6º deste artigo sujeitará o infrator à multa de 160 BTN, por trabalhador, bem assim ao pagamento da multa a favor do empregado, em valor equivalente ao seu salário, devidamente corrigido pelo índice de variação do BTN, salvo quando, comprovadamente, o trabalhador der causa à mora".

[4] Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, Forense, Vol. III, p. 19.

[5] Op. cit., págs. 19, 20/21.

[6] A reforma do Código de Processo Civil, Malheiros Editores, p. 221.

[7] Tratado de Direito Civil, Ed. RT, V. 2, T. 1, p. 235.

[8] A prova no processo do trabalho, LTr Editora, p. 86.

[9] Direito Processual do Trabalho, Forense, p. 5.

[10] Para uma visão mais abrangente sobre a aplicação dos princípios de direito do trabalho no processo do trabalho, confira-se o capítulo IV de nosso livro "O ônus da prova no processo do trabalho", Ltr Editora.

[11] Op. Cit., págs. 15/16.

[12] Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, Vol. VIII, tomo III, p. 36.

[13] Aliás, nesse sentido o art. 18, § 3o, da Lei n. 8036/90, quanto à quitação do FGTS.

 

Retirado da home page: http://www.cesarmachado.com.br/consigna.htm