Carlos Zahlouth Júnior Juiz do Trabalho Presidente da 2ª Junta de Conciliação
e Julgamento de Macapá
A questão social adquiriu dimensão jurídica no momento
em que as Cartas Políticas passaram a contemplar esta categoria,
iniciando com a do México em 1917, sendo que no Brasil a ordem social
foi iniciada a nível constitucional em 1934.
A atual Constituição Brasileira traz um capítulo próprio
sobre os direitos sociais (cap. II do tít. II). Por muito tempo
vinculou-se metodologicamente os direitos sociais dos direitos econômicos,
pois o trabalho é um componente das relações de produção,
logo a ingerência econômica é indiscutível. Enquanto
o direito econômico tem uma dimensão institucional, os direitos
sociais constituem formas de tutela pessoal, disciplinando situações
subjetivas pessoais ou grupais de caráter concreto. O Prof. José
Alfredo de Oliveira Baracho vai mais além, já que afirma
que os direitos econômicos constituem pressupostos da existência
dos direitos sociais, pois, sem uma política econômica orientada
para a intervenção e participação estatal na
economia, não se comporão as premissas necessárias
ao surgimento de um regime democrático de conteúdo tutelar
dos fracos e mais numerosos (Participação nos Lucros e integração
Social - PIS, Belo Horizonte, Ed. RBEP, 1972).
Neste diapasão podemos afirmar, conforme conceito de José
Afonso da Silva, que os direitos sociais, como dimensão dos direitos
fundamentais do homem, são prestações positivas estatais,
enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições
de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização
de situações sociais desiguais (Curso de Direito Constitucional
Positivo, São Paulo, Malheiros Editores, 1993). São, portanto,
direitos que se conexionam com o direito de igualdade. valem como pressupostos
do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições
materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que,
por sua vez, proporciona condição mais compatível
com o exercício efetivo da liberdade.
Acredito, que a visão estritamente econômica não encerra
a dimensão dos direitos sociais, pois todos são tais, já
que em sentido amplo, como social é o Direito, assim a efetivação
dos mesmos, passa necessariamente pela organização social,
reinvindicatória e eficaz, com a remodulação dos conceitos
culturais e pela atuação pragmática dos entes organizados
do tecido social.
Cabe, então se questionar, qual a atuação do Estado
Brasileiro na criação de condições materiais
para a efetivação da igualdade como pressuposto do gozo dos
direitos sociais.
Nenhuma, absolutamente nenhuma, pois engendrado numa política social
errônea ao estipular como condição básica para
o desenvolvimento social a menor presença do Estado na vida econômica,
deixando que os agentes produtivos por si só, estipulem, convivam
e solucionem as crises da liberalização globalizante da economia.
Tais traços aparecem constantemente, já que ao invés
de se estabelecer condições mínimas de subsistência
a família brasileira, com a criação de postos de trabalho,
financiamento eficaz na agricultura, valorização do professor
primário, acesso ao sistema de saúde, segurança, reforma
agrária com supervisão técnica, o governo nacional,
preocupa-se em salvar Bancos, como o Nacional que têm como herdeira
a filha do Presidente da República (enquanto milhões de trabalhadores
estão sem emprego); comprar avião moderno para a viagens
presidenciais (enquanto os brasileiros sequer conseguem se alimentar ou
pagar passagem nos transportes coletivos); usar de todos os meios para
aprovar emenda de reeleição dos cargos majoritários,
em especial para a Presidência do Brasil (enquanto grande parte das
conquistas da Constituição de 1988 não foram ainda
regulamentadas); renegociar dívida de grandes empresários
(enquanto milhões de cidadãos são executados por dívidas
ínfimas referente a empréstimos para construção
de residências, implantação de pequenas empresas, despejados
por não conseguirem pagar o sistema de habitação).
Este é o retrato da modernidade brasileira, possuir celular, comprar
carro importado, viajar ao exterior, podem importar alimentos, falta, assim
o mínimo de respeito ao ser humano, que se vê despojado do
básico.
Em 1773, o art. 21 da Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão, influenciada pela obra de Rousseau (Contrato Social),
já se questionava a função do Estado: "Os socorros
públicos são uma dádiva sagrada. A sociedade deve
a subsistência dos cidadãos infelizes, seja proporcionando-lhes
trabalho, seja assegurando os meios de subsistir aos que se encontram em
estado de não poder trabalhar."
Estamos imersos na pocilga da corrupção, da hipocrisia, dos
desmandos administrativos, e no vergonhoso quadro de miséria absoluta
de mais de 30 milhões de cidadãos brasileiros.
Mas não devemos nos desanimar, ao contrário, pois é
justamente neste momento histórico e que devemos tentar colaborar
com o surgimento de uma ampla conscientização política,
influindo diretamente no aceleramento das mudanças sociais e aos
futuros advogados, promotores, juízes, defensores, rogo que a indiferença
aos problemas sociais não se faça presente, ao contrário
seja a mola aceleradora de seus engajamentos.
Que atitude devemos tomar diante deste caos social? Como operadores do
direito, devemos de todas as formas lutar pelo aprimoramento democrático,
pelo alicerce definitivo das instituições nacionais e por
fim um engajamento eficaz nas lutas justas e legítimas da sociedade,
é este o papel do cidadão, e é este por primazia o
papel do Juiz, que deve ter seu olhar direcionada à rua, pois como
monopolizador da função jurisdicional necessita ser dotado
de espírito social, isto é, preocupado sociologicamente com
o resultado de suas decisões, a máxima da dura lei, não
pode ser posta ao "povo duro".
O Juiz — apregoa Cappelletti — deve adaptar os instrumentos hermenêuticos
com a finalidade de operar uma dinâmica interpretação
evolutiva e decisivamente construtiva e criativa, o fim social deve
ser o bem maior do direito, que não pode ser traduzido única
e exclusivamente na lei, carregada de fatores dominadores da sociedade,
há de existir um maior anseio libertador aos juízes, que
em muitas das vezes, por vícios adquiridos ao longo da vida, e reforçados
nos bancos universitários, esquecem do seu verdadeiro mister:
de distribuidor de Justiça, não de leis.
O que nos ameaça, em especial aos magistrados, numa democracia,
é o perigo do hábito, da indiferença burocrática,
a irresponsabilidade anônima. Nós queremos - pedia Calamandrei
— juízes com almas, engagés, e que saibam levar com
humano e vigilante desempenho o grande peso que implica a enorme responsabilidade
de fazer justiça.
Neste sentido, é imenso o desafio da Justiça do Trabalho,
pois como o juiz deve enfrentar a questão da função
social da Justiça do Trabalho nesse país dividido, contraditório
e explosivo? José Eduardo Faria aponta algumas soluções:
um amplo processo de renovação hermenêutica e de oxigenação
doutrinaria; o espancamento definitivo da "pseudo" neutralidade do juiz
e por fim uma justiça não exclusivamente técnica.
Estes são os nossos desafios como cidadãos, já que
assumimos a defesa intransigente da Justiça, dar ao justo o que
lhe é justo, sem receio do opressor, para ir contra o mesmo opressor,
pois, conforme Hegel: o que é dado por sabido, exatamente
porque é sabido, não é efetivamente conhecido. "
Por fim apego-me a proposta de Capistrano de Abreu e como ele sugiro aos
senhores parlamentares o seguinte projeto de lei a ser aprovado:
Art. I. Todo brasileiro é obrigado a ter vergonha.
Art. II. Revogam-se as disposições em contrário.
O autor é também Professor Auxiliar
II de Teoria Geral do Processo da UF-PA,
Diretor da Associação dos Magistrados Trabalhistas
da 8ª Região,
Membro da Asociacion Iberoamericana del Derecho de Trabajo
(Caracas), da Associação Juízes para a Democracia,
da Associação Paraense de Escritores e da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência
E-mail do autor: zahlouth@supridad.com.br