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 A ARBITRAGEM E A JUSTIÇA DO TRABALHO

Antonio Umberto de Souza Júnior

Juiz do Trabalho Substituto em Brasília-DF, Vice-Coordenador da Escola Judicial do TRT da 10ª Região e professor da Faculdade de Direito do CEUB


 


A edição da Lei nº 9.307/96, que dispõe sobre a arbitragem, suscita o exame da adequabilidade deste instituto como instrumento de solução de conflitos de interesses de natureza trabalhista. Visa o novo diploma legal à modernização do aparato existente com o escopo de encorajar a adoção desta alternativa ao caótico e moroso caminho do Judiciário. Impõe-se admitir que não há, no texto recém-publicado, qualquer restrição de cárater jurisdicional à utilização da arbitragem.

Não resta dúvida de que a perspectiva de meios alternativos de solução extrajudicial de conflitos é tentadora. Premido por gigantesca demanda de prestação de tutela, o Judiciário tem-se mostrado impulsivamente (e nem sempre com reflexões prévias mais profundas) favorável a tudo que se proponha que redunde em redução da carga de seus serviços. Assim, toda iniciativa legislativa é calorosamente acolhida e amplamente aplicada.

Não seria sincero deixar de reconhecer os grandes avanços promovidos pelas recentes alterações do código comum de ritos. As mudanças, de fato, revelam a ansiedade dos estudiosos e operadores do Direito em tornar o processo judicial mais efetivo.

Neste quadro de revolução processual é que vem a lume a já chamada Lei da Arbitragem. Por ela autoriza-se que as partes, mediante cláusula compromissória inserta em contrato, estabeleçam a via arbitral compulsória para dirimir as controvérsias dali oriundas. A participação do Judiciário naquele domínio cinge-se a suprir a falta de indicação do árbitro (em caso de resistência à instituição da arbitragem ou relutância na eleição do árbitro) ou a decretar a nulidade da sentença arbitral (arts. 7º e 33).

A Justiça do Trabalho, abarrotada por milhões de demandas anuais, acaba por enveredar por essa discussão. Afinal, a resposta positiva à possibilidade de arbitragem na resolução de litígios laborais redundará, obviamente, em sensível esvaziamento de seus escaninhos e de suas pautas de audiência.

De minha parte, pelas razões que procurarei alinhar neste trabalho, não vejo possibilidade de se instituir juízo arbitral, salvo nos conflitos coletivos.

Cumpre-me repelir, de início, qualquer insinuação de misoneísmo. Não sou neófobo: seduz-me o que seja novo, desde que jurídica e socialmente conveniente. Ademais, não se pode cogitar de neofobia qualquer resistência ao largo uso da arbitragem a partir da nova lei. Afinal, a arbitragem foi regulada nas Ordenações Reinóis desde o Século XVII, teve espaço no Código Comercial de 1850 (art. 294, entre vários) e no Regulamento nº 737 de 1850 (art. 189) e já achava-se completamente regulada pelos Códigos Civil de 1916 e de Processo Civil de 1973. Portanto, o que pode haver de novo é a criação da polêmica em torno do tema, mais antigo que nossa centenária República.

Interessante notar que a Constituição Cidadã de 1988 contempla, de modo explícito, a possibilidade de juízo arbitral facultativo como alternativa à solução jurisdicional dos conflitos coletivos (art. 144, §§ 1º e 2º). Ora, se teve o constituinte o zelo de mencionar a possibilidade de instituição de arbitragem (mesmo assim, repita-se, facultativa) apenas para os conflitos coletivos, não parece lógico que a omissão referente aos dissídios individuais tenha sido proposital, excluindo-os de tal hipótese alternativa? Como é sabido, a lei não contém palavras inúteis...

Assim, o primeiro óbice que verifico situa-se na esfera da constitucionalidade. Restringindo a Lei Maior a possibilidade de arbitragem facultativa para os litígios coletivos, não consigo conceber compatibilidade na introdução do procedimento arbitral para as lides de índole individual.

Certo, dirão alguns, se seria questionável a inserção de pacto comissório no instrumento do contrato de trabalho, pela presumível sujeição psíquica do trabalhador hipossuficiente no momento da contratação (se há registros frequentes até de assinatura de recibos e rescisões contratuais em branco, não é difícil imaginar a facilidade que encontrariam os empregadores para instituir, "bilateralmente", tal pacto), seria absolutamente admissível o pacto comissório constante de instrumento de negociação coletiva.

Aqui, divido a hipótese em duas: ou o pacto comissório seria instituído para resolver qualquer conflito de interpretação da convenção ou acordo coletivo ou mesmo para adoção dos subsequentes instrumentos coletivos (o que encontra amparo no texto constitucional) ou o pacto comissório seria instituído para excluir a via jurisdicional para solução de pendências individuais (ainda que plúrimas) que envolvessem membros das categorias representadas pelos sindicatos contratantes.

Se sugerida, no instrumento coletivo, a arbitragem facultativa, também não se afigura qualquer problema: a instituição efetiva do juízo arbitral dependerá da confiança depositada pelos litigantes no terceiro (órgão parajurisdicional), confiança livremente declarável a partir do instante em que o recurso à arbitragem é mera alternativa ao inarredável caminho judiciário.

A pesquisa nos sistemas jurídicos estrangeiros revela a predominância absoluta da conciliação obrigatória (quer dizer, da exigência de prévio esgotamento dos esforços conciliatórios) e da arbitragem facultativa (Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, França, Alemanha, Suécia, Noruega), tendo-se notícia de sistemais arbitrais extrajudiciais compulsórios apenas na Austrália, Nova Zelândia e Países Baixos, países sem qualquer interseção com o Direito do Trabalho pátrio.

Assim, a arbitragem obrigatória por órgãos extrajudiciais não encontra ressonância em nossa história, em nossa Constituição nem no Direito Comparado invocável. Pelo modo disposto no texto magno, o recurso à arbitragem obrigatória, logo excludente da possibilidade da via jurisdicional direta (as hipóteses aludidas nos arts. 7º e 33 da Lei nº 9.307/96 pressupõem a utilização da arbitragem), padece do vício de inconstitucionalidade em relação aos dissídios trabalhistas. Neste sentido, pode ser lida lição do insuspeito OCTÁVIO BUENO MAGANO.

Além de tal mácula, suficientemente forte, outros aspectos merecem relevo. Indaga-se: como procederia o juízo arbitral nas hipóteses de ausência da testemunha à audiência designada, se não tem poderes de coerção peculiares ao juiz de direito? Como seria ele remunerado quando sucumbente, na sentença arbitral, o trabalhador merecedor das benesses da gratuidade judiciária, que, obviamente, não abarca as despesas com o procedimento de arbitragem? A possibilidade concreta de impasse na eleição do árbitro, ensejadora de medida judicial, não seria incompatível com os princípios mais caros do processo do trabalho (por sua vez informados pela essência do Direito Material), que são a celeridade e a concentração de atos?

As dificuldades para plena produção de provas orais (tão frequentes nas lides laborais), a imprevisão legal de benefícios de gratuidade no juízo arbitral e a possibilidade de maior morosidade levam-me a repelir tão meio alternativo, ao menos quando compulsoriamente instituído.

Não seria difícil imaginarmos convenções coletivas com cláusula compromissória obrigatória exigida pela classe patronal em troca de modesto incremento remuneratório para a categoria ou de vantagens indiretas. Ou seja, para alcançar uma melhoria qualquer, o sindicato obreiro simplesmente fecharia as portas do Judiciário a seus representados (inclusive para exigir o implemento das vantagens ali conquistadas), relegando a solução para a via arbitral.

Se não fossem bastantes os argumentos expendidos, deve ser lembrado que os direitos trabalhistas, em regra, são insuscetíveis de renúncia ou transação. Isto é, são direitos patrimoniais, mas indisponíveis, em princípio. Ora, se são indisponíveis, a busca de sua reparação pela via arbitral colide com o próprio texto da lei comentada, que, em seu art. 1º, exclui tais direitos de seu alcance normativo.

Penso que o juízo arbitral é recomendável para outra sorte de interesses, onde as partes em conflito situem-se em pé de igualdade, substancialmente falando. A Justiça do Trabalho não pode furtar-se ao seu relevante papel de ancoradouro das queixas populares, por mais ínfimas que se apresentem, pois a dimensão da causa varia segundo as condições pessoais do lesado. Não me seduz, repito, a idéia de esquivar o Judiciário Trabalhista de sua missão precípua e socialmente mais relevante: propiciar um julgamento justo, barato, imparcial e rápido a quem quer procurá-lo, independentemente do vulto de sua causa.

Reputo que a adoção de outras soluções, como o aumento da alçada recursal, a contenção dos expedientes recursais e executórios, a abolição da representação classista, a criação de mecanismos restritivos de direitos aos devedores trabalhistas, a modernização da legislação processual, entre outros, seria bem mais profícua para a agilização dos serviços jurisdicionais e de maior respeito ao Judiciário do que, tal qual Pilatos, delegar a função jurisdicional a particulares. Ao invés de confessarmos nossa inoperância, parece-me mais correto demonstrar que a Justiça, com alguns ajustes estruturais, tem plenas condições de responder aos clamores sociais.
 


        Retirado de: http://www.solar.com.br