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BRASIL 500: menos verde, menos úmido; mais caro...

Christian G. Caubet

O outro lado da floresta é a água. Parece óbvio e simples... Entretanto, pouca gente enxerga a coisa dessa maneira. Não vê a relação entre a água e a árvore, nem entre a árvore e a água. Isso faz com que, 500 anos depois, a água esteja em condições idênticas às da floresta: péssimas condições. Lógico: se você tirou a proteção da água, tirou a água do lugar. Por sua vez, a água, uma vez fora de si (fora do lugar), vai arrastando tudo no seu caminho. Isso, pelo menos, a gente enxerga, porque acontece quase todo dia. Mas não é só...

A festa dos quinhentos anos também nos brinda com uma ocorrência inimaginável: nós vamos pagar pela água ! Já está na LEI. É isso mesmo: a Lei federal 9 433, de 8 de janeiro de 1997, estabelece que “a água é bem de domínio público, com valor econômico”. Isso significa que em breve, haveremos de pagar pela água que nós queremos consumir ou poluir. Vejam bem: hoje em dia, a gente paga para ter água em casa. A rigor, falamos de gente que tem endereço, portanto tem casa, portanto tem torneira ou mangueira que chega là, portanto tem relógio, ou fez um gato. Em todo caso, falamos de gente que tem água: são 78,8 % dos brasileiros, cujos domicílios são abastecidos pela rede de distribuição. Os outros 21,2 % ? Que se virem...

E porque dizer que nós vamos pagar pela água que queremos consumir ou poluir ? Porque nós usamos muito a água para levar embora o que nós queremos descartar: lixo, excrementos, produtos químicos, papel, embalagens de tudo, garrafas de plástico, restos de tudo, carcaças, geladeira velha, colchão gasto,... A rigor, todo mundo desconfia que não pode fazer isso; mas faz. Por isso, também vamos pagar para usar a água como corpo receptor de nossos resíduos. Senão, como garantir a qualidade da água, sabendo-se que apenas 42,4 % dos 160 milhões de brasileiros estão ligados à rede de esgoto ?

Como não criamos juízo, em 500 anos, a-gente-que-decide (“eles”, là em Brasília) achou a solução: cobrar para usar, consumir, distribuir, poluir e limpar a água. Cobrar quanto ? Quem vai decidir sobre isso?

Quem vai decidir, são os usuários. Quem é usuário? É quem usa a água para: irrigar, distribuir água para quem bebe, fabricar produtos, diluir resíduos e efluentes, produzir energia hidroelétrica, navegar, pescar, tomar banho e fazer turismo. E quem usa água para beber? Bem, esse aí não está na lista da lei. Quem está na lista da lei, é quem capta, trata e distribui a água. É a companhia concessionária. Quem bebe a água não é usuário, é consumidor (na melhor das hipóteses).

Última dúvida: como será que tantos usuários vão decidir? A lei diz que são os Comitês de bacia, que devem decidir. Serão integrados pelos “usuários” indicados acima. Nós consumidores, estaremos a esperar pelo que os chamados “usuários” (que são eles, não nós) passarem a decidir. A menos que a gente comece a se organizar, para mostrar que tem tanto direito como os outros. Você decidiu muita coisa, nos últimos 500 anos? Pois está na hora de se organizar, para controlar a água da gente. E se não se organizar? Bem, aí fica tudo bem simples: são outros 500...

Florianópolis, em 22 de abril de 2000

Christian G. Caubet. Ex-Representante da Região Sul no CONAMA,

Suplente de Representante das ONG’s no Conselho Nacional de Recursos Hídricos