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Acerca do contrato de empreitada

 

 

 

 

 

por Margarida Grave - Advogada

 

 

 

 

 

A contratação de uma empreitada traz à colação múltiplos e complexos problemas. Por vezes, o desconhecimento, por parte do dono da obra, dos procedimentos a adoptar para exigir responsabilidade do empreiteiro implica a sua perca de possibilidade em obter o pagamento de uma indemnização e, ao invés, seja ele quem terá de o fazer ao empreiteiro, por considerar-se o seu comportamento como revelador da desistência da empreitada.
Frequentemente, o empreiteiro contratado, algum tempo após a aceitação da empreitada e do início da obra, abandona os trabalhos, deixando o dono da obra na delicada situação de procurar uma outra empresa da especialidade interessada em terminar o serviço; noutras situações, o empreiteiro termina a obra mas a construção apresenta numerosos defeitos que o dono da obra, apenas, mais tarde vem a constatar; noutros casos, ainda, sem dúvida mais numerosos, são os trabalhos realizados fora dos prazos acordados, com graves prejuízos para o dono da obra.
Qualquer uma destas situações merece da lei um tratamento jurídico específico, tendente a acautelar a posição do dono da obra em face do empreiteiro, motivo por que se impõe, por parte do dono da obra, a tomada de algumas precauções elementares, como por exemplo, as respeitantes aos prazos de propositura de uma acção judicial, cuja inobservância acarreta, na maioria dos casos, a preclusão irremediável dos direitos a opor ao empreiteiro.

Precauções elementares
No momento em que o empreiteiro comunica ao dono da obra que os trabalhos encomendados se encontram concluídos e antes de este declarar a aceitação da obra, deve, de imediato, verificar se os trabalhos foram, efectivamente, executados nas condições convencionadas e sem vícios.
Caso assim o pretenda, o dono da obra poderá, também, requerer que a verificação seja efectuada por peritos da sua confiança, suportando os custos correspondentes, sendo a mesma possibilidade conferida ao empreiteiro, o qual deve ser, sempre, notificado do resultado da peritagem.
A não adopção de qualquer um destes cuidados pelo dono da obra, no momento da comunicação da conclusão dos trabalhos- falta de verificação da obra e não comunicação dos resultados da verificação- implica a sua aceitação.
Contudo, não deixemos de sublinhar que a possibilidade de fiscalizar não se limita ao momento do termo dos trabalhos, já que, ainda, durante a sua execução o dono da obra pode e, em nosso entender, deve fiscalizar os mesmos, com a condição de não perturbar o andamento normal da empreitada.
Esta fiscalização feita pelo dono da obra, ou por comissário, não o impede de, findo o contrato, fazer valer os seus direitos contra o empreiteiro, salvo se tiver havido de sua parte concordância expressa com o trabalho executado.
Segundo a legislação em vigor, considera-se excluída a aceitação da obra, desde que se possa provar ter sido a comunicação dos defeitos realizada atempadamente, já que o objectivo da fiscalização dos trabalhos é o de evitar que esta continue a ser executada nessas condições.

Contratação da empreitada
com outra empresa
Será possível ao dono da obra considerar unilateralmente a existência de um incumprimento do contrato de empreitada e requerer a sua execução por uma outra empresa a expensas do empreiteiro?
Se uma empresa contrata com uma sociedade o fornecimento de materiais e sua instalação, por exemplo, e vem a verificar que os tectos não se encontram executados nas condições acordadas, significando que a obra apresenta defeitos de construção, pode rescindir, apenas, o contrato de empreitada e contratar com uma outra empresa a colocação dos tectos falsos?
Em nosso entender, o dono da obra quando constata ter a execução dos trabalhos resultado defeituosa deve diligenciar um acordo com o empreiteiro, no sentido de este substituir o pessoal contratado para tentar realizar os trabalhos em novos moldes, obviando aos seus defeitos.
Mas pode suceder não terem os defeitos origem, apenas, na má qualidade da execução da obra. Uma vez desmontada a mesma, pode-se constatar, também, existirem defeitos nos materiais utilizados para a sua execução, a título ilustrativo, porque, sendo uns de uma qualidade e outros de outra marca, não se ajustam devidamente entre si. Como proceder?
Poderá o dono da obra, simplesmente, rescindir unilateralmente o contrato de empreitada e contratar com uma outra empresa a execução dos trabalhos?
A legislação em vigor impõe ao empreiteiro a execução da obra em conformidade com o convencionado com o seu dono e sem vícios que excluam ou reduzam o valor desta, ou a aptidão para o seu uso normal ou contratualmente previsto. Também, a resolução de um contrato, só, é admitida quando fundada na lei ou em convenção das partes. Mas não existindo acordo…
Nos casos em que os defeitos apurados na execução da obra sejam susceptíveis de serem suprimidos, "o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono da obra pode exigir nova construção", artigo 1221º,nº 1 do Código Civil.
Refira-se, no entanto, não ser exigível ao empreiteiro a eliminação dos defeitos, quando as despesas se revelam desproporcionadas em relação ao proveito- artigo 1221º, nº 2 do Código Civil.
Todavia, não sendo eliminados os defeitos ou não sendo a obra construída de novo pelo empreiteiro, o dono da obra pode exigir a redução do preço da empreitada ou, simplesmente, decidir resolver, definitivamente, o contrato tornando-se necessária em ambos os casos a verificação de alguns condicionalismos.
A medida da redução do preço traduz-se na diferença em dinheiro entre a quantia acordada entre o dono da obra e o empreiteiro para a rea-lização dos trabalhos e a importância que, hipoteticamente, se teria convencionado para a realização do trabalho com os defeitos verificados.
O primeiro, ou seja, o direito à redução do preço não é automático, depende, sempre, da constitui
ção em mora da eliminação dos defeitos pelo empreiteiro (porque se recusa expressamente em o fazer, ou porque não dá inicio aos trabalhos dentro do prazo, razoável, bem entendido, que lhe foi fixado), conforme dispõe o artigo 884º do Código Civil.
Pode, ainda, o dono da obra valer-se de uma outra possibilidade para reagir contra os defeitos verificados nos trabalhos: a resolução do contrato.
A lei faz, no entanto, depender este direito de resolução da alegação e prova de os defeitos existentes na obra a tornarem inadequada ao fim destinado. Bem entendido, o dono da obra, também, poderá requerer a resolução do contrato se os defeitos verificados nos trabalhos reduzirem de tal modo a sua aptidão que não seja justo impor a sua aceitação.
À semelhança do que referimos a propósito da possibilidade de redução do preço, a resolução do contrato, apenas, é possível depois de o empreiteiro se encontrar em mora, para eliminar os defeitos, salvo se recusar expressamente a fazê-lo, se a eliminação for impossível ou se o dono da obra revelar um interesse especial na imediata redução do preço ou na resolução do contrato.
Sendo o contrato resolvido, definitivamente, deriva da lei, como consequência, em relação a ambas as partes, o dever de restituir tudo aquilo que tiver sido prestado, só não se tornando possível esta restituição em espécie é permitida a restituição do valor correspondente.
Tratando-se de um contrato de empreitada que consista na incorporação de materiais e de mão-de-obra na construção, não sendo possível a restituição em espécie, tem lugar o pagamento do valor correspondente a estes serviços.
O dono da obra fica, por sua vez, desonerado da obrigação de pagar o preço contratualmente acordado, tendo direito a reaver as prestações já pagas e podendo reivindicar o pagamento de uma indemnização, a suportar pelo empreiteiro, desde que se prove a sua culpa no incumprimento do contrato.
Se o dono da obra não seguir o procedimento descrito, preferindo entregar a execução dos trabalhos a uma outra empresa da especialidade, rescindindo o contrato com o primitivo empreiteiro e celebrando um outro acordo com esta empresa, as consequências são delicadas, dado nestes casos, considera-se que o dono da obra desistiu da empreitada tendo de indemnizar, consequentemente, o empreiteiro, de acordo com o seguinte critério: gastos realizados, trabalho efectuado e, ainda, proveito que da obra poderia retirar. No cômputo da indemnização atende-se não ao preço convencionado mas ao trabalho realizado pelo empreiteiro.
Se o dono da obra, em vez de optar pela redução do preço ou pela resolução do contrato de empreitada, preferir que os defeitos sejam eliminados, deverá, não logrando obter a sua anuência para o fazer voluntariamente, requerer judicialmente a condenação do empreiteiro a essa prestação de facto. Só depois lhe será possível, se o empreiteiro não o fizer, requerer que a eliminação dos defeitos seja executada por uma outra empresa, à custa do empreiteiro.


Justiça e Cidadania, Suplemento do Primeiro de Janeiro, 28-Mai-2001