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Acordo trabalhista não faz coisa julgada nas ações indenizatórias por acidentes do trabalho fundadas no Direito Comum.

Antonio Cassemiro da Silva (*)


Dispõe o art. 6o, inciso XXVIII da Carta Magna de 1988, "seguro contra acidentes do trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa". Obviamente que se trata da ação acidentária fundada no direito comum e na responsabilidade subjetiva do empregador quando este incorre em dolo ou culpa, bastando que no caso de culpa, haja culpa simples, posto que a partir da Carta Magna de 1988, não há mais que se falar em culpa grave como conditio sine qua non, para que o empregador seja civilmente responsabilizado pelo pagamento de indenização em decorrência de acidentes do trabalho ou de doenças ocupacionais, as quais são equiparadas aos acidentes do trabalho para todos os efeitos legais.

A Carta Magna de 1988, em seu art. 5o., inciso XXXV, estabelece que: " a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

É praxe que em todos os acordos celebrados na Justiça do Trabalho, a inclusão da cláusula de que o reclamante da "plena, rasa e irrevogável quitação do processo e do objeto do processo para nada mais reclamar seja a que título for".

A expressão "para nada mais reclamar seja a que título for", teria o condão de transformar-se em coisa julgada e constituir-se em fator extintivo do direito de ação quando se pleiteia indenização por acidente do trabalho pelo direito comum?

Entendemos que não. Primeiro, porque a cláusula de nada mais reclamar a que título for, não pode ser considerada válida diante do disposto no art. 5o, inciso XXXV da CF, como também não podem ser consideradas válidas cláusulas que vedem a propositura de qualquer outro tipo de ação.

Acordos celebrados na Justiça do Trabalho, mesmo já transitados em julgados, não têm condão de fazer coisa julgada, nada impedindo a propositura da ação indenizatória pelo direito comum, mesmo porque na Justiça do Trabalho o que se discute são as verbas de natureza trabalhista fundadas no pacto laboral. Já na Justiça Comum se discute verba de natureza acidentária fundada no direito comum e que exige a demonstração de culpa do empregador e o nexo causal entre o acidente do trabalho ou a doença ocupacional da qual tenha sido vítima o trabalhador. Além do mais, entre uma ação trabalhista de competência da justiça laboral e uma ação indenzatória em decorrência de acidente do trabalho, fundada no direito comum, não há identidade da lide, conforme se pode concluir pela leitura do art. 301 parágrafo 2o. do CPC, o qual preceitua que "uma ação é idêntica a outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido". Pedimos vênia para transcrição para transcrição do voto do Juiz Ribeiro Pinto do 2o. TAC - SP - 3a. Câmara no (AGRAVO DE INSTRUMENTO n.º: 597.729/1 - Diadema - SP, julgado em 09.11.99 v. u). "Indenização. Responsabilidade Civil. Acidente do Trabalho. Direito Comum. Alegação de coisa julgada em face de acordo homologado na Justiça do Trabalho. Incorrência. Agravo desprovido".

VOTO

1. Trata de agravo de instrumento sem pedido de efeito suspensivo, tirado de decisão prolatada em sede de ação de indenização por responsabilidade civil, contra r. despacho que indeferiu a preliminar da coisa julgada. Insurge-se a agravante. Sustenta que firmou acordo com a agravada na Justiça do Trabalho, devidamente homologado e transitado em julgado, apontando que esta composição atingiu tanto a esfera trabalhista como a cível, extinguindo, desse modo, o direito de ação futura da autora. Requer acolhimento da preliminar de coisa julgada com a extinção da ação sem julgamento do mérito. Determinado o processamento do recurso sem efeito suspensivo foram prestadas as informações do juízo a quo (fls. 78/79), foi dado cumprimento ao disposto no art. 526, CPC (fls. 62/63), bem como houve apresentação de contraminuta (fls. 67/70).

É O RELATÓRIO

2. O recurso não merece prosperar.

Em virtude de acordo trabalhista, devidamente homologado e transitado em julgado na Justiça do Trabalho (fl. 47), a empresa-agravante almeja a reforma da r. decisão saneadora, com o fito de que seja acolhida a preliminar de coisa julgada, de maneira a julgar extinto o processo, com base nos arts. 301, inciso VI e 267, do Código de Processo Civil. Consoante se pode inferir do acordo colacionado aos autos (fls. 45/46), convencionaram as partes que a agravada outorgou à agravante "a mais ampla, geral e irrevogável quitação para nada mais reclamar no presente ou no futuro, em qualquer instância, Justiça ou Tribunal, com relação ao contrato de trabalho extinto e especialmente com relação aos pleitos constantes do presente processo, ou qualquer outro pleito, seja qual for, sem nenhuma exceção". Inicialmente, não se deve considerar válida a vedação composta de se propor "qualquer outro pleito, seja qual for, sem nenhuma exceção", porque o direito de ação é garantia prevista no art. 5o. inciso XXXV, da Constituição Federal do Brasil, para a apreciação de lesão ou ameaça a direito. Destarte, a ação representa "um direito de iniciativa e impulso conferido ao autor, a fim de que deduza sua pretensão perante o Estado - juiz e dele obtenha um provimento final, ainda que eventualmente desfavorável" (RT 688/116 e 689/271). Por outro lado, não vislumbro constituída a res judicata. Não há identidade de lide. É lição de Eduardo Arruda Alvim, em Curso de Direito Processual Civil, 1o. volume, Revista dos Tribunais, 1998, pág. 213/225, ao comentar os elementos da ação:

"Pode-se dizer que o nosso Código de Processo Civil adotou a chamada teoria das três identidades para identificar as ações".

"É o que deflui claramente da leitura do art. 301, parágrafo 2o: "Uma ação é idêntica a outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido".

"Portanto, só se pode dizer que uma ação é idêntica a outra se tiver as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido".

O ilustre Professor JOSÉ JOAQUIM CALMON DE PASSOS, com muita propriedade em "Comentários ao Código de Processo Civil", Ed. Forense, vol. III, 1983, 4a. ed., pág. 298, ao comentar o artigo 301, inciso IV, ensina que:

"A litispendência e a coisa julgada reclamam identidade da lide. E isso ocorre quando são os mesmos sujeitos que contendem a respeito do mesmo bem da vida e pela mesma causa. Há, por conseguinte, uma tríplice identidade exigida para que se reconheça a identidade das lides: identidade dos sujeitos, identidade do pedido e identidade da causa de pedir. Faltando qualquer dessas identidades, não se pode cogitar nem de litispendência nem de coisa julgada".

Pois bem, em atenção ao feito trabalhista n.º: 828/98, que tramitou perante a 2a. Junta de Conciliação e Julgamento de Diadema, com decisão homologatória proferida e já transitada em julgado, denota-se que embora possua as mesmas partes desta, a sua causa de pedir próxima é fulcrada na Consolidação das Leis do Trabalho, enquanto a presente possui como supedâneo a culpa da empregadora (responsabilidade subjetiva), amparada pelo disposto no art. 159 do Código Civil e art. 7o., inciso XXVIII, da Constituição Federal do Brasil. Ainda há que se observar que os pleitos também são diversos, na medida que na ação de cunho laboral, o provimento é obviamente de natureza trabalhista, enquanto nesta, o pedido indenizatório, como corolário a eventual culpa da empregadora-agravante. Quando a demanda não é idêntica nos três elementos: mesmas partes, mesmo pedido e mesma causa de pedir, não há que se falar em coisa julgada (AI 538.896 - 6a. Câm. - Rel. Juiz CARLOS STROPPA - J. 15.09.1998). Desse modo, a transação firmada não pode genericamente, impedir a propositura de ação de cunho indenizatório, evolvendo apuração de responsabilidade por ato ilícito.

Neste sentido:

RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DO TRABALHO - INDENIZAÇÃO - DIREITO COMUM - ALEGAÇÃO DE COISA JULGADA EM FACE DE FEITO TRABALHISTA NA JUSTIÇA DO TRABALHO - INOCORRÊNCIA.

A priori, inexistente identidade de pedido e de causa de pedir entre o feito trabalhista e o feito ordinário indenizatório derivado da relação de trabalho. Inexistência de coisa julgada. AI 530.004 - 2a. Câm. - Rel. Juiz PEÇANHA DE MORAES - J. 11.05.1998, Referências: Voc. Jurídico - De PLÁCIDO E SILVA, Ed. Forense, pág. 335. No mesmo sentido: Ap. c/ Rev. 484.484 - 5a. Câm. - Rel. Juiz FERREIRA CALÇAS - j. 03.06.1997; AI 533.330 - 11 Câm. - Rel. Juiz ARTUR MARQUES - J. 29.06.1998 e Ap. c/ Ver. 519873 - 7a. Câm. - Rel. Juiz AMÉRICO ANGÉLICO - J. 04.08.1998.

E ainda:

RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DO TRABALHO - INDENIZAÇÃO - DIREITO COMUM - ALEGAÇÃO DE COISA JULGADA, EM FACE DE FEITO TRABALHISTA NA JUSTIÇA DO TRABALHO.

A transação firmada perante a Justiça do Trabalho não pode, genericamente, envolver a indenização por ato ilícito, obstando o acesso à Justiça Estadual.

AI 533.330 - 11a. Câm. - Rel. Juiz ARTUR MARQUES - J. 29.06.1998.

3. Ante o exposto, nego provimento ao agravo.

Também é indispensável para que haja reconhecimento de coisa julgada a existência de duas decisões sobre a mesma lide, o que significa dizer que só haverá coisa julgada quando houver lides idênticas, ou seja: com as mesmas partes, o mesmo objeto e a mesma causa de pedir, o que não ocorre nas ações indenizatórias por acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais, onde são diversos o objeto e a causa de pedir. "Para que possa reconhecer a existência de coisa julgada, é indispensável que haja duas decisões sobre a mesma lide. Duas lides são idênticas entre si, quando têm as mesmas partes, o mesmo objeto e a mesma causa de pedir. Se não há identidade entre as duas lides, improcede a alegação de coisa julgada". (Ac. unânime da 1a. T. STF de 19.04.83, em agr. reg. no agr. n.º: 91.960 3 - PA. Rel. Min. Alfredo Buzaid; DJU. de 10.06.83, p. 8469) - grifamos. "Não há coisa julgada se o feito anterior, embora entre as duas partes, não apresenta identidade do pedido". (AC. unânime da 2a. T. STF de 30.08.84, no RE 101.998 - 1 - RS. Rel. Min. Francisco Rezek; RT 594/258 - grifamos. "Configura-se a coisa julgada, nos termos do parágrafo 3o. do art. 301 do CPC, quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba mais recurso, ou seja, ação que seja idêntica em seus três elementos: personae, causa petendi e res. Quando a identidade se limita aos dois primeiros, inocorre a identidade das ações e, igualmente, a coisa julgada". (AC. unânime da 6a. Câm. TACIV/RJ de 26.11.85, na Apel. 8.897/84. Rel. Juiz Mauro Junqueira Bastos) - grifamos.

Certo é que qualquer que seja a forma pela qual foi extinto o processo trabalhista, seja por acordo efetuado entre as partes, seja pela sentença transitada em julgado: não há que de falar em coisa julgada em relação às ações indenizatórias por acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais fundadas no direito comum com fulcro no art. 6o. inciso XXVIII da CF e art. 159 do Código Civil Brasileiro. Certo ainda que a sentença trânsita em julgado no trabalhista e o acordo efetuado pelas partes e homologado, (o qual só pode ser desconstituído mediante ação rescisória, art. 831 da CLT), fazem coisa julgada formal no âmbito do respectivo processo; não tendo, porém o condão de fazer coisa julgada no processo civil, de natureza indenizatória. Ensina Moacir Amaral Santos em Primeiras Linhas de Direito Processual Civil - Comentários Vol. 4, p. 458 que: "em conseqüência da coisa julgada formal, pela qual a sentença não poderá ser reexaminada e, pois, modificada ou reformada no mesmo processo em que foi proferida, tornando-se imutáveis os seus efeitos (declaratório, ou condenatório, ou constitutivo). O Comando emergente da sentença, como ato imperativo do Estado, se torna definitivo, inatacável, imutável, não podendo ser desconhecido fora do processo. E aí se tem o que chama coisa julgada material, ou seja, coisa julgada substancial, que consiste no fenômeno pelo qual a imperatividade do comando emergente da sentença adquire força de lei entre as partes". A imutabilidade do acordo ou da sentença no Processo trabalhista que no âmbito respectivo faz coisa julgada material, cinge-se à causa petendi respectiva no âmbito da justiça laboral que detém a competência para apreciar e julgar a lide. No âmbito do direito comum inexiste coisa julgada em relação aos acordos e sentenças proferidas nas lides laborais quando se referem às ações indenizatórias, como as decorrentes de acidentes do trabalho. É perfeitamente admissível o pleito indenizatório pelo direito comum, mesmo que tenha sido celebrado acordo ou que já tenha sido prolatada a sentença, independentemente do trânsito julgado.


(*) Antonio Cassemiro da Silva - Advogado militante em São Paulo


NOTAS:

NOGUEIRA, LÚCIO PAULO. Curso Completo de Processo Civil. Ed. Saraiva - 1990, pág. 189.

SANTOS, AMARAL. Primeiras Linhas De Direito Processual Civil. Ed. Saraiva - 1990, pág. 458.

MARQUES, FREDERICO JOSÉ. Manual de Processo Civil. V. 1, p. 272.

FILHO, GRECCO VICENTE. Direito Processual Civil. V. 1. Pág. 147.

BOLETIM DA AASP n.º: 2171 de 07 a 13.08.2000.

ALVIM, ARRUDA. Código Processual Civil Comentado. Ed. Revista dos Tribunais. V. 1. Pág. 299.

TORNAGHI, HÉLIO. Comentários do Código de Processo Civil. V. 1. P. 214

Artigo retirado de: www.jurislex.20m.com