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DIREITO
A GLOBALIZAÇÃO
DA ECONOMIA (ASPECTOS SOCIOLÓGICOS) E O DIREITO DO TRABALHO
Ricardo Geraldo Monteiro
Zandona
Juiz do Trabalho — Presidente
da 1ª JCJ de Campo Grande/MS
Sandra Regina Paz de Moura
Adjunto de Juiz — 1ª
JCJ de Campo Grande/MS
Tormentoso seria o trabalho
caso se destinasse este estudo a conceituar o Direito e suas relações
com as demais ciências. Deve-se partir da imagem que o direito é
o princípio de adequação do homem à vida social.
E, estruturada no fato social, a Ciência do Direito não prescinde
dos demais gêneros do conhecimento humano, e que, para alcançar
o escopo que lhe foi destinado, deve contar com as disciplinares auxiliares.
Este o papel da Sociologia (longe de se atribuir a tal ramo do conhecimento
humano a estreiteza de figurar apenas como ciência auxiliar do Direito),
que é a ciência de observação dos fenômenos
sociais — segundo Comte — conduzindo à análise dos fatos
que ocorrem na sociedade, os grupos, as instituições. Mais
vinculada ao estudo do Direito, está a Sociologia Jurídica,
que é a disciplina que tem por objetivo a explicação
do fenômeno jurídico, considerado como fato social. A Sociologia
Jurídica investiga os fatores determinantes da formação
e das transformações do Direito, bem como a maneira de influir
e os efeitos que na vida da comunidade derivam de um sistema jurídico.
Interessa à Sociologia Jurídica a realidade social plena
do direito, suas expressões sensíveis e exteriormente observáveis,
as manifestações internas que inspiram e penetram as condutas
coletivas, os valores e idéias jurídicas que estas exprimem,
assim como as crenças e intelecções a que aspiram.
Efetivada a ligação entre uma ciência e outra, e entendido
que o Direito é fenômeno social não ignorado pela Sociologia,
sob este prisma é que deve avançar no problema da globalização
da economia e o Direito do Trabalho. A Consolidação das Leis
do Trabalho foi editada há 50 anos quando o panorama mundial permitia
observar o conflito entre os atores sociais (empregados, empregadores e
Estado), numa relação de desconfiança entre os sujeitos
da relação de emprego. O tempo, à época, parecia
correr mais devagar. Por isso tem-se a idéia que as relações
eram mais estáveis e se não menor a concorrência, pelo
menos não tão acirrada quanto hoje. A intervenção
do Estado se fazia presente através de uma economia altamente protegida
e pouco competitiva. Os conflitos trabalhistas, por sua vez, ficavam sublimados,
e uma vez eclodidos, encaminhados para solução por um órgão
integrante
do aparato estatal — a Justiça do Trabalho. Sob este prisma vê-se
que a legislação trabalhista brasileira adota um sistema
misto de fontes normativas do direito, como que a mitigar a velha discussão
entre o monismo e o pluralismo jurídico. Admite-se que o Estado
estabeleça as condições mínimas vigentes para
as relações entre empregados e empregadores, e, ao mesmo
tempo, que as condições mais amplas e favoráveis (quer
por pacto individual quer por pacto coletivo, ou ainda por sentença
firmada no poder normativo da Justiça do Trabalho) sejam incorporadas
ao contrato individual de trabalho. Atualmente, o mundo transformou-se
numa aldeia. Os fatos ocorridos numa região em poucos instantes
tornam-se conhecidos do outro lado do planeta. A evolução
tecnológica impõe alterações na economia —
a comunicação pelas infovias desloca os chamados capitais
especulativos de uma região para outra em questão de segundos,
provocando efeitos desastrosos na economia de determinado país —
taí o “efeito tequila”, como reflexo dos fatos ocorridos no México
no final do ano de 1994. Países que não possuem matéria
prima, importam-na, manufaturam-na e depois de acabado o produto, distribuem-no
pelos quatros cantos do mundo. A título de exemplo, um automóvel
projetado no Japão ou na Itália é montado na Coréia
ou no Brasil, circula livremente (com adaptação às
condições locais) na Argentina, na Índia ou na América.
Tecidos e calçados produzidos na China são vendidos no Brasil
a preços bastante inferiores aos da produção local.
O panorama atual é de um mundo frenético, em movimentação
constante, onde as novidades não chegam a marcar lugar, pois, logo,
de imediato, surgem outras, numa ordem de sucessão infinita face
ao avançado estado em que se encontra a tecnologia e a exigência
do mercado consumidor. A competitividade, a qualidade e a eficiência
são os temas do momento. Assuntos tormentosos para as empresas,
pois, se ultrapassadas pela modernidade tecnológica, o seu produto
se desatualiza, o custo aumenta, advém a crise econômica e
o desemprego é o corolário imediato. Em relação
ao desemprego é importante saber que não decorre mais e apenas
dos métodos de eliminação do trabalho. São
suas causas, também, a escassez de capitais e a carência da
mão-de-obra qualificada. O capital em busca do lucro investe nas
novas condições de tecnologia e administração;
se a mão-de-obra não se apresenta qualificada para responder
ao retorno desejado pelo investidor, o capital desloca-se, provocando a
atrofia da economia no local onde estava instalado. A velocidade da economia
exige para as relações de trabalho o mesmo tratamento. Surge
aí o conflito entre o garantismo legal e a flexibilização
das relações de trabalho. Por garantismo legal deve-se entender
toda e qualquer forma de regulamentação heteronôma
das relações trabalhistas, com o intuito de “proteger” os
trabalhadores. Já a flexibilização é termo
de compreensão equívoca: pode significar a mitigação
do rigor das leis trabalhistas para possibilitar o desenvolvimento econômico
através da redução de custos e da elevação
da competitividade do produto nacional no âmbito interno do país
ou internacionalmente; ou, simplesmente, expedientes dissimulados para
fraudar direitos trabalhistas e obrigações sociais. Nos termos
propostos no presente estudo, deve-se entender a flexibilização
por seu primeiro sentido. Nesta linha de raciocínio, a economia
brasileira já vinha sofrendo impactos que não poderia mais
suportar frente a força avassaladora da globalização.
A Europa unindo-se num mercado único. Canadá, EUA e México
aliados no NAFTA. Recentemente, firmou-se o Tratado do Mercosul, com a
integração das economias de Argentina, Brasil, Paraguai e
Uruguai. Entretanto, na contramão da História, ocorreu em
1988, quando da Assembléia Constituinte, aquilo que se admite como
a “celetização da Constituição” (pejorativamente)
ou a constitucionalização dos direitos trabalhistas. Exemplo
maior do garantismo legal. Mas a força dos fatos econômicos
e sociais é avassaladora. A modificação nas estruturas
é exigida e será inexorável. Os atores que participam
da cena social modificaram o seu comportamento e afastando-se da idéia
de conflito entre capital e trabalho passaram a atuar em colaboração,
sendo certo que os empregados sabem que necessitam da empresa para sobreviver,
assim como o empregador passa a reconhecer o trabalhador como elemento
essencial de sua atividade, que deve ser conservado, estimulado e aprimorado.
A superação dos conflitos internos é essencial para
que a empresa possa enfrentar a competição externa dos mercados.
A moderna relação trabalhista está assentada no princípio
da cooperação. O novo direcionamento destas relações
decorre da pressão provocada pelas dificuldades econômicas
e pela necessidade de adequação às novas condições
exigidas pelo avanço tecnológico. Os efeitos são sentidos
em, pelo menos, três níveis: 1º) os países que
se preocupam com a excessiva regulamentação das relações
trabalhistas caminham para estimular a negociação coletiva
descentralizada reduzindo o seu campo de atuação para o âmbito
da própria empresa; 2º) na própria empresa, a negociação
tem sido conduzida pelos grupos organizados de trabalhadores (“conselhos
de trabalho”, “comitês tecnológicos”, “comissões de
fábrica” etc), observando-se um declínio da atuação
do sindicato; 3º) no conteúdo da relação de trabalho,
onde a ênfase concentrada no salário tem-se deslocado para
conquistas de âmbito social, econômico ou tecnológico.
A mudança de rumo dos atores implica também em uma nova posição
a ser adotada pelo Estado como agente intermediador. Para dizer dos novos
rumos a serem seguidos pelo Estado, interessante se torna observar os modelos
de Direito do Trabalho que existem na América Latina no dizer de
Amauri Mascaro Nascimento (LTR, 59-05/586). O primeiro modelo é
o intervencionista — o Estado é regulamentador e interfere como
participante nuclear das relações de trabalho. O segundo,
é o abstencionista, onde se entende que o Estado deve limitar-se
dar respaldo à liberdade sindical, à negociação
coletiva, ao direito de greve — todas as demais questões resolvidas
através da solução autônoma dos conflitos. O
terceiro modelo é o intervencionista do tipo socialista, onde o
Estado está autorizado a interferir plenamente na liberdade dos
grupos e das pessoas para ordenar e regular as relações individuais
ou coletivas de trabalho. Para o momento atual do Direito do Trabalho,
circunscrita a análise ao próprio Brasil, exige-se o afastamento
do Estado do núcleo das relações de trabalho, admitindo-se
a sua participação apenas como agente capaz de estabelecer
as regras do jogo. Não há possibilidade de se continuar admitindo
que o Estado seja capaz de prever todas as hipóteses de conflito
e todas as regras para a sua solução, nem mesmo que interfira
na conjuntura de uma empresa para que os resultados desta sejam pelo próprio
Estado estabelecidos. Fixar o valor dos salários através
de política salarial ou definir ganhos de produtividade por meio
de sentença normativa são situações anômalas
e que o atual estágio das relações entre empregadores
e trabalhadores já não mais admite. Compete ao Estado simplesmente
determinar as regras para que as partes interessadas possam negociar as
condições de trabalho. Diante de tal posicionamento, começa
a surgir um movimento de redenção do Direito do Trabalho
cuja força está centralizada no instrumento denominado contrato
coletivo de trabalho. Por essa via, demonstra-se claramente que os grupos
sociais são fontes de normas jurídicas. O pluralismo jurídico
é característica básica da sociedade contemporânea,
afastando-se da atomização das relações e caminhando,
inexoravelmente, para a sua molecularização. Tal situação
evidencia-se nos conflitos coletivos, nas ações civis públicas,
nas defesas de interesses coletivos e difusos. O átomo (ou seja,
o indivíduo isolado) cede seu espaço para a molécula
(os grupos organizados ou a sociedade como um todo, respeitados os interesses
juridicamente tutelados ou a tutelar). Sociologicamente a preocupação
está em conciliar os novos métodos de aprimoramento tecnológico
com as oportunidades de emprego. Como desenvolver-se, como aprimorar-se
para competir no mercado sem que se sacrifiquem as oportunidades de emprego.
Estudos na área, vem comprovando que os trabalhadores atualmente
procuram relações de trabalho com formas mais flexíveis.
As dificuldades de deslocamento nas grandes cidades, o aproveitamento integral
do tempo na atividade profissional como forma de ampliar o tempo destinado
ao lazer e à vida social, o uso cada vez mais freqüente dos
celulares, dos “fax-modem”, são situações que permitem
que em algumas atividades o trabalhador não mais se encontre encerrado
no ambiente de trabalho do estabelecimento do empregador. Via de conseqüência,
a rigidez do vínculo é eliminada pela redução
da jornada ou inexigibilidade de sua delimitação, pela determinação
do prazo do contrato, pela supressão de obrigações
sociais da empresa em relação a determinadas categorias (pois
a simples absorção da mão-de-obra já implicaria
em resultado de elevado alcance social). Sem que haja prejuízo do
trabalhador, nestas condições permite-se a inclusão
no mercado de trabalho de parte daqueles que se encontram no mercado informal.
Aposentados, donas de casa, estudantes, menores, passariam a ser aproveitados
pelo mercado sem que o custo empresarial fosse elevado pelos encargos trabalhistas.
As formas atípicas de prestação de serviços
servem como paliativo no enfrentamento do subemprego e do desemprego. A
mecanização, a robótica e a informática ocupam
hoje o espaço que originariamente era do homem. A revolução
tecnológica implicou no aumento da produção. Entretanto,
é cada vez mais sensível a redução da utilização
da mão-de-obra. Numa época em que a taxa de emprego vem crescendo
à média de 3% ao ano, índices da década de
80, e que a utilização de robôs vem persistindo na
média de 27%, é preocupante a estatística. O ser humano
cede seu espaço à própria criatura, em detrimento
de sua condição social. No estágio atual da humanidade,
não é mais possível retornar-se ao Direito do Trabalho
do tempo da Revolução Industrial, de cunho eminentemente
protetor. A razão da existência deste ramo do Direito, com
o apoio das demais ciências sociais, está em compatibilizar
os conflitos decorrentes da relação de trabalho com as exigências
da modernidade e do avanço tecnológico vinculado ao processo
produtivo. Se assim não ocorrer, a previsão não pode
deixar de ser pessimista, restando premido o trabalhador pelo desemprego
e pela economia informal. Por outro lado, se integrados os parceiros sociais
num processo de ampla e leal discussão a perspectiva é alvissareira,
pois o ajuste do fator trabalho às exigências da qualidade
e da competitividade certamente ocorrerá. O enfoque sociológico
está a exigir que o processo de mudança no comportamento
dos atores sociais continue a evoluir para o campo da negociação
intensa e exaustiva, centrado o seu escopo na cooperação,
afastando-se o Estado de sua posição intervencionista para
limitar-se ao campo de mero intermediador através da elaboração
das regras da negociação. Referências bibliográficas:
1) PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito
Civil. 7ª ed.. Rio de Janeiro : Forense, 1984, vol. I, p.5. 2) NASCIMENTO,
Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 6ª ed.. São Paulo
: São Paulo, 1988, p. 101. — Discurso de Posse na Academia Brasileira
de Letras Jurídicas. In: LTR, 59-5/587. 3) NOGUEIRA, Rubem. Curso
de Introdução ao Estudo do Direito. 2ª ed., São
Paulo : RT, 1989, p. 26. 4) MACHADO, Edgar de Godoy da Mata. Elementos
de Teoria Geral Do Direito. 3ª ed., Belo Hori zonte : Ed. UFMG/PROED.
1986, p. 203. 5) PASTORE, José. Relações do Trabalho
numa economia que se abre, IN: LTR, 59-01/19. 6) MATTIOLI, Maria Cristina.
Participação e Flexibilização, IN: LTR, 59-04/510.
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