O movimento sindical no Brasil se iniciou nos primeiros anos deste século
durante a República Velha, período em que a indústria
brasileira dava os seus primeiros passos, impulsionada pelos ares de desenvolvimento
que sopravam da Europa já consolidada neste setor e pela mão-de-obra
barata, representada pelos contingentes rurais que gradativamente se concentravam
nos grandes centros e pelos imigrantes, que traziam consigo toda a ideologia
do movimento anarco-sindical europeu, que pregava a total liberdade de
associação entre os trabalhadores e a enérgica atuação
na defesa de seus interesses. Nessa fase, imperava no Brasil o pluralismo
sindical, sendo freqüentes as greves, especialmente em meados da década
de 20.
Com a ditadura de Vargas, veio a fase repressiva, com a implantação
de um modelo de normatização corporativista (transplantado
da Itália fascista - Carta del Lavoro), dando-se ênfase ao
controle estatal, que tinha no reconhecimento sindical pelo Estado e no
sistema confederativo, seus principais ícones. A Constituição
de 1937 só veio reforçar esse caráter, que até
hoje grassa com nitidez na estrutura sindical brasileira.
A partir da vigente Carta Maior, o sindicalismo brasileiro ganhou maior
liberdade, sendo vedada ao Estado interferir na organização
e na administração sindical, ressalvado o registro no órgão
competente (art. 8º, I da CF/88), do qual trataremos com mais detalhes
adiante.
Por outro lado, a mesma Carta, em seguida, enumera uma série de
restrições, que devem ser obrigatoriamente observadas pelo
movimento sindical brasileiro. Dentre elas, destaque-se as principais e
inarredáveis condições a que se submete a organização
sindical no Brasil, estampadas, todas, no art. 8º, II da CF/88, quais
sejam :
a unicidade sindical, a sindicalização por categoria
e base territorial mínima.
"Art. 8º - É livre a associação profissional
ou sindical, observado o seguinte :
II - é vedada a criação de mais de uma organização
sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou
econômica, na mesma base territorial, que será definida pelo
trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior
à área de um Município.(grifamos)
Elas representam as pilastras sustentadoras do sistema de criação
e organização dos sindicatos pátrios e a sua inobservância
acarreta o desenquadramento da entidade infratora, não sendo esta
reconhecida como sindicato.
Ressalte-se que o caput do artigo faz-se presumir a mais absoluta liberdade
sindical, que retaliada logo após pelos incisos, especialmente o
supra transcrito, entrando em choque com o entendimento da própria
OIT.
Note-se a grande contradição que a Carta de 88 institui no
ordenamento jurídico pátrio, ao tratar da matéria,
contradição essa apontada com peculiar propriedade por AMAURI
MASCARO NASCIMENTO (in CURSO DE DIREITO DO TRABALHO, 13ª ed., rev.
e atual. Saraiva : São Paulo, 1997, pág.727), onde, se de
um lado ao Estado está proibida a intervenção na organização
sindical; de outro, são impostos grandes obstáculos ao seu
livre desenvolvimento, através das restrições constitucionais
ao norte referidas.
No entanto, é de se ressaltar a importância dessa restrita
liberdade que alcançaram os sindicatos brasileiros a partir da nova
ordem constitucional. Se é certo que ainda não atingimos
o patamar ideal, que seria o da total e irrestrita liberdade de organização
e, principalmente atuação das entidades sindicais, não
se justificando mais a existência de amarras normativas que prendam
o sindicalismo brasileiro ao nível em que hoje se encontra; pelo
menos, no que se relaciona ao regramento constitucional anterior, em que
ainda prevalecia o reconhecimento discricionário das entidades sindicais
pelo Ministro do Trabalho, demos um grande passo, conquistando essa pequena
margem de liberdade.
Essa "liberdade" de que ora tratamos se reparte em duas dimensões
: a liberdade no plano coletivo e no plano individual.
No plano coletivo, a liberdade se direciona às entidades sindicais,
que gozam de liberdade de associação, de organização,
de administração, no exercício das funções.
Os destaques a serem feitos neste ponto são a liberdade de associação,
que é o direito de criar associações econômicas
e profissionais; e a liberdade de organização, que é
o que MASCARO chama curiosamente de "autarquia externa/democracia interna,
ou seja, tem os sindicatos a prerrogativa de não sofrerem a interferência
na sua administração, que é ditada pelos rumos apontados
pela classe representada, através do seu órgão deliberativo
maior : a Assembléia Geral.
De qualquer modo, veremos que ainda resta um longo caminho a ser percorrido
até alcançarmos um sindicalismo livre e bem estruturado,
formado num movimento autônomo e espontâneo, por iniciativa
da própria classe trabalhadora, que, coletivamente fará escolhas
e mobilizará forças, dispondo livremente da sua organização.
A unicidade sindical é a obrigatoriedade de existir apenas um único
sindicato na mesma área de atuação. Aqui há
uma imposição do Estado no sentido de dar exclusividade a
uma única entidade de representar a classe profissional ou econômica
que for abrangida pelo seu espectro de abrangência, ao contrário
da unidade sindical, que é a existência de um único
sindicato, mas agora por determinação da vontade da própria
classe representada. Geralmente a unidade decorre da fusão dos vários
sindicatos existentes nos sistemas que adotam o pluralismo sindical. Essa
unidade não necessariamente se demonstra na existência de
um só sindicato, mas vislumbra-se até mesmo numa unidade
de procedimentos e ações, é o que diz JOSÉ
FRANCISCO SIQUEIRA NETO.
Na unicidade, porém, o enquadramento do trabalhador ou da empresa
em determinado sindicato decorre da vontade da lei, que dispõe no
sentido de fazer com que a classe inteira seja representada pelo único
sindicato existente naquela área de atuação delimitada
pela lei., a chamada base territorial.
Outra restrição estabelecida na Carta Federal é a
delimitação da base territorial mínima, segundo a
qual, as classes interessadas delimitarão a sua base territorial,
que não poderá ser inferior à área de um município,
extinguindo-se assim a possibilidade de existência dos chamados sindicatos
distritais e sindicatos de estabelecimento. Mais uma vez, verificam-se
vantagens e deméritos no sistema adotado. A base territorial mínima
reforça a unicidade acima estudada; por outro lado, fortalece a
categoria, ampliando as suas bases, mas também dificulta, e algumas
vezes, até impossibilita a solução de conflitos em
bases menores.
Não é uniforme a aplicação desse critério
territorial nas legislações do resto do mundo, havendo os
que adotam a total liberdade de coexistência de mais de um sindicato
na base que seus integrantes definirem.
Nesse ponto, cabe gizar outro avanço dado pelo legislador constitucional.
Na vigência da Carta anterior, observava-se a delimitação
da base territorial pelo próprio Ministro do Trabalho, nos termos
do art. 517 da CLT. Veja-se que a base territorial continua a ser restringida,
porém agora pela lei.
A última restrição a ser analisada é a sindicalização
por categoria. Como espécie de associação que é,
os sindicatos se formam pela conjugação de interesses comuns,
que no caso qualificam-se por serem profissionais (trabalhadores) ou econômicos
(empregadores). Ë o que a CLT denomina de vínculo social básico,
que impõe a organização homogênea, onde as classes
se organizam, levando em conta geralmente a atividade desenvolvida ou a
profissão exercida.
Ao contrário dos sistemas de sindicalização heterogênea,
em que os trabalhadores não são guiados por critérios
de uniformidade para sindicalizar-se, aqui as categorias, necessariamente
formadas, fazem com que as classes sejam reunidas sob o epíteto
do sindicato que as representa. As regras básicas da sindicalização
por categoria está figurada no art. 511 e seguintes da CLT.
Temos, assim a sindicalização vertical e horizontal. Na primeira,
observa-se o enquadramento por atividade desenvolvida pelo empregador,
que vai servir de base também para a determinação
da sindicalização dos empregados, não importando a
função por eles exercida dentro da empresa. Na horizontal,
por sua vez, o enquadramento se dá tendo em vista a profissão
exercida pelo trabalhador - não se aplica ao empregador - e pela
uniformidade no exercício dessa profissão, onde quer que
se encontra labutando. São as categorias profissionais diferenciadas,
como os vigilantes, os motoristas e os profissionais liberais.
Por fim, é de se notar que a sindicalização por categoria
é exercida em qualquer grau, referindo-se ao sistema confederativo,
organizado em estrutura piramidal de sindicatos, federações
e confederações, que têm a finalidade de coordenar
a atuação das entidades de grau imediatamente inferior, além
de substituí-las, quando da sua inexistência. Isso sem falar
nas centrais sindicais, reconhecidas paralelamente ao sistema confederativo,
reconhecidas que são como meras associações de cunho
civil, não gozando das prerrogativas dos dirigentes das primeiras,
sendo, porém, o eixo de atuação política destas.
Dúvidas não há de que a sindicalização
por categoria é um elo da corrente que ata as forças sindicais,
que são obrigadas a submeter-se à regras que nada mais fazem
senão conduzir o sindicalismo brasileiro para um sistema rígido
de controle estatal atenuado e disfarçado, que traça restrições
capazes de impedir a mobilização mais efetiva da classe trabalhadora,
colocando "rédeas curtas" no movimento sindical.
A esperada mudança nesse sistema deve partir da concepção
que se têm no Brasil da importância dos sindicatos, não
só como associações de classe, mas como unidades de
mobilização de força política. A mentalidade
da própria classe há que se desenvolver de modo a permitir
uma politização dos integrantes da classe interessando, aumentando-se
a conscientização dos valores inerentes ao trabalho.
É certo que a pluralidade sindical, a princípio, causa alguns
transtornos para os agentes sociais, que se vêem desgarrados de uma
orientação legal. Porém, gradativamente, caminhar-se-á
no sentido de que prevaleçam aquelas entidades que se destacam pela
sua forte atuação ou poder econômico, havendo uma natural
aglutinação de classes, mesmo que distintas, aumentando-se
o poder de barganha e negociação. A tendência é
a unidade decorrente da pluralidade.
retirado de: http://www.apriori.com.br/artigos/arti_107.htm