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NEOLIBERALISMO NO DIREITO DO TRABALHO

PROF. EVERALDO GASPAR LOPES DE ANDRADE




1. O PENSAMENTO ECONÔMICO LIBERAL

O pensamento econômico liberal consolida-se a partir do século XVIII, em pleno processo da Revolução Industrial. O líder teórico dessa corrente foi Adam Smith, através de sua conhecida obra "A Riqueza das Nações, investigação Sobre a Natureza e suas causas". Também encontra-se fundamentado, como doutrina definitiva, nos estudos de John Stuart Mill, David Ricardo, Thomas Malthus, J. B. Say e F. Bastiat.

Segundo Paulo Sandroni, esta doutrina serviu de substrato ideológico às revoluções antiabsolutistas que ocorreram na Europa (Inglaterra e França), basicamente ao longo dos séculos XVII e XVIII e à luta pela independência do Estados Unidos. Correspondeu aos anseios da burguesia, que consolidava sua força econômica ante uma aristocracia em decadência e o absolutismo monárquico.

O liberalismo defendia: "1) a mais ampla liberdade individual; 2) a democracia representativa com separação entre os três poderes; 3) o direito inalienável à propriedade privada; 4) a livre iniciativa e a concorrência como princípios básicos capazes de harmonizar os interesses individuais e coletivos e gerar o progresso social. Segundo o princípio do laissez-faire, não há lugar para a ação do Estado, que deve apenas garantir a livre concorrência entre as empresas e o direito à propriedade privada, quando esta for ameaçada por convulsões sociais".

Para estes pensamentos "a economia, da mesma maneira que a natureza física, é regida por leis universais e imutáveis, cabendo ao indivíduo a tarefa, apenas, de descobri-las, a fim de melhor atuar segundo os mecanismos dessa ordem natural. Só assim poderia o homo economicus, livre do Estado e da pressão de grupos sociais, realizar sua tendência natural de alcançar o máximo de lucro com o mínimo de esforço".

Admite Winston Fritsch que a influência original e mais marcante sobre Smith foi a de seu mestre Hutcheson, herdeiro em linha direta de sucessão dos filósofos protestantes, como Grotius e Pufendorf, da Filosofia do Direito Natural. O jusnaturalismo, segundo Fritsch, seria definido com uma teologia racionalista que afirma existir uma ordem natural e harmônica do universo, de origem divina, mas revelada pela razão, da qual se podem derivar princípios morais e de direito, a partir da noção de que a ordem natural inclui normas éticas às quais a conduta individual e a legislação devem obedecer para o cumprimento da vontade divina.

Muito embora admita Norberto Bobbio haver sido Hobbes, e não Grocio, o "primeiro pensador que buscou construir um sistema político dedutivo, com seu postulado ético originário - (a lei natural fundamental) e as prescrições secundárias (as leis naturais derivadas)", segundo Bobbio, epistemologicamente positivista: a lei natural fundamental correspondendo à norma fundamental Kelseniana -, a natureza, a origem e a organização da sociedade e do Estado, em Hobbes, centrava-se no absolutismo político. Assim, defendia que o poder absoluto do governante resultaria de contratos pactuados entre os homens a fim de transformar o estado da natureza. Mas isso exigiria a transferência de todo o poder a um governo absoluto. Tais postulados foram contrariados pela proposta LIBERAL de LOCKE. Ou seja, a idéia absolutista contrastava-se com a do liberalismo, na medida em que esta propunha justamente a separação e a autonomia entre os poderes, com prevalência da "mentalidade civil e o espírito de tolerância".

Comprovando as influências do jusnaturalismo, nas origens do "espírito" capitalista, assinala Max Weber, que elas estão vinculadas à "ética protestante". Por isso, "alguns dos primeiros centros de desenvolvimento capitalista, na primeira parte do século XVI, eram de religião protestante... Por exemplo, a explicação marxista, derivada, em grande parte, dos escritos de Engels, afirmava que o protestantismo era o reflexo ideológico das mudanças econômicas concomitantes com os primórdios do desenvolvimento do capitalismo". E aqui estamos nos referindo à influência do protestantismo calvinista-ascético, além do metodismo, o pietismo e as seitas batistas. Neste caso, a cumulação de riqueza só é condenada na medida em que pode tentar o homem a levar uma vida ociosa; porém, quando a riqueza é adquirida através do cumprimento ascético do dever, designado pela vocação, não só é tolerada, como ainda se reveste de tal valor moral que "desejar ser pobre é o mesmo que desejar ser doente, argumentavam os calvinistas; é condenável tanto do ponto de vista da glorificação das obras, como de Deus".

Todavia, por influência direta do seu amigo Hume e inspirado na ciência experimentalista inglesa e na obra de Montesquieu, Smith afasta-se do método racionalista do jusnaturalismo tradicional e adota uma metodologia marcadamente empírica - do abstrato dedutivo, para indução de investigações empíricas. Neste caso, inverte os papéis: ao invés do componente altruísta do jusnaturalismo, propõe, em seu lugar, a justificativa moral da defesa do interesse próprio nessa esfera das relações humanas, com base na idéia segundo a qual "da busca do interesse individual resultam benefícios sociais".

A "Riqueza das Nações" foi publicada em 1776, quando a Inglaterra vivia em plena Revolução Industrial e iria servir de base teórica para expansão do capitalismo industrial.

Ao tentar descobrir os verdadeiros fatores que impulsionavam a riqueza das nações, Adam Smith desprezou a variável "circulação"- de cunho eminentemente mercantilista -, ou determinado setor de produção - de cunho fisiocrático -, dando ênfase à produção, em seu aspecto social. Encarando o trabalho dentro de uma perspectiva de liberdade individual, entendia que as sociedades civilizadas, para manter sua eficácia, tenderiam a privilegiar as questões humanas e sociais do trabalho. Ou seja, uma maior divisão social do trabalho, por parte da indústria, traria, como conseqüência, um aumento de produtividade, do qual todos se beneficiariam.

Radicalmente contrário à intervenção do Estado - quer nos negócios particulares, quer a nível de comércio mundial - exaltava o INDIVIDUALISMO. Dizia que esses interesses individuais, livremente desenvolvidos, tenderiam a se harmonizar, através de uma "MÃO INVISÍVEL" do mercado, acarretando benefícios para toda coletividade.

2. AS IDÉIAS E CRÍTICAS DE KARL MARX À SOCIEDADE CAPITALISTA

Em oposição à tese do "processo de causalidade circular cumulativa - crescimento da produtividade do trabalho, a pressa da demanda por mão-de-obra sobre o mercado de trabalho, causada pelo processo de acumulação de capital, provocadora de um crescimento concomitante dos salários e das condições de vida da população em geral -", surgem as idéias de Karl Marx.

Karl Marx, ao abordar a "Origem do Capital - A Acumulação Primitiva"-, assegurava que o "dinheiro converte-se em capital, o capital em fonte de mais-valia e a mais-valia transforma-se em capital adicional - deduzindo-se o custo das matérias primas, das máquinas e do salário, o restante do valor da mercadoria constitui a mais-valia, na qual estão contidos todos os lucros".

A acumulação capitalista, segundo Marx, "supõe a existência da mais-valia, e esta, a da produção capitalista que, por sua vez, não se pode realizar enquanto não se encontram acumuladas, nas mãos dos produtores-vendedores, massas consideráveis de capitais e de forças operárias. Todo este movimento parece estar encerrado em um círculo vicioso do qual não se pode sair sem admitir uma acumulação primitiva - como admitia Smith - anterior à acumulação capitalista e servindo de ponto de partida à produção capitalista, em lugar de ser por ela originada".

"A relação oficial entre capitalista e o assalariado é de caráter puramente mercantil... Daí a pobreza dos componentes da grande massa que, a despeito de um trabalho ininterrupto, devem sempre pagar com o sacrifício pessoal, e, por outro lado, a riqueza de um pequeno número que, sem mover um dedo, recolhe todos os frutos e benefícios do trabalho alheio".

A esta altura poderemos identificar os conceitos clássicos de capitalismo e de socialismo. Utilizando os conceitos propostos por Carl Landauer, diríamos: "O capitalismo, no sentido clássico, é um sistema de propriedade privada dos bens de produção e consumo, liberdade de contrato e competição perfeita, com a intervenção governamental nos assuntos econômicos limitada essencialmente à proteção da propriedade, execução dos contratos e prevenção da fraude. O socialismo clássico é um sistema de completa coletivização dos instrumentos de produção; não há lucros particulares, mas as rendas podem diferir de acordo com a habilidade pessoal em bens que servem diretamente ao consumo".

Marx afirmava que, "na sociedade socialista, as relações sociais deixam de ser regidas por objetos criados pela ação humana. No seu aspecto mais fundamental, o comunismo é a apropriação do real da natureza humana através do homem e para o homem... o retorno do homem a si próprio como um ser social, isto é, verdadeiramente humano, retorno completo e consciente que assimilará toda a riqueza da evolução anterior".

3. A REAÇÃO DO CATOLICISMO ATRAVÉS DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA

Na tradição cristã, o trabalho aparecia como um castigo que o homem deveria carregar, em face do pecado cometido por Adão e Eva. Em seguida, passou a ter um status de completude. Quer dizer: Deus havia criado o mundo de forma inacabada, a fim de que o homem, pela sua inteligência, pudesse completar a obra de Deus.

A Doutrina Social da Igreja foi, sem dúvida, outra reação importante ao liberalismo, na medida em que se posicionava abertamente denunciando a violência, o sofrimento dos trabalhadores e as injustiças sociais provocadas pelo novo sistema de relações de trabalho provenientes da Revolução Industrial.

A famosa Encíclica Rerum Novarum - cognominada a CARTA DO TRABALHO - de Leão XIII, publicada no ocaso do século passado, refletia justamente a posição da igreja diante dessa nova sociedade. Por isso, não somente denunciava as injustiças praticadas, senão também pregava a interferência do Estado no disciplinamento das relações sociais, em geral, e nas relações de trabalho, em particular.

4. A CRISE DO LIBERALISMO E O ADVENTO DO ESTADO DO BEM-ESTAR

As chamadas "crises cíclicas" do capitalismo começam a se exacerbar, com o desenvolvimento da economia capitalista e a formação dos monopólios. A nova realidade econômica estava centrada na concentração de renda e da propriedade e a Primeira Guerra Mundial reintroduziu o Estado no cenário orientador das economias nacionais. A famosa depressão de 1929 e a Segunda Guerra Mundial mudaram por completo a conjuntura internacional e passaram a exigir, cada vez mais, a presença do Estado na economia.

Em meio a essa perplexidade, própria das primeiras décadas deste século, aparece uma "personalidade arrogante, homem de negócios, burocrata do setor público inglês, polemista incansável de jornais, produtor teatral, colecionador de livros raros, alguém educado segundo a rígida moral vitoriana e, no entanto, expoente de um círculo de intelectuais londrinos, homossexual casado com uma bailarina russa. Este homem chamava-se Maynard Keynes, morto há cinqüenta anos, no dia 21 de abril de 1946. Considerado o "último profeta do capitalismo" e, segundo Fernando de Barros e Silva, "o maior gênio econômico do século".

Contrariando radicalmente um princípio básico da economia liberal - a harmonia entre o interesse egoístico dos agentes econômicos e o bem-estar global - Keynes refutava "toda ortodoxia da época, presa ainda à idéia clássica de auto-regulação da economia por meio do mercado", na proposição de que o capitalismo é um sistema econômico essencialmente instável e tende constantemente para o desequilíbrio".

Eis, portanto, como assinala Adroaldo Moura da Silva, "os pilares teóricos que informam a política econômica a partir dos fins da década de 30, a qual foi decisiva para a saída da Depressão e muito ajudou o crescimento sem precedentes do capitalismo industrial do pós-guerra".

Segundo o mesmo autor, "a atividade econômica do Estado na geração de demanda efetiva é definitivamente incorporada à prática econômica do sistema capitalista para revigorá-lo. Na maior nação capitalista do mundo, os Estados Unidos da América do Norte, as compras, bens e serviços do Governo Federal passam de 2,5%, em 1929, para 10% do Produto Nacional Bruto, em 1939". Ademais, "do ponto de vista da política econômica, a teoria keynesiana privilegia as flutuações do nível de emprego e o controle da demanda; a teoria clássica privilegia a estabilidade de preços e o controle monetário". A nível de mercado de trabalho, "em Keynes, a ampliação da demanda efetiva objetiva ampliar o nível de emprego da força de trabalho até o ponto do pleno emprego; para ortodoxia, esta questão é irrelevante. Na medida em que, argumentam, o emprego global é o resultado espontâneo dos interesses dos agentes econômicos individuais operando em mercados livres, qualquer nível de desemprego duradouro só poderá ser voluntário. Se involuntário, só poderá ser temporário - produto de mudanças tecnológicas ou causadas pela impertinência dos sindicatos ou governos que impõem salários irrealistas, em desrespeito às forças automáticas e não discricionárias dos mercados livres".

Os acordos políticos alcançados depois da II Guerra Mundial, na Europa - entre social democratas, democratas cristãos, socialistas cristãos e liberais - permitiram o nascimento e a extensão do Estado do Bem Estar.

Através de medidas intervencionistas, atuaram primeiro, na eliminação das patologias sociais e foram configurando progressivamente uma sociedade onde se garantia a prestação, aos cidadãos, de uma série de serviços sociais. Daí haver se configurado uma ordem política fundamentada no equilíbrio e na harmonia sociais, onde a seguridade adquiriu grande importância. Todavia, a mais destacada dessas políticas foi, sem dúvida, aquela que se ocupou do mercado de trabalho na promoção do pleno emprego.

5. A CRISE DA DÉCADA DE SETENTA E O RETORNO DAS IDÉIAS LIBERAIS

A partir da década de 70, outra crise se instala, no cenário mundial.

Esta crise econômica, aliada à nostalgia da grandeza e do poderio que se instalou nos Estados Unidos, com uma série de reveses internacionais sofridos por aquele país - desastre do Vietnan e do Camboja, a caída de Somoza na Nicarágua e a chegada ao poder dos sandinistas, etc - havia deixado um profundo mal-estar na sociedade americana e uma desconfiança acerca do decantado "sonho norte-americano".

Em meio a esta nostalgia, aparece Ronald Reagan, exaltando o espírito empreendedor do seu povo, com um discurso agressivo, individualista e um vocabulário de John Wayne. O seu lema ufanista levou-o a criar expressões conhecidas, como: "Enriqueçam-se! Que os ricos se façam mais ricos! Que os pobres se ponham a trabalhar, em lugar de esperar do Estado todas essas ajudas e esses programas sociais! Quanto às necessidades elementares dos mais desprotegidos e dos marginais, a caridade se ocupará deles. Esse não é assunto do Estado." Do outro lado, no velho continente, Margareth Thatcher afina-se com o coro neoliberal, criando também frases do tipo: "Não existe isto que se chama sociedade. O único que existe são os homens e as mulheres!".

Dentro dessa perspectiva, como assinala Michel Albert, todo aquele pensamento econômico anterior havia se tornado obsoleto. "Em lugar, e contra ele, emergem novas correntes - radicais - dentre as quais, o reaganismo será a mais importante. Os teóricos da oferta e os economistas, com a direção de Milton Friedman - mestre que vem deixando, a partir da década de 60, muitos seguidores, oriundos da chamada "escola monetarista", na famosa Universidade de Chicago e, especialmente, no seu Departamento de Economia -, propõe uma política que adote o contrário dos princípios keynesianos mais elementares. Seus conceitos fundamentais são: redução fiscal, controle estrito da moeda, desregulação e privatização. Nos Estados Unidos o homem feito a si mesmo volta a ter importância, o Estado perde..." Em suma: "a administração Reagan, para completar a era, havia empreendido a tarefa de reduzir, sem travas emocionais, os gastos sociais e aumentar notavelmente o orçamento militar..." Fez a defesa da redução dos investimentos sociais, "política que ilustra a confiança recuperada no indivíduo e nas leis do mercado".

A apoteose do individualismo lúdico, do triunfo daquilo que Gilles Lipovetsky chamou de a "era do vazio", onde só existe a busca do ego e do próprio interesse, o êxtase da liberação pessoal... a hiper invasão do privado e, em conseqüência, a desmobilização do espaço público".

6. AS CONTRADIÇÕES DO NEOLIBERALISMO

Tendo como paradigmas o modelo jurídico "romano-germânico" e o "Estado do Bem-Estar", construímos uma sociedade pautada no sentimento de solidariedade. Isto significa dizer que o "modelo voluntarista", centrado no individualismo, não se compatibiliza com a história da formação do povo brasileiro.

A esse respeito merecem críticas, por exemplo, as propostas formuladas por Jeremy Kifkin, num livro que se tornou best-seller no Brasil. O autor, de forma pretensiosa e partindo justamente do "voluntarismo norte-americano", chega a propor um novo "Contrato Social"- como se fosse possível importar o itinerário da formação cultural de um povo, ou substituir as teses de Rousseau através de formulações que, pela superficialidade e ausência de conteúdo, não podem, sequer, incluir-se, epistemologicamente, na categoria de trabalho científico.

As nações européias põem também em marcha um conjunto de reformas moderadas e gradualistas que, executadas ao largo de um espaço de tempo prudencial, servem para adaptar os mecanismos de proteção social às novas condições. Mas não têm reduzido a quantia do gasto social, em termos absolutos - se bem que está afetando um número importante de beneficiários devido ao nível de desemprego. Neste caso, a proteção se faz mais seletiva. O resultado revela uma maior segurança para aqueles que merecem ser protegidos e uma maior racionalização na hora de privar alguns grupos da proteção que vinham recebendo.

Para se ter uma idéia dos enfrentamentos ideológicos entre os dois modelos de capitalismos, vejamos as posturas apresentadas por teóricos dos dois continentes:

"Apesar dos exemplos bem-sucedidos em empresas como a Hewlett-Packard, a Digital Equipment e outras que adotaram a semana de trabalho reduzida em suas instalações européias, sem comprometer a produtividade ou os lucros, a maioria dos presidentes das companhias americanas continuam obstinadamente contrários à idéia. Uma pesquisa entre 300 líderes empresariais, realizada há alguns anos, solicitando seu apoio para a semana de trabalho reduzida, não recebeu uma única resposta positiva. O presidente de uma das empresas do Fortune 500 respondeu: "minha visão do mundo, de nosso país e das necessidades do nosso país é radicalmente oposta à sua. NÃO consigo imaginar uma semana de trabalho reduzida. Posso imaginá-la maior... se a América quiser ser competitiva na primeira metade do próximo século".

"A esta altura da análise, há de deter-se e refletir um pouco mais sobre o principal paradoxo das duas variantes do capitalismo: o norte-americano e o renano. O segundo é globalmente mais eficiente que o outro, tanto no plano social como em matéria estritamente econômica. Agora, é o primeiro, como temos visto, o que ganha terreno desde princípios dos anos oitenta, psicológica e politicamente... os salários são equivalentes nos países renanos, um verdadeiro direito a uma moradia decente que não tem equivalente nos Estados Unidos. Sem embargo, seguramente uma imensa maioria se pronunciaria a favor dos Estados Unidos...".

7. AS CONSEQÜÊNCIAS DO MODELO NEOLIBERAL

Quando se verificava os sinais da retomada liberal, Raul Prebisch, Diretor Principal Encarregado da Secretaria Executiva da Comissão Econômica para a América Latina, publicava, em março de 1961, um trabalho importante, sob o título, "O FALSO DILEMA ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E A ESTABILIDADE MONETÁRIA".

Na oportunidade, antevendo as conseqüências das propostas desenvolvimentistas para a América Latina, havia ele feito a seguinte pergunta: "Dado que a inflação, não obstante as sérias perturbações que acarreta, tem certos efeitos positivos, caberia perguntar se a simples aplicação de uma política de estabilidade monetária para contê-la não significaria a perda desses efeitos positivos, levando a economia à retração, à estagnação ou à diminuição de seu ritmo de desenvolvimento. Será esse preço que iniludivelmente se deve pagar para conter a inflação e lograr a estabilidade monetária? Não exagerar a importância dessas perguntas e a urgência de debater esse problema que tantas controvérsias vêm suscitando na América Latina". Apontava, o ilustre professor da CEPAL, já naquela época, solução diferente, daquela "tão freqüentemente recomendada pela ortodoxia", por intermédio das quais se incluía "contínuas transformações no sistema de produção, na estrutura econômica e social e nos padrões de distribuição de rendas".

Por outro lado, os estudos que temos empreendido acerca do tema levam-nos a identificar, nas sociedades capitalistas avançadas que adotaram modelo neoliberal, as seguintes conseqüências: poder supra-estatal das empresas multinacionais e a prevalência do capital financeiro sobre os demais; escandaloso aumento da lucratividade e da concentração de riquezas; manuntenção dos níveis de emprego - não obstante acumulação acima mencionada - através da precarização do mercado de trabalho; existência do dumping social, mediante investimentos promovidos pelas empresas multinacionais, em países de terceiro mundo, em detrimento dos mercados internos dos países desenvolvidos.

8. A SUPREMACIA DO MODELO NORTE-AMERICANO

Michel Albert procurou demonstrar ainda que não obstante o capitalismo "renano" seja globalmente mais eficiente - tanto do ponto de vista social quando em matéria estritamente econômica - que o capitalismo norte-americano, este ganha terreno, desde os anos oitenta - psicológica e politicamente, sobretudo na América Latina.

"A título de exemplo, afirma que menos eficiente triunfa, pouco a pouco, sobre seu rival que, sem embargo é mais eficaz. Estranho contraste para uma época que põe num pedestal o culto à economia: o modelo neo-americano confirme paralelamente seu avanço psicológico e seu retrocesso econômico: é um pouco como se, no mercado de automóvel, todos os favores do público se voltem para uma marca cujas carrocerias impressionantes escondessem motores asmáticos..." "...Um fato que, aos olhos da opinião mundial, o capitalismo renano - virtuoso, igualitário, prudente e discreto - carece atrativos. E isto inclusive é um eufemismo. Digamos melhor que, como durante largo tempo a unidade européia, antes do projeto mobilizador do GRANDE MERCADO de 1992, é uma verdadeira nulidade periodística. Tudo para triunfar, mas nada para seduzir! Ao contrário, o seu competidor norte-americano literalmente arrasa o cenário e se oferece aos favores do público, novelesco e precedido de mil legendas..." "o capitalismo estadunidense é, no sentido literal do termo, "hollywoodense". Participa do negócio do espetáculo e da novela de aventuras. Toda a terminologia utilizada e enriquecida durante a era Reagan leva sua marca".

Vejamos o que diz a respeito John Naisbitt, um analista de tendências do mundo, que profere palestras para milhares de líderes empresariais e formadores de opinião nas Américas, Europa e Ásia:

"Não procure na Europa o crescimento econômico no futuro próximo... A Alemanha está rapidamente se tornando o velhote da Europa... Agora, Jacques Delors, o presidente da Comunidade Européia, propôs uma legislação que obrigue as grandes empresas a consultar os trabalhadores em decisões estratégicas importantes, prejudicando ainda mais a sua competitividade.

A Europa está doente e perturbada por suas economias estagnadas, pela migração em massa e aumento de tensão étnica, pela corrupção e por grandes escândalos na Itália, na França, na Espanha e na Bélgica".

O professor Roberto Campos, em dois dos seus artigos dominicais, escreveu:

"Os europeus criticam o modelo norte-americano (conquanto secretamente busquem imitá-lo), alegando que ele tende a rebaixar o nível salarial médio e é mesquinho nos benefícios assistenciais. Os americanos redarguem que criam muito mais empregos (para nativos e imigrantes) que os europeus. E que é melhor dar empregos medíocres a muitos, que empregos generosos a poucos. Acredito que eles têm razão".

"O sofrimento periódico dos desvalidos nas filas é uma das poderosas razões em favor da privatização da previdência social, num modelo competitivo, que permita ao assegurado optar entre vários prestadores de serviço".

9. ALTERNATIVAS PARA OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

De todo o exposto, poderemos concluir afirmando, em primeiro lugar, não ser conveniente adotar-se, rigidamente, nenhum dos dois modelos capitalistas - europeu ou anglo-saxônico. O primeiro, apresenta certo envelhecimento, pela rigidez de suas normas e a presença marcante do Estado Protetor; o segundo, em linha oposta, desregula as relações de trabalho, inclusive no que diz respeito à previdência social, deixando os destinos do operariado à "mão invisível do mercado".

O envelhecimento do chamado Estado de Bem-Estar foi muito bem acentuado pela eminente filósofa espanhola Adela Cortina. O chamado Estado de Bem-Estar, diz a catedrática de Filosofia Jurídica, Moral e Política da Universidade de Barcelona, "confundiu a proteção de direitos básicos com a satisfação de desejos infinitos, medidos em termos de maior bem estar de maior número. Porém, confundir a justiça, que é um ideal da razão, com o bem-estar, que o é da imaginação, é um elo pelo que podemos acabar pagando um alto preço: esquecer que o bem-estar há de custeá-lo cada um às suas expensas, enquanto que a satisfação dos direitos básicos é uma responsabilidade social de justiça, que não pode ficar exclusivamente nas mãos privadas, razão pela qual torna-se indispensável um novo Estado social de direito - um Estado de justiça, não de bem-estar - alérgico ao megaestado, alérgico ao eleitorismo e consciente de que deve estabelecer novas relações com a sociedade civil".

Para seguir este terceiro caminho apontado por Adela Cortina, entendemos que a modernização do mercado de trabalho começa, essencialmente, pela DEMOCRATIZAÇÃO DOS MEIOS DE PRODUÇÃO e não pela CLANDESTINAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO.

Mas, partindo do princípio segundo o qual o desenvolvimento é inexorável, levando-nos a reconhecer a existência de uma crise do próprio trabalho - na expressão tradicional do termo, especialmente de trabalho subordinado, praticado no interior das organizações ou sob dependência destas - os juristas hão de se interessar pela formulação de um NOVO CONCEITO DE NORMA TRABALHISTA. Vejo, por exemplo, a aproximação de dois institutos - o Direito do Trabalho e o Direito Previdenciário - rumo a uma nova concepção de Direito Social.

Enquanto esses estudos avançados não se consolidam, impõe-se a construção de um modelo de sociedade do trabalho baseada nos seguintes postulados:

a) Produção de um pensamento teórico pautado numa ÉTICA DAS RELAÇÕES DE TRABALHO, envolvendo as seguintes dimensões: ética econômica ou dos negócios; ética das relações individuais e ética das relações coletivas de trabalho.

b) Este novo modelo deverá pautar-se no conhecimento crítico do itinerário dessas relações, em cada país, objetivando desvendar os níveis de conflitividade entre capital e trabalho - mediante a revelação das diversas formas de dominação construídas ao longo do tempo e o seu papel na realidade social vigente. Neste sentido, poder-se-ia tomar como modelo as variáveis contidas no projeto da CEPAL, no que concerne à identidade cultural e a dialética da negação do outro, rumo a um desenvolvimento produtivo com eqüidade, bem como as sugestões contidas no trabalho dedicado à Identidade Cultural.

c) Como tal projeto parte de uma perspectiva de CONSENSO - que não neutraliza a conflitividade inerente dessas mesmas relações -, o entendimento deverá ter como base uma visão tripartite - através de um pacto social ou outra forma de entendimento, ou nomenclatura.

d) Construção de um novo CONCEITO DE NORMA TRABALHISTA. A sociedade do trabalho de hoje não é a mesma de quando surgiu o Direito do Trabalho. A inserção de tecnologia e dos meios de comunicação impõem uma verdade: não haverá emprego - repita-se, no sentido tradicional do termo - para todos. Dado o estritamento temporal -a velocidade das transformações tecnológicas - conduz-nos a uma realidade histórica - para o bem ou para o mal - impossível de ser interditada, que transformará a relação empregatícia da condição de regra para exceção.

e) Para a consecução dessas metas, ou, para dar início, no nível concreto, a uma nova concepção de sociedade de trabalho, torna-se imprescindível a adoção das seguintes metas: a proposta de um novo modelo de desenvolvimento impondo uma política industrial que atenda às diversas perspectivas regionais e, concomitantemente, uma política de emprego, não limitada à desregulamentação do mercado de trabalho; participação dos trabalhadores na gestão e nos lucros ou resultados empresariais; liberdade sindical; adoção de medidas legislativas contra a despedida arbitrária ou sem justa causa; proibição de trabalho em jornada excedente, salvo nas hipóteses excepcionais; redução da jornada de trabalho; revogação de normas arcaicas que impeçam o livre jogo das negociações coletivas; criação dos comitês de empresas, com a participação dos sindicatos.
 

retirado de: http://www.solar.com.br/~amantra/outros.html