® BuscaLegis.ccj.ufsc.br
 
 

O TRABALHO DO MENOR - ASPECTOS LEGAIS E SOCIAIS

Juarez Duarte Lima






O trabalho infantil é um fato que vem sendo constatado ao longo de muitos anos. Registra Segada Viana, que, talvez seja no Código de Hamurabi, que data de mais de 2.000 anos antes de Cristo, que encontraremos medidas de proteção aos menores, que trabalham como aprendizes.

É oportuno, de início, ressaltar, que, os fundamentos de proteção ao trabalho do menor são de ordem biológica, moral, social e econômica.

O menor, é um ser em pleno desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e sociocultural, de forma que, a necessidade de trabalhar não deve, prejudicar o seu regular crescimento, daí porque, exige-se que até um limite de idade, não se afaste o menor da escola e do lar, onde receberá às condições necessárias à sua formação e futura integração na sociedade ativa. O trabalho prematuro ou em condições impróprias, acarretam lesões irreparáveis e com reflexos deletérios.

Por ocasião da primeira Conferência Internacional do Trabalho, quando se fundava a OIT em 1919, os participantes tiveram a iniciativa de estabelecer na Convenção nº 5, o limite da idade mínima de 14 anos para o trabalho na indústria, e a Convenção nº 6, proibição do trabalho noturno na indústria para menores de 18 anos. Atualmente, a Convenção nº 138, da OIT recomenda que a idade mínima para o trabalho seja de 15 anos.

Preocupado com a exploração do trabalho do menor, o legislador pátrio, há tempo, vem adotando regras coibidoras dessa exploração e, não podemos esquecer, que, temos uma legislação de primeiro mundo, contudo, precisa sair do plano formal para o material.

Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 estabelece em seu art. 7º e incisos XXX e XXXIII e art. 227, normas de proteção ao trabalho do menor e, também, de igual forma, a legislação infraconstitucional, uma vez que, a CLT, em seus artigos 80, 402 a 439, tratam de forma específica sobre duração do trabalho, admissão em emprego, CTPS, deveres dos responsáveis legais de menores e dos empregadores, aprendizagem e disposições gerais, de proteção ao trabalho do menor. Há ainda, a Lei n. 8.069, de 13.7.90, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e reservou todo seu capítulo V, para tratar acerca Do Direito à Profissionalização e à Proteção no Trabalho(arts. 60 a 69).

Ora, o Constituinte de 1988, ao tratar dos Direitos Sociais no art. 6º, da atual Carta Constitucional, neles, incluiu, o trabalho e a proteção à infância e no item I, do parágrafo 3º do art. 227, fixou a idade limite de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII, que proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz.

Desse modo, os menores de 14 anos devem estar dedicados ao aprendizado primário, com o objetivo de integrarem-se gradualmente à sociedade ativa, com isso, não há de se concluir, que, a vedação ao trabalho não quer dizer ser ócio pernicioso, deve, preencher esse tempo com a educação, freqüência à escola, lazer e sobretudo, recebendo a proteção familiar com maior incidência.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13.7.90), que consagrou a Doutrina da Proteção Integral, defendida pela ONU, com base na Declaração Universal dos Direitos da Criança, dedica à questão do trabalho do menor todo seu capítulo V. O trabalho da criança de 0 a 12 anos fica terminantemente proibido. Entre 12 e 14 anos é permitido o trabalho apenas na condição de aprendiz, isto é, somente após os 14 anos é que o adolescente poderá estabelecer uma relação normal de trabalho. Além disso, dispõe sobre a proteção ao adolescente portador de deficiência física, a proibição aos maiores de 12 anos e menores de 18 anos de realizar trabalho noturno, perigoso, insalubre ou penoso, em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social, bem como aquele realizado em horários e lugares que não permitam a freqüência à escola. Trata, também, do trabalho educativo(art. 68), estatuindo que o adolescente tem direito à profissionalização e a proteção no trabalho, atentando-se para os seguintes aspectos: respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e a capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho(art. 69).

O referido Estatuto considera a aprendizagem "a formação técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação de educação em vigor" - art. 61, assegura para o adolescente até quatorze anos de idade uma "bolsa de aprendizagem" - art. 64, e para o maior de quatorze anos, "os direitos trabalhistas e previdenciários" - art. 65.

Nesse aspecto, equivocou-se nosso legislador, ao conceder a bolsa de aprendizagem e em contrapartida, retirar os benefícios trabalhistas e previdenciários ao menor de quatorze anos, conforme leciona o jurista Ricardo Carlos Ribeiro, em sua Obra "Resumo de Direito da Criança e do Adolescente":

"...Entende-se que o seu objetivo era descaracterizar o vínculo empregatício entre o empregador e o menor aprendiz. Como bem explica Francisco Antônio de Oliveira "o que determina a relação empregatícia são os fatos objetivos que envolve a ligação entre trabalhador e empresa e o nexo de causalidade que liga o trabalho prestado aos objetivos da empresa e, não, aquilo que subjetivamente querem as partes. O aprendiz é empregado tanto aos doze como aos quatorze anos de idade", e conclui, "e retirar os benefícios previdenciários e trabalhistas ao menor de 14 anos se traduz em uma iniciativa mal inspirada e com reflexos deletérios ao menor que está exposto inclusive ao acidente de trabalho."

A CLT, por sua vez, em seu art. 80, considera aprendiz o menor de doze a dezoito anos, sujeito a formação metódica do ofício em que exerça seu trabalho. Entende-se como formação metódica do ofício ou ocupação, o trabalhador menor matriculado em curso do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial(SENAI), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial(SENAC), Serviço Nacional de Aprendizagem Rural(SENAR) ou em cursos por eles reconhecidos nos termos da legislação que lhe for pertinente. Dispõe, também, sobre o salário do menor aprendiz, que percebe meio salário mínimo na primeira metade do curso e de dois terços do salário mínimo, na segunda metade

Destarte, aprendiz é menor de 18 anos e maior de 12 anos, que, sob a direção de outrem, trabalha, aprendendo metodicamente um ofício ou arte, nas condições e tempo previamente convencionados e nos termos da lei.

Na definição de G.H. Camerlynck "o contrato de aprendizagem é aquele mediante o qual um industrial, um comerciante ou um artífice se obriga a dar uma formação profissional metódica e completa ao aprendiz, que se obriga, em compensação, a trabalhar para o primeiro nas condições e durante o tempo convencionados."

É oportuno, registrar, que no bojo das normas constitucionais permissivas do trabalho do menor de 14 anos, apesar de na proteção especial assegurada a criança e ao adolescente, levar em conta, entre outros aspectos, o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, permite àquele menor sujeitar-se a uma jornada de trabalho de oito horas diárias e quarenta e quatro semanal, quando, devia ser proporcional à sua idade até atingir a maioridade trabalhista (dezoito anos).

Por outro lado, como já vimos, ao menor de 18 anos é vedado o trabalho noturnº Ocorre, porém, que tanto a CLT quanto o ECA consideram trabalho noturno o realizado entre as vinte e duas horas de um dia e as cinco horas do dia seguinte, horário esse incompatível para um adolescente de 14 anos, mormente, nos grandes centros urbanos onde a violência aflora com maior assiduidade, é uma imprudência, submetê-lo, nessa faixa etária, aos riscos que possam enfrentar em seu trajeto "casa-local de trabalho e vice-versa". Daí porque, torna-se imperioso, alterar a legislação infraconstitucional, quanto à definição daquele turno laboral.

O conceito de trabalho noturno, conforme doutrina o jurista de escol Eduardo Gabriel Saad "não mais atende às exigências da hora presente, máxime nas grandes cidades. Nestas, é uma temeridade permitir que um menino de 14 anos se desloque de sua residência ao local de trabalho, expondo-se, no trajeto, à violência que, num crescendo, vem causando geral apreensão. Pelo menos para o trabalho do menor, o trabalho noturno deveria iniciar às 19 horas e não às 22 horas, nas cidades mais populosas do País."

Não podemos olvidar, ainda, do desacerto em parte do legislador pátrio no tocante à vedação irrestrita do trabalho insalubre para o menor de dezoito anos, seja na condição de adolescente empregado, de aprendiz, em regime familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assistido em entidade governamental ou não-governamental (art. 7º, inciso XXXIII da C.F. e art. 67 do ECA).

Antes. o parágrafo 1º do art. 405 da CLT, autorizava o trabalho de menores aprendizes maiores de 16 anos, estagiários de cursos de aprendizagem, desde que o local de trabalho fosse previamente vistoriado pela autoridade competente do Ministério do Trabalho, afora a obrigatoriedade dos menores ser submetidos a exame médico semestralmente.

A vedação constitucional sem restrições trouxe, em conseqüência, a impossibilidade de um número incalculável de adolescentes trabalharem na condição de aprendizes em diversas empresas, que têm ambiente insalubre, a exemplo da indústria siderúrgica ou de vidros e, por conseguinte, diminuiu as oportunidades de se profissionalizarem para o ingresso no mercado de trabalho antes de alcançar a maioridade trabalhista, quando, a avançada tecnologia moderna dispõe de equipamentos de proteção individual(EPI) capazes de oferecer total proteção ao obreiro e de neutralizar os agentes nocivos à saúde.

Dentro, também, do elenco da legislação pertinente à aprendizes, há a Lei 6.494, de 7 de dezembro de 1977, que disciplina sobre estágios de estudantes. A legislação em foco, permite que as pessoas jurídicas de Direito Privado, os órgãos da Administração Publica, admitam estudantes como estagiários, que vêm freqüentando cursos de nível superior, profissionalizante de 2º grau, ou escolas de educação especial, cujo objetivo é proporcionar experiência prática na linha de formação dos estagiários. A realização desse estagio dar-se-á mediante termo de compromisso celebrado entre o estudante e a parte concedente, com interveniência obrigatória da instituição de ensino e não cria vínculo empregatício(arts. 1º, 2º, 3º e 4º).

Finalmente, a Lei nº 6.224, de 14 de julho de 1975, em seu art. 3º, veda o exercício da profissão de propagandista e vendedor de produtos farmacêuticos ao menor de 18(dezoito) anos.

Como se vê, há um manancial de normas de caráter protecionista em relação ao trabalho do menor, porém, a exploração indevida do trabalho da criança é uma realidade em nosso País, que precisa ser efetivamente erradicada.

O trabalho infanto-juvenil está aumentando nos grandes centros urbanos, inobstante os índices mais acentuados ainda sejam registrados na zona rural. Nas estatísticas oficiais, os meninos trabalham mais do que as meninas, mas, a atividade laboral das menores nem sempre é visível, como ocorre com o trabalho doméstico. As crianças começam as atividades profissionais, geralmente, aos cinco anos de idade.

Ao se fazer um mapeamento do trabalho infantil, infere-se que em todo o País, esse trabalho marca presença na atividade econômica, não estando excluídas regiões consideradas ricas, como o Rio grande do Sul e no interior de São Paulo, onde a mão-de-obra de crianças é utilizada em grandes proporções, quer na cultura do fumo, quer na cultura da laranja.

O Relatório Preliminar da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Câmara, composta de Deputados Federais e Senadores, criada mediante Requerimento nº 001, de 1996-CN, com a finalidade de apurar as denúncias contidas na reportagem da revista Veja, no dia 30 de agosto de 1995, sobre o trabalho de crianças e adolescentes no Brasil, destaca que no Brasil "são mais de 3,5 milhões de crianças trabalhando, na maioria dos casos em situação degradante e, às vezes, substituindo seus pais, desempregados ou inválidos para o trabalho ou, simplesmente, acompanhando-os na atividade econômica em regime de economia familiar" e indica as atividades onde há inserção do trabalho de criança e adolescentes de acordo com a região, baseado em dados fornecidos pelo Ministério do Trabalho, de outubro de 1996:

Região Norte - Cultura do milho, do algodão, de hortifrutigranjeiros, de cereais; serviços de sorveteria, de metalurgia, de engraxate, de oficina mecânica e de móveis, em carvoarias, em postos de gasolina, de venda e distribuição de jornais, de quebra de concreto, de carvoaria; extração de castanha-do-pará e vegetal(seringa).

Região Nordeste - Cultura da laranja, da cana-de-açúcar, do fumo e do sisal; serviços em salinas, em tecelagem; distribuição e venda de jornal.

Região Centro-Oeste - Cultura de melancia, do tomate, da goiaba, da cana-de-açúcar, do algodão, caí, erva-mate, do milho, de sementes de pastagem; serviços em serraria/madeireira, em oficina mecânica, em carvoaria, de panfletagem, em diversos programas de assistências(guarda-mirim) e em pedreiras.

Região Sudeste - Cultura do alho, do milho, do amendoim, da batata, da cana-de-açúcar, do café, da goiaba, do feijão; serviços em pedreira, oficinas mecânicas, em transporte de lenha, de beneficiamento de mármore/granito.

Região Sul - Cultura da laranja, da cana-de-açúcar, do fumo, da mandioca; serviços em cerâmica, de venda e distribuição de jornais, em cristaleira, em construção civil, em extração de ametista e de acácia e em supermercados.

As causas apontadas geradoras do trabalho infantil no Brasil, segundo a Comissão Parlamentar, são as seguintes: 1. excessiva pobreza da população e a complementação da renda familiar, esta representando, o principal fator responsável pelo encaminhamento das crianças e adolescentes ao trabalho; 2. de natureza cultural, pois, uma elevada parcela da população aceita com normalidade o uso da mão-de-obra infanto-juvenil; 3. substituição do trabalho adulto pela mão-de-obra infanto-juvenil, que é mais barata e informal; 4. má qualidade do ensino público.

No Brasil, sua estrutura social é marcada por acentuadas desigualdades que, ao longo do tempo, agravou-se, exigindo, uma efetiva justiça social, para tanto, é imprescindível que se tenha uma justa e eficaz distribuição de rendas, permitindo-se que o trabalhador participe dos lucros da empresa, seja remunerado condignamente pelo labor prestado e haja uma reforma agrária que permita fixar o homem à terra. Apesar de ser a décima economia mundial, tendo, inclusive, ocupado a oitava posição no ranking mundial, jamais proporcionou a grande parte de sua população o acesso a condições mínimas de bem-estar e de dignidade.

Há um colonialismo disfarçado, cujo bem estar é proporcionado pela miséria dos outros.

É preciso conferir sem acepção de pessoas, a verdadeira cidadania, que não se limita ao conceito de votar e ser votado. É necessário, que desde o seio materno se tenha meios nutricionais e elementares, dispensando-se à mãe gestante, todos os cuidados especiais e a partir do nascimento da criança até o término da adolescência, sejam satisfeitos, com absoluta prioridade, todos os direitos elencados no art. 227 "caput" da CF, ou seja, permitindo as condições materiais e morais indispensáveis à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

A sociedade, sem prejuízos de outras medidas, há de denunciar o descumprimento daqueles direitos aos Ministérios Públicos da União e do Estado(advogados da sociedade), conforme o caso, para acionarem a Justiça objetivando à tutela dos interesses difusos e coletivos da criança e do adolescente, ajustando-se, a magistratura brasileira, a essa realidade, pois, antes, habituada a dirimir conflitos intersubjetivos e hoje a resolver conflitos metaindividuais.

Na conceituação do Código de Defesa do Consumidor(Lei 8.078/90 - aplicável à lei da ação civil pública), "I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base."

Interesses transindividuais, porque ultrapassam a esfera de atuação dos indivíduos singularmente considerados e, de natureza indivisível, haja vista seu objeto não possibilitar divisão em quotas a serem atribuíveis a pessoas ou grupos; o sucesso ou insucesso na ação atinge a todos.

A diferença fundamental entre os interesses difusos e coletivos, é que os interesses difusos caracterizam-se pela indeterminação dos titulares e estão ligados entre si por circunstâncias fáticas, isto é, não há uma relação jurídica-base ou um vínculo jurídico que os une, por exemplo, quando se defende a saúde e a ordem pública; já os interesses coletivos referem-se a titularidade de um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica, como ocorrem nos casos dos membros de uma associação com finalidade de amparar crianças deficientes, há uma relação jurídica base e, quando se defende o uso de instrumentos de equipamento de proteção individual em favor dos empregados de uma indústria, cuja atividade é insalutífera, onde se configura um vínculo-jurídico(emprego) que une à parte adversa(o empregador).

A maior causa do trabalho infantil em nosso País, é a pobreza. Não existem crianças das classes média e alta submetidas a esse tipo de exploração. A criança pobre na maioria das vezes, deixa de estudar(descolarização) ou mesmo sequer chega a estudar(não-escolarização) para ir em busca de prover o seu sustento e de sua família. O pouco dinheiro que consegue, pesa muito no orçamento familiar.

Desse modo, para se erradicar essa exploração infantil, necessariamente, há de se ter uma política de melhor distribuição de renda e de geração de empregos.

Há de se combater, também, a exploração indevida do trabalho de atores e atrizes mirins em novelas, circos ou em outras atividades teatrais e de representação congêneres, que tenham idade inferior a quatorze anos, pois, a lei ficou para ser cumprida de forma igual. Diariamente assistimos nos canais de televisão, crianças de ambos sexos, na faixa etária de menos de 12 anos, participando de novelas e em programas de outros gêneros, e não há, da parte da Justiça da Infância e da Juventude, nenhuma providência contra essa situação, menos, ainda, do Ministério Público, que tem o dever legal de defender os interesses dos menores na esfera judicial.

É oportuno, ressaltar, que a televisão é um veículo formador de opinião e, se os pais vêem crianças trabalhando nesse segmento empresarial, sentem-se, também, no direito, de colocar seus filhos impúberes no trabalho.

No plano cultural, é comum se defender que "o trabalho é bom e enobrece", que é "melhor a criança trabalhar do que não fazer nada". Como se vê, o trabalho infantil deixa de ser um problema para se transformar numa solução aceita tanto pela população de baixa renda como pela elite.

É uma cultura típica de Terceiro Mundo, resultante de um nível de subdesenvolvimento crítico, conforme esclarece o Diretor da Organização Internacional de Trabalho - OIT, no Brasil, João Carlos Alexim, que, em seu relatório encaminhado a Unicef, defende que "temos que acabar com a criança estudante/trabalhadora, porque o seu rendimento escolar reduz significativamente, o que vai afetar toda a sua vida."

A substituição do trabalho adulto pela mão-de-obra infanto-juvenil, que é mais barata e informal, sem dúvida alguma, dá azo ao surgimento do trabalho infantil. As crianças e adolescentes, são presas mais fáceis nas mãos dos exploradores e geralmente, não reclamam das condições de trabalho e são remuneradas em patamar inferior aos adultos.

A educação, apesar de ser um direito constitucionalmente de todos e dever do Estado e da família, que deve ser assegurada com absoluta prioridade à criança e adolescente(arts. 205 e 227 da CF), nem sempre tal direito é satisfeito, pois, a rede pública escolar é incapaz de atender a demanda e muitas crianças permanecem marginalizadas do processo educacional, acarretando seu ingresso na atividade laboral.

É preciso um maior engajamento da sociedade, para alterar esse quadro constrangedor.

Nas sábias lições de Tancredo Neves "A criança é a nossa mais rica matéria-prima. Abandoná-la à sua própria sorte ou desassisti-la em suas necessidades de proteção e amparo é crime de lesa-pátria."

O trabalho infantil deixa marcas profundas na formação moral e emocional das crianças, afora, prejudicar, e muito, o seu desenvolvimento físico, biológico e psíquico.

Conforme o Relatório Preliminar da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Câmara, acima reportado:

"1. todas as pesquisas sobre o assunto comprovam que o trabalho infantil traz más conseqüências psíquicas, físicas e biológicas para a criança, dependendo da atividade exercida. Alguns pais colocam as crianças no trabalho por acreditar que elas se tornarão mais dóceis e, assim, deixarão de exercer sua criatividade e independência;

2. prejuízo à educação: as crianças e os adolescentes que trabalham em jornadas excessivas não têm tempo e disposição física para irem à escola, apresentam baixo rendimento e alta taxa de repetência;

3. queda de nível de capacitação profissional e técnica da população. A escolaridade precária das crianças e adolescentes e, em muitos casos, inexistente, mostra-se insuficiente para que eles entrem no mercado de trabalho;

4. perpetuação da pobreza das crianças que são inseridas precocemente no mercado de trabalho: a baixa escolaridade faz com que a condição de indigência se torne perene, alimentando o círculo vicioso da pobreza. Os filhos, no futuro, estarão na mesma situação dos pais. Segundo a pesquisa Trabalho Infanto-Juvenil no Brasil dos anos 90, publicada nos Cadernos de Políticas Sociais do Unicef, 54,7% das crianças que trabalhavam em 1993 não eram remuneradas, sob qualquer aspecto. Os maiores índices foram encontrados na Paraíba e no Piauí, onde quase 80% da mão-de-obra infantil trabalha sem remuneração de qualquer espécie."

Diante desse quadro de mazela social, há de se indagar, que providências ou soluções devem ser dadas para ao menos amenizar essa situação?

Não temos a pretensão de esgotar o elenco de medidas que poderão ser adotadas no combate à exploração indevida do trabalho infanto-juvenil, contudo, sugerimos as seguintes:

1. planejamento e execução de políticas observando o princípio da redução das desigualdades regionais e sociais(art. 170, VII, da CF), para tanto, deverá o governo federal promover uma política de incentivo e de crescimento econômico privilegiando as regiões onde se concentram os bolsões de pobreza, a exemplo do Nordeste;

2. priorizar e promover medidas que possibilitem melhor ganho salarial aos trabalhadores adultos, bem assim, de geração de empregos, evitando-se, portanto, que a criança e o adolescente sejam forçados a trabalhar em substituição aos seus pais desempregados ou para complementar a renda familiar;

3. erradicação do trabalho infantil, através do acesso de todas as crianças à escola, adotando-se programa de Bolsa-Escola para famílias de baixa renda, que mantenham suas crianças em sala de aula, longe dos ambientes do trabalho;

4. conscientização da sociedade para acabar com essa forma desumana e injusta de utilização de mão-de-obra, através da "mídia", engajamento dos diversos segmentos religiosos, dos setores educacionais ou de outros recursos disponíveis;

5. criação dos Conselhos Tutelares em todos os Municípios, para que possam exercer o papel legal de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente(art. 131 do ECA);

6. fiscalização mais acentuada da DRT no combate ao trabalho indevido da criança e adolescente;

7. sem prejuízo da legitimidade conferida às demais pessoas elencadas no art. 210 do ECA, denunciar aos Ministérios Públicos da União e dos Estados, quanto às ações ou omissões do poder público e do setor privado, que venham afetar os interesses difusos e coletivos da criança e do adolescente, para fim de ingresso da competente ação civil pública(art. 129, III, da CF).
 
 
 

Bibliografia

1. Arnaldo Süssekind, Délio Maranhão e Segadas Vianna - Instituições de Direito do Trabalho - II volume, Ltr, São Paulo, pág. 878, 1992.

2. Relatório Preliminar da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, criada mediante Requerimento nº 001, de 1996-CN, tendo como Presidente a Senadora Marluce Pinto e Relatora a Deputada Célia Mendes.

3. Eduardo Gabriel Saad, CLT comentada, 3ª. edição, Ltr, São Paulo, pág. 262/274.

4. Antônio Gomes da Costa, O Estatuto da Criança e do Adolescente e o Trabalho Infantil, Ltr, São Paulo, 1994.

5. Reportagem publicada no Jornal "O NORTE" da Paraíba, com o título "Infância Perdida", p. 13, dia 19 de abril de 1998.

6. Ricardo Carlo Ribeiro, Resumos de Direito da Criança e do Adolescente, Visão Jurídica, 1997.
 
 

Retirado de: http;//www.elogica.com.br/amatra13/6juarez.htm