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Soberania, constitucionalismo e mundialização do Direito

 

 

Álvaro Osório do Valle Simeão*

 

 

RESUMO

O objetivo do presente trabalho consiste na análise dos conceitos clássicos de soberania e constituição como pontos a serem revistos em face do processo de mundialização do direito. A pesquisa ocorre em três momentos. No primeiro deles, fazemos um cotejo histórico-filosófico das idéias clássicas sobre soberania e constitucionalismo enfocando, sobretudo, as flexibilizações conceituais pelas quais possam estar passando, na atualidade, estes fenômenos. Num segundo momento faremos análise do processo de mundialização do direito, onde abordaremos as possíveis fontes deste processo, de modo a demarcar-lhe os limites, enunciando alguns dos seus atributos. Num terceiro momento pretendemos traçar pontos de contato entre os conceitos anteriormente estudados, procurando mostrar que alguns dos sentidos clássicos que davam tessitura à idéia de Estado soberano, constitucional e democrático precisam ser reformulados para que se possa dar um esteio legítimo e razoavelmente conduzir o processo de internacionalização das normas.

Palavras-chave: constitucionalismo, democracia, mundialização.

ABSTRACT

The objective of this work consists in analyze classic concepts about sovereignty and constitution like points to be revised in face of law mundialization. The research occurs in three moments. In the first of them, we make a historic and philosophic comparison among the classics ideas about sovereignty and constitucionalism approaching, especially, conceptual flexibilities trough which can be passing, in the moment, these phenomenon. In a second time we make a reflex about the law mundialization process, approaching the possible fonts of this process, to delimit its limits and enunciate some of its attributes. In a third moment we intend to delineate contact points among concepts mediated in the former case, bringing show that some of the classics senses that gave structure to sovereign, constitutional and democratic State idea need to be revisited to build a new genuine base for this appearance and to conduce for a reasonable process of law internationalization.

Keywords: constitucionalism, democracy, mundialization.


Os caminhos que levam a um direito comum

A atribuição progressiva de competências e de capacidades dos Estados às organizações supranacionais, com a conseqüente multiplicação dos temas tratados pelo direito internacional, assuntos que antes eram afetos, com exclusividade, à disciplina interna das nações, é fenômeno que induz à revisão conceitual do que seja soberania e Constituição. [01]

A soberania absoluta de Bodin, entendida como poder de autodeterminação que não admite outro que lhe seja superior ou mesmo concorrente dentro de um mesmo território, não existe mais.

Essa idéia sobre a soberania foi basal para a existência e afirmação histórica do Estado moderno que, durante o desenvolvimento de suas características, passou a trazer consigo a idéia de Estado dos nacionais, ou Estado-Nação. Somente um poder supremo e ilimitado poderia ser esteio existencial para o leviatã, pois o estudo do poder no Estado moderno mostrou que, quando não existe soberania, não há direito (no sentido jurídico do termo).

Pela capacidade normativa, cujo princípio ele extrai da razão humana, o poder político se mostra apto para refrear e controlar os ímpetos da força bruta; por essa aptidão, ele se caracteriza, sob a Constituição, como criador de direito, isto é, como potência reguladora. Ora, no Estado moderno o conceito de soberania conota essa vocação fundamental do Poder. A soberania constituiu-se, assim, em requisito para a independência e onicompetência do Estado constitucional moderno. [02] Exaltando-se a supremacia e rigidez da Carta reguladora de garantias individuais, expressão primeira da soberania normativa, anular-se-ia o risco de retorno ao absolutismo monárquico.

A soberania leva a marca característica do poder estatal que possibilita a autodeterminação do Estado perante outros estados (soberania nacional ou externa). Pela soberania popular, ou interna, a capacidade normativa é condicionada e traduz a idéia de outorga e coordenação entre Povo e autoridade, sendo a base de todo regime democrático. A coletividade, num dado território, ainda que através de um regime representativo, escolhe seu próprio destino.

A primeira notícia histórica deste pensamento está em Aristóteles, que teceu a designação "sumum imperium" para qualificar o poder dirigente, tendo sido o primeiro a declarar que "a majestade e forma da República" residem em sua "autoridade civil soberana" ou em seu "comando soberano". Não há, contudo, uma análise e uma definição desses conceitos nas obras aristotélicas [03].

Essa análise só foi feita no século XVI por Jean Bodin. Os seus estudos sobre o assunto serviram de base para o Tratado de Westfália, de 1648, que consagrou o modelo de soberania externa absoluta, iniciando uma ordem internacional protagonizada por nações com poder supremo dentro de fronteiras territoriais estabelecidas. Também foi Bodin quem primeiramente fixou as características da soberania na modernidade, declarando ser ela ilimitada.

Essa autodeterminação sem limites revela a idéia de soberania nascida nos adventos revolucionários que marcaram a passagem da idade média para a idade moderna, fixando as bases do constitucionalismo liberal: Revolução Gloriosa Inglesa, Revolução Francesa e lutas de independência nos Estados Unidos da América. Esse quadro projetou-se, sem muitos questionamentos, pelo menos até a primeira metade do século XX.

A Constituição, no contexto liberal, representa uma técnica para manutenção da liberdade individual contra o poder arbitrário do Estado. O pensamento era o de garantir, com um texto escrito distante da herança consuetudinária medieval, os direitos dos cidadãos. Para atingir esta finalidade, contudo, a Constituição deve ser necessariamente rígida e inflexível, no sentido de que suas normas representam o ápice hierárquico de positivação estatal, não podendo ser modificadas pelo poder legislativo ordinário e nem interpretadas de forma ampla.

No ideário liberal, para fazer eficaz a supremacia da Constituição é necessário estrutura-se um poder judicial para controle da justiça da lei, ou seja, sua conformidade com a carta política, pois de outra maneira não existiria nenhum remédio legal contra a possível violação da Constituição pela autoridade pública. Uma vez que a Constituição é o próprio contrato social, nenhuma ação que parta do Estado pode distanciar-se da sua maneira de ser prevista neste documento escrito, de forma que os tratados internacionais, dependentes de ratificação, não podem se sobrepor à lei maior interna, expressão da soberania.

O constitucionalismo da modernidade se liga, desta forma, ao utilitarismo presente na Doutrina de Rousseau, tendo por fim não apenas dar uma legitimação distinta ao poder, mas alterar o seu modo de exercício para garantir aos cidadãos liberdades políticas e civis concretas, permitindo-lhes o livre desenvolvimento de sua personalidade. Uma luta ferrenha para deter o absolutismo, fantasma do passado que não poderia ressurgir.

A perseguição da liberdade, contudo, não se mostrou suficiente para consecução da plena democracia almejada pelo iluminismo, que apesar de possuir vocação universal não impediu a crescente exploração do homem, pelo homem, até o final do século XIX. O laisseiz-faire não gerou uma acomodação natural do homem em posição confortável, de maneira que surgiram, no final dos oitocentos, idéias de intervenção programática do Estado, no corpo coletivo, para favorecimento de uma igualdade material, com uma redistribuição orientada dos benefícios advindos do contrato social. Destaca-se, por esta época, a produção intelectual de Karl Marx.

O liberalismo havia produzido um divórcio entre o Estado e a sociedade, mas a isso se sucedeu um novo e imprevisto quadro de absorção da sociedade pelo Estado. O auge da crise no constitucionalismo liberal vem documentado pela Constituição Mexicana de 1917 e pela Constituição Alemã de Weimar, de 1919, que abandonando o individualismo volve-se basicamente para a sociedade através de normas programáticas. [04]

O caráter programático das normas, principal característica do chamado constitucionalismo social, tentou fazer uma reaproximação dos poderes constituinte e constituído, mas gerou uma crise no conceito jurídico de Constituição, pois colocou em dúvida a própria efetividade e eficácia do seu texto.

Importa salientar que ainda hoje um dos principais desafios da ciência jurídica centra-se na busca de meios viáveis para a concretização dos direitos sociais presentes nas cartas ocidentais posteriores a Weimar. Não faltam críticos ao caráter vetorial das Constituições sociais. Para alguns esse tipo de Constituição não representa um verdadeiro exercício de poder, pois são formadas por duas categorias de preceitos completamente destituídos de força coercitiva: uma parcela, que é constituída de normas que jamais passam de programáticas e são praticamente inalcançáveis pela maioria dos Estados; e uma outra sorte de normas que não são implementadas por simples falta de motivação política dos administradores e governantes responsáveis. [05]

Para outros, o constitucionalismo terá dado um largo passo a frente caso se atribua eficácia vinculante à norma programática, não importando que a Constituição esteja ou não repleta de proposições desse teor, ou seja, de regras relativas a futuros comportamentos estatais, pois a incompatibilidade entre os fundamentos políticos e jurídicos da Constituição, apesar de ser um dogma que permeia dois séculos da história da humanidade, é algo duvidoso. [06]

De toda forma, a inclinação social dos Estados após a virada dos anos oitocentos pontifica a retomada das preocupações com os direitos do homem, tanto assim que os juristas da época passaram a se preocupar em identificar princípios comuns, relativamente ao direito humanitário e outros ramos da ciência jurídica, nas várias codificações nacionais, formando-se a primeira Sociedade de Legislação Comparada na Europa, em 1869. Os "comparadores" reunidos em Paris, em 1900, para o Primeiro Congresso Internacional de Direito Comparado, imaginaram um direito que fosse comum a todas as "nações civilizadas". [07]

A eclosão da primeira grande guerra e o surgimento de uma teoria social do Estado como freio aos abusos humanitários decorrentes do absenteísmo liberal marcaram a necessidade de flexibilização do direito nacional. No início do século XX surgiu um núcleo constitucional quase uniforme entre os países ocidentais que exigia uma postura pró-ativa do Estado na concretização dos direitos sociais (welfare state), ao contrário dos textos anteriores, que se limitavam a manter um campo de força em favor unicamente do indivíduo contra potenciais violações estatais.Nesse contexto surge a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, considerada o ponto de partida da expansão e prevalência das normas internacionais sobre o direito interno. [08]

Após o surgimento da OIT vimos florescer, no entre guerras, a Sociedade das Nações, criada com o propósito de tratar da resolução dos conflitos pelo diálogo, evitando a guerra. A Liga das Nações, como ficou conhecida, tomava por base a proposta de paz conhecida como Quatorze Pontos, feita pelo presidente americano Woodrow Wilson, em mensagem enviada ao Congresso dos Estados Unidos em janeiro de 1918. Wilson tinha por objetivo fixar as bases para uma paz duradoura com a reorganização das relações internacionais ao fim da primeira grande guerra. O pacto para a criação da Sociedade das Nações constituiu os trinta primeiros artigos do Tratado de Versalhes. O Senado Americano, contudo, não ratificou esse tratado, de maneira que os Estados Unidos não se tornaram membro da Sociedade das Nações, o que precipitou o seu enfraquecimento e contribuiu para a sua dissolução.

Após a segunda guerra mundial intensificou-se, por urgência humanitária, a atribuição de capacidade normativa pelos Estados aos organismos internacionais. O surgimento da Carta das Nações Unidas – ONU, em 1945, pontua o início de uma capacidade normativa que tem por esteio político não o poder soberano de um Estado, mas a conjugação de vontades nacionais voluntárias na tentativa de coordenar ações mínimas para garantir a paz e a segurança mundiais no início da chamada "guerra fria". Passa-se a obrigar, inclusive com sanções por descumprimento, as nações ratificadoras do pacto. [09]

Esse movimento de internacionalização da capacidade normativa propagou-se com a publicação de vários outros diplomas internacionais, entre os quais podemos citar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ambos de dezembro de 1966, e o Protocolo de Kyoto, em vigor desde fevereiro de 2005.

O conteúdo dessas normas internacionais demonstra que as maiores outorgas de poder estatal têm ocorrido em relação aos direitos humanos, direito econômico e direito ambiental, ainda que esta separação entre ramos nos pareça cada vez mais dificultosa, pois dignidade do homem, comércio e meio-ambiente parecem, hoje, cada vez mais ligados.

Há um elemento comum nesses direitos que os tornam merecedores de um disciplinamento mundial uniforme. A natureza difusa dos mesmos é de tal forma ampla que o desrespeito a esses preceitos cria riscos globais. A título de exemplo podemos mencionar o aquecimento do planeta provocado por violações ao meio ambiente. Os danos, nesse caso, não se limitam aos principais emissores de poluentes da terra, sendo que as suas conseqüências econômicas negativas são sentidas por todo o planeta. A queima de uma floresta, uma perseguição étnica ou uma ação comercial protecionista, em qualquer lugar do mundo, são acontecimentos que geram reflexos negativos para toda a humanidade, de maneira que nesta seara é despiciendo se falar em nacionalidade.

No plano regional ou continental podemos citar, em relação à reformulação do conceito de soberania, o caso relacionado à cooperação e integração entre os Estados europeus. Essa internacionalização normativa, calcada inicialmente na Comunidade Européia do Carvão e do Aço, criada pelo Tratado de Paris (1951), significou a partida para a formação da Comunidade Econômica Européia, que realmente se concretizou seis anos mais tarde, com a assinatura do Tratado de Roma, em 1957.

Nesses últimos cinqüenta anos, o que era uma associação entre países com vistas a um mercado comum, alargou-se e aprofundou-se a ponto de alguns autores afirmarem que a Comunidade Européia é o primeiro caso de renúncia formal de soberania, situação em que os Estados atribuem às organizações internacionais o direito de estabelecer normas sobre alguns assuntos, sem conservar para eles mesmos esse direito. Nesse caso não se fala em simples atribuição, mas em uma transferência de competência e capacidade. Os tratados comunitários europeus – Roma, Maastricht, Amsterdã, Nice e Lisboa - são diplomas contundentes em relação à extinção do conceito clássico de soberania sob ótica política. Ainda que tenha havido recusa popular em relação à adoção de uma Constituição Européia, o conjunto destes atos internacionais vigentes pode, muito bem, ser entendido como a própria Carta Política comunitária, uma Constituição que, mais do que formal, é material.

Os tratados fundadores da Comunidade Européia de Nações formam o chamado direito comunitário originário e, como acontece em um sistema federal típico, se o juiz de um dos países, solicitado a aplicar o direito comunitário, se vir perante um conflito entre uma norma nacional e uma disposição comunitária, cumprir-lhe-á reconhecer a primazia da disposição comunitária, excluindo a aplicação da norma nacional contrária, ainda que a mesma integre a Constituição Estatal, pois esta encontra fundamento em um poder decorrente.

Tudo isso abre espaço para discussão a respeito de um futuro Direito Mundial. O lugar do político no direito nacional, considerando-se a concepção liberal ainda reinante, encontra-se na Constituição, principal e primeira demonstração de soberania estatal, de modo que é forçoso concluirmos que a idéia de mundialização normativa impõe a necessidade de revisão quanto a alguns dogmas do constitucionalismo. Reforça tal necessidade um consenso mínimo ou padrão ético comum baseado no caráter cada vez mais difuso, em nível planetário, dos direitos imanentes à pessoa humana.

A unificação do direito, no que diz respeito às relações internacionais, constitui uma das mais importantes tarefas de nossa época. Alguns, ligados à visão particularista do século XX, denunciam-na como uma quimera; no entanto, a posição quimérica é bem mais a das pessoas que julgam poder perpetuar, no estado atual do mundo, uma situação que consagra a anarquia nas relações internacionais de direito. [10]

No século XX era quase impossível pensar numa realização da unificação internacional do direito substituindo os diferentes direitos nacionais. Essa etapa, contudo, resta transposta, e as legislações internas de quase todos os países cedem a preceitos fundamentais positivados internacionalmente.Hoje representa desafio, diante do que entendemos por democracia, pensar num direito supranacional uniforme decretado por um legislador mundial.

As duas guerras mundiais interromperam o processo pelo qual os direitos humanos fundamentais começavam a ser entendidos como direitos naturais que extrapolam o poder de positivação estatal. Nada obstante, foi justamente o sofrimento e o horror extremos provocados pelas práticas de extinção étnica vividas na segunda grande guerra que fizeram com que surgisse a percepção de que determinadas ações do Estado criam um "risco globalizado", de maneira que a soberania não deve ser vista como absoluta e o direito nacional não pode, em todos os casos, ser inflexível e estar no ápice hierárquico de um sistema jurídico.

A rigidez das Constituições não encontra justificativa diante da mundialização. Isso explica, entre outras coisas, a formidável alteração no eixo de positivação dos direitos fundamentais, que no pós-guerra passou a ser a principal preocupação da Organização das Nações Unidas.

Tendo em vista o caráter tridimensional do direito e a avançada globalização dos fatos sociais e humanos, que leva a uma uniformização dos valores, torna-se imperioso fazer com que haja uma descentralização do poder de criação das normas jurídicas fundamentais, tornando pulverizada, entre os Estados pactuantes, a fonte do direito constitucional.

A idéia de Constituição estática e legitimadora do poder soberano, segundo a idéia de direito, é algo ultrapassado. Em seu lugar faz-se necessária uma concepção de que há um bloco de direitos fundamentais que extrapola as fronteiras, projetando-se para além do multiculturalismo. A Constituição de um país deve ser aberta a tudo o que projeta o bem comum dos povos. Este constitucionalismo de direito internacional possui correlação com um conjunto de normas para a conduta dos Estados, cuja validade intersubjetiva é diversa do sistema de normas fixado pelo próprio Estado político e soberano.

Esse conjunto de normas se aproxima do que podemos denominar de direitos naturais, invocáveis ante a simples condição de humano. A sua prevalência sobre o direito positivo decorre da sua própria antecedência, pois por reivindicar validade em si, o direito natural é epistemologicamente anterior e eticamente superior ao direito positivo. Disso resulta normativamente que, em caso de conflito, o ius naturale prevalece sobre quaisquer legislações positivadas por um único Estado. [11] Existe uma axiologia mínima e universal para a humanidade e esta pode ser referência para um constitucionalismo de direito internacional, justificando, a qualquer tempo, a adoção de um verdadeiro monismo jurídico.

O processo de mundialização dos princípios jurídicos mantenedores da paz e da dignidade humana enfrenta, contudo, diversos desafios. Podemos citar, entre estes obstáculos, a ausência de coerência sistêmica no plano jurídico internacional, as tensões advindas das desigualdades econômicas entre os países, as particularidades culturais muitas vezes antagônicas entre as nações, sobretudo quando se considera Ocidente e Oriente e, por último, a dificuldade em se desenvolver meios de preservação do princípio democrático num quadro de produção normativa internacional, ou seja, como manter a vontade geral dos povos neste processo e se limitar o poder, seja hegemônico ou contra-hegemônico.

O objetivo do presente trabalho consiste na análise dos conceitos clássicos de soberania e Constituição como pontos a serem revistos ou recriados em face do processo de mundialização do direito.


Concepções clássicas sobre soberania

No nascedouro, o conceito de soberania era flexível diante do direito das gentes. Essa constatação surge quando se estuda o fenômeno a partir da doutrina de Frei Francisco de Vitoria (1492-1546), teólogo renascentista dominicano nascido na Espanha. É considerado por muitos o pai do Direito Internacional Moderno, por ter sido o primeiro a traçar diretrizes sobre a "guerra justa", antecipando-se às idéias de Hugo Grotius. Vitoria trabalhou a dimensão externa da soberania e suas idéias, neste particular, serviram de justificativa teórica para a conquista e colonização da América pelos espanhóis, redundando no genocídio sobre os indígenas que habitavam o novo mundo. Apesar da sua doutrina se ligar a essa atividade de conquista, o autor defendia uma ordem mundial configurada como sociedade natural de Estados soberanos, onde o Direito Internacional, conjugação das vontades estatais, prevalece sobre o direito interno. [12]

A doutrina vitoriana foi inovadora em vários pontos, seja na formulação da idéia de communitas orbis, seja na criação de limites mais racionais para a guerra, ainda que não totalmente desvinculadas de misticismo religioso (o direito de expandir a fé católica, catequizando indígenas, era encarado como natural).

Hugo Grotius (1597-1645) marchou rumo à total secularização, tendo a seu crédito o fato de ter formulado pela primeira vez, ainda que cautelosamente, a "hipótese impiíssima" de prescindir do papel constituinte de Deus na formação de um direito do gênero humano; o qual, portanto, teria vigência ‘etiamsi daremus Deum non esse’. [13]

Na Europa Ibérica a preeminência da fé cristã, sobretudo personificada no catolicismo, tinha passado a ser contrastada por um fundamento religioso diverso e não tão irrisório, em termos de força, como aquele encontrado nas lutas de conquista do novo mundo. A ética muçulmana tinha colocado a Europa ibérica na condição de conquistada, e com isso era preciso tecer fundamentos mais utilitaristas para a "guerra justa", uma vez que o direito natural de expansão do cristianismo, ainda que presente no pensamento dos cruzados, estava órfão de uma doutrina racional que englobasse esses novos acontecimentos.

Jean Bodin fixou, antes mesmo de Grócio, um conceito absoluto para a soberania. Formulou definição segundo a qual a soberania seria o poder absoluto e perpétuo de uma República. A principal inovação de Bodin situou-se em identificar o Estado soberano como sujeito e único titular do poder político. A definição de Estado é, assim, jurídico-política, e permite diferençar o soberano do governo, distinguindo a fonte do poder do seu exercício material, algo como um protoparlamentarismo. A soberania, distanciada da responsabilização por atos de governo, concebe-se como o princípio de independência e onicompetência do Estado moderno.

O filósofo reporta-se à tradição monárquica da França e distingue, escrupulosamente, a forma de governo da forma de estado. A primeira está submetida a controle. Já a segunda, essência da República, identifica-se com o Rei e qualquer que seja o regime deve ser designada como potência soberana que, em si, é uma summa potestas. A substância da República precisa sempre da forma soberana.

A concepção de soberania em Bodin tem por marca, no âmbito das relações internacionais, a ilimitação. Os Estados têm poder de autodeterminação absoluto, de maneira que no relacionamento com outros Estados não há necessidade de respeito a preceitos não positivados. Trata-se do paradigma vestfaliano de 1648, segundo o qual a discricionariedade dos Estados na escolha de suas opções diplomáticas é incondicionada, não existindo crivo a ser colocado sobre a decisão tomada por um país. [14]

Bodin era adepto da metafísica cosmológica dos Gregos, presente no pensamento aristotélico. Hobbes, pelo contrário, considera que somente existe Estado soberano por força de um projeto racional e físico (uma vez que puramente humano). Ora, o contratualismo tem justamente essa base, ou seja, a idéia de soma de poderes individuais confiados ao Leviatã diretamente ou por delegação representativa.A soberania do Estado é útil porque é antagônica à beligerância do Estado de Natureza. Essa visão de poder pacificador é necessária para contenção do caos social, numa visão de certa forma proto-utilitarista. A soberania, para Hobbes, é daqueles que firmam o pacto inicial do Estado – o povo - e não do monarca.

O contratualismo prosseguiu com Rousseau, que varreu em definitivo a idéia de soberania dos príncipes. Desvendar o significado da soberania popular de Rousseau é, no entanto, tarefa um pouco complexa. No Contrato Social Rousseau nos revela que o homem é bom, tanto que a sua involuntária permanência no estado de natureza (a guerra de todos contra todos) é, para os mesmos, um prejuízo à sua conservação. De maneira que:

"como é impossível aos homens engendrar novas forças, mas apenas unir e dirigir as existentes, não lhes resta outro meio, para se conservarem, senão formando, por agregação, uma soma de forças que possa arrastá-los sobre a resistência, pô-los em movimento por um único móbil e fazê-los agir de comum acordo". [15]

O produto desta soma de forças é o Estado, que através da soberania, característica indissoluvelmente ligada ao seu elemento humano, persegue o bem comum. Esse acordo entre pessoas que se identificam por vínculos geográficos, genealógicos e naturais, chamado pacto social, faz nascer o Estado. O poder que faz esse parto está na vontade coordenada da coletividade dos indivíduos, chamada vontade geral. A volonté genérále, procedente do conjunto social, é que faz da multidão povo. Ela é a soma de forças populares e pode ser identificada como a própria soberania, por isso designada de popular.

A natureza da soberania só pode derivar do procedimento contratual segundo o qual a multidão, unanimemente, substitui as vontades particulares pela vontade geral: a essência da soberania se identifica então com a vontade geral. [16] A soberania popular de Rousseau é, portanto, o exercício da vontade geral. Essa é, a nosso ver, sua principal contribuição teórica.

Outra contribuição marcante de Rousseau foi a caracterização da soberania popular, que no seu entender seria inalienável e incomunicável, ou seja, teria de haver uma forma de expressão direta da soberania do povo, não nos moldes das democracias diretas atenienses, o que seria hipótese pouco prática fora de uma cidade-Estado, mas partindo de uma formulação que afastasse o regime representativo, uma vez que para Rousseau"não sendo a soberania senão o exercício da vontade geral, jamais se pode alienar, e que o soberano, que nada mais é senão um ser coletivo, não pode ser representado a não ser por si mesmo; é perfeitamente possível transmitir o poder, não porém, a vontade". [17]

Pensamos que as lições de Rousseau relativas à inalienabilidade da vontade geral denotam a simples impossibilidade de distanciamento entre a volição dos que exercem o poder e o querer dos cidadãos, numa interpretação extremamente atual. O governante está sempre vinculado ao titular do poder, sob pena da ilegitimidade do seu governo, que pode findar mesmo antes do final da legislatura [18].

Podemos salientar que Rousseau deitou por terra toda a base filosófica e política do antigo regime, ao proclamar que as leis, sendo atos constituídos pela vontade geral, são impessoais e abstratas. O direito, estando acima do titular do poder, submete mais ainda o monarca, que não é titular de nada, tirando seu mando da vontade geral, ou nas próprias palavras do filósofo:

"Quando digo que o objeto das leis é sempre geral, entendo que a lei considera os vassalos em corpo e as ações como sendo abstratas, jamais um homem como indivíduo, nem uma ação particular" e na mesma página, relativamente à submissão de todos à soberania popular, expressada através das leis, ponderou "que quem se recusar a obedecer à vontade geral a isto será constrangido pelo corpo em conjunto, o que apenas significa que será obrigado a ser livre". [19]

Rousseau definiu o Estado Democrático de Direito, no sentido até hoje conhecido, onde o direito vincula, em termos isonômicos, governantes e governados, e onde o ordenamento tem no povo a sua fonte, sendo abstrato e impessoal. Isso foi muito importante sob ótica interna, pois abriu caminho definitivamente para a limitação do poder em face da necessidade de obediência ao princípio democrático. Se a soberania de um Estado pertence aos cidadãos, a autoridade constituída está automaticamente limitada no exercício deste poder, não podendo violar as liberdades individuais daqueles que representam as partes do contrato social.

Mas será que a soberania contratualista guardava alguma limitação no plano do direito internacional, ou nesse aspecto ela era tão absoluta e ilimitada quanto a defendida por Bodin? É difícil encontrar em Hobbes e Rousseau passagens em que reste explícita uma limitação da soberania no plano internacional, mas tomando a concepção contratualista como conjunto podemos afirmar que a gênese desta doutrina traz influências de cunho jusnaturalista, o que pode revelar a necessidade de observância a parâmetros mínimos, pelo Estado, no exercício da sua autodeterminação.

Sieyès também defende que a soberania pertence ao povo, mas este, após o pacto social, transmuta-se em nação a partir da obediência a uma lei comum e suprema: a Constituição do Estado. A nação é uma categoria definida por Sieyès como sendo "um corpo de associados vivendo sob uma lei comum e representados por uma mesma legislatura". [20] A soberania é o fundamento que cria o Estado.

Não existe Estado sem uma lei comum que seja a expressão, dogmática ou não, de como o Estado é, a sua maneira de ser. Desta forma, um mesmo território poderia servir de abrigo a vários Estados numa cronologia temporal, bastando para isso que houvesse uma sucessão de Constituições.

A idéia de representação em Sieyès é conecta com uma soberania limitada. O filósofo francês não adota a idéia de mandato, delegação, procuração, tal como vemos na atualidade. Ao contrário disto, deveria haver uma total independência entre o dirigente e o povo, sem sistemas de controle. Este controle sobre o governante adviria unicamente da Constituição do Estado, produto de uma nação soberana.

A soberania popular e o poder constituinte originário se confundem, mas este último sairia de cena ao cumprir a sua missão, consubstanciada na elaboração da Constituição do Estado. Assim, o poder popular permaneceria latente após a promulgação da Carta Política e as suas formas de expressão após esse momento seriam, por decorrência, limitadas (poder constituinte derivado).

A Constituição, expressão maior e primeira da soberania popular, teria por missão proteger os direitos individuais contra a ação dos governantes, preservando a liberdade pessoal. Há, portanto, uma limitação aos poderes constituídos no plano internacional, pois o Estado não poderia fazer valer, em seu território, tratados que contrariassem os preceitos da Constituição, pois esta norma seria o produto do poder constituinte originário, tido por inicial, ilimitado e incondicionado.

O caráter inicial deste poder está no fato de que ele inaugura o ordenamento jurídico. A entrada em vigência da Constituição revoga todos os atos normativos estatais pretéritos e impõe a compatibilidade de todas as normas estatais futuras, sob pena de ter-se que expurgar forçadamente os preceitos incongruentes sob ótica formal ou material.

Conforme lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho: "o Poder Constituinte edita atos juridicamente iniciais, porque dão origem, dão início, à ordem jurídica, e não estão fundados nesta ordem". [21]

Assim, o poder constituinte é uma forma originária de construção do Estado, tanto assim que a Constituição não retira fundamento de validade em nenhuma outra norma precedente. Conforme nos ensina Anna Cândida da Cunha Ferraz, o poder constituinte de Sieyès tem essas características, uma vez que"cria a ordem jurídica, não havendo direito, antes dele, que possa limitá-lo ou condicioná-lo". [22]

Nas últimas décadas, contudo, o caráter ilimitado do Poder Constituinte Originário tem se relativizado por alguns novos personagens, entre os quais podemos destacar o chamado poder constituinte supranacional, que se baseia na outorga de competências estatais a entidades ou organismos internacionais. Da mesma forma, a fixação de um padrão ético universal entre os povos revela a necessidade de submeter o poder constituinte originário a certos valores atemporais e universais – como a liberdade, dignidade do homem, democracia, vida. Seria absurdo, por exemplo, que a Constituição estabelecesse uma sanção premial para todos que praticassem homicídio, pois a preservação da vida é uma premissa natural para todo e qualquer ordenamento. Prova-se, assim, que o poder constituinte originário não é, de maneira alguma, ilimitado.


O constitucionalismo de ontem e hoje

O constitucionalismo liberal rompe com o absolutismo monárquico. O crescimento econômico da Europa favorece o nascimento de novas classes além das que compunham o primeiro e segundo Estados (nobreza e clero). A burguesia, formada por comerciantes prósperos, rompe o delicado equilíbrio dos estamentos e reivindica para si participação nas decisões políticas. Some-se a esse quadro o humanismo iluminista e o anseio de retorno a uma justiça natural típica do medievo. [23]

Na tradição absolutista os assuntos de Estado (gubernaculum) se resolvem de maneira discricionária, e não por lei, sendo confiados à sabedoria e prudência do monarca. Acumulam-se na figura do soberano tanto o assunto de Estado como o poder de dizer e aplicar a lei (iurisdictio). A coexistência destes dois poderes numa mesma figura entra em crise a partir do final do século XVII. Ainda na idade média se reforça a necessidade de separação entre as funções de Chefe de Estado e de criador da lei (gubernaculum x iurisdictio). Aos estamentos sociais deve ser dado poder de crivo sobre as opções políticas do monarca. Cria-se a Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns na Inglaterra.

Essa divisão do poder, institucionalizada com o surgimento do parlamento inglês, representa o ataque primeiro e mais importante ao exercício absoluto do poder pela monarquia e resultou num primeiro modelo de separação de poderes. Esse paradigma se propagaria por todo o ocidente a partir da influência capitaneada pela defesa doutrinária de Montesquieu, ainda que os outros países passassem a adotar a divisão do poder sob fórmula distinta da estruturada na Inglaterra.

O parlamento, na monarquia constitucional inglesa, passa a impor normas que limitam o poder real, garantindo direitos individuais, entre os quais os petition of right, de 1628, e o Habeas Corpus Act, de 1679. Para se manter e fazer com que haja paz e progresso a monarquia inglesa admite essas declarações de direitos, num sistema de equilíbrio constante baseado num consenso possível. Conforme José Levi do Amaral Júnior "A democracia parlamentar começa a tomar forma na Idade Média. Evolui por meio da adoção de mecanismos de limitação e de controle político do poder real. Os parlamentos surgem para limitar e controlar o poder do rei". [24]

No mesmo sentido é a lição de Raul Machado Horta:

Há relação de causalidade entre monarquia constitucional e regime parlamentar. O processo histórico de redução e de controle dos poderes do Monarca e o concomitante fortalecimento dos poderes do Parlamento conduziu ao nascimento do regime parlamentar. A trajetória desse processo é identificável na Inglaterra, nos fins do século XVIII, e nas monarquias constitucionais do século XIX. A institucionalização do poder monárquico nas regras constitucionais preparou o terreno para a implantação do regime parlamentar. [25]

Assim, há uma paulatina mudança na titularidade da soberania na Inglaterra, que passa do Monarca ao Parlamento. Na França, o processo de limitação do poder real foi posterior e mais traumático, resultando de uma reação burguesa à concentração de poder nas mãos do Rei, que contava com o apoio do clero. A bandeira das liberdades individuais foi utilizada para fazer valer o liberalismo, conveniente à classe que passava a deter o poder econômico e pregava um Estado não intervencionista. O processo revolucionário francês redunda na Constituição de 1791, mas a sua importância maior não está em seus resultados, mas na aplicação prática da filosofia iluminista. As conquistas liberais defendidas por Robespierre e Danton não perduram, pois a ditadura napoleônica sucede o quadro revolucionário. Isso significa o retorno a uma situação de concentração de poder. A mudança está apenas em quem a carrega consigo: se antes havia uma monarquia absoluta, após a Revolução Francesa estrutura-se um governo militar também absoluto.

De toda forma, o constitucionalismo, seja na França ou na Inglaterra, baseou-se numa pretensão de controle do governante. Sob ótica política podemos entender o fenômeno como ligado à correta e legitima forma de se decidir, atendo-se à preservação dos direitos estampados na Constituição, que preservam a liberdade contra o poder arbitrário. [26]

O seu aspecto jurídico nos é revelado na pregação de um sistema dotado de um corpo normativo máximo, que se encontra acima dos próprios governantes – a Constituição. O objetivo é impedir o exercício absoluto do poder, de maneira que seja vedado ao governante fazer valer seus próprios interesses e regras na condução do Estado. [27]

É possível elegermos algumas características que nos levem a reconhecer o fenômeno constitucional. Entre elas podemos citar a existência de um núcleo de direitos civis que devem ser respeitados e assegurados pelo governo; a prevalência da soberania popular; supremacia e rigidez da Constituição; sistema democrático; divisão e limitação do poder; caráter impessoal e abstrato das leis e instituições que monitorem e assegurem o respeito à Constituição. [28]

O século XIX constituiu-se num período de vivência e aprofundamento do liberalismo construído no século anterior. Esse aprofundamento redundou num período de constituições rígidas que, nas palavras de Paulo Bonavides, traduziam um sentimento de profunda e inevitável desconfiança contra o poder, aquela desconfiança ou suspeita clássica do liberalismo com sua doutrina de valorização da sociedade burguesa e individualista [29].

As constituições do positivismo foram as que se espalharam nos países de sistema romano-germânico durante o século XIX, a exemplo da Lei Fundamental Belga, de 1832. A população internalizava a suprema garantia representada pela Constituição e, a conta disto, omitia-se em cobrar efetividade às suas normas.

Os postulados liberais passam a sofrer deturpação e o que antes gerava a paz de espírito nos povos transforma-se em mera folha de papel. A Constituição burguesa embebe-se de anticoletivismo, transformando-se em expressão escrita de forças econômicas e políticas imbuídas do único propósito de manter um Estado omisso em integrar grupos marginalizados.

O reflexo visível desta crise estampa-se na exploração trabalhista que pontua a revolução industrial inglesa e no fortalecimento de pseudodemocracias em Estados periféricos, entre os quais o Brasil recém-independente. Reações acadêmicas são produzidas. Ferdinand Lassale, Carl Schmitt e Hans Kelsen trazem novos e diferentes sentidos ao constitucionalismo.

O sociologismo e o decisionismo marcam distinção entre Constituição formal e material. No pós-liberalismo revela-se a positivação de direitos fundamentais de segunda geração, prática inaugurada com a Constituição Mexicana de 1917 [30]. Hans Kelsen define quem deve ser o "guardião da Constituição", fixando as bases da jurisdição constitucional concentrada.

Em reação ao positivismo dos oitocentos, a teoria material afirma que a produção do constituinte é questionável, pois o valor e a durabilidade da Constituição formal dependem da sua congruência com os fatores sociais subjacentes, ou seja, com a Constituição real. Havendo choque entre as duas, deve-se descumprir a Constituição formal. Essas idéias foram lançadas por Ferdinand Lassale durante palestra proferida em 1863 para intelectuais e operários da antiga Prússia, onde questionou sobre qual era a essência da Constituição. Para o autor francês os problemas constitucionais não consistem em problemas de direito, mas de poder, estando ligados à sociologia.

Parte-se da premissa de que ordenamento e realidade devem ser mutuamente condicionados, pois a pretensão de eficácia jurídica está ligada às condições sociais, bem como ao que o autor chama de substrato espiritual de determinado povo, que são os valores que influenciam a conformação, o entendimento e a autoridade das proposições normativas. A Constituição visa imprimir ordem e conformação à realidade política e social, devendo guardar congruência com essa realidade. [31]

Aprofundando o sociologismo de Lassale, Konrad Hesse explica que a eficácia da Constituição se encontra ligada à sua correspondência em relação aos elementos sociais, políticos, econômicos e ao estado espiritual do presente. Para que a Constituição possa se adaptar às mudanças que tipicamente ocorrem nos fatores reais de poder, deve-se limitar o texto constitucional a alguns poucos princípios fundamentais. [32]

As freqüentes reformas diminuem a força normativa da Constituição, o que compromete a sua estabilidade. A problemática da Constituição real e da Constituição de papel liga-se à diferenciação entre Constituição material e Constituição formal. A primeira pode ser compreendida em duas acepções. Uma ampla, identificada com a organização do Estado: "significa a situação total da unidade e ordenação política, ou a concreta situação de conjunto da unidade política e ordenação social de determinado Estado". [33] Na acepção restrita, Constituição material significa o conjunto de preceitos escritos que regulam a estrutura estatal, sua organização política e os direitos fundamentais.

A sociologia constitucional de Lassale significou um reencontro do Estado com a sociedade, elementos separados pelo individualismo burguês. Lassale fincou o marco a partir do qual se inicia a discussão sobre a constitucionalização de direitos coletivos. Restringir o texto a um conteúdo liberal negativo (é vedado ao Estado) torna-se algo que não satisfaz completamente os anseios sociais. É necessário impor comportamentos positivos ao Estado em relação à consecução de seu fim maior, qual seja: a busca pelo bem comum.

A Constituição passa a ser vista como uma obra que representa uma opção política da sociedade. A este respeito impende ressaltar a contribuição teórica de Carl Schmitt, cujo conjunto do pensamento sobre a Constituição e o Direito Constitucional se encontra exposto na Teoria da Constituição, sua obra mais sistemática. [34] Schmitt nos revela que a Constituição em seu sentido positivo é a decisão quanto ao modo e à forma de existência de uma determinada comunidade ou unidade política. [35] A Constituição significa uma decisão conjunta e fundamental sobre o modo e a forma de unidade de um povo. [36]

Diferentemente da Constituição em sentido positivo, a lei constitucional caracteriza-se por não conter nenhuma decisão fundamental acerca da forma e modo de existência política de uma comunidade. A lei constitucional poderá vir a ser uma norma constitucional simplesmente em função de sua inserção no corpo de um documento constitucional, sendo constitucional em razão da forma e não em razão de seu conteúdo.

Carl Schmitt filiou-se ao partido nacional-socialista alemão por convite do filósofo Martin Heidegger, mas é importante assinalar que a adesão de Schmitt ao regime de Hitler se deu em meio a uma série de expurgos que varreram cerca de 11% dos professores das universidades alemãs, dentre eles vários juristas, como Hermann Heller, Hans Kelsen e Gustav Radbruch. A filiação partidária lhe permitiu manter contatos freqüentes com membros do alto escalão do partido nazista, tais como Hermann Göring, Joseph Göebbels, Rudolf Hess e Heinrich Himmler. Schmitt manteve, em aparente contradição política, amizade com intelectuais judeus como Hugo Preuss, Walter Benjamin e Fritz Eisler – a quem dedicou a sua "Teoria da Constituição".

Muito se discutiu sobre o envolvimento do autor com o regime nazista, mas alguns, como Raymond Aron, defendem que isso não reflete a realidade. [37] Não há dúvidas, contudo, de que Carl Schmitt contribuiu para o exercício arbitrário do poder na Alemanha. Essa contribuição está na idéia de que a guarda das garantias políticas expressas na Constituição não poderia caber, por afronta à soberania popular, ao poder judiciário. Ao invés da fórmula americana, de base jurisdicional, a função de controle dos atos legislativos e governamentais contrários à Constituição caberia, na visão de Schmitt, unicamente ao chefe de Estado, num resgate republicano da teoria do poder neutro do monarca, doutrina estruturada por Benjamin Constant na primeira metade do século XIX. [38]

Ora, tal assertiva era extremamente condizente com a doutrina do partido nacional-socialista alemão, que cada vez mais era uma agremiação governante centralizada na pessoa do führer. Uma vez que coubesse ao chefe de Estado a interpretação prática da Constituição, estaria aberta a possibilidade de um neo-absolutismo republicano, o que realmente veio a ocorrer.

A reação a este ponto da doutrina de Schmitt não tardou, e veio capitaneada por Hans Kelsen, jurista austro-húngaro que foi expurgado das universidades alemãs durante o regime nazista e que operou uma revolução no constitucionalismo europeu do pós-guerra. Em texto publicado numa revista de direito, em 1930, Kelsen pondera que a função política da Constituição é estabelecer limites jurídicos ao exercício dos poderes estatais. Desta forma, ao contrário do que pregava Schmitt, o controle dos atos emanados do parlamento e do governo não poderia ficar a cargo de quaisquer das funções estatais típicas. Essa tarefa deveria ser exercida por um órgão independente e que tivesse por única missão o cotejo de compatibilidade entre a Constituição e os atos infraconstitucionais. [39]

Tornaram-se clássicas algumas passagens em que o jurista de Viena critica a posição de Schmitt:

"É pois surpreendente o fato de uma nova coleção de monografias sobre direito público, as ‘Contribuições para o direito público da atualidade’, iniciar sua série com um trabalho que, com o título ‘O guardião da Constituição’ (Der Hüter der Verfassung), está dedicado justamente ao problema da garantia da Constituição. Mais surpreendente ainda, porém, é que esse escrito tire do rebotalho do teatro constitucional a sua mais antiga peça, qual seja, a tese de que o chefe de Estado, e nenhum outro órgão, seria o competente guardião da Constituição, a fim de utilizar novamente esse já bem empoeirado adereço cênico na república democrática em geral e na Constituição de Weimar em particular. O que mais admira, porém, é que o mesmo escrito, que pretende restaurar a doutrina de um dos mais antigos e experimentados ideólogos da monarquia constitucional – a doutrina do ‘pouvoir neutre’ do monarca, de Benjamin Constant – e aplicá-la sem qualquer restrição ao Chefe de Estado Republicano, tenha como autor o professor de direito público na Berliner Handelshochschule, Carl Schmitt, cuja ambição é mostrar-nos ‘o quanto muitas formas e conceitos tradicionais estão estreitamente ligados a situações passadas, não sendo hoje mais nem sequer ‘vinho velho para odres novo, mas sim apenas rótulos falsos e antiquados’, e que não se cansa de lembrar ‘que a situação da monarquia constitucional do século XIX, com sua separação entre Estado e sociedade, política e economia, encontra-se superada’ e que portanto as categorias da teoria do Estado constitucional não são aplicáveis à Constituição de uma democracia parlamentar-plebiscitária como a Alemanha de hoje". [40]

Mais adiante Kelsen pondera sobre a assertiva de Schmitt de que o controle de constitucionalidade caberia ao chefe de Estado, afirmando que tal idéia é contrária à própria letra positiva da Constituição:

"(...) Essa fórmula de Constant torna-se, nas mãos de Schmitt, um instrumento capital para sua interpretação da Constituição de Weimar. Somente com esse auxílio ele consegue estabelecer que o ‘guardião da Constituição’ não seja, digamos – como se poderia supor a partir do seu art. 19 -, o Tribunal Federal ou outro Tribunal, mas sim apenas o presidente do ‘Reich’, e isso já com base na própria Constituição em vigor, e não, por exemplo, depois de uma reforma constitucional". [41]

Kelsen acrescenta, tecendo já características para o tribunal constitucional, que ele deve ser o verdadeiro guarda da Constituição, desempenhando uma tarefa distante das funções típicas do Estado:

"Para sustentar a tese de que o presidente do ‘Reich’ seria o guardião da Constituição, Schmitt tem que se voltar contra a instituição, freqüentemente reclamada e em muitos Estados também concretizada, de uma jurisdição constitucional, ou seja, contra a atribuição da função de garantia da Constituição a um tribunal independente. Este funciona como um tribunal constitucional central na medida em que, num processo litigioso, deve decidir sobre a constitucionalidade de atos do parlamento (especialmente leis) ou do governo (especialmente decretos) que tenham sido contestados, cassando tais atos em caso de sua inconstitucionalidade, e eventualmente julgando sobre a responsabilidade de certos órgãos colocados sob acusação. Pode-se certamente discutir sobre a conveniência de tal instituição, e ninguém afirmará que se trata de uma garantia absolutamente eficaz em qualquer circunstância. Mas de todos os pontos de vista segundo os quais se possa debater o problema político-jurídico de um tribunal constitucional central e estabelecer seus prós e contras, um ponto é de fato insignificante: o de se tal órgão seria um ‘tribunal’ e sua função verdadeiramente ‘jurisdicional’". [42]

Assim, passados mais de duzentos anos que o princípio da supremacia da Constituição havia sido proclamado nos Estados Unidos da América, em que se estruturou um controle dos atos políticos de maneira difundida por todo o poder judiciário (controle jurisdicional difuso), a Europa inicia a estruturação do seu modelo de controle concentrado em um órgão independente dos poderes estatais (controle político): o Tribunal Constitucional. A primeira Constituição a abrigar as idéias de Kelsen sobre o controle por um órgão central foi a Carta da Áustria, de 1920. Órgãos semelhantes encarregados do controle de constitucionalidade foram também criados na Tchecoslováquia em 1920; na Espanha democrática em 1978; Itália em 1947; Chipre, 1960; Turquia, 1961; Iugoslávia, 1963; Guatemala, 1965 e Chile, 1925. [43]

A jurisdição constitucional é necessária, na visão de Kelsen, para fixar um sistema que garanta a Constituição, no sentido de manter a regularidade das regras imediatamente subordinadas à Lei Fundamental. A noção hierarquizada do ordenamento decorre dos diferentes níveis de aplicação do direito patrocinados pelo Estado. A Constituição é o primeiro destes níveis, pois carrega em si uma idéia de princípio supremo determinando a ordem estatal inteira e a essência da comunidade constituída por essa ordem.

Como a atividade de controle encerra a contrariedade de interesses políticos, inclusive com a atividade de responsabilização constitucional e civil dos órgãos que viessem a produzir atos irregulares, ao Tribunal Constitucional devem ser outorgadas garantias pela própria Constituição. Entre estas garantias impende frisar as que são consideradas por Kelsen como típicas da jurisdição: inamovibilidade e irredutibilidade de proventos. Contudo, a preocupação maior deve ser com a garantia de independência, que envolve a forma de escolha dos membros do Tribunal Constitucional. Uma parte das vagas deve ser preenchida por eleições realizadas pelo parlamento, enquanto outras seriam preenchidas por indicação dos próprios membros que já integrem o Tribunal Constitucional e, por último, para manutenção de condições técnicas, deveria haver o preenchimento das demais vagas através do recrutamento de juristas em Faculdades de Direito.

No Brasil adotou-se um modelo híbrido de repressão aos atos inconstitucionais. Trata-se de uma junção de características do critério difuso e concentrado. Alguns problemas se verificam. A decisão tomada na via difusa não opera os efeitos gerais e vinculantes próprios de um sistema de common law, onde a jurisprudência é fonte formal do direito. Isso pode ensejar uma afronta à isonomia material, uma vez que as decisões judiciais brasileiras podem ser diferentes para uma mesma situação. O controle concentrado é feito pelo Supremo Tribunal Federal, que integra o poder judiciário, tem ministros não eleitos e desempenha outras missões além do controle de constitucionalidade. Desta maneira, a Excelsa Corte brasileira não possui os requisitos exigidos por Hans Kelsen para um Tribunal Constitucional.


Uma ética global e voluntária para um direito mundial

A preocupação com a supremacia constitucional é algo, contudo, ultrapassado. Ao contrário do que pregava Sièyes, o poder constituinte originário deve permanecer após a entrada em vigor do texto constitucional, pois é este poder difuso, anônimo e político que manterá a força normativa da realidade e do meio social. Trata-se, em outras palavras, de uma faticidade que transforma a Constituição e a rejuvenesce. O poder constituinte remanescente não desampara a Constituição depois de feita, antes a acompanha e modifica. Esse poder, que dinamiza o sistema de garantias, exercita-se por múltiplas vias na concepção atual. [44]

Uma destas vias nos é revelada através do resgate e da reestruturação de alguns ideais jusnaturalistas, ainda que distantes da concepção que encara o direito como absoluto e válido para sempre. Esse resgate, ao contrário, baseia-se numa ética difusa, segundo a qual ao lado do texto escrito existem preceitos gravados na consciência social e postos em evidência pela competição dos grupos componentes da sociedade. Esses preceitos suplantam a imagem de Constituição como produto da soberania de um Estado, pois são onipresentes e difundidos em nível global a partir da idéia de solidariedade. Como nos explica Leonardo Boff, em seu Ethos mundial, todos os seres estão relacionados entre si e por isso são reciprocamente solidários. [45]

Para o autor brasileiro, esta é a lei do universo, mas não só: a solidariedade é uma categoria política, e foi em toda a história da humanidade condição essencial ao desenvolvimento e a sobrevivência. Ao mesmo tempo, o homem, enquanto ser de um planeta – parte de um todo – é diretamente responsável por tudo que lhe diz respeito e, para sobreviver, tem o dever de ser solidário para com os outros.

Dessa forma, responsabilidade de todos e solidariedade entre todos estão intrinsecamente ligadas ao novo modelo democrático, à democracia participativa em escala global. Calcada na ética da solidariedade, a concepção democrática moderna possibilita uma efetiva e real participação de toda a humanidade na gestão de interesses mundiais.

Essa democracia planetária nasce de uma reformulação no conceito de Estado de Direito, por força do fim do Estado nacional como monopólio exclusivo de produção jurídica. A solução da crise pela qual passa o Estado de direito encontra-se na perspectiva de um constitucionalismo de direito internacional, disseminado pela Carta da ONU e por muitas declarações e convenções internacionais sobre direitos humanos. Tais atos, até os dias de hoje, são desmentidos pelos bloqueios econômicos, pelo recurso à guerra como meio de solução dos conflitos internacionais, pelo aumento das desigualdades e pela rígida clausura das fortalezas "democráticas" do primeiro mundo ante a pressão dos excluídos em países periféricos. As deportações de latino-americanos, africanos e asiáticos em aeroportos norte-americanos e europeus são cada vez mais freqüentes.

É certo que no espaço de poucas décadas, os atuais processos de integração nos conduzirão, de todos os modos, a uma ordem jurídica global. A qualidade desta nova ordem dependerá da política e do direito calcados na vontade de dar alguma atuação a um projeto racional de uma ordem internacional informada pelo paradigma de um constitucionalismo universal, do qual depende a paz e a própria segurança da democracia. [46]

Nesse sentido é que se alude ao respeito, pelo poder constituinte, à situação histórica da comunidade política, aos ideais de Justiça, ao Direito Internacional, a um Direito Natural, a grupos de pressão (presentes em toda Assembléia Constituinte), a crenças ou a uma realidade social subjacente e limitadora do poder constituinte (o fenômeno da normalidade, na visão de Hermann Heller), ou a princípios superiores de convivência humana ou entre países. Esse conjunto fático está presente no fenômeno da internacionalização do poder constituinte, pois precisamente por derivar de compromissos institucionais assumidos pelo Estado, a internacionalização representa, essencialmente, esse movimento incessante de interação, em todos os níveis, que está na base da vida política da sociedade.

A ilimitação e o caráter incondicionado do poder constituinte originário, titularizado na soberania, é um mito. A arquitetura hierárquica escalonada por Kelsen e conhecida de todos os operadores do direito, não resiste à pressão fática calcada em valores cada vez mais universais e que crescem diante da experiência histórica. A história é objetiva e lógica ou, como expressou Gadamer "é uma fonte de verdade muito distinta da razão teórica". [47]

Conforme aponta Luís Cláudio Coni:

"(...) a inserção do Estado na comunidade internacional, por meio da celebração de Tratados que, cada vez mais, impedem a oposição de reservas, amplia a recepção de cláusulas pactuadas que são frequentemente inconstitucionais. Sendo assim, resta proceder à revisão constitucional para a devida conformação (agora, de fato, da Constituição ao Tratado) ou, simplesmente, denunciar o Tratado. Não resta dúvida, a este ponto de interdependência global e de necessidade de ampliação dos mercados, sobre qual será a resposta jurídico-política a esse problema.

A internacionalização do Poder Constituinte, portanto, provoca um deslocamento dos grandes equilíbrios institucionais do Estado, porque as normas internacionais interferem na formação das normas internas, materiais ou processuais, e afetam as próprias estruturas estatais, a saber, a organização política e a distribuição de competências". [48]

É necessário, assim, um deslocamento do constitucionalismo, que deve passar do plano nacional para o internacional, com garantias de direito positivo invocáveis por todo homem. Apesar de já existirem normas internacionais voltadas para essa perspectiva (Carta da ONU, Declaração Universal dos Direitos do Homem), estes documentos têm tido força apenas retórica, pois não encetam no seu texto meios de coerção que possam ser executadas no caso de desrespeito aos direitos humanos e contra as violações da paz. [49]

A internacionalização do direito resgata valores que haviam se esvaído em contato com a multiplicidade constitucional dos Estados nacionais e podemos afirmar, ainda que pecando por excesso de idealismo, que esse neo-jusnaturalismo, no sentido de uma axiologia mínima e universal para a humanidade, significa a teleologia maior do fenômeno constitucional em nossos dias. [50]

Assim como Bachelard nos revela que as forças imaginativas da mente levam sempre ao primitivo e eterno, também as forças imaginativas dos juristas comparadores buscam algo que seja universal ou universalizável, ainda que não seja eterno. Cabe ao direito internacional transpor os obstáculos a essa procura. Entre esses obstáculos podemos citar a descontinuidade normativa, os desequilíbrios de poder em nível global e o dilema entre o relativismo normativo e o universalismo filosófico de valores. [51]

No plano de fatos internacionais concretos, Segundo o Professor Nicolas Maziau (Université de Toulon et du Var, França), existem três níveis de internacionalização do poder constituinte. [52]

O primeiro nível ocorre quando as relações internacionais do Estado enquadram o poder constituinte derivado, que fará o trabalho de adequação da Constituição aos Tratados, através da sua reforma pontual.

No segundo nível pode ocorrer a internacionalização parcial do poder constituinte originário. Essa internacionalização parcial poderá decorrer de um Tratado celebrado ou da força normativa dos fatos. Nesse caso, não se trata de um enquadramento do poder constituinte derivado, pois a adequação que se quer operar na Lei Fundamental diz respeito à materialidade constitucional, em regra protegida pelo apanágio da super-rigidez consubstanciada em cláusulas "pétreas".

No terceiro nível, segundo Maziau, teríamos a chamada "heterodoxia constitucional" ou "heteronomia completa da Constituição", onde o estatuto político emana, por completo, de uma fonte de direito internacional, estranha ao conceito de soberania popular defendido por Rousseau ou Sieyès. Neste caso, a Constituição é criada por um ato supranacional estranho à decisão dos cidadãos que vão sofrer os efeitos daquele diploma. O exemplo relacionado a esse nível seria aquele protagonizado pelos Acordos Internacionais de Dayton, onde o anexo IV passou a ser a Constituição da recém-criada Bósnia-Herzegovina, em 1995. O texto, neste caso, foi elaborado e aprovado pela Organização das Nações Unidas - ONU, sem a participação da população que seria regida por aquele diploma. O organismo internacional apenas ratificou, formalmente, a soberania do país, surgido a partir do conflito nos Bálcãs.

Em todos esses três níveis de internacionalização o que se constata é a relativização do conceito de soberania e de toda forma de poder normativo centrado unicamente no Estado. A ascensão de novas fontes de produção jurídica, situadas em nível externo, leva a uma real perda de poder soberano pelo Estado. O fenômeno das integrações regionais exclui diversos tópicos da capacidade decisória estatal. Esses assuntos passam a ser regidos por meio de acordos internacionais.

A origem da soberania não está mais em um único povo circunscrito a um dado território, mas no homem em qualquer parte que esteja. Para ser fonte deste poder basta ter em si a condição humana, e não a condição de nacional. Da mesma forma, o limite da soberania está agora em seu conteúdo e não nas fronteiras do Estado. Uma decisão prolatada por um Estado e que repugne a natureza humana não pode ser mais considerada expressão de soberania unicamente por ter sido tomada por uma instância de poder independente e geograficamente delimitada. Existe um parâmetro mínimo e universal de humanidade a ser respeitado. [53]

Uma sociedade mundial somente se viabiliza através de um consenso ético. Alguns dirão, certamente, que a existência de um entendimento e concordância concernentes a determinados valores e normas em nível global seria uma grande ilusão: o ápice do idealismo na teoria das relações internacionais. É verdade que a diversidade tem sido um dos próprios fatores que justificam a existência de Estados, pois se todos fossem iguais nada justificaria, por exemplo, o nacionalismo cultural ou o fundamentalismo religioso. Contudo, a diversidade pode ser encarada também como fator que torna indispensável um consenso ético, pois se ele não existir não haverá garantia alguma para o homem em face da crescente entropia nas relações internacionais.

Conforme estudos do historiador americano Samuel Huntington, a política mundial se redesenha, nos dias atuais, segundo linhas culturais e, portanto, presa mais a valores do que a fatos. Os conflitos mais abrangentes, importantes e perigosos não se dão entre classes sociais, ricos e pobres, ou entre outros grupos definidos em termos econômicos (como anunciava Marx), mas sim entre povos pertencentes a diferentes entidades culturais. As guerras tribais e os conflitos étnicos tornam-se as principais razões para a guerra. Entretanto, a violência entre Estados e grupos de civilizações diferentes carrega consigo o potencial para uma escalada na medida em que outros Estados e grupos dessas civilizações acorrem em apoio a seus ‘países afins’. Existem linhas de fratura entre civilizações, sobretudo entre os valores culturais do Ocidente e a cultura e religião islâmica, o que pode envolver choques em face de fatos atuais. As pretensões universalistas do Ocidente o levam cada vez mais para o confronto com outras civilizações, em especial, com o Islã. [54]

Alguns pensadores de linha católica, entre os quais se destacam Hans Küng [55] e o teólogo brasileiro Leonardo Boff [56], defendem um projeto de ethos mundial para preservação da democracia e da paz. Para fundar uma ética planetária a humanidade precisa criar certos consensos, coordenar certas ações, coibir certas práticas e elaborar expectativas e projetos coletivos com uma referência ética e moral comum em face da interdependência humana.

É preciso uma superação do "logocentrismo" grego e das cogitações cartesianas para que o homem chegue a uma capacidade de sentir, afetar e ser afetado, pois o sentimento é, em si, uma forma de conhecimento. O logos e o pathos devem se conjugar para promover uma identificação transformadora do homem em face da realidade. Essa realidade está impregnada de riscos globais que impõem dever de cuidado ou responsabilização pela falta com este dever.

"O cuidado expressa a importância da razão cordial, que respeita e venera o mistério que se vela e re-vela em cada ser do universo e da Terra. Por isso, a vida e o jogo das relações só sobrevivem se forem cercados de cuidado, de desvelo e de atenção. A pessoa se sente envolvida afetivamente e ligada estreitamente ao destino do outro e de tudo o que for objeto de cuidado. Por isso o cuidado provoca preocupação e faz surgir o sentimento de responsabilidade". [57]

Percebe-se, desta forma, que a ética global envolve um patamar mínimo de garantias para a dignidade humana. Essas garantias se relacionam, contudo, a diversos direitos difusos que cercam o homem, entre os quais podemos salientar a liberdade, igualdade, o meio-ambiente, a segurança, a proteção contra a fome, a livre existência étnica e cultural. Entre a crença em padrões unicamente regionais e o pluralismo radical há aqueles que acreditam na existência, entre os homens de diferentes culturas, nações e religiões, alguma coisa em comum que possa ser posta em evidência: padrões éticos de validade universal.

Frise-se, contudo, que não se trata de um consenso integral ou total, concordância plena, mas um mínimo de valores, normas e atitudes que sejam comuns a todos os homens. Portanto, um consenso mínimo.

"Consenso ético quer dizer a concordância nos padrões éticos fundamentais que é necessária para a sociedade pluralista de hoje, que apesar de todas as diferenças de orientação política, social ou religiosa pode servir como a base mais reduzida possível para a convivência humana e o agir comum". [58]

Existe, conforme aponta Michael Walzer, um elemento universal na percepção dos conflitos políticos. [59] Entre esses elementos estão a verdade e a justiça. Contra todos os que de maneira regionalista ou relativista contestam as idéias de valores universalmente válidos e de exigências morais, é preciso tornar claro que existe algo assim como um "núcleo da moral": todo um feixe de padrões éticos elementares, nos quais se incluem o direito fundamental à vida, ao justo tratamento (também por parte do Estado), à integridade moral e psíquica. Walzer chama isto de uma "moral mínima", ou um "minimalismo moral". [60]


A mundialização imposta por riscos globais

O utilitarismo estatal, frente a valores universalmente válidos, é completamente insuficiente para fundamentar deveres normativos que se projetem como meios para alcance de uma justiça intercultural. O contrato social de um determinado Estado, pretensamente exposto através de sua Constituição, não possui a força de garantir valores universais voluntariamente queridos e, além disso, cada vez mais necessários à manutenção de uma existência digna para todos os povos. A mundialização, que já foi encarada como simples opção, transforma-se a cada dia em imposição.

O direito mundial também parte de uma premissa involuntária. O crescimento populacional para um patamar de 10-11 bilhões de pessoas é previsto para ocorrer ainda no século XXI. [61] Esse dado nos leva a indagar sobre a possibilidade de um desenvolvimento planetário sustentável. Não parece haver dúvida de que a Terra é finita e os sistemas de suporte da vida são limitados.

O meio ambiente está ligado ao valor mais universal, que é a vida. A atividade humana em diversos setores cria, entretanto, riscos à necessária preservação ambiental. É ilógico consagrar um modelo de desenvolvimento que não se equacione com a manutenção dos recursos naturais do planeta. [62] Esse equacionamento, uma vez que guarda inerência com a própria preservação do homem, não pode, por outro lado, ser tratado de maneira desordenada e não uniforme por Estados diferentes.

As normas de Direito Ambiental Internacional tentam encontrar, de modo forçado, o equilíbrio entre a atividade econômica e a preservação do meio ambiente, para sobrevivência da geração atual e das futuras. Fere o conceito mais basal de justiça que determinado país possa desenvolver-se à custa da qualidade de vida humana, sendo certo que quando se escreve "humana" há um distanciamento completo em relação às noções de cidadão ou estrangeiro, pois nesta seara tanto faz.

O Protocolo de Kioto, por exemplo, é um acordo internacional que estabelece metas de controle dos gases causadores do aquecimento global. Os efeitos deste aquecimento são ou serão sentidos tanto por países comprometidos com a redução das emissões como por aqueles não comprometidos. A pergunta, diante desta realidade, é a seguinte: existe alguma soberania que possa embasar uma negativa estatal em se colaborar com a prevenção do efeito estufa? Parece-nos que a resposta é necessariamente negativa.

Na nova ordem mundial operam forças sociais, econômicas e políticas em escala mundial. Estas forças desafiam e reduzem os espaços de poder da nação, mesmo em pontos de maior expressão política, onde se situa o constitucionalismo de base liberal, o que obriga reformulações profundas em seus projetos nacionais.

É viável pensar-se num governo supranacional, num governo global?

Para respondermos a esta pergunta é preciso assinalar, antes de tudo, que a mundialização não significa homogeneização, similaridade ou igualdade no sentido de nulificação de nacionalismos e regionalismos. Estes muitas vezes são milenares e permanecem em estado letárgico, sendo despertados justamente pelo valor global da liberdade, que compõe o processo de mundialização.

Cordani pontua, em relação à extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, que:

"(...) mais de 70 anos de domínio por um governo centralizado e potente não foram suficientes para apagar a identidade das muitas nações e etnias que faziam e fazem parte da Rússia, hoje ela mesma remanescente do que foi a União Soviética, tendo de encarar fortes movimentos separatistas, como os que ocorrem na Ossétia ou na Tchetchênia". [63]

A mundialização impõe reformulação nas condições de soberania e de hegemonia. Neste processo, concordamos com aqueles que defendem a idéia de que a Organização das Nações Unidas poderia ser o embrião de um poder político central, mundial. Entretanto, com seus 50 anos de vida, ela continua sendo muito mais uma promessa. Com suas diversas ramificações, vem se constituindo em espaço para discussões intermináveis, além de centro de decisões tímidas e ações burocratizadas, de pouca eficácia e praticidade. A guerra no Iraque simplesmente chancelou essa timidez.

Octávio Ianni nos ensina, a este respeito, que:

"Somente no âmbito de uma sociedade global aberta, uma espécie de sociedade civil global, isenta das estruturas de dominação que garantem a alienação de muitos por alguns, somente nessa sociedade pode nascer o cidadão do mundo. Neste caso, a cidadania traz consigo a soberania, traduzindo a essência da hegemonia". [64]


Conclusão

Já existe um direito mundial, ainda que minimalista. Esse direito comum para a humanidade possui, na atualidade, um caráter essencialmente programático, como denotam os tratados da ONU sobre direitos humanos. Isso significa que ainda existe um longo caminho rumo a uma verdadeira força normativa para estes documentos, mas demonstra, por outro lado, que alguns pilares do Direito Público, tais como a soberania e o constitucionalismo, já foram atingidos por este processo e são, neste momento, objeto de profunda reformulação.

Esses três fenômenos: soberania, constitucionalismo e mundialização, podem inclusive ser entendidos como integrando uma linha evolutiva e interdependente na história do Direito Político.

A noção de soberania absoluta, que ajudou a fundar e manter o absolutismo monárquico europeu, ruiu diante da idéia de subordinação indistinta aos ordenamentos nacionais, que ainda hoje têm por base a limitação do poder dos governantes, paradigma maior do constitucionalismo e da democracia. Essas duas últimas categorias, por seu turno, são confrontadas, hodiernamente, pelos novos parâmetros impostos pela universalização dos valores basais do homem.

É claro que a transição entre soberania absoluta e constitucionalismo não ocorreu de forma imediata, assim como não está sendo imediata a transição entre o constitucionalismo estatal e o direito mundial. Essa última transformação já conta mais de cem anos.

A soberania, que na sua gênese medieval cedia ao direito das gentes, conforme demonstra Francisco de Vitória, cobriu-se de inflexibilidade por força do pensamento de Bodin e Grotius, tendo assim permanecido, como conceito absoluto, até a metade do século XX.

O monarca deixou de ser expressão da soberania absoluta no bojo das revoluções liberais que solidificaram o constitucionalismo como movimento em prol da limitação do poder. A Constituição passou a ser entendida como expressão da soberania por força, sobretudo, da obra de Sièyes. Isso originou a era das Constituições super-rígidas, pois se partia da idéia de que nada podia estar acima da Carta Política de um Estado, nem mesmo o direito das gentes.

Os primeiros questionamentos sobre a rigidez absoluta das Constituições nos foram trazidos através das chamadas teorias materiais, onde se destacam o sociologismo de Ferdinand Lassale e o decisionismo de Carl Schmitt. As teorias materiais foram aprofundadas pelo integracionismo de Rudolf Smend e o historicismo de Gadamer.

Para esses autores, numa síntese que nem de longe revela a grandeza dos seus pensamentos, a Constituição é, em essência, o que a dinâmica social e política mostra a cada dia, e como os fatos e valores estão em constante mutação, a rigidez constitucional é um mito.

Ademais, a concretização dos preceitos constitucionais deve ocorrer a partir de uma integração constante com os anseios sociais, considerando-se a renovação do direito todas as vezes que o mesmo é aplicado, pois nesse processo de aplicação há sempre um choque entre os horizontes históricos do legislador e os do juiz. Desse choque é que nasce a Constituição real, aquela que desvenda a vontade humana.

O positivismo de Hans Kelsen, apesar de ter aprofundado a noção de supremacia da Constituição no âmbito interno, revelou-nos que, no universo puro do Direito as relações internacionais não podem ser vistas como algo estranho ao Estado (monismo jurídico). Assim, há de se ter em vista a supremacia do direito internacional, uma vez que o mesmo representa uma vontade conjugada e supra-estatal.

Isso foi decisivo para que se retomasse a idéia de supremacia do direito das gentes diante das especificidades normativas nacionais. A partir desse marco, e tendo em vista a necessidade de preservação da paz em face dos horrores da segunda guerra mundial, os Estados passaram a atribuir competências e capacidades a organizações supranacionais com o objetivo de que determinados valores fossem mantidos a salvo de eventuais soberanias absolutas, desvirtuamentos de poder patrocinados por algum déspota ou ditador faminto por conflito. Retoma-se o sonho kantiano de paz perpétua.

Propaga-se o ideário de que existe uma ética mínima e universal, um consenso axiológico que perpassa as fronteiras do Estado e que pode ser o conteúdo, a matéria de um constitucionalismo de Direito Internacional. O documento que mais se aproxima deste ideário é lançado pelas Nações Unidas em 1948 e subscrito por mais de cento e cinqüenta países, iniciando o debate sobre um Direito comum em nível planetário, vinculando todos os povos e nações.

A mundialização significa a positivação de direitos naturais em nível global a partir da constante identificação de valores que ultrapassam a noção de povo e território.

Tal processo está em curso, e demanda a superação de diversos desafios, entre os quais podemos destacar a crescente complexidade do direito internacional, as desigualdades econômicas, culturais e religiosas entre as nações e um questionamento ainda não resolvido sobre quais seriam as vias de legitimação democrática de um Direito Mundial.


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Notas

1.                    VARELLA, Marcelo Dias. A crescente complexidade do sistema jurídico internacional: alguns problemas de coerência sistêmica. Brasília: Revista de Informação Legislativa do Senado Federal, ano 42, nº 167, jul/set 2005, separata.

2.                    GOYARD-FABRE, Simone. Os princípios filosóficos do direito político moderno. 1a ed, São Paulo: Martins Fontes, 2002.

3.                    A autora francesa Simone Goyard-Fabre cita o texto "Methodus", de Jean Bodin, escrito em 1556, para fundamentar essa sua posição. Cf. GOYARD-FABRE, Simone. Os princípios filosóficos do direito político moderno. 1a. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.123.

4.                    BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21a ed. Malheiros editores: São Paulo, 2007.

5.                    DROMI, José Roberto. La reforma constitucional: El constitucionalismo del porvenir. In: El derecho público de finales del siglo: Una perspectiva iberoamericana. Madri: Fundación BBV, 1997.

6.                    BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21a ed. Malheiros Editores: São Paulo, 2007.

7.                    DELMAS-MARTY, Mireille. Três desafios para um direito mundial. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2003.

8.                    VARELLA, Marcelo Dias. A crescente complexidade do sistema jurídico internacional: alguns problemas de coerência sistêmica. Brasília: Revista de Informação Legislativa do Senado Federal, ano 42, nº 167, jul/set 2005, separata.

9.                    A Carta das Nações Unidas foi assinada em 1945 pelos países em guerra contra o Eixo, reunidos em San Francisco, nos Estados Unidos, com o objetivo de garantir a paz e a segurança mundiais e instituir, entre as nações, uma efetiva cooperação econômica, social e cultural. No mesmo momento entrou em vigor o Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Ambos os documentos passaram a viger em 24 de outubro de 1945.

10.                   DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

11.                   BOBBIO, Norberto. Nazioni e diritto: Umberto Campagnolo allievo e critico de Hans Kelsen, Revista Diritto e cultura, 1993, pp.117-132

12.                   FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Tradução de Carlo Coccioli e Marcio Lauria Filho.

13.                   GROTIUS, Hugo. O direito da guerra e da paz. 2a. ed, Volume II, Ijuí: Unijui, 2002.

14.                   BODIN, Jean. The six books of the Commonwealth. Oxford: Basil Blackwell Oxford, 1955. Tradução para o inglês de M. J. TOOLEY. Disponível no formato digital em http://www.constitution.org/bodin/bodin_.htm.

15.                   ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social e outros escritos. Introdução e tradução de Rolando Roque da Silva. São Paulo: Cultrix, 2004. p.30

16.                   GOYARD-FABRE, Simone. Os princípios filosóficos do direito político moderno. 1a ed, São Paulo: Martins Fontes, 2002.

17.                   ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social e outros escritos. Introdução e tradução de Rolando Roque da Silva. São Paulo: Cultrix, 2004. p.38.

18.                   ROCHA. Maria Elisabeth Guimarães Teixeira. Limitação dos Mandatos Eletivos. Nova Visão do Contrato Social. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2000.

19.                   ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social e outros escritos. Introdução e tradução de Rolando Roque da Silva. São Paulo: Cultrix, 2004, p.32-33.

20.                   SIEYÈS, Emmanuel. Qu´est-ce que le tiers état? (1789), Rio de Janeiro: reedição PUF, 1982.

21.                   FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, O poder constituinte. 3 ed. São Paulo, Saraiva, 1999, p.15

22.                   FERRAZ, Anna Cândida da Cunha Ferraz, O poder constituinte do Estado-Membro. São Paulo, RT, 1979.

23.                   MATTEUCCI, Nicola. Organización del Poder y Libertad. Madrid: Trotta, 1998, p.25.

24.                   AMARAL JÚNIOR. José Levi Mello do. O poder legislativo na Democracia Contemporânea. A função de controle político dos parlamentos na democracia contemporânea. In: Revista de Informação Legislativa, n. 168, pp. 7-17, out/dez. 2005. p. 8.

25.                   HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 4ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.658

26.                   MATTEUCCI, Nicola. Organización del Poder y Libertad. Madrid: Trotta, 1998.

27.                   TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:Saraiva, 2003.

28.                   HENKIN, Louis. NEUMAN, Gerald L. ORENTLICHER, Diane F. LEEBROM, David W. Human Rights. New York: The foundation press incorporated, 1999

29.                   BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21a ed. Malheiros editores: São Paulo, 2007, p. 225.

30.                   Alguns autores, entre os quais impende destacar Paulo Bonavides, colocam a Constituição Bolivariana de 1811 (Venezuela), como sendo a precursora na positivação de direitos sociais. Vide palestra proferida pelo professor da Universidade Federal do Ceará na UNAM – Universidade Autônoma de Madri/Espanha, sob o título "Constitucionalismo social e democracia participativa", disponível em http://www.juridicas.unam.mx/sisjur/constit/pdf/6-234s.pdf.

31.                   LASSALE, Ferdinand. Essência da Constituição. Trad. Walter Stoner. São Paulo: Líber Júris, 1999.

32.                   HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1983.

33.                   SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 23

34.                   SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. México: Nacional, 1981.

35.                   SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. p. 15-23.

36.                   BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Malheiros editores, São Paulo: 2007, p. 175 e 176

37.                   De Schmitt, diz Raymond Aron: "Carl Schmitt nunca pertenceu ao partido nacional-socialista. Homem de grande cultura, ele não podia ser um hitlerista e nunca foi" (apud PASQUINO, Pasquale. "Carl Schmitt - Teoria da Constituição". In: CHÂTELET, François et ali. Dicionário das Obras Políticas. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1993).

38.                   SCHMITT, Carl. O guardião da Constituição. Del Rey: Belo Horizonte, 2005.

39.                   O texto foi traduzido do alemão por Alexandre Krug e publicado no Brasil pela Editora Martins Fontes como capítulo integrante do livro "Jurisdição Constitucional", de 2003. O título em português é "Quem deve ser o guardião da Constituição?".

40.                   KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. Martins Fontes: São Paulo, 2003. pp. 243/244

41.                   Idem, p. 245

42.                   Ibidem, pp. 247/248

43.                   POLETTI, Ronaldo. O controle da constitucionalidade das leis. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997

44.                   BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Malheiros editores, São Paulo: 2007.

45.                   BOFF, Leonardo. Ethos mundial: um consenso mínimo entre os humanos. Letraviva: Brasília, 2000. pp. 109-111.

46.                   FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Tradução de Carlo Coccioli e Marcio Lauria Filho

47.                   GADAMER. Hans Georg. Verdade e método, 4a ed., tradução de Flávio P. Meurer. Petrópolis: Vozes, 2002.

48.                   CONI, Luís Cláudio. A internacionalização do poder constituinte. 1ª ed., Sergio Antonio Fabris Editor: Porto Alegre, 2006, p. 72.

49.                   Ibid., p. 53/54

50.                   HECK, José N. Jusnaturalismo e dialética. Goiânia: UFG. Disponível em: www.ufg.gov.br. Acesso em: 21 jun. 2006.

51.                   DELMAS-MARTY, Mireille. The imaginative forces of law. Beijing: Chinese Journal of International Law, 2003, p. 623/627.

52.                   MAZIAU, Nicolas. L’internationalisation du Pouvoir Constituant. Essay de typologie: le point de vue heterodoxe du constitutionnaliste. Paris: Revue Generále de Droit International, p. 549-579, 2002-3.

53.                   GOYARD-FABRE, Simone. Os princípios filosóficos do direito político moderno. 1a ed, São Paulo: Martins Fontes, 2002.

54.                   HUNTINGTON, Samuel. O choque de civilizações. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.

55.                   KÜNG, Hans. Uma ética global para a política e a economia mundiais. Petrópolis: Vozes, 1999.

56.                   BOFF, Leonardo. Ethos Mundial: Um consenso Mínimo entre os Humanos. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.

57.                   BOFF, Leonardo. Ethos Mundial: Um consenso Mínimo entre os Humanos. Rio de Janeiro: Sextante, 2003, p. 85.

58.                   KÜNG, Hans. Uma ética global para a política e a economia mundiais.Petrópolis: Vozes, 1999, p. 171/176

59.                   WALZER, Michael. Thick and thin. Moral argument at home and abroad. Paris: Notre Dame Press, 1994.

60.                   Idem, p. 145

61.                   UNITED NATIONS Fund for Population Activities. The state of the World population, 1991.

62.                   CORDANI, Umberto C. As ciências da Terra e a mundialização das sociedades. Palestra feita pelo autor em 18 de abril de 1995 no IEA-USP. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ea/v9n25/v9n25a03.pdf

63.                   Cordani, Umberto C. As ciências da Terra e a mundialização das sociedades. Palestra feita pelo autor em 18 de abril de 1995 no IEA-USP. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ea/v9n25/v9n25a03.pdf

64.               IANNI, O. A sociedade global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992.

 

 

* Advogado da União. Professor de Direito Constitucional - Unieuro/DF. Especialista em Processo Civil - UCAM/RJ. Mestrando em Direito Internacional - Uniceub/DF.

 

 

Disponível em:

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11403&p=3

Acesso em: 09 jul. 2008.