®
BuscaLegis.ccj.ufsc.br
Álvaro Osório do Valle Simeão*
RESUMO
O objetivo do presente trabalho consiste na análise
dos conceitos clássicos de soberania e constituição como pontos a serem revistos
em face do processo de mundialização do direito. A pesquisa ocorre em três
momentos. No primeiro deles, fazemos um cotejo histórico-filosófico das idéias
clássicas sobre soberania e constitucionalismo enfocando, sobretudo, as
flexibilizações conceituais pelas quais possam estar passando, na atualidade,
estes fenômenos. Num segundo momento faremos análise do processo de
mundialização do direito, onde abordaremos as possíveis fontes deste processo,
de modo a demarcar-lhe os limites, enunciando alguns dos seus atributos. Num
terceiro momento pretendemos traçar pontos de contato entre os conceitos
anteriormente estudados, procurando mostrar que alguns dos sentidos clássicos
que davam tessitura à idéia de Estado soberano, constitucional e democrático
precisam ser reformulados para que se possa dar um esteio legítimo e
razoavelmente conduzir o processo de internacionalização das normas.
Palavras-chave:
constitucionalismo, democracia, mundialização.
ABSTRACT
The objective of
this work consists in analyze classic concepts about sovereignty and
constitution like points to be revised in face of law mundialization. The
research occurs in three moments. In the first of them, we make a historic and
philosophic comparison among the classics ideas about sovereignty and constitucionalism
approaching, especially, conceptual flexibilities trough which can be passing,
in the moment, these phenomenon. In a second time we make a reflex about the
law mundialization process, approaching the possible fonts of this process, to
delimit its limits and enunciate some of its attributes. In a third moment we
intend to delineate contact points among concepts mediated in the former case,
bringing show that some of the classics senses that gave structure to
sovereign, constitutional and democratic State idea need to be revisited to
build a new genuine base for this appearance and to conduce for a reasonable
process of law internationalization.
Keywords:
constitucionalism, democracy, mundialization.
Os caminhos que levam a um direito comum
A atribuição progressiva de competências e de
capacidades dos Estados às organizações supranacionais, com a conseqüente
multiplicação dos temas tratados pelo direito internacional, assuntos que antes
eram afetos, com exclusividade, à disciplina interna das nações, é fenômeno que
induz à revisão conceitual do que seja soberania e Constituição. [01]
A soberania absoluta de Bodin, entendida como poder
de autodeterminação que não admite outro que lhe seja superior ou mesmo
concorrente dentro de um mesmo território, não existe mais.
Essa idéia sobre a soberania foi basal para a
existência e afirmação histórica do Estado moderno que, durante o
desenvolvimento de suas características, passou a trazer consigo a idéia de
Estado dos nacionais, ou Estado-Nação. Somente um poder supremo e ilimitado
poderia ser esteio existencial para o leviatã,
pois o estudo do poder no Estado moderno mostrou que, quando não existe
soberania, não há direito (no sentido jurídico do termo).
Pela capacidade normativa, cujo princípio ele extrai
da razão humana, o poder político se mostra apto para refrear e controlar os
ímpetos da força bruta; por essa aptidão, ele se caracteriza, sob a
Constituição, como criador de direito, isto é, como potência reguladora. Ora,
no Estado moderno o conceito de soberania conota essa vocação fundamental do
Poder. A soberania constituiu-se, assim, em requisito para a independência e
onicompetência do Estado constitucional moderno. [02] Exaltando-se a
supremacia e rigidez da Carta reguladora de garantias individuais, expressão
primeira da soberania normativa, anular-se-ia o risco de retorno ao absolutismo
monárquico.
A soberania leva a marca característica do poder
estatal que possibilita a autodeterminação do Estado perante outros estados
(soberania nacional ou externa). Pela soberania popular, ou interna, a
capacidade normativa é condicionada e traduz a idéia de outorga e coordenação
entre Povo e autoridade, sendo a base de todo regime democrático. A
coletividade, num dado território, ainda que através de um regime
representativo, escolhe seu próprio destino.
A primeira notícia histórica deste pensamento está
em Aristóteles, que teceu a designação "sumum imperium" para qualificar o poder dirigente, tendo
sido o primeiro a declarar que "a
majestade e forma da República" residem em sua "autoridade civil soberana" ou em
seu "comando soberano".
Não há, contudo, uma análise e uma definição desses conceitos nas obras
aristotélicas [03].
Essa análise só foi feita no século XVI por Jean
Bodin. Os seus estudos sobre o assunto serviram de base para o Tratado de
Westfália, de 1648, que consagrou o modelo de soberania externa absoluta,
iniciando uma ordem internacional protagonizada por nações com poder supremo
dentro de fronteiras territoriais estabelecidas. Também foi Bodin quem
primeiramente fixou as características da soberania na modernidade, declarando
ser ela ilimitada.
Essa autodeterminação sem limites revela a idéia de
soberania nascida nos adventos revolucionários que marcaram a passagem da idade
média para a idade moderna, fixando as bases do constitucionalismo liberal:
Revolução Gloriosa Inglesa, Revolução Francesa e lutas de independência nos
Estados Unidos da América. Esse quadro projetou-se, sem muitos questionamentos,
pelo menos até a primeira metade do século XX.
A Constituição, no contexto liberal, representa uma
técnica para manutenção da liberdade individual contra o poder arbitrário do
Estado. O pensamento era o de garantir, com um texto escrito distante da
herança consuetudinária medieval, os direitos dos cidadãos. Para atingir esta
finalidade, contudo, a Constituição deve ser necessariamente rígida e
inflexível, no sentido de que suas normas representam o ápice hierárquico de
positivação estatal, não podendo ser modificadas pelo poder legislativo ordinário
e nem interpretadas de forma ampla.
No ideário liberal, para fazer eficaz a supremacia
da Constituição é necessário estrutura-se um poder judicial para controle da
justiça da lei, ou seja, sua conformidade com a carta política, pois de outra
maneira não existiria nenhum remédio legal contra a possível violação da
Constituição pela autoridade pública. Uma vez que a Constituição é o próprio
contrato social, nenhuma ação que parta do Estado pode distanciar-se da sua
maneira de ser prevista neste documento escrito, de forma que os tratados
internacionais, dependentes de ratificação, não podem se sobrepor à lei maior
interna, expressão da soberania.
O constitucionalismo da modernidade se liga, desta
forma, ao utilitarismo presente na Doutrina de Rousseau, tendo por fim não
apenas dar uma legitimação distinta ao poder, mas alterar o seu modo de
exercício para garantir aos cidadãos liberdades políticas e civis concretas,
permitindo-lhes o livre desenvolvimento de sua personalidade. Uma luta ferrenha
para deter o absolutismo, fantasma do passado que não poderia ressurgir.
A perseguição da liberdade, contudo, não se mostrou
suficiente para consecução da plena democracia almejada pelo iluminismo, que
apesar de possuir vocação universal não impediu a crescente exploração do
homem, pelo homem, até o final do século XIX. O laisseiz-faire não gerou uma acomodação natural do homem em
posição confortável, de maneira que surgiram, no final dos oitocentos, idéias
de intervenção programática do Estado, no corpo coletivo, para favorecimento de
uma igualdade material, com uma redistribuição orientada dos benefícios
advindos do contrato social. Destaca-se, por esta época, a produção intelectual
de Karl Marx.
O liberalismo havia produzido um divórcio entre o
Estado e a sociedade, mas a isso se sucedeu um novo e imprevisto quadro de
absorção da sociedade pelo Estado. O auge da crise no constitucionalismo
liberal vem documentado pela Constituição Mexicana de 1917 e pela Constituição
Alemã de Weimar, de 1919, que abandonando o individualismo volve-se basicamente
para a sociedade através de normas programáticas. [04]
O caráter programático das normas, principal
característica do chamado constitucionalismo social, tentou fazer uma
reaproximação dos poderes constituinte e constituído, mas gerou uma crise no
conceito jurídico de Constituição, pois colocou em dúvida a própria efetividade
e eficácia do seu texto.
Importa salientar que ainda hoje um dos principais
desafios da ciência jurídica centra-se na busca de meios viáveis para a concretização
dos direitos sociais presentes nas cartas ocidentais posteriores a Weimar. Não
faltam críticos ao caráter vetorial das Constituições sociais. Para alguns esse
tipo de Constituição não representa um verdadeiro exercício de poder, pois são
formadas por duas categorias de preceitos completamente destituídos de força
coercitiva: uma parcela, que é constituída de normas que jamais passam de
programáticas e são praticamente inalcançáveis pela maioria dos Estados; e uma
outra sorte de normas que não são implementadas por simples falta de motivação
política dos administradores e governantes responsáveis. [05]
Para outros, o constitucionalismo terá dado um
largo passo a frente caso se atribua eficácia vinculante à norma programática,
não importando que a Constituição esteja ou não repleta de proposições desse
teor, ou seja, de regras relativas a futuros comportamentos estatais, pois a
incompatibilidade entre os fundamentos políticos e jurídicos da Constituição,
apesar de ser um dogma que permeia dois séculos da história da humanidade, é
algo duvidoso. [06]
De toda forma, a inclinação social dos Estados após
a virada dos anos oitocentos pontifica a retomada das preocupações com os
direitos do homem, tanto assim que os juristas da época passaram a se preocupar
em identificar princípios comuns, relativamente ao direito humanitário e outros
ramos da ciência jurídica, nas várias codificações nacionais, formando-se a
primeira Sociedade de Legislação Comparada na Europa, em 1869. Os
"comparadores" reunidos em Paris, em 1900, para o Primeiro Congresso
Internacional de Direito Comparado, imaginaram um direito que fosse comum a
todas as "nações civilizadas". [07]
A eclosão da primeira grande guerra e o surgimento
de uma teoria social do Estado como freio aos abusos humanitários decorrentes
do absenteísmo liberal marcaram a necessidade de flexibilização do direito
nacional. No início do século XX surgiu um núcleo constitucional quase uniforme
entre os países ocidentais que exigia uma postura pró-ativa do Estado na
concretização dos direitos sociais (welfare
state), ao contrário dos textos anteriores, que se limitavam a manter um
campo de força em favor unicamente do indivíduo contra potenciais violações
estatais.Nesse contexto surge a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em
1919, considerada o ponto de partida da expansão e prevalência das normas
internacionais sobre o direito interno. [08]
Após o surgimento da OIT vimos florescer, no entre
guerras, a Sociedade das Nações, criada com o propósito de tratar da resolução
dos conflitos pelo diálogo, evitando a guerra. A Liga das Nações, como ficou
conhecida, tomava por base a proposta de paz conhecida como Quatorze Pontos,
feita pelo presidente americano Woodrow Wilson, em mensagem enviada ao
Congresso dos Estados Unidos em janeiro de 1918. Wilson tinha por objetivo
fixar as bases para uma paz duradoura com a reorganização das relações
internacionais ao fim da primeira grande guerra. O pacto para a criação da
Sociedade das Nações constituiu os trinta primeiros artigos do Tratado de
Versalhes. O Senado Americano, contudo, não ratificou esse tratado, de maneira
que os Estados Unidos não se tornaram membro da Sociedade das Nações, o que
precipitou o seu enfraquecimento e contribuiu para a sua dissolução.
Após a segunda guerra mundial intensificou-se, por
urgência humanitária, a atribuição de capacidade normativa pelos Estados aos
organismos internacionais. O surgimento da Carta das Nações Unidas – ONU, em
1945, pontua o início de uma capacidade normativa que tem por esteio político
não o poder soberano de um Estado, mas a conjugação de vontades nacionais
voluntárias na tentativa de coordenar ações mínimas para garantir a paz e a
segurança mundiais no início da chamada "guerra fria". Passa-se a
obrigar, inclusive com sanções por descumprimento, as nações ratificadoras do
pacto. [09]
Esse movimento de internacionalização da capacidade
normativa propagou-se com a publicação de vários outros diplomas
internacionais, entre os quais podemos citar a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, de 1948, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ambos
de dezembro de 1966, e o Protocolo de Kyoto, em vigor desde fevereiro de 2005.
O conteúdo dessas normas internacionais demonstra
que as maiores outorgas de poder estatal têm ocorrido em relação aos direitos
humanos, direito econômico e direito ambiental, ainda que esta separação entre
ramos nos pareça cada vez mais dificultosa, pois dignidade do homem, comércio e
meio-ambiente parecem, hoje, cada vez mais ligados.
Há um elemento comum nesses direitos que os tornam
merecedores de um disciplinamento mundial uniforme. A natureza difusa dos
mesmos é de tal forma ampla que o desrespeito a esses preceitos cria riscos
globais. A título de exemplo podemos mencionar o aquecimento do planeta
provocado por violações ao meio ambiente. Os danos, nesse caso, não se limitam
aos principais emissores de poluentes da terra, sendo que as suas conseqüências
econômicas negativas são sentidas por todo o planeta. A queima de uma floresta,
uma perseguição étnica ou uma ação comercial protecionista, em qualquer lugar
do mundo, são acontecimentos que geram reflexos negativos para toda a
humanidade, de maneira que nesta seara é despiciendo se falar em nacionalidade.
No plano regional ou continental podemos citar, em
relação à reformulação do conceito de soberania, o caso relacionado à
cooperação e integração entre os Estados europeus. Essa internacionalização
normativa, calcada inicialmente na Comunidade Européia do Carvão e do Aço,
criada pelo Tratado de Paris (1951), significou a partida para a formação da
Comunidade Econômica Européia, que realmente se concretizou seis anos mais
tarde, com a assinatura do Tratado de Roma, em 1957.
Nesses últimos cinqüenta anos, o que era uma
associação entre países com vistas a um mercado comum, alargou-se e
aprofundou-se a ponto de alguns autores afirmarem que a Comunidade Européia é o
primeiro caso de renúncia formal de soberania, situação em que os Estados atribuem
às organizações internacionais o direito de estabelecer normas sobre alguns
assuntos, sem conservar para eles mesmos esse direito. Nesse caso não se fala
em simples atribuição, mas em uma transferência de competência e capacidade. Os
tratados comunitários europeus – Roma, Maastricht, Amsterdã, Nice e Lisboa -
são diplomas contundentes em relação à extinção do conceito clássico de
soberania sob ótica política. Ainda que tenha havido recusa popular em relação
à adoção de uma Constituição Européia, o conjunto destes atos internacionais
vigentes pode, muito bem, ser entendido como a própria Carta Política
comunitária, uma Constituição que, mais do que formal, é material.
Os tratados fundadores da Comunidade Européia de
Nações formam o chamado direito comunitário originário e, como acontece em um
sistema federal típico, se o juiz de um dos países, solicitado a aplicar o
direito comunitário, se vir perante um conflito entre uma norma nacional e uma
disposição comunitária, cumprir-lhe-á reconhecer a primazia da disposição
comunitária, excluindo a aplicação da norma nacional contrária, ainda que a
mesma integre a Constituição Estatal, pois esta encontra fundamento em um poder
decorrente.
Tudo isso abre espaço para discussão a respeito de
um futuro Direito Mundial. O lugar do político no direito nacional,
considerando-se a concepção liberal ainda reinante, encontra-se na
Constituição, principal e primeira demonstração de soberania estatal, de modo
que é forçoso concluirmos que a idéia de mundialização normativa impõe a
necessidade de revisão quanto a alguns dogmas do constitucionalismo. Reforça
tal necessidade um consenso mínimo ou padrão ético comum baseado no caráter
cada vez mais difuso, em nível planetário, dos direitos imanentes à pessoa
humana.
A unificação do direito, no que diz respeito às
relações internacionais, constitui uma das mais importantes tarefas de nossa
época. Alguns, ligados à visão particularista do século XX, denunciam-na como
uma quimera; no entanto, a posição quimérica é bem mais a das pessoas que
julgam poder perpetuar, no estado atual do mundo, uma situação que consagra a
anarquia nas relações internacionais de direito. [10]
No século XX era quase impossível pensar numa
realização da unificação internacional do direito substituindo os diferentes
direitos nacionais. Essa etapa, contudo, resta transposta, e as legislações
internas de quase todos os países cedem a preceitos fundamentais positivados
internacionalmente.Hoje representa desafio, diante do que entendemos por
democracia, pensar num direito supranacional uniforme decretado por um
legislador mundial.
As duas guerras mundiais interromperam o processo
pelo qual os direitos humanos fundamentais começavam a ser entendidos como
direitos naturais que extrapolam o poder de positivação estatal. Nada obstante,
foi justamente o sofrimento e o horror extremos provocados pelas práticas de
extinção étnica vividas na segunda grande guerra que fizeram com que surgisse a
percepção de que determinadas ações do Estado criam um "risco globalizado",
de maneira que a soberania não deve ser vista como absoluta e o direito
nacional não pode, em todos os casos, ser inflexível e estar no ápice
hierárquico de um sistema jurídico.
A rigidez das Constituições não encontra
justificativa diante da mundialização. Isso explica, entre outras coisas, a
formidável alteração no eixo de positivação dos direitos fundamentais, que no
pós-guerra passou a ser a principal preocupação da Organização das Nações
Unidas.
Tendo em vista o caráter tridimensional do direito
e a avançada globalização dos fatos sociais e humanos, que leva a uma
uniformização dos valores, torna-se imperioso fazer com que haja uma
descentralização do poder de criação das normas jurídicas fundamentais,
tornando pulverizada, entre os Estados pactuantes, a fonte do direito
constitucional.
A idéia de Constituição estática e legitimadora do
poder soberano, segundo a idéia de direito, é algo ultrapassado. Em seu lugar
faz-se necessária uma concepção de que há um bloco de direitos fundamentais que
extrapola as fronteiras, projetando-se para além do multiculturalismo. A
Constituição de um país deve ser aberta a tudo o que projeta o bem comum dos
povos. Este constitucionalismo de direito internacional possui correlação com
um conjunto de normas para a conduta dos Estados, cuja validade intersubjetiva
é diversa do sistema de normas fixado pelo próprio Estado político e soberano.
Esse conjunto de normas se aproxima do que podemos
denominar de direitos naturais, invocáveis ante a simples condição de humano. A
sua prevalência sobre o direito positivo decorre da sua própria antecedência,
pois por reivindicar validade em si, o direito natural é epistemologicamente
anterior e eticamente superior ao direito positivo. Disso resulta
normativamente que, em caso de conflito, o ius naturale prevalece sobre quaisquer legislações positivadas
por um único Estado. [11] Existe uma axiologia mínima e universal
para a humanidade e esta pode ser referência para um constitucionalismo de
direito internacional, justificando, a qualquer tempo, a adoção de um
verdadeiro monismo jurídico.
O processo de mundialização dos princípios
jurídicos mantenedores da paz e da dignidade humana enfrenta, contudo, diversos
desafios. Podemos citar, entre estes obstáculos, a ausência de coerência
sistêmica no plano jurídico internacional, as tensões advindas das
desigualdades econômicas entre os países, as particularidades culturais muitas
vezes antagônicas entre as nações, sobretudo quando se considera Ocidente e
Oriente e, por último, a dificuldade em se desenvolver meios de preservação do
princípio democrático num quadro de produção normativa internacional, ou seja,
como manter a vontade geral dos povos neste processo e se limitar o poder, seja
hegemônico ou contra-hegemônico.
O objetivo do presente trabalho consiste na análise
dos conceitos clássicos de soberania e Constituição como pontos a serem
revistos ou recriados em face do processo de mundialização do direito.
Concepções clássicas sobre soberania
No nascedouro, o conceito de soberania era flexível
diante do direito das gentes. Essa constatação surge quando se estuda o
fenômeno a partir da doutrina de Frei Francisco de Vitoria (1492-1546), teólogo
renascentista dominicano nascido na Espanha. É considerado por muitos o pai do
Direito Internacional Moderno, por ter sido o primeiro a traçar diretrizes
sobre a "guerra justa", antecipando-se às idéias de Hugo Grotius.
Vitoria trabalhou a dimensão externa da soberania e suas idéias, neste
particular, serviram de justificativa teórica para a conquista e colonização da
América pelos espanhóis, redundando no genocídio sobre os indígenas que
habitavam o novo mundo. Apesar da sua doutrina se ligar a essa atividade de
conquista, o autor defendia uma ordem mundial configurada como sociedade
natural de Estados soberanos, onde o Direito Internacional, conjugação das
vontades estatais, prevalece sobre o direito interno. [12]
A doutrina vitoriana foi inovadora em vários
pontos, seja na formulação da idéia de communitas
orbis, seja na criação de limites mais racionais para a guerra, ainda
que não totalmente desvinculadas de misticismo religioso (o direito de expandir
a fé católica, catequizando indígenas, era encarado como natural).
Hugo Grotius (1597-1645) marchou rumo à total
secularização, tendo a seu crédito o fato de ter formulado pela primeira vez,
ainda que cautelosamente, a "hipótese impiíssima" de prescindir do
papel constituinte de Deus na formação de um direito do gênero humano; o qual,
portanto, teria vigência ‘etiamsi
daremus Deum non esse’. [13]
Na Europa Ibérica a preeminência da fé cristã,
sobretudo personificada no catolicismo, tinha passado a ser contrastada por um
fundamento religioso diverso e não tão irrisório, em termos de força, como
aquele encontrado nas lutas de conquista do novo mundo. A ética muçulmana tinha
colocado a Europa ibérica na condição de conquistada, e com isso era preciso
tecer fundamentos mais utilitaristas para a "guerra justa", uma vez
que o direito natural de expansão do cristianismo, ainda que presente no
pensamento dos cruzados, estava órfão de uma doutrina racional que englobasse
esses novos acontecimentos.
Jean Bodin fixou, antes mesmo de Grócio, um
conceito absoluto para a soberania. Formulou definição segundo a qual a
soberania seria o poder absoluto e perpétuo de uma República. A principal
inovação de Bodin situou-se em identificar o Estado soberano como sujeito e
único titular do poder político. A definição de Estado é, assim,
jurídico-política, e permite diferençar o soberano do governo, distinguindo a
fonte do poder do seu exercício material, algo como um protoparlamentarismo. A
soberania, distanciada da responsabilização por atos de governo, concebe-se
como o princípio de independência e onicompetência do Estado moderno.
O filósofo reporta-se à tradição monárquica da
França e distingue, escrupulosamente, a forma de governo da forma de estado. A
primeira está submetida a controle. Já a segunda, essência da República,
identifica-se com o Rei e qualquer que seja o regime deve ser designada como
potência soberana que, em si, é uma summa
potestas. A substância da República precisa sempre da forma soberana.
A concepção de soberania em Bodin tem por marca, no
âmbito das relações internacionais, a ilimitação. Os Estados têm poder de
autodeterminação absoluto, de maneira que no relacionamento com outros Estados
não há necessidade de respeito a preceitos não positivados. Trata-se do
paradigma vestfaliano de 1648, segundo o qual a discricionariedade dos Estados
na escolha de suas opções diplomáticas é incondicionada, não existindo crivo a
ser colocado sobre a decisão tomada por um país. [14]
Bodin era adepto da metafísica cosmológica dos
Gregos, presente no pensamento aristotélico. Hobbes, pelo contrário, considera
que somente existe Estado soberano por força de um projeto racional e físico
(uma vez que puramente humano). Ora, o contratualismo tem justamente essa base,
ou seja, a idéia de soma de poderes individuais confiados ao Leviatã diretamente ou por delegação
representativa.A soberania do Estado é útil porque é antagônica à beligerância
do Estado de Natureza. Essa visão de poder pacificador é necessária para
contenção do caos social, numa visão de certa forma proto-utilitarista. A
soberania, para Hobbes, é daqueles que firmam o pacto inicial do Estado – o
povo - e não do monarca.
O contratualismo prosseguiu com Rousseau, que
varreu em definitivo a idéia de soberania dos príncipes. Desvendar o
significado da soberania popular de Rousseau é, no entanto, tarefa um pouco
complexa. No Contrato Social Rousseau nos revela que o homem é bom, tanto que a
sua involuntária permanência no estado de natureza (a guerra de todos contra
todos) é, para os mesmos, um prejuízo à sua conservação. De maneira que:
"como é impossível
aos homens engendrar novas forças, mas apenas unir e dirigir as existentes, não
lhes resta outro meio, para se conservarem, senão formando, por agregação, uma
soma de forças que possa arrastá-los sobre a resistência, pô-los em movimento
por um único móbil e fazê-los agir de comum acordo". [15]
O produto desta soma de forças é o Estado, que
através da soberania, característica indissoluvelmente ligada ao seu elemento
humano, persegue o bem comum. Esse acordo entre pessoas que se identificam por
vínculos geográficos, genealógicos e naturais, chamado pacto social, faz nascer
o Estado. O poder que faz esse parto está na vontade coordenada da coletividade
dos indivíduos, chamada vontade geral. A volonté
genérále, procedente do conjunto social, é que faz da multidão povo. Ela
é a soma de forças populares e pode ser identificada como a própria soberania,
por isso designada de popular.
A natureza da soberania só pode derivar do
procedimento contratual segundo o qual a multidão, unanimemente, substitui as
vontades particulares pela vontade geral: a essência da soberania se identifica
então com a vontade geral. [16] A soberania popular de Rousseau é,
portanto, o exercício da vontade geral. Essa é, a nosso ver, sua principal
contribuição teórica.
Outra contribuição marcante de Rousseau foi a
caracterização da soberania popular, que no seu entender seria inalienável e
incomunicável, ou seja, teria de haver uma forma de expressão direta da
soberania do povo, não nos moldes das democracias diretas atenienses, o que
seria hipótese pouco prática fora de uma cidade-Estado, mas partindo de uma
formulação que afastasse o regime representativo, uma vez que para Rousseau"não sendo a soberania senão o
exercício da vontade geral, jamais se pode alienar, e que o soberano, que nada
mais é senão um ser coletivo, não pode ser representado a não ser por si mesmo;
é perfeitamente possível transmitir o poder, não porém, a vontade".
[17]
Pensamos que as lições de Rousseau relativas à
inalienabilidade da vontade geral denotam a simples impossibilidade de
distanciamento entre a volição dos que exercem o poder e o querer dos cidadãos,
numa interpretação extremamente atual. O governante está sempre vinculado ao
titular do poder, sob pena da ilegitimidade do seu governo, que pode findar
mesmo antes do final da legislatura [18].
Podemos salientar que Rousseau deitou por terra toda
a base filosófica e política do antigo regime, ao proclamar que as leis, sendo
atos constituídos pela vontade geral, são impessoais e abstratas. O direito,
estando acima do titular do poder, submete mais ainda o monarca, que não é
titular de nada, tirando seu mando da vontade geral, ou nas próprias palavras
do filósofo:
"Quando digo que o
objeto das leis é sempre geral, entendo que a lei considera os vassalos em
corpo e as ações como sendo abstratas, jamais um homem como indivíduo, nem uma
ação particular" e na mesma página, relativamente à submissão de todos à
soberania popular, expressada através das leis, ponderou "que quem se
recusar a obedecer à vontade geral a isto será constrangido pelo corpo em
conjunto, o que apenas significa que será obrigado a ser livre". [19]
Rousseau definiu o Estado Democrático de Direito,
no sentido até hoje conhecido, onde o direito vincula, em termos isonômicos,
governantes e governados, e onde o ordenamento tem no povo a sua fonte, sendo
abstrato e impessoal. Isso foi muito importante sob ótica interna, pois abriu
caminho definitivamente para a limitação do poder em face da necessidade de
obediência ao princípio democrático. Se a soberania de um Estado pertence aos
cidadãos, a autoridade constituída está automaticamente limitada no exercício
deste poder, não podendo violar as liberdades individuais daqueles que
representam as partes do contrato social.
Mas será que a soberania contratualista guardava
alguma limitação no plano do direito internacional, ou nesse aspecto ela era
tão absoluta e ilimitada quanto a defendida por Bodin? É difícil encontrar em
Hobbes e Rousseau passagens em que reste explícita uma limitação da soberania
no plano internacional, mas tomando a concepção contratualista como conjunto
podemos afirmar que a gênese desta doutrina traz influências de cunho
jusnaturalista, o que pode revelar a necessidade de observância a parâmetros
mínimos, pelo Estado, no exercício da sua autodeterminação.
Sieyès também defende que a soberania pertence ao
povo, mas este, após o pacto social, transmuta-se em nação a partir da
obediência a uma lei comum e suprema: a Constituição do Estado. A nação é uma
categoria definida por Sieyès como sendo "um
corpo de associados vivendo sob uma lei comum e representados por uma mesma
legislatura". [20] A soberania é o fundamento que cria o
Estado.
Não existe Estado sem uma lei comum que seja a
expressão, dogmática ou não, de como o Estado é, a sua maneira de ser. Desta
forma, um mesmo território poderia servir de abrigo a vários Estados numa
cronologia temporal, bastando para isso que houvesse uma sucessão de
Constituições.
A idéia de representação em Sieyès é conecta com
uma soberania limitada. O filósofo francês não adota a idéia de mandato,
delegação, procuração, tal como vemos na atualidade. Ao contrário disto,
deveria haver uma total independência entre o dirigente e o povo, sem sistemas
de controle. Este controle sobre o governante adviria unicamente da
Constituição do Estado, produto de uma nação soberana.
A soberania popular e o poder constituinte
originário se confundem, mas este último sairia de cena ao cumprir a sua
missão, consubstanciada na elaboração da Constituição do Estado. Assim, o poder
popular permaneceria latente após a promulgação da Carta Política e as suas
formas de expressão após esse momento seriam, por decorrência, limitadas (poder
constituinte derivado).
A Constituição, expressão maior e primeira da
soberania popular, teria por missão proteger os direitos individuais contra a
ação dos governantes, preservando a liberdade pessoal. Há, portanto, uma
limitação aos poderes constituídos no plano internacional, pois o Estado não
poderia fazer valer, em seu território, tratados que contrariassem os preceitos
da Constituição, pois esta norma seria o produto do poder constituinte
originário, tido por inicial, ilimitado e incondicionado.
O caráter inicial deste poder está no fato de que
ele inaugura o ordenamento jurídico. A entrada em vigência da Constituição
revoga todos os atos normativos estatais pretéritos e impõe a compatibilidade
de todas as normas estatais futuras, sob pena de ter-se que expurgar
forçadamente os preceitos incongruentes sob ótica formal ou material.
Conforme lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho:
"o Poder Constituinte edita atos
juridicamente iniciais, porque dão origem, dão início, à ordem jurídica, e não
estão fundados nesta ordem". [21]
Assim, o poder constituinte é uma forma originária
de construção do Estado, tanto assim que a Constituição não retira fundamento
de validade em nenhuma outra norma precedente. Conforme nos ensina Anna Cândida
da Cunha Ferraz, o poder constituinte de Sieyès tem essas características, uma
vez que"cria a ordem jurídica,
não havendo direito, antes dele, que possa limitá-lo ou condicioná-lo".
[22]
Nas últimas décadas, contudo, o caráter ilimitado
do Poder Constituinte Originário tem se relativizado por alguns novos
personagens, entre os quais podemos destacar o chamado poder constituinte
supranacional, que se baseia na outorga de competências estatais a entidades ou
organismos internacionais. Da mesma forma, a fixação de um padrão ético
universal entre os povos revela a necessidade de submeter o poder constituinte
originário a certos valores atemporais e universais – como a liberdade,
dignidade do homem, democracia, vida. Seria absurdo, por exemplo, que a
Constituição estabelecesse uma sanção premial para todos que praticassem
homicídio, pois a preservação da vida é uma premissa natural para todo e
qualquer ordenamento. Prova-se, assim, que o poder constituinte originário não
é, de maneira alguma, ilimitado.
O constitucionalismo de ontem e hoje
O constitucionalismo liberal rompe com o
absolutismo monárquico. O crescimento econômico da Europa favorece o nascimento
de novas classes além das que compunham o primeiro e segundo Estados (nobreza e
clero). A burguesia, formada por comerciantes prósperos, rompe o delicado
equilíbrio dos estamentos e reivindica para si participação nas decisões
políticas. Some-se a esse quadro o humanismo iluminista e o anseio de retorno a
uma justiça natural típica do medievo. [23]
Na tradição absolutista os assuntos de Estado (gubernaculum) se resolvem de maneira
discricionária, e não por lei, sendo confiados à sabedoria e prudência do
monarca. Acumulam-se na figura do soberano tanto o assunto de Estado como o
poder de dizer e aplicar a lei (iurisdictio).
A coexistência destes dois poderes numa mesma figura entra em crise a partir do
final do século XVII. Ainda na idade média se reforça a necessidade de
separação entre as funções de Chefe de Estado e de criador da lei (gubernaculum x iurisdictio). Aos
estamentos sociais deve ser dado poder de crivo sobre as opções políticas do
monarca. Cria-se a Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns na Inglaterra.
Essa divisão do poder, institucionalizada com o
surgimento do parlamento inglês, representa o ataque primeiro e mais importante
ao exercício absoluto do poder pela monarquia e resultou num primeiro modelo de
separação de poderes. Esse paradigma se propagaria por todo o ocidente a partir
da influência capitaneada pela defesa doutrinária de Montesquieu, ainda que os
outros países passassem a adotar a divisão do poder sob fórmula distinta da
estruturada na Inglaterra.
O parlamento, na monarquia constitucional inglesa,
passa a impor normas que limitam o poder real, garantindo direitos individuais,
entre os quais os petition of right,
de 1628, e o Habeas Corpus Act,
de 1679. Para se manter e fazer com que haja paz e progresso a monarquia
inglesa admite essas declarações de direitos, num sistema de equilíbrio constante
baseado num consenso possível. Conforme José Levi do Amaral Júnior "A democracia parlamentar começa a tomar
forma na Idade Média. Evolui por meio da adoção de mecanismos de limitação e de
controle político do poder real. Os parlamentos surgem para limitar e controlar
o poder do rei". [24]
No mesmo sentido é a lição de Raul Machado Horta:
Há relação de
causalidade entre monarquia constitucional e regime parlamentar. O processo
histórico de redução e de controle dos poderes do Monarca e o concomitante fortalecimento
dos poderes do Parlamento conduziu ao nascimento do regime parlamentar. A
trajetória desse processo é identificável na Inglaterra, nos fins do século
XVIII, e nas monarquias constitucionais do século XIX. A institucionalização do
poder monárquico nas regras constitucionais preparou o terreno para a
implantação do regime parlamentar. [25]
Assim, há uma paulatina mudança na titularidade da
soberania na Inglaterra, que passa do Monarca ao Parlamento. Na França, o
processo de limitação do poder real foi posterior e mais traumático, resultando
de uma reação burguesa à concentração de poder nas mãos do Rei, que contava com
o apoio do clero. A bandeira das liberdades individuais foi utilizada para
fazer valer o liberalismo, conveniente à classe que passava a deter o poder
econômico e pregava um Estado não intervencionista. O processo revolucionário
francês redunda na Constituição de 1791, mas a sua importância maior não está
em seus resultados, mas na aplicação prática da filosofia iluminista. As conquistas
liberais defendidas por Robespierre e Danton não perduram, pois a ditadura
napoleônica sucede o quadro revolucionário. Isso significa o retorno a uma
situação de concentração de poder. A mudança está apenas em quem a carrega
consigo: se antes havia uma monarquia absoluta, após a Revolução Francesa
estrutura-se um governo militar também absoluto.
De toda forma, o constitucionalismo, seja na França
ou na Inglaterra, baseou-se numa pretensão de controle do governante. Sob ótica
política podemos entender o fenômeno como ligado à correta e legitima forma de
se decidir, atendo-se à preservação dos direitos estampados na Constituição,
que preservam a liberdade contra o poder arbitrário. [26]
O seu aspecto jurídico nos é revelado na pregação
de um sistema dotado de um corpo normativo máximo, que se encontra acima dos
próprios governantes – a Constituição. O objetivo é impedir o exercício
absoluto do poder, de maneira que seja vedado ao governante fazer valer seus
próprios interesses e regras na condução do Estado. [27]
É possível elegermos algumas características que
nos levem a reconhecer o fenômeno constitucional. Entre elas podemos citar a
existência de um núcleo de direitos civis que devem ser respeitados e
assegurados pelo governo; a prevalência da soberania popular; supremacia e
rigidez da Constituição; sistema democrático; divisão e limitação do poder;
caráter impessoal e abstrato das leis e instituições que monitorem e assegurem
o respeito à Constituição. [28]
O século XIX constituiu-se num período de vivência
e aprofundamento do liberalismo construído no século anterior. Esse
aprofundamento redundou num período de constituições rígidas que, nas palavras
de Paulo Bonavides, traduziam um sentimento de profunda e inevitável
desconfiança contra o poder, aquela desconfiança ou suspeita clássica do
liberalismo com sua doutrina de valorização da sociedade burguesa e
individualista [29].
As constituições do positivismo foram as que se
espalharam nos países de sistema romano-germânico durante o século XIX, a
exemplo da Lei Fundamental Belga, de 1832. A população internalizava a suprema
garantia representada pela Constituição e, a conta disto, omitia-se em cobrar
efetividade às suas normas.
Os postulados liberais passam a sofrer deturpação e
o que antes gerava a paz de espírito nos povos transforma-se em mera folha de
papel. A Constituição burguesa embebe-se de anticoletivismo, transformando-se
em expressão escrita de forças econômicas e políticas imbuídas do único
propósito de manter um Estado omisso em integrar grupos marginalizados.
O reflexo visível desta crise estampa-se na
exploração trabalhista que pontua a revolução industrial inglesa e no
fortalecimento de pseudodemocracias em Estados periféricos, entre os quais o
Brasil recém-independente. Reações acadêmicas são produzidas. Ferdinand
Lassale, Carl Schmitt e Hans Kelsen trazem novos e diferentes sentidos ao
constitucionalismo.
O sociologismo e o decisionismo marcam distinção
entre Constituição formal e material. No pós-liberalismo revela-se a
positivação de direitos fundamentais de segunda geração, prática inaugurada com
a Constituição Mexicana de 1917 [30]. Hans Kelsen define quem deve
ser o "guardião da Constituição", fixando as bases da jurisdição
constitucional concentrada.
Em reação ao positivismo dos oitocentos, a teoria
material afirma que a produção do constituinte é questionável, pois o valor e a
durabilidade da Constituição formal dependem da sua congruência com os fatores
sociais subjacentes, ou seja, com a Constituição real. Havendo choque entre as
duas, deve-se descumprir a Constituição formal. Essas idéias foram lançadas por
Ferdinand Lassale durante palestra proferida em 1863 para intelectuais e
operários da antiga Prússia, onde questionou sobre qual era a essência da
Constituição. Para o autor francês os problemas constitucionais não consistem
em problemas de direito, mas de poder, estando ligados à sociologia.
Parte-se da premissa de que ordenamento e realidade
devem ser mutuamente condicionados, pois a pretensão de eficácia jurídica está
ligada às condições sociais, bem como ao que o autor chama de substrato
espiritual de determinado povo, que são os valores que influenciam a
conformação, o entendimento e a autoridade das proposições normativas. A
Constituição visa imprimir ordem e conformação à realidade política e social,
devendo guardar congruência com essa realidade. [31]
Aprofundando o sociologismo de Lassale, Konrad
Hesse explica que a eficácia da Constituição se encontra ligada à sua
correspondência em relação aos elementos sociais, políticos, econômicos e ao
estado espiritual do presente. Para que a Constituição possa se adaptar às
mudanças que tipicamente ocorrem nos fatores reais de poder, deve-se limitar o
texto constitucional a alguns poucos princípios fundamentais. [32]
As freqüentes reformas diminuem a força normativa
da Constituição, o que compromete a sua estabilidade. A problemática da
Constituição real e da Constituição de papel liga-se à diferenciação entre
Constituição material e Constituição formal. A primeira pode ser compreendida
em duas acepções. Uma ampla, identificada com a organização do Estado: "significa a situação total da unidade
e ordenação política, ou a concreta situação de conjunto da unidade política e
ordenação social de determinado Estado". [33] Na acepção restrita, Constituição
material significa o conjunto de preceitos escritos que regulam a estrutura
estatal, sua organização política e os direitos fundamentais.
A sociologia constitucional de Lassale significou
um reencontro do Estado com a sociedade, elementos separados pelo
individualismo burguês. Lassale fincou o marco a partir do qual se inicia a
discussão sobre a constitucionalização de direitos coletivos. Restringir o
texto a um conteúdo liberal negativo (é vedado ao Estado) torna-se algo que não
satisfaz completamente os anseios sociais. É necessário impor comportamentos
positivos ao Estado em relação à consecução de seu fim maior, qual seja: a
busca pelo bem comum.
A Constituição passa a ser vista como uma obra que
representa uma opção política da sociedade. A este respeito impende ressaltar a
contribuição teórica de Carl Schmitt, cujo conjunto do pensamento sobre a
Constituição e o Direito Constitucional se encontra exposto na Teoria da Constituição, sua obra mais
sistemática. [34] Schmitt nos revela que a Constituição em seu
sentido positivo é a decisão quanto ao modo e à forma de existência de uma
determinada comunidade ou unidade política. [35] A Constituição
significa uma decisão conjunta e fundamental sobre o modo e a forma de unidade
de um povo. [36]
Diferentemente da Constituição em sentido positivo,
a lei constitucional caracteriza-se por não conter nenhuma decisão fundamental
acerca da forma e modo de existência política de uma comunidade. A lei
constitucional poderá vir a ser uma norma constitucional simplesmente em função
de sua inserção no corpo de um documento constitucional, sendo constitucional
em razão da forma e não em razão de seu conteúdo.
Carl Schmitt filiou-se ao partido
nacional-socialista alemão por convite do filósofo Martin Heidegger, mas é
importante assinalar que a adesão de Schmitt ao regime de Hitler se deu em meio
a uma série de expurgos que varreram cerca de 11% dos professores das
universidades alemãs, dentre eles vários juristas, como Hermann Heller, Hans
Kelsen e Gustav Radbruch. A filiação partidária lhe permitiu manter contatos
freqüentes com membros do alto escalão do partido nazista, tais como Hermann
Göring, Joseph Göebbels, Rudolf Hess e Heinrich Himmler. Schmitt manteve, em
aparente contradição política, amizade com intelectuais judeus como Hugo
Preuss, Walter Benjamin e Fritz Eisler – a quem dedicou a sua "Teoria da
Constituição".
Muito se discutiu sobre o envolvimento do autor com
o regime nazista, mas alguns, como Raymond Aron, defendem que isso não reflete
a realidade. [37] Não há dúvidas, contudo, de que Carl Schmitt
contribuiu para o exercício arbitrário do poder na Alemanha. Essa contribuição
está na idéia de que a guarda das garantias políticas expressas na Constituição
não poderia caber, por afronta à soberania popular, ao poder judiciário. Ao
invés da fórmula americana, de base jurisdicional, a função de controle dos
atos legislativos e governamentais contrários à Constituição caberia, na visão
de Schmitt, unicamente ao chefe de Estado, num resgate republicano da teoria do
poder neutro do monarca, doutrina estruturada por Benjamin Constant na primeira
metade do século XIX. [38]
Ora, tal assertiva era extremamente condizente com
a doutrina do partido nacional-socialista alemão, que cada vez mais era uma
agremiação governante centralizada na pessoa do führer. Uma vez que coubesse ao chefe de Estado a interpretação
prática da Constituição, estaria aberta a possibilidade de um neo-absolutismo
republicano, o que realmente veio a ocorrer.
A reação a este ponto da doutrina de Schmitt não
tardou, e veio capitaneada por Hans Kelsen, jurista austro-húngaro que foi
expurgado das universidades alemãs durante o regime nazista e que operou uma
revolução no constitucionalismo europeu do pós-guerra. Em texto publicado numa
revista de direito, em 1930, Kelsen pondera que a função política da
Constituição é estabelecer limites jurídicos ao exercício dos poderes estatais.
Desta forma, ao contrário do que pregava Schmitt, o controle dos atos emanados
do parlamento e do governo não poderia ficar a cargo de quaisquer das funções
estatais típicas. Essa tarefa deveria ser exercida por um órgão independente e
que tivesse por única missão o cotejo de compatibilidade entre a Constituição e
os atos infraconstitucionais. [39]
Tornaram-se clássicas algumas passagens em que o
jurista de Viena critica a posição de Schmitt:
"É pois
surpreendente o fato de uma nova coleção de monografias sobre direito público,
as ‘Contribuições para o direito público da atualidade’, iniciar sua série com
um trabalho que, com o título ‘O guardião da Constituição’ (Der Hüter der
Verfassung), está dedicado justamente ao problema da garantia da Constituição.
Mais surpreendente ainda, porém, é que esse escrito tire do rebotalho do teatro
constitucional a sua mais antiga peça, qual seja, a tese de que o chefe de
Estado, e nenhum outro órgão, seria o competente guardião da Constituição, a
fim de utilizar novamente esse já bem empoeirado adereço cênico na república
democrática em geral e na Constituição de Weimar em particular. O que mais
admira, porém, é que o mesmo escrito, que pretende restaurar a doutrina de um
dos mais antigos e experimentados ideólogos da monarquia constitucional – a
doutrina do ‘pouvoir neutre’ do monarca, de Benjamin Constant – e aplicá-la sem
qualquer restrição ao Chefe de Estado Republicano, tenha como autor o professor
de direito público na Berliner Handelshochschule, Carl Schmitt, cuja ambição é
mostrar-nos ‘o quanto muitas formas e conceitos tradicionais estão
estreitamente ligados a situações passadas, não sendo hoje mais nem sequer
‘vinho velho para odres novo, mas sim apenas rótulos falsos e antiquados’, e
que não se cansa de lembrar ‘que a situação da monarquia constitucional do
século XIX, com sua separação entre Estado e sociedade, política e economia,
encontra-se superada’ e que portanto as categorias da teoria do Estado
constitucional não são aplicáveis à Constituição de uma democracia
parlamentar-plebiscitária como a Alemanha de hoje". [40]
Mais adiante Kelsen pondera sobre a assertiva de
Schmitt de que o controle de constitucionalidade caberia ao chefe de Estado,
afirmando que tal idéia é contrária à própria letra positiva da Constituição:
"(...) Essa fórmula
de Constant torna-se, nas mãos de Schmitt, um instrumento capital para sua
interpretação da Constituição de Weimar. Somente com esse auxílio ele consegue
estabelecer que o ‘guardião da Constituição’ não seja, digamos – como se
poderia supor a partir do seu art. 19 -, o Tribunal Federal ou outro Tribunal,
mas sim apenas o presidente do ‘Reich’, e isso já com base na própria
Constituição em vigor, e não, por exemplo, depois de uma reforma
constitucional". [41]
Kelsen acrescenta, tecendo já características para
o tribunal constitucional, que ele deve ser o verdadeiro guarda da
Constituição, desempenhando uma tarefa distante das funções típicas do Estado:
"Para sustentar a
tese de que o presidente do ‘Reich’ seria o guardião da Constituição, Schmitt
tem que se voltar contra a instituição, freqüentemente reclamada e em muitos
Estados também concretizada, de uma jurisdição constitucional, ou seja, contra
a atribuição da função de garantia da Constituição a um tribunal independente.
Este funciona como um tribunal constitucional central na medida em que, num
processo litigioso, deve decidir sobre a constitucionalidade de atos do
parlamento (especialmente leis) ou do governo (especialmente decretos) que
tenham sido contestados, cassando tais atos em caso de sua
inconstitucionalidade, e eventualmente julgando sobre a responsabilidade de
certos órgãos colocados sob acusação. Pode-se certamente discutir sobre a
conveniência de tal instituição, e ninguém afirmará que se trata de uma
garantia absolutamente eficaz em qualquer circunstância. Mas de todos os pontos
de vista segundo os quais se possa debater o problema político-jurídico de um
tribunal constitucional central e estabelecer seus prós e contras, um ponto é
de fato insignificante: o de se tal órgão seria um ‘tribunal’ e sua função
verdadeiramente ‘jurisdicional’". [42]
Assim, passados mais de duzentos anos que o
princípio da supremacia da Constituição havia sido proclamado nos Estados
Unidos da América, em que se estruturou um controle dos atos políticos de
maneira difundida por todo o poder judiciário (controle jurisdicional difuso),
a Europa inicia a estruturação do seu modelo de controle concentrado em um
órgão independente dos poderes estatais (controle político): o Tribunal
Constitucional. A primeira Constituição a abrigar as idéias de Kelsen sobre o
controle por um órgão central foi a Carta da Áustria, de 1920. Órgãos
semelhantes encarregados do controle de constitucionalidade foram também
criados na Tchecoslováquia em 1920; na Espanha democrática em 1978; Itália em
1947; Chipre, 1960; Turquia, 1961; Iugoslávia, 1963; Guatemala, 1965 e Chile,
1925. [43]
A jurisdição constitucional é necessária, na visão
de Kelsen, para fixar um sistema que garanta a Constituição, no sentido de
manter a regularidade das regras imediatamente subordinadas à Lei Fundamental.
A noção hierarquizada do ordenamento decorre dos diferentes níveis de aplicação
do direito patrocinados pelo Estado. A Constituição é o primeiro destes níveis,
pois carrega em si uma idéia de princípio supremo determinando a ordem estatal
inteira e a essência da comunidade constituída por essa ordem.
Como a atividade de controle encerra a
contrariedade de interesses políticos, inclusive com a atividade de
responsabilização constitucional e civil dos órgãos que viessem a produzir atos
irregulares, ao Tribunal Constitucional devem ser outorgadas garantias pela
própria Constituição. Entre estas garantias impende frisar as que são
consideradas por Kelsen como típicas da jurisdição: inamovibilidade e
irredutibilidade de proventos. Contudo, a preocupação maior deve ser com a
garantia de independência, que envolve a forma de escolha dos membros do
Tribunal Constitucional. Uma parte das vagas deve ser preenchida por eleições
realizadas pelo parlamento, enquanto outras seriam preenchidas por indicação
dos próprios membros que já integrem o Tribunal Constitucional e, por último,
para manutenção de condições técnicas, deveria haver o preenchimento das demais
vagas através do recrutamento de juristas em Faculdades de Direito.
No Brasil adotou-se um modelo híbrido de repressão
aos atos inconstitucionais. Trata-se de uma junção de características do
critério difuso e concentrado. Alguns problemas se verificam. A decisão tomada
na via difusa não opera os efeitos gerais e vinculantes próprios de um sistema
de common law, onde a
jurisprudência é fonte formal do direito. Isso pode ensejar uma afronta à
isonomia material, uma vez que as decisões judiciais brasileiras podem ser
diferentes para uma mesma situação. O controle concentrado é feito pelo Supremo
Tribunal Federal, que integra o poder judiciário, tem ministros não eleitos e
desempenha outras missões além do controle de constitucionalidade. Desta
maneira, a Excelsa Corte brasileira não possui os requisitos exigidos por Hans
Kelsen para um Tribunal Constitucional.
Uma ética global e voluntária para um direito
mundial
A preocupação com a supremacia constitucional é
algo, contudo, ultrapassado. Ao contrário do que pregava Sièyes, o poder
constituinte originário deve permanecer após a entrada em vigor do texto
constitucional, pois é este poder difuso, anônimo e político que manterá a
força normativa da realidade e do meio social. Trata-se, em outras palavras, de
uma faticidade que transforma a Constituição e a rejuvenesce. O poder
constituinte remanescente não desampara a Constituição depois de feita, antes a
acompanha e modifica. Esse poder, que dinamiza o sistema de garantias,
exercita-se por múltiplas vias na concepção atual. [44]
Uma destas vias nos é revelada através do resgate e
da reestruturação de alguns ideais jusnaturalistas, ainda que distantes da
concepção que encara o direito como absoluto e válido para sempre. Esse
resgate, ao contrário, baseia-se numa ética difusa, segundo a qual ao lado do
texto escrito existem preceitos gravados na consciência social e postos em
evidência pela competição dos grupos componentes da sociedade. Esses preceitos
suplantam a imagem de Constituição como produto da soberania de um Estado, pois
são onipresentes e difundidos em nível global a partir da idéia de
solidariedade. Como nos explica Leonardo Boff, em seu Ethos mundial, todos os seres estão relacionados entre si e por
isso são reciprocamente solidários. [45]
Para o autor brasileiro, esta é a lei do universo,
mas não só: a solidariedade é uma categoria política, e foi em toda a história
da humanidade condição essencial ao desenvolvimento e a sobrevivência. Ao mesmo
tempo, o homem, enquanto ser de um planeta – parte de um todo – é diretamente
responsável por tudo que lhe diz respeito e, para sobreviver, tem o dever de
ser solidário para com os outros.
Dessa forma, responsabilidade de todos e
solidariedade entre todos estão intrinsecamente ligadas ao novo modelo
democrático, à democracia participativa em escala global. Calcada na ética da
solidariedade, a concepção democrática moderna possibilita uma efetiva e real
participação de toda a humanidade na gestão de interesses mundiais.
Essa democracia planetária nasce de uma
reformulação no conceito de Estado de Direito, por força do fim do Estado
nacional como monopólio exclusivo de produção jurídica. A solução da crise pela
qual passa o Estado de direito encontra-se na perspectiva de um
constitucionalismo de direito internacional, disseminado pela Carta da ONU e
por muitas declarações e convenções internacionais sobre direitos humanos. Tais
atos, até os dias de hoje, são desmentidos pelos bloqueios econômicos, pelo
recurso à guerra como meio de solução dos conflitos internacionais, pelo
aumento das desigualdades e pela rígida clausura das fortalezas
"democráticas" do primeiro mundo ante a pressão dos excluídos em
países periféricos. As deportações de latino-americanos, africanos e asiáticos
em aeroportos norte-americanos e europeus são cada vez mais freqüentes.
É certo que no espaço de poucas décadas, os atuais
processos de integração nos conduzirão, de todos os modos, a uma ordem jurídica
global. A qualidade desta nova ordem dependerá da política e do direito
calcados na vontade de dar alguma atuação a um projeto racional de uma ordem
internacional informada pelo paradigma de um constitucionalismo universal, do
qual depende a paz e a própria segurança da democracia. [46]
Nesse sentido é que se alude ao respeito, pelo
poder constituinte, à situação histórica da comunidade política, aos ideais de
Justiça, ao Direito Internacional, a um Direito Natural, a grupos de pressão
(presentes em toda Assembléia Constituinte), a crenças ou a uma realidade
social subjacente e limitadora do poder constituinte (o fenômeno da
normalidade, na visão de Hermann Heller), ou a princípios superiores de
convivência humana ou entre países. Esse conjunto fático está presente no
fenômeno da internacionalização do poder constituinte, pois precisamente por
derivar de compromissos institucionais assumidos pelo Estado, a
internacionalização representa, essencialmente, esse movimento incessante de
interação, em todos os níveis, que está na base da vida política da sociedade.
A ilimitação e o caráter incondicionado do poder
constituinte originário, titularizado na soberania, é um mito. A arquitetura
hierárquica escalonada por Kelsen e conhecida de todos os operadores do direito,
não resiste à pressão fática calcada em valores cada vez mais universais e que
crescem diante da experiência histórica. A história é objetiva e lógica ou,
como expressou Gadamer "é uma
fonte de verdade muito distinta da razão teórica". [47]
Conforme aponta Luís Cláudio Coni:
"(...) a inserção
do Estado na comunidade internacional, por meio da celebração de Tratados que,
cada vez mais, impedem a oposição de reservas, amplia a recepção de cláusulas
pactuadas que são frequentemente inconstitucionais. Sendo assim, resta proceder
à revisão constitucional para a devida conformação (agora, de fato, da
Constituição ao Tratado) ou, simplesmente, denunciar o Tratado. Não resta
dúvida, a este ponto de interdependência global e de necessidade de ampliação
dos mercados, sobre qual será a resposta jurídico-política a esse problema.
A internacionalização do
Poder Constituinte, portanto, provoca um deslocamento dos grandes equilíbrios
institucionais do Estado, porque as normas internacionais interferem na
formação das normas internas, materiais ou processuais, e afetam as próprias
estruturas estatais, a saber, a organização política e a distribuição de
competências". [48]
É necessário, assim, um deslocamento do
constitucionalismo, que deve passar do plano nacional para o internacional, com
garantias de direito positivo invocáveis por todo homem. Apesar de já existirem
normas internacionais voltadas para essa perspectiva (Carta da ONU, Declaração
Universal dos Direitos do Homem), estes documentos têm tido força apenas retórica,
pois não encetam no seu texto meios de coerção que possam ser executadas no
caso de desrespeito aos direitos humanos e contra as violações da paz.
[49]
A internacionalização do direito resgata valores
que haviam se esvaído em contato com a multiplicidade constitucional dos
Estados nacionais e podemos afirmar, ainda que pecando por excesso de
idealismo, que esse neo-jusnaturalismo, no sentido de uma axiologia mínima e
universal para a humanidade, significa a teleologia maior do fenômeno
constitucional em nossos dias. [50]
Assim como Bachelard nos revela que as forças
imaginativas da mente levam sempre ao primitivo e eterno, também as forças
imaginativas dos juristas comparadores buscam algo que seja universal ou
universalizável, ainda que não seja eterno. Cabe ao direito internacional
transpor os obstáculos a essa procura. Entre esses obstáculos podemos citar a
descontinuidade normativa, os desequilíbrios de poder em nível global e o
dilema entre o relativismo normativo e o universalismo filosófico de valores. [51]
No plano de fatos internacionais concretos, Segundo
o Professor Nicolas Maziau (Université
de Toulon et du Var, França), existem três níveis de internacionalização
do poder constituinte. [52]
O primeiro nível ocorre quando as relações
internacionais do Estado enquadram o poder constituinte derivado, que fará o
trabalho de adequação da Constituição aos Tratados, através da sua reforma
pontual.
No segundo nível pode ocorrer a internacionalização
parcial do poder constituinte originário. Essa internacionalização parcial
poderá decorrer de um Tratado celebrado ou da força normativa dos fatos. Nesse
caso, não se trata de um enquadramento do poder constituinte derivado, pois a
adequação que se quer operar na Lei Fundamental diz respeito à materialidade constitucional,
em regra protegida pelo apanágio da super-rigidez consubstanciada em cláusulas
"pétreas".
No terceiro nível, segundo Maziau, teríamos a
chamada "heterodoxia constitucional" ou "heteronomia completa da
Constituição", onde o estatuto político emana, por completo, de uma fonte
de direito internacional, estranha ao conceito de soberania popular defendido
por Rousseau ou Sieyès. Neste caso, a Constituição é criada por um ato
supranacional estranho à decisão dos cidadãos que vão sofrer os efeitos daquele
diploma. O exemplo relacionado a esse nível seria aquele protagonizado pelos
Acordos Internacionais de Dayton, onde o anexo IV passou a ser a Constituição
da recém-criada Bósnia-Herzegovina, em 1995. O texto, neste caso, foi elaborado
e aprovado pela Organização das Nações Unidas - ONU, sem a participação da
população que seria regida por aquele diploma. O organismo internacional apenas
ratificou, formalmente, a soberania do país, surgido a partir do conflito nos
Bálcãs.
Em todos esses três níveis de internacionalização o
que se constata é a relativização do conceito de soberania e de toda forma de
poder normativo centrado unicamente no Estado. A ascensão de novas fontes de
produção jurídica, situadas em nível externo, leva a uma real perda de poder soberano
pelo Estado. O fenômeno das integrações regionais exclui diversos tópicos da
capacidade decisória estatal. Esses assuntos passam a ser regidos por meio de
acordos internacionais.
A origem da soberania não está mais em um único
povo circunscrito a um dado território, mas no homem em qualquer parte que
esteja. Para ser fonte deste poder basta ter em si a condição humana, e não a
condição de nacional. Da mesma forma, o limite da soberania está agora em seu
conteúdo e não nas fronteiras do Estado. Uma decisão prolatada por um Estado e
que repugne a natureza humana não pode ser mais considerada expressão de
soberania unicamente por ter sido tomada por uma instância de poder
independente e geograficamente delimitada. Existe um parâmetro mínimo e universal
de humanidade a ser respeitado. [53]
Uma sociedade mundial somente se viabiliza através
de um consenso ético. Alguns dirão, certamente, que a existência de um
entendimento e concordância concernentes a determinados valores e normas em
nível global seria uma grande ilusão: o ápice do idealismo na teoria das
relações internacionais. É verdade que a diversidade tem sido um dos próprios
fatores que justificam a existência de Estados, pois se todos fossem iguais
nada justificaria, por exemplo, o nacionalismo cultural ou o fundamentalismo
religioso. Contudo, a diversidade pode ser encarada também como fator que torna
indispensável um consenso ético, pois se ele não existir não haverá garantia
alguma para o homem em face da crescente entropia nas relações internacionais.
Conforme estudos do historiador americano Samuel
Huntington, a política mundial se redesenha, nos dias atuais, segundo linhas
culturais e, portanto, presa mais a valores do que a fatos. Os conflitos mais
abrangentes, importantes e perigosos não se dão entre classes sociais, ricos e
pobres, ou entre outros grupos definidos em termos econômicos (como anunciava
Marx), mas sim entre povos pertencentes a diferentes entidades culturais. As
guerras tribais e os conflitos étnicos tornam-se as principais razões para a
guerra. Entretanto, a violência entre Estados e grupos de civilizações
diferentes carrega consigo o potencial para uma escalada na medida em que
outros Estados e grupos dessas civilizações acorrem em apoio a seus ‘países
afins’. Existem linhas de fratura entre civilizações, sobretudo entre os
valores culturais do Ocidente e a cultura e religião islâmica, o que pode
envolver choques em face de fatos atuais. As pretensões universalistas do
Ocidente o levam cada vez mais para o confronto com outras civilizações, em
especial, com o Islã. [54]
Alguns pensadores de linha católica, entre os quais
se destacam Hans Küng [55] e o teólogo brasileiro Leonardo Boff
[56], defendem um projeto de ethos
mundial para preservação da democracia e da paz. Para fundar uma ética
planetária a humanidade precisa criar certos consensos, coordenar certas ações,
coibir certas práticas e elaborar expectativas e projetos coletivos com uma
referência ética e moral comum em face da interdependência humana.
É preciso uma superação do
"logocentrismo" grego e das cogitações cartesianas para que o homem
chegue a uma capacidade de sentir, afetar e ser afetado, pois o sentimento é,
em si, uma forma de conhecimento. O logos
e o pathos devem se
conjugar para promover uma identificação transformadora do homem em face da
realidade. Essa realidade está impregnada de riscos globais que impõem dever de
cuidado ou responsabilização pela falta com este dever.
"O cuidado expressa
a importância da razão cordial, que respeita e venera o mistério que se vela e
re-vela em cada ser do universo e da Terra. Por isso, a vida e o jogo das
relações só sobrevivem se forem cercados de cuidado, de desvelo e de atenção. A
pessoa se sente envolvida afetivamente e ligada estreitamente ao destino do
outro e de tudo o que for objeto de cuidado. Por isso o cuidado provoca
preocupação e faz surgir o sentimento de responsabilidade". [57]
Percebe-se, desta forma, que a ética global envolve
um patamar mínimo de garantias para a dignidade humana. Essas garantias se
relacionam, contudo, a diversos direitos difusos que cercam o homem, entre os
quais podemos salientar a liberdade, igualdade, o meio-ambiente, a segurança, a
proteção contra a fome, a livre existência étnica e cultural. Entre a crença em
padrões unicamente regionais e o pluralismo radical há aqueles que acreditam na
existência, entre os homens de diferentes culturas, nações e religiões, alguma
coisa em comum que possa ser posta em evidência: padrões éticos de validade
universal.
Frise-se, contudo, que não se trata de um consenso
integral ou total, concordância plena, mas um mínimo de valores, normas e
atitudes que sejam comuns a todos os homens. Portanto, um consenso mínimo.
"Consenso ético
quer dizer a concordância nos padrões éticos fundamentais que é necessária para
a sociedade pluralista de hoje, que apesar de todas as diferenças de orientação
política, social ou religiosa pode servir como a base mais reduzida possível
para a convivência humana e o agir comum". [58]
Existe, conforme aponta Michael Walzer, um elemento
universal na percepção dos conflitos políticos. [59] Entre esses
elementos estão a verdade e a justiça. Contra todos os que de maneira
regionalista ou relativista contestam as idéias de valores universalmente
válidos e de exigências morais, é preciso tornar claro que existe algo assim
como um "núcleo da moral": todo um feixe de padrões éticos
elementares, nos quais se incluem o direito fundamental à vida, ao justo
tratamento (também por parte do Estado), à integridade moral e psíquica. Walzer
chama isto de uma "moral mínima", ou um "minimalismo
moral". [60]
A mundialização imposta por riscos globais
O utilitarismo estatal, frente a valores
universalmente válidos, é completamente insuficiente para fundamentar deveres
normativos que se projetem como meios para alcance de uma justiça
intercultural. O contrato social de um determinado Estado, pretensamente
exposto através de sua Constituição, não possui a força de garantir valores
universais voluntariamente queridos e, além disso, cada vez mais necessários à
manutenção de uma existência digna para todos os povos. A mundialização, que já
foi encarada como simples opção, transforma-se a cada dia em imposição.
O direito mundial também parte de uma premissa
involuntária. O crescimento populacional para um patamar de 10-11 bilhões de
pessoas é previsto para ocorrer ainda no século XXI. [61] Esse dado
nos leva a indagar sobre a possibilidade de um desenvolvimento planetário
sustentável. Não parece haver dúvida de que a Terra é finita e os sistemas de
suporte da vida são limitados.
O meio ambiente está ligado ao valor mais
universal, que é a vida. A atividade humana em diversos setores cria,
entretanto, riscos à necessária preservação ambiental. É ilógico consagrar um
modelo de desenvolvimento que não se equacione com a manutenção dos recursos
naturais do planeta. [62] Esse equacionamento, uma vez que guarda
inerência com a própria preservação do homem, não pode, por outro lado, ser
tratado de maneira desordenada e não uniforme por Estados diferentes.
As normas de Direito Ambiental Internacional tentam
encontrar, de modo forçado, o equilíbrio entre a atividade econômica e a
preservação do meio ambiente, para sobrevivência da geração atual e das
futuras. Fere o conceito mais basal de justiça que determinado país possa
desenvolver-se à custa da qualidade de vida humana, sendo certo que quando se
escreve "humana" há um distanciamento completo em relação às noções
de cidadão ou estrangeiro, pois nesta seara tanto faz.
O Protocolo de Kioto, por exemplo, é um acordo
internacional que estabelece metas de controle dos gases causadores do
aquecimento global. Os efeitos deste aquecimento são ou serão sentidos tanto
por países comprometidos com a redução das emissões como por aqueles não
comprometidos. A pergunta, diante desta realidade, é a seguinte: existe alguma
soberania que possa embasar uma negativa estatal em se colaborar com a
prevenção do efeito estufa? Parece-nos que a resposta é necessariamente
negativa.
Na nova ordem mundial operam forças sociais,
econômicas e políticas em escala mundial. Estas forças desafiam e reduzem os
espaços de poder da nação, mesmo em pontos de maior expressão política, onde se
situa o constitucionalismo de base liberal, o que obriga reformulações
profundas em seus projetos nacionais.
É viável pensar-se num governo supranacional, num
governo global?
Para respondermos a esta pergunta é preciso
assinalar, antes de tudo, que a mundialização não significa homogeneização,
similaridade ou igualdade no sentido de nulificação de nacionalismos e regionalismos.
Estes muitas vezes são milenares e permanecem em estado letárgico, sendo
despertados justamente pelo valor global da liberdade, que compõe o processo de
mundialização.
Cordani pontua, em relação à extinta União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas, que:
"(...) mais de 70
anos de domínio por um governo centralizado e potente não foram suficientes
para apagar a identidade das muitas nações e etnias que faziam e fazem parte da
Rússia, hoje ela mesma remanescente do que foi a União Soviética, tendo de
encarar fortes movimentos separatistas, como os que ocorrem na Ossétia ou na
Tchetchênia". [63]
A mundialização impõe reformulação nas condições de
soberania e de hegemonia. Neste processo, concordamos com aqueles que defendem
a idéia de que a Organização das Nações Unidas poderia ser o embrião de um
poder político central, mundial. Entretanto, com seus 50 anos de vida, ela
continua sendo muito mais uma promessa. Com suas diversas ramificações, vem se
constituindo em espaço para discussões intermináveis, além de centro de
decisões tímidas e ações burocratizadas, de pouca eficácia e praticidade. A
guerra no Iraque simplesmente chancelou essa timidez.
Octávio Ianni nos ensina, a este respeito, que:
"Somente no âmbito
de uma sociedade global aberta, uma espécie de sociedade civil global, isenta
das estruturas de dominação que garantem a alienação de muitos por alguns,
somente nessa sociedade pode nascer o cidadão do mundo. Neste caso, a cidadania
traz consigo a soberania, traduzindo a essência da hegemonia". [64]
Conclusão
Já existe um direito mundial, ainda que
minimalista. Esse direito comum para a humanidade possui, na atualidade, um
caráter essencialmente programático, como denotam os tratados da ONU sobre
direitos humanos. Isso significa que ainda existe um longo caminho rumo a uma
verdadeira força normativa para estes documentos, mas demonstra, por outro
lado, que alguns pilares do Direito Público, tais como a soberania e o
constitucionalismo, já foram atingidos por este processo e são, neste momento,
objeto de profunda reformulação.
Esses três fenômenos: soberania, constitucionalismo
e mundialização, podem inclusive ser entendidos como integrando uma linha
evolutiva e interdependente na história do Direito Político.
A noção de soberania absoluta, que ajudou a fundar
e manter o absolutismo monárquico europeu, ruiu diante da idéia de subordinação
indistinta aos ordenamentos nacionais, que ainda hoje têm por base a limitação
do poder dos governantes, paradigma maior do constitucionalismo e da
democracia. Essas duas últimas categorias, por seu turno, são confrontadas,
hodiernamente, pelos novos parâmetros impostos pela universalização dos valores
basais do homem.
É claro que a transição entre soberania absoluta e
constitucionalismo não ocorreu de forma imediata, assim como não está sendo
imediata a transição entre o constitucionalismo estatal e o direito mundial.
Essa última transformação já conta mais de cem anos.
A soberania, que na sua gênese medieval cedia ao
direito das gentes, conforme demonstra Francisco de Vitória, cobriu-se de
inflexibilidade por força do pensamento de Bodin e Grotius, tendo assim
permanecido, como conceito absoluto, até a metade do século XX.
O monarca deixou de ser expressão da soberania
absoluta no bojo das revoluções liberais que solidificaram o constitucionalismo
como movimento em prol da limitação do poder. A Constituição passou a ser
entendida como expressão da soberania por força, sobretudo, da obra de Sièyes.
Isso originou a era das Constituições super-rígidas, pois se partia da idéia de
que nada podia estar acima da Carta Política de um Estado, nem mesmo o direito
das gentes.
Os primeiros questionamentos sobre a rigidez
absoluta das Constituições nos foram trazidos através das chamadas teorias
materiais, onde se destacam o sociologismo de Ferdinand Lassale e o
decisionismo de Carl Schmitt. As teorias materiais foram aprofundadas pelo
integracionismo de Rudolf Smend e o historicismo de Gadamer.
Para esses autores, numa síntese que nem de longe
revela a grandeza dos seus pensamentos, a Constituição é, em essência, o que a
dinâmica social e política mostra a cada dia, e como os fatos e valores estão
em constante mutação, a rigidez constitucional é um mito.
Ademais, a concretização dos preceitos
constitucionais deve ocorrer a partir de uma integração constante com os
anseios sociais, considerando-se a renovação do direito todas as vezes que o
mesmo é aplicado, pois nesse processo de aplicação há sempre um choque entre os
horizontes históricos do legislador e os do juiz. Desse choque é que nasce a
Constituição real, aquela que desvenda a vontade humana.
O positivismo de Hans Kelsen, apesar de ter
aprofundado a noção de supremacia da Constituição no âmbito interno,
revelou-nos que, no universo puro do Direito as relações internacionais não
podem ser vistas como algo estranho ao Estado (monismo jurídico). Assim, há de
se ter em vista a supremacia do direito internacional, uma vez que o mesmo
representa uma vontade conjugada e supra-estatal.
Isso foi decisivo para que se retomasse a idéia de
supremacia do direito das gentes diante das especificidades normativas
nacionais. A partir desse marco, e tendo em vista a necessidade de preservação
da paz em face dos horrores da segunda guerra mundial, os Estados passaram a
atribuir competências e capacidades a organizações supranacionais com o
objetivo de que determinados valores fossem mantidos a salvo de eventuais
soberanias absolutas, desvirtuamentos de poder patrocinados por algum déspota
ou ditador faminto por conflito. Retoma-se o sonho kantiano de paz perpétua.
Propaga-se o ideário de que existe uma ética mínima
e universal, um consenso axiológico que perpassa as fronteiras do Estado e que
pode ser o conteúdo, a matéria de um constitucionalismo de Direito
Internacional. O documento que mais se aproxima deste ideário é lançado pelas
Nações Unidas em 1948 e subscrito por mais de cento e cinqüenta países,
iniciando o debate sobre um Direito comum em nível planetário, vinculando todos
os povos e nações.
A mundialização significa a positivação de direitos
naturais em nível global a partir da constante identificação de valores que
ultrapassam a noção de povo e território.
Tal processo está em curso, e demanda a superação
de diversos desafios, entre os quais podemos destacar a crescente complexidade
do direito internacional, as desigualdades econômicas, culturais e religiosas
entre as nações e um questionamento ainda não resolvido sobre quais seriam as
vias de legitimação democrática de um Direito Mundial.
Referências
BOBBIO, Norberto. Nazioni e diritto: Umberto Campagnolo allievo
e critico de Hans Kelsen, Roma: Diritto e cultura, 1993.
BODIN, Jean. The six books of the Commonwealth.
Oxford: Basil Blackwell Oxford, 1955.
BOFF, Leonardo. Ethos mundial: um consenso mínimo entre os humanos. Brasília:
Letraviva, 2000.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 21. ed. Malheiros editores: São
Paulo, 2007.
CONI, Luís Cláudio. A internacionalização do poder constituinte. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2006.
CORDANI, Umberto C. As ciências da terra e a mundialização das sociedades.
Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ea/v9n25/v9n25a03.pdf
DAVID, René. Os
grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes,
2002.
DELMAS-MARTY,
Mireille. The imaginative forces of
law. Beijing: Chinese Journal of International Law, 2003.
_______________. Três desafios para um direito mundial. Rio de Janeiro: Lumen
Júris, 2003.
DROMI, José Roberto. La reforma constitucional: el
constitucionalismo del porvenir. In: El derecho público de finales del siglo: Una
perspectiva iberoamericana. Madri: Fundación BBV, 1997.
FERRAZ, Anna Cândida da Cunha Ferraz, O poder constituinte do estado-membro.
São Paulo: RT, 1979.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, O poder constituinte. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 1999.
GADAMER. Hans Georg.
Verdade e método, 4. ed., Petrópolis: Vozes, 2002.
GOYARD-FABRE,
Simone. Os princípios filosóficos do direito político
moderno.São
Paulo: Martins Fontes, 2002.
GROTIUS, Hugo. O direito da guerra e da paz. 2. ed, Volume II, Ijuí: Unijui,
2002.
HESSE, Konrad. Escritos de derecho constitucional. Madri: Centro de Estudios
Constitucionales, 1983.
HECK, José N. Jusnaturalismo e dialética. Goiânia: UFG. Disponível em: www.ufg.gov.br.
Acesso em: 21 jun. 2006.
HUNTINGTON, Samuel. O choque de civilizações. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.
IANNI, Octávio. A sociedade global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1992.
KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. Martins Fontes: São Paulo, 2003.
KÜNG, Hans. Uma
ética global para a política e a economia mundiais. Petrópolis: Vozes,
1999.
LASSALE, Ferdinand. Essência da constituição. São Paulo: Líber Júris, 1999.
MATTEUCCI, Nicola.
Organización del poder y libertad.
Madrid: Trotta, 1998.
MAZIAU, Nicolas. L’internationalisation du pouvoir
constituant. essay de typologie: le point de vue heterodoxe du
constitutionnaliste. Paris: Revue Generále de Droit International, p.
549-579, 2002-3.
POLETTI, Ronaldo. O controle da constitucionalidade das leis. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1997.
ROCHA. Maria Elisabeth Guimarães Teixeira. Limitação dos mandatos eletivos.nova visão
do contrato social. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2000.
ROUSSEAU,
Jean-Jacques. O contrato social e outros escritos. São Paulo:
Cultrix, 2004.
SCHMITT, Carl. Teoría de la constitución. Cidade do México:
Nacional, 1981.
SIEYÈS, Emmanuel. Qu´est-ce que le tiers état? (1789), Rio de
Janeiro: PUF, 1982.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 23
VARELLA, Marcelo Dias. A crescente complexidade do sistema jurídico internacional: alguns
problemas de coerência sistêmica. Brasília: Revista de Informação
Legislativa do Senado Federal, ano 42, nº 167, jul/set 2005, separata.
WALZER, Michael. Thick and thin.moral argument at home and
abroad. Paris: Notre Dame Press, 1994.
Notas
1.
VARELLA, Marcelo Dias. A crescente complexidade do sistema jurídico internacional: alguns
problemas de coerência sistêmica. Brasília: Revista de Informação
Legislativa do Senado Federal, ano 42, nº 167, jul/set 2005, separata.
2.
GOYARD-FABRE,
Simone. Os princípios filosóficos do direito político
moderno.
1a ed, São Paulo: Martins Fontes, 2002.
3.
A autora francesa Simone Goyard-Fabre cita o texto
"Methodus", de Jean Bodin, escrito em 1556, para fundamentar essa sua
posição. Cf. GOYARD-FABRE, Simone. Os
princípios filosóficos do direito político moderno. 1a. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2002, p.123.
4.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21a ed. Malheiros
editores: São Paulo, 2007.
5.
DROMI, José Roberto. La reforma constitucional: El
constitucionalismo del porvenir. In: El derecho público de finales del siglo: Una
perspectiva iberoamericana. Madri: Fundación BBV, 1997.
6.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21a ed. Malheiros
Editores: São Paulo, 2007.
7.
DELMAS-MARTY, Mireille. Três desafios para um direito mundial. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2003.
8.
VARELLA, Marcelo Dias. A crescente complexidade do sistema jurídico internacional: alguns
problemas de coerência sistêmica. Brasília: Revista de Informação
Legislativa do Senado Federal, ano 42, nº 167, jul/set 2005, separata.
9.
A Carta das Nações Unidas foi assinada em 1945
pelos países em guerra contra o Eixo, reunidos em San Francisco, nos Estados
Unidos, com o objetivo de garantir a paz e a segurança mundiais e instituir,
entre as nações, uma efetiva cooperação econômica, social e cultural. No mesmo
momento entrou em vigor o Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Ambos os
documentos passaram a viger em 24 de outubro de 1945.
10.
DAVID,
René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes,
2002.
11.
BOBBIO,
Norberto. Nazioni e diritto: Umberto
Campagnolo allievo e critico de Hans Kelsen, Revista Diritto e cultura, 1993, pp.117-132
12.
FERRAJOLI,
Luigi. A soberania no mundo moderno.
São Paulo: Martins Fontes, 2002. Tradução de Carlo Coccioli e Marcio Lauria
Filho.
13.
GROTIUS,
Hugo. O direito da guerra e da paz. 2a. ed, Volume II, Ijuí: Unijui,
2002.
14.
BODIN, Jean. The six
books of the Commonwealth. Oxford: Basil Blackwell Oxford, 1955. Tradução para o
inglês de M. J. TOOLEY. Disponível no formato digital em http://www.constitution.org/bodin/bodin_.htm.
15.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social
e outros escritos. Introdução e tradução de Rolando Roque da Silva. São Paulo: Cultrix,
2004. p.30
16.
GOYARD-FABRE, Simone. Os princípios filosóficos do direito político moderno. 1a
ed, São Paulo: Martins Fontes, 2002.
17.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social
e outros escritos. Introdução e tradução de Rolando Roque da Silva. São Paulo: Cultrix,
2004. p.38.
18.
ROCHA.
Maria Elisabeth Guimarães Teixeira. Limitação
dos Mandatos Eletivos. Nova Visão do Contrato Social. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2000.
19.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social
e outros escritos. Introdução e tradução de Rolando Roque da Silva. São Paulo: Cultrix,
2004, p.32-33.
20.
SIEYÈS, Emmanuel. Qu´est-ce que le tiers état? (1789), Rio de Janeiro: reedição PUF, 1982.
21.
FERREIRA
FILHO, Manoel Gonçalves, O poder
constituinte. 3 ed. São Paulo, Saraiva, 1999, p.15
22.
FERRAZ,
Anna Cândida da Cunha Ferraz, O poder
constituinte do Estado-Membro. São Paulo, RT, 1979.
23.
MATTEUCCI, Nicola. Organización del Poder y Libertad. Madrid: Trotta, 1998, p.25.
24.
AMARAL
JÚNIOR. José Levi Mello do. O poder
legislativo na Democracia Contemporânea. A função de controle político dos
parlamentos na democracia contemporânea. In: Revista de Informação Legislativa, n. 168, pp. 7-17, out/dez.
2005. p. 8.
25.
HORTA, Raul
Machado. Direito Constitucional.
4ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.658
26.
MATTEUCCI, Nicola. Organización del Poder y Libertad. Madrid: Trotta,
1998.
27.
TAVARES,
André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:Saraiva, 2003.
28.
HENKIN, Louis. NEUMAN, Gerald L. ORENTLICHER, Diane F. LEEBROM,
David W. Human Rights. New
York: The foundation press incorporated, 1999
29.
BONAVIDES,
Paulo. Curso de Direito Constitucional.
21a ed. Malheiros editores: São Paulo, 2007, p. 225.
30.
Alguns
autores, entre os quais impende destacar Paulo Bonavides, colocam a
Constituição Bolivariana de 1811 (Venezuela), como sendo a precursora na
positivação de direitos sociais. Vide palestra proferida pelo professor da
Universidade Federal do Ceará na UNAM – Universidade Autônoma de Madri/Espanha,
sob o título "Constitucionalismo social e democracia participativa",
disponível em http://www.juridicas.unam.mx/sisjur/constit/pdf/6-234s.pdf.
31.
LASSALE,
Ferdinand. Essência da Constituição.
Trad. Walter Stoner. São Paulo: Líber
Júris, 1999.
32.
HESSE,
Konrad. Escritos de Derecho
Constitucional. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1983.
33.
SILVA, José
Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 23
34.
SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. México: Nacional, 1981.
35.
SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. p. 15-23.
36.
BONAVIDES,
Paulo. Curso de Direito Constitucional.
Malheiros editores, São Paulo: 2007, p. 175 e 176
37.
De Schmitt,
diz Raymond Aron: "Carl Schmitt nunca pertenceu ao partido
nacional-socialista. Homem de grande cultura, ele não podia ser um hitlerista e
nunca foi" (apud PASQUINO,
Pasquale. "Carl Schmitt - Teoria da Constituição". In: CHÂTELET, François et ali. Dicionário das Obras
Políticas. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1993).
38.
SCHMITT,
Carl. O guardião da Constituição.
Del Rey: Belo Horizonte, 2005.
39.
O texto foi
traduzido do alemão por Alexandre Krug e publicado no Brasil pela Editora
Martins Fontes como capítulo integrante do livro "Jurisdição
Constitucional", de 2003. O título em português é "Quem deve ser o
guardião da Constituição?".
40.
KELSEN,
Hans. Jurisdição Constitucional.
Martins Fontes: São Paulo, 2003. pp. 243/244
41.
Idem, p.
245
42.
Ibidem, pp.
247/248
43.
POLETTI,
Ronaldo. O controle da
constitucionalidade das leis. 2.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997
44.
BONAVIDES,
Paulo. Curso de Direito Constitucional.
Malheiros editores, São Paulo: 2007.
45.
BOFF,
Leonardo. Ethos mundial: um consenso
mínimo entre os humanos. Letraviva: Brasília, 2000. pp. 109-111.
46.
FERRAJOLI,
Luigi. A soberania no mundo moderno.
São Paulo: Martins Fontes, 2002. Tradução de Carlo Coccioli e Marcio Lauria
Filho
47.
GADAMER. Hans Georg. Verdade e método, 4a ed., tradução
de Flávio P. Meurer. Petrópolis: Vozes, 2002.
48.
CONI, Luís
Cláudio. A internacionalização do
poder constituinte. 1ª ed., Sergio Antonio Fabris Editor: Porto Alegre,
2006, p. 72.
49.
Ibid., p. 53/54
50.
HECK, José
N. Jusnaturalismo e dialética. Goiânia: UFG. Disponível em: www.ufg.gov.br.
Acesso em: 21 jun. 2006.
51.
DELMAS-MARTY, Mireille. The
imaginative forces of law. Beijing: Chinese Journal of International
Law, 2003, p. 623/627.
52.
MAZIAU, Nicolas. L’internationalisation
du Pouvoir Constituant. Essay de typologie: le point de vue heterodoxe du
constitutionnaliste. Paris: Revue Generále de Droit International, p.
549-579, 2002-3.
53.
GOYARD-FABRE, Simone. Os princípios filosóficos do direito político moderno. 1a
ed, São Paulo: Martins Fontes, 2002.
54.
HUNTINGTON,
Samuel. O choque de civilizações.
Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.
55.
KÜNG, Hans.
Uma ética global para a política e a
economia mundiais. Petrópolis: Vozes, 1999.
56.
BOFF,
Leonardo. Ethos Mundial: Um consenso
Mínimo entre os Humanos. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.
57.
BOFF,
Leonardo. Ethos Mundial: Um consenso
Mínimo entre os Humanos. Rio de Janeiro: Sextante, 2003, p. 85.
58.
KÜNG, Hans.
Uma ética global para a política e a
economia mundiais.Petrópolis: Vozes, 1999, p. 171/176
59.
WALZER, Michael. Thick
and thin. Moral argument at home and abroad. Paris: Notre Dame Press,
1994.
60.
Idem, p. 145
61.
UNITED NATIONS Fund for Population Activities. The state of the World population,
1991.
62.
CORDANI,
Umberto C. As ciências da Terra e a
mundialização das sociedades. Palestra feita pelo autor em 18 de abril
de 1995 no IEA-USP. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ea/v9n25/v9n25a03.pdf
63.
Cordani,
Umberto C. As ciências da Terra e a
mundialização das sociedades. Palestra feita pelo autor em 18 de abril
de 1995 no IEA-USP. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ea/v9n25/v9n25a03.pdf
64.
IANNI, O. A sociedade global. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1992.
* Advogado da União.
Professor de Direito Constitucional - Unieuro/DF. Especialista em Processo
Civil - UCAM/RJ. Mestrando em Direito Internacional - Uniceub/DF.
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11403&p=3
Acesso em: 09 jul. 2008.