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Salvaguardas ao ingresso de
produtos chineses no Brasil
Aline Ribeiro Valente*
A China é um dos
países que mais cresce e se desenvolve economicamente no mundo, fato este que
pode ser constatado pelo volume das exportações de produtos chineses para o
mundo todo, demonstrando a sua alta competitividade, fruto dos baixos preços
agregados aos produtos chineses.
Por
isso, tendo levado em consideração o espantoso crescimento econômico da China,
o Brasil promulgou em 05.10.2005 o Decreto nº 5.556, que edita as normas sobre
a adoção da medida de Salvaguarda Provisória, e o Decreto nº 5.558, que
edita normas sobre a aplicação de medida de Salvaguarda Têxtil, vigentes
da data da promulgação até 11.12.2013 e 31.12.2008, respectivamente.
Isto
se deve, sobretudo, ao grande influxo de produtos importados da China no
mercado interno, com preços altamente competitivos, que poderiam provocar uma
quebra da indústria nacional, gerando uma crise econômica.
Para
constatar o risco oferecido à indústria nacional, basta atentar-se ao ocorrido
com a área têxtil. Os tecidos importados da China estavam paulatinamente
minando a indústria têxtil brasileira, que por sua vez não conseguia competir
com os baixos preços dos tecidos chineses. O resultado foi o abalo financeiro
de grande parte das empresas e indústrias do setor e o fechamento de inúmeras
vagas de emprego.
Visando
evitar que esse cenário prossiga no setor têxtil, especificamente, e se repita
em outros setores do nosso parque industrial, os decretos trazem em seu bojo
medidas de restrição à importação de produtos chineses, através da aplicação de
salvaguardas aos produtos que possam de algum modo ameaçar a indústria nacional
brasileira e que gerem uma desorganização do mercado pela concorrência desleal,
impedindo, desta forma, o desenvolvimento da produção interna.
–
Da Aplicação da Medida de Salvaguarda:
O
pedido de aplicação de medida de salvaguarda poderá ser feito de ofício,
por ato da Secretaria do Comércio Exterior (SECEX), ou por solicitação de
outros Órgãos Governamentais, empresas e/ou associações que as represente.
O
pedido deverá ser sempre motivado, formulado por escrito, com apresentação das
provas que comprovem a adequação da aplicação da medida, e oferecido à Câmara
de Comércio Exterior (CAMEX), que tem competência para avaliá-lo.
Com
efeito, para verificar a pertinência do pedido, antes da aplicação de qualquer
medida inibitória contra os produtos chineses, este passa por um processo de
admissão prévia, conduzida pela SECEX e pelo Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior que, no prazo de 30 dias, devem apurar as
alegações oferecidas pelos importadores e exportadores, verificando se há efetiva
desorganização do mercado, ou risco de desorganização que justifique aplicação
de salvaguardas.
Todavia,
antes do início da investigação, visando manter o intercâmbio comercial
amistoso estabelecido pelos países, o Governo Chinês será convidado a, em
havendo interesse da parte dele, no prazo de 10 dias, se manifestar pela
realização das chamadas consultas preliminares bilaterais, com o escopo de
esclarecer os fatos e as evidências trazidos pela solicitação, a fim de se
chegar a uma solução mutuamente satisfatória dentro do período de 30 dias,
contados a partir da emissão da notificação que convida o governo chinês à
participação nas referidas consultas.
Não
realizada a consulta preliminar, no interregno da investigação e antes da aplicação
da medida restritiva, deverão ser solicitadas consultas para uma nova tentativa
de composição entre os países, que atenue os efeitos da desorganização de
mercado e que beneficie ambas partes. Esta exigência se dá em face da
importância na tentativa de solução de controvérsias de forma amigável.
Superada
essa fase, na ausência de um acordo, serão aplicadas as medidas de
salvaguardas, que podem se dar de três formas:
1.Salvaguarda
Têxtil – utilizada para restringir as importações de tecidos chineses e de
produtos de lã, aplicando-se até 31 de dezembro do mesmo ano do pedido de
consultas, ou pelo prazo de 01 ano, na hipótese do pedido ter sido realizado
nos últimos três meses do ano.
2.Salvaguarda
Provisória – utilizada como procedimento cautelar, no caso de demora na
aplicação da medida, que possa acarretar dano dificilmente reparável, pelo
período máximo de 200 dias.
3.Salvaguarda
Definitiva – utilizada pelo período necessário para impedir ou reparar a
desorganização de mercado, que possa trazer danos materiais, ou ameaça de dano,
aos produtores nacionais.
Levando
em conta as três formas de aplicação de salvaguardas possíveis no ordenamento
jurídico brasileiro, o art. 20 do Decreto 5.556, prevê os mecanismos que podem
ser abraçados para refrear a importação dos produtos chineses e resguardar a
produção nacional, que podem se dar pela: i – imposição de adicional à Taxa
Externa Comum (TEC), sob a forma de alíquota ad valorem, de alíquota
específica ou da combinação de ambas; ii – restrição quantitativa do
ingresso dos produtos; ou iii – combinação dos dois itens anteriores.
Uma
vez determinados todos os critérios de aplicação das restrições, os mecanismos
utilizados para sua aplicação e a sua duração, o Governo Brasileiro deverá
notificar o Comitê de Salvaguardas da Organização Mundial do Comércio (OMC),
que, em última análise, é o órgão responsável pelo controle da legalidade e
adequação das medidas de salvaguardas aplicadas aos produtos de todos os países
membros.
A
decisão final será oficializada através da emissão de um parecer da SECEX, que
fundamentará os motivos da aplicação das salvaguardas e quaisquer outras
disposições quanto à sua aplicação, vigência e eficácia.
-
Salvaguarda Têxtil x Salvaguarda Provisória:
Apesar
de serem essencialmente semelhantes em seu conteúdo e forma de aplicação, e
terem sido criadas para o mesmo fim, existem algumas diferenças procedimentais
trazidas pelo Decreto nº 5.556 (Salvaguarda Provisória) que não são
contempladas no Decreto nº 5.558 (Salvaguarda Têxtil).
O
rito procedimental de peticionamento, avaliação e decisão da aplicabilidade de
medida de salvaguarda, previsto em ambos decretos, é basicamente o mesmo.
No
entanto, o Decreto nº 5.556, que instituiu a Salvaguarda Provisória, traz
consigo o instituto do Desvio de Comércio.
Segundo
o art. 24 do aludido decreto, existirá Desvio de Comércio quando a aplicação de
uma medida de salvaguarda em qualquer outro país membro da OMC, contra a China,
implicar numa ameaça de aumento, ou num aumento efetivo, das exportações dos
produtos chineses ao Brasil.
Para
verificação da existência do desvio de comércio, deverá ser encaminhada uma
petição, que antes de admitida, dará espaço para a realização de consultas
preliminares com o Governo Chinês, para apuração dos fatos.
Não
se obtendo êxito nas consultas preliminares, terá início o processo de
investigação, que deverá monitorar as importações, considerando como evidência
do desvio:
i – o
aumento real ou iminente da participação das importações de produtos chineses
no mercado brasileiro;
ii
– a natureza ou extensão de ação adotada ou proposta pela China ou
terceiros países membros da OMC;
iii
– o aumento real ou iminente do volume das importações da China devido à
medida adotada ou proposta pela República Popular da China ou terceiros países
membros da OMC;
iv
– condições da oferta e da demanda no mercado brasileiro para o produto em
questão; e
v – o
volume das exportações da China destinadas ao membro ou membros da OMC que
aplicam uma medida de salvaguarda provisória ou definitiva.
Desta
feita, uma vez averiguado o desvio de comércio, poderão ser convocadas as
autoridades nacionais, representantes do governo chinês e/ou do país aplicador
da medida, para a realização de consultas na busca de um acordo entre as partes
que vise uma solução viável a todos.
Caso
não se consiga chegar a um acordo com relação ao desvio de comércio através da
consulta, serão impostas restrições aos produtos que causarem desorganização do
mercado em razão de uma salvaguarda oriunda de terceiro país.
Cabe
ainda mencionar que a medida adotada para remediar a desorganização de mercado
decorrente de desvio de comércio perderá sua eficácia 30 dias após o término da
vigência da medida que lhe deu causa.
-
Postura do Governo da República Popular da China:
Quando
o Brasil anunciou que editaria normas que restringiriam o mercado brasileiro ao
ingresso de produtos advindos da China, representantes do governo chinês
afirmaram que a China reagiria às salvaguardas, cancelando acordos de
cooperação mútua ou parcerias empresariais.
Todavia,
apascentados os ânimos, que se exaltaram em virtude do impacto causado pelo
anúncio da medida, devido aos inúmeros debates travados entre os governos da
China e do Brasil, a postura do governo chinês em relação ao estabelecimento de
salvaguardas se modificou, e o governo da China anunciou que não irá promover
qualquer retaliação contra o governo brasileiro, mantendo os acordos
previamente citados.
-
Conclusão:
As
salvaguardas são mecanismos de proteção que visam a manutenção harmônica da
produção nacional frente a feroz concorrência oferecida pelos produtos
chineses, resguardando, sobretudo, os pequenos e médios produtores, que não têm
condições estruturais, técnicas e financeiras para disputar o mercado em
conjunto com a alta competitividade dos produtos chineses.
Até
o presente momento somente a indústria têxtil iniciou os procedimentos formais
para a imposição de barreiras aos produtos chineses, e outros setores afetados,
como o de brinquedos, deverão solicitar o pedido de medida provisória,
considerando os prejuízos da demora para aplicação da medida de salvaguardas.
* bacharelanda em Direito em São Paulo RIO
VALENTE, Aline Ribeiro. Salvaguardas ao ingresso de produtos chineses no Brasil . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 899, 19 dez. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7735>. Acesso em: 14 nov. 2006.