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Gabriele Rigo Segalin
Guilherme de Oliveira Segala
Sumário: 1. Delimitação do tema. 2. Origens do
Sistema Interamericano. 3. Objetivos e Princípios 4. Estrutura Institucional.
5. Perspectivas. 6. Referências Bibliográficas
O objetivo do presente estudo consiste na análise da Organização dos
Estados Americanos (OEA), sendo que, por questões didáticas, entendeu-se
conveniente dividir o tema em cinco capítulos.
No primeiro tópico serão abordadas as origens do Sistema Interamericano,
desde a sua primeira manifestação, em 1826, com o Congresso do Panamá até o
surgimento da OEA, em 13 de dezembro de 1951.
No segundo capítulo será trazido à baila o elenco dos objetivos e
princípios elencados na Carta da Organização dos Estados Americanos, nos
artigos 2º e 3º, respectivamente, dando especial enfoque à defesa da democracia
representativa, à busca pelo desenvolvimento integral e a solução pacífica de
controvérsias nos Estados-membros da Organização.
No terceiro capítulo abordar-se-á a estrutura institucional da OEA,
enumerando-se os órgãos que a compõe, bem como as atribuições e composição de
cada um deles.
No quarto tópico será feita uma análise do Tratado Interamericano de
Assistência Recíproca, firmado com o objetivo de preservar a paz entre os
Estados americanos; estabelecer mecanismos de cooperação mútua em caso de
ataque externo e, ainda, propor soluções pacíficas para o caso de conflitos
surgidos no âmbito do continente.
Por fim, no último capítulo, serão trazidas algumas perspectivas,
considerando as atividades desenvolvidas pela Organização ao longo de sua
existência, bem como analisando sua eficácia na busca dos objetivos a que se
propõe.
2.-
ORIGENS DO SISTEMA INTERAMERICANO
2.1. DO CONGRESSO DO PANAMÁ À NONA
CONFERÊNCIA INTERNACIONAL AMERICANA
Antes do abordar-se a respeito do surgimento da Organização dos Estados
Americanos (OEA), necessário se faz tecer alguns comentários acerca das origens
da integração interamericana, a qual ocorreu a partir do final do século XIX.
Com efeito, muito antes da criação da OEA, verificou-se no continente
americano um movimento objetivando a integração dos países nas mais diversas
áreas, tais como segurança coletiva, cooperação econômica, relações políticas e
questões culturais e ideológicas.
A primeira manifestação da integração intercontinental verificou-se
durante o governo de Simón Bolivar. Em 15 de julho de 1826, realizou-se o Congresso do Panamá objetivando a
criação de uma confederação entre os Estados americanos para que pudessem
sustentar a recente independência conquistada, bem como para a manutenção da
paz entres os países criados.
Neste Congresso compareceram apenas representantes da América Latina,
sendo assinado o Tratado de União, Liga e
Confederação Perpétua, o qual estabeleceu regras a respeito da defesa e
assistência recíprocas entre as nações americanas, porém não chegou a entrar em
vigor.
Por outro lado, na América do Norte, o ideal de integração
manifestou-se pela primeira vez em 1823, quando o presidente norte-americano
lançou uma declaração unilateral que ficou conhecida como a Doutrina Monroe, visando garantir a
independência do país. Mais tarde, contudo, tal instrumento veio a ser
utilizado como instrumento para justificar a intervenção dos Estados Unidos nos
países da América Central nas primeiras décadas do século XX.
Porém, foi somente em 1889, com a Primeira
Conferência Internacional Americana, realizada em Washington, que se pode
falar no surgimento de um verdadeiro Sistema Interamericano. De fato, esta foi
a primeira vez que os países da região se reuniram na busca de um ideário
comum, qual seja, a de que o continente americano se tornasse pacífico e
buscasse um maior desenvolvimento.
Nessa reunião foram discutidos temas como a busca de meios pacíficos
para a solução de controvérsias e a cooperação econômica entre os Estados
americanos. Em suma, fixou-se nessa ocasião as bases do pan-americanismo, ou
seja, as metas que até hoje são buscadas pelos Estados-membros da OEA.
Posteriormente, foram realizadas mais sete Conferências — a Segunda Conferência, no México, em 1901;
a Terceira Conferência, no Rio de
Janeiro, no ano de 1906; a Quarta
Conferência, em Buenos Aires, em 1910; a Quinta Conferência, em Santiago do Chile em 1913; a Sexta Conferência, em Havana, em 1928 e
a Oitava Conferência, em Lima, em
1938.
Cabe ressaltar que nesta última foi prevista a convocação de Reuniões Extraordinárias dos Ministros das
Relações Exteriores em razão da iminência de uma guerra mundial para que,
em caso de ataques estrangeiros, a resposta fosse uma ação coletiva e solidária
de todos os Estados americanos.
A mais relevante destas Reuniões ocorreu em 1945, no México e recebeu o
nome de Conferência Interamericana sobre
Problemas da Guerra e da Paz, na qual foi confeccionada a Ata de Chapultepec. Nessa reunião
objetivou-se a reorganização, consolidação e fortalecimento do Sistema
Interamericano no pós-guerra.
Finalmente, em 1948, ocorre a criação da OEA, na Nona Conferência
Internacional Americana, realizada na cidade de Bogotá, da qual
participaram 21 países americanos[1], tendo como escopo readequar o
Sistema Interamericano à criação da Organização das Nações Unidas (ONU),
ocorrida em 25 de junho de 1945.
Na ocasião, foram adotados os seguintes documentos: a Carta da
Organização dos Estados Americanos (Carta de Bogotá); o Pacto de Bogotá e a
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, que entraram em vigor em
13 de dezembro de 1951. Vale lembrar que a Carta da OEA foi introduzida em
nosso ordenamento jurídico pelo Decreto nº 30.544, de 14 de fevereiro de 1952.
2.2. AS ALTERAÇÕES NA CARTA DA OEA
Desde sua entrada em vigor até hoje, a Carta da OEA sofreu quatro
alterações — em 1967 (Protocolo de Buenos Aires); em 1985 (Protocolo de
Cartagena de Índias); em 1992 (Protocolo de Washington) e em 1993 (Protocolo de
Manágua).
A primeira reforma alterou a estrutura organizacional da OEA; a segunda
ampliou a competência do Conselho Permanente e do Secretário-geral; a terceira
trouxe mecanismos de proteção da democracia representativa e a última elaborou
regras a respeito do desenvolvimento integral da região.
Oportuno ressaltar que nem todas as alterações foram ratificadas por
todos os países-membros, pois isso temos hoje várias cartas em vigor[2].
3.-
OBJETIVOS E PRINCÍPIOS
3.1. OBJETIVOS
A Organização dos Estados Americanos abarcou
objetivos muito amplos, que abrangem setores bastante diversos, tais como
cultural, econômico, jurídico e social.
Contudo, um dos propósitos primordiais da OEA
é, sem dúvida, a busca pela paz e justiça no continente, implementando-se a
solidariedade, a colaboração e a defesa da soberania dos países americanos, bem
como sua integridade territorial e independência, conforme dispõe o artigo 1º
da Carta de Bogotá.
Estes objetivos estão elencados no artigo 2º
da Carta, verbis:
“Para realizar os princípios em que se baseia e para cumprir com suas
obrigações regionais, de acordo com a Carta das Nações Unidas, a Organização
dos Estados Americanos estabelece como propósitos essenciais os seguintes:
a. Garantir a paz e a segurança
continentais;
b. Promover e consolidar a
democracia representativa, respeitado o princípio da não-intervenção;
c. Prevenir as possíveis causas de
dificuldades e assegurar a solução pacífica das controvérsias que surjam entre
seus membros;
d. Organizar a ação solidária
destes em caso de agressão;
e. Procurar a solução dos problemas
políticos, jurídicos e econômicos que surgirem entre os Estados membros;
f. Promover, por meio da ação
cooperativa, seu desenvolvimento econômico, social e cultural;
g. Erradicar a pobreza crítica, que
constitui um obstáculo ao pleno desenvolvimento democrático dos povos do
Hemisfério; e
h. Alcançar uma efetiva limitação
de armamentos convencionais que permita dedicar a maior soma de recursos ao
desenvolvimento econômico-social dos Estados membros”.
Tendo em vista sua relevância, contudo, far-se-á uma análise mais
apurada de três destes objetivos, quais sejam, a defesa da democracia
representativa nos Estados-membros, a busca pelo desenvolvimento integral e a
solução pacífica dos conflitos.
3.1.1. DEMOCRACIA REPRESENTATIVA
Primeiramente, é importante conceituar o
Regime Democrático Representativo, o qual foi estabelecido a partir da Quinta
Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores em Santiago no Chile,
em 1959.
De acordo com o entendimento firmado naquela
ocasião, as características deste regime são as seguintes:
* Independência dos poderes e fiscalização
dos atos do Governo;
* Eleições livres;
* Exercício do poder com prazo determinado;
* Regime de liberdade individual e respeito
aos direitos humanos;
* Liberdade de expressão e informação;
* Cooperação entre os Estados Americanos.
A democracia representativa é prevista pela Carta de Bogotá no artigo
3º, "d", sendo um de seus objetivos essenciais. Porém, a democracia
representativa nem sempre foi uma realidade no continente americano, como
ocorreu, verbia grantia, durante as
sangrentas ditaduras vividas na América Latina nas décadas de 60 a 80, o que importou em evidente
inobservância de um dos objetivos propostos pela aludida Carta.
Assim, foi somente nos anos 90 que a OEA buscou instrumentos jurídicos
e institucionais adequados para garantir a democracia, criando pela primeira
vez a possibilidade de aplicação de sanções aos Estados-membros, pela
interrupção democrática, sem que isso fosse considerado uma violação ao
princípio da não-intervenção.
Em Santiago do Chile, no ano de 1991, foram adotadas duas resoluções de
suma importância — o Compromisso de
Santiago com a Democracia, que
reafirmou a necessidade de defender e promover a democracia representativa e a Resolução nº 1.080, que autorizou a
criação de mecanismos regionais no caso de rompimento do regime democrático de
um Estado-membro.
Na Resolução nº 1.080 fica claro o papel da OEA quanto à possibilidade
de convocação imediata do Conselho Permanente da Organização a fim de examinar
a situação, decidir e convocar uma reunião de Ministros das Relações Exteriores
nos casos de interrupção irregular de processo político institucional
democrático ou interrupção do legítimo exercício do poder de um governo
democraticamente eleito.
Após essa ocasião, teve início um processo destinado a sanar algumas
falhas presentes na Carta da OEA, que culminou com a elaboração do Protocolo de
Washington, em 1992, o qual entrou em vigor em 1997, embora seja um tratado que
somente obriga os países que o ratificaram. De forma geral, esse protocolo
determina a suspensão ao Estado-membro do direito de participar das atividades
da OEA, conforme dispõe o art. 9º:
"Um membro da Organização, cujo governo
democraticamente constituído seja deposto pela força, poderá ser suspenso do
exercício do direito de participação nas sessões da Assembléia-geral, da
Reunião de Consulta, dos Conselhos da Organização e das Conferências
Especializadas, bem como das comissões, grupos de trabalho e demais órgãos que
tenham sido criados".
Cabe salientar, por oportuno, o aparente conflito entre o art. 9º da
Carta de Bogotá e a Resolução nº 1.080, uma vez que ambos os instrumentos
prevêem a possibilidade de sanção aos Estados em caso de descumprimento do
objetivo em comento.
Na verdade, como mencionado, não existe divergência entre os
dispositivos, eis que a Resolução nº 1.080 é mais ampla na aplicação das
penalidades possíveis. Tratam-se, pois, de disposições que, embora de
hierarquia e natureza jurídica diferentes, são perfeitamente compatíveis e
complementares[3].
De outra banda, após intensas negociações, adotou-se em Lima, durante
sessão extraordinária da Assembléia-geral da OEA, a Carta Democrática Interamericana, que define situações nas quais é
possível o funcionamento da Organização para preservar a democracia de um
Estado-membro, seja fazendo visitas aos países, seja prestando assistência para
o fortalecimento e preservação da democracia.
Diante disso, resta claro que hoje todos Estados
Americanos estão comprometidos com a defesa da democracia representativa,
aceitando que a defesa seja feita por mecanismos regionais, sem que isso
implique em violação ao princípio da não-intervenção.
3.1.2. DESENVOLVIMENTO INTEGRAL
Outro objetivo elencado na Carta da OEA consiste na busca pelo
desenvolvimento integral da região. Com efeito, desde seu surgimento, a
Organização busca estreitar os vínculos econômicos entre os Estados-membros,
visando seu desenvolvimento.
Contudo, apesar de a Organização sempre ter tido papel importante no
campo da cooperação para o desenvolvimento, a criação do Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID) e os recursos de outras instituições mundiais e
sub-regionais, fizeram com que seu papel diminuísse nesse campo.
Em 1958, o presidente brasileiro Juscelino Kubitschek lançou a Operação Pan-americana, pretendendo
lutar contra o subdesenvolvimento na região, com ações conjuntas dos
Estados-membros. O aceleramento do desenvolvimento econômico, individual e
coletivo destes países foi alcançado com a adoção do Convênio Constitutivo do
BID, que destinava capital próprio e obtinha recursos captados no mercado
financeiro.
Essas ações, entretanto, não trouxeram resultados concretos de
desenvolvimento para os Estados, mas consolidaram o conceito de desenvolvimento
integral, que foi incorporado à Carta da OEA em 1985, pelo Protocolo de
Reformas de Cartagena de Índias.
Posteriormente, em 1993, visando dar maior efetividade à persecução
desde objetivo, foi elaborado o Protocolo de Manágua, que alterou a estrutura
institucional da OEA, introduzindo o Conselho Interamericano para o
Desenvolvimento Integral, substituindo os anteriores Conselhos Interamericanos
Econômico e Social e para a Educação, a Ciência e a Cultura.
3.1.3. SOLUÇÃO PACÍFICA DE CONFLITOS
Desde a sua criação, a OEA se preocupa com a solução de conflitos de
forma pacífica. De fato, o artigo 3º da Carta de Bogotá, estipula que os
conflitos entre dois ou mais Estados Americanos devem ser resolvidos de maneira
pacífica. Já o artigo 27 do mesmo diploma indica que os meios adequados para
tal mister serão objeto de um tratado especial, qual seja, o Tratado Americano de Soluções Conflitos
Pacíficos – Pacto de Bogotá, delegando a este a atribuição de definir as
medidas coercitivas em caso de ameaça à paz na região[4].
O Pacto de Bogotá elaborado quando da criação da OEA e está em vigor
desde 13 de dezembro de 1951, sendo ratificado por apenas quatorze Estados
americanos. O Pacto em comento traz um rol completo dos meios de solução
pacífica de conflitos, definindo, inclusive, suas regras processuais, mas
somente obriga os países que o ratificaram. Os procedimentos previstos são os
bons ofícios, a mediação, a investigação e conciliação, o procedimento judicial
e a arbitragem.
No entanto, o Pacto de Bogotá foi raras vezes
invocado, em razão do diminuto quorum de Estados formadores e, outrossim,
porque muitos conflitos que deveriam ter seguido suas disposições foram
encaminhados para a solução pelo Tratado
Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar), por ser este mais flexível
e de fácil execução.
O Tiar, elaborado durante a Conferência
Interamericana para a Manutenção da Paz e da Segurança no Continente, realizado
em 1947, na cidade do Rio de Janeiro, não só mereceu um número maior de
ratificações —23 Estados — como previu modalidades de ação conjunta e efetiva
entre os Estados participantes.
Existem três hipóteses em que o Tiar é invocável, sendo duas delas
referentes à conflitos envolvendo Estado(s) americano(s) e Estado(s)
alienígena(s), consoante os artigos 3º e 6º do diploma; e uma relativa a
conflitos entre dois ou mais estados do continente, conforme o artigo 7º.
O Tratado Interamericano de Assistência
Recíproca já foi aplicado diversas vezes e com bastante freqüência até 1982,
sendo novamente invocado em face dos ataques terroristas ocorridos em 11 de
setembro de 2001 nos Estados Unidos.
3.2. PRINCÍPIOS
Além dos objetivos analisados no tópico
anterior, a Carta da OEA elenca os princípios que devem reger a Organização
para alcançar esses propósitos. Tais princípios encontram-se previstos no
artigo 3º da Carta, verbis:
“Os Estados americanos reafirmam os seguintes princípios:
a. O direito internacional é a
norma de conduta dos Estados em suas relações recíprocas;
b. A ordem internacional é
constituída essencialmente pelo respeito à personalidade, soberania e
independência dos Estados e pelo cumprimento fiel das obrigações emanadas dos
tratados e de outras fontes do direito internacional;
c. A boa-fé deve reger as relações
dos Estados entre si;
d. A solidariedade dos Estados
americanos e os altos fins a que ela visa requerem a organização política dos
mesmos, com base no exercício efetivo da democracia representativa;
e. Todo Estado tem o direito de
escolher, sem ingerências externas, seu sistema político, econômico e social,
bem como de organizar-se da maneira que mais lhe convenha, e tem o dever de não
intervir nos assuntos de outro Estado. Sujeitos ao acima disposto, os Estados
americanos cooperarão amplamente entre si, independentemente da natureza de
seus sistemas políticos, econômicos e sociais;
f. A eliminação da pobreza crítica
é parte essencial da promoção e consolidação da democracia representativa e
constitui responsabilidade comum e compartilhada dos Estados americanos;
g. Os Estados americanos condenam a
guerra de agressão: a vitória não dá direitos;
h. A agressão a um Estado americano
constitui uma agressão a todos os demais Estados americanos;
i. As controvérsias de caráter internacional,
que surgirem entre dois ou mais Estados americanos, deverão ser resolvidas por
meio de processos pacíficos;
j. A justiça e a segurança sociais
são bases de uma paz duradoura;
k. A cooperação econômica é
essencial para o bem-estar e para a prosperidade comuns dos povos do Continente;
l. Os Estados americanos proclamam
os direitos fundamentais da pessoa humana, sem fazer distinção de raça,
nacionalidade, credo ou sexo;
m. A unidade espiritual do
Continente baseia-se no respeito à personalidade cultural dos países americanos
e exige a sua estreita colaboração para as altas finalidades da cultura humana;
n. A educação dos povos deve
orientar-se para a justiça, a liberdade e a paz.
4.-
ESTRUTURA INSTITUCIONAL
4.1. OS MEMBROS DA OEA
A OEA é uma organização internacional governamental de alcance regional[5],
criada por um ato internacional, sendo, pois, sujeito do direito internacional.
Como referido anteriormente, 21 países participaram da elaboração da
Carta da OEA, sendo que os demais Estados puderam ingressar na Organização após
seguirem o rito previsto nos artigos 6º e 7º da Carta.
De acordo com os dispositivos, o país interessado deverá enviar uma
nota dirigida ao Secretário-Geral da Organização, declarando que está disposto
a aceitar todas as obrigações inerentes à condição de membro, em especial as
referentes à segurança coletiva. Depois disso, a Assembléia-geral, após
recomendação do Conselho Permanente, determinará se é possível a admissão do
Estado solicitante, o que requer a aprovação de dois terços dos Estados-membros.
Cumpre ressaltar que, hodiernamente, todos os 35 Estados americanos
compõe a OEA, pois todos eles ratificaram a Carta de Bogotá.
Além disso, de acordo com o já citado artigo 9º da Carta, todos os
Estados-membros são juridicamente iguais, exercendo os mesmos direitos e
deveres, o que denota que a experiência americana pôs em condições de igualdade
jurídica todos os países que integram a OEA, diferentemente do que ocorre com
outros organismos internacionais que não prevêem essa democratização.
Ademais, faz-se necessário esclarecer a situação de Cuba perante a
Organização. Ao contrário do que se possa supor, o país continua sendo membro
da OEA, mas o governo cubano foi excluído das atividades de todo o Sistema
Interamericano por uma disposição do Tratado Interamericano de Assistência
Recíproca (Tiar). O afastamento de sua participação ocorreu em virtude de sua
identificação com o regime comunista, o qual se mostra incompatível com os
princípios e objetivos do pan-americanismo.
De outra banda, é lícito, ainda, que um país requeira a sua retirada da
Organização, sendo este procedimento previsto no artigo 143 da Carta da OEA, o
qual trata da denúncia por qualquer de seus integrantes[6], o que
até hoje não se verificou, nem mesmo na situação de Cuba.
Ademais, é permitida a participação de Estados extra-regionais e outras
organizações internacionais nas atividades desenvolvidas pela OEA, sendo que os
primeiros podem colaborar na condição de observadores permanentes, devendo sua
inclusão ser aprovada pelo Conselho Permanente da OEA. Hoje, quase cinqüenta
Estados gozam dessa prerrogativa.
4.2. OS ÓRGÃOS
Ab initio, cumpre observar que neste tópico nos
limitaremos a expor a atual estrutura organizacional da OEA, a qual entrou em
vigor a partir das profundas modificações introduzidas pelo Protocolo de Buenos
Aires, em 1967 e, posteriormente, pelas alterações verificadas com o Protocolo
de Manágua, em 1993.
4.2.1. A ASSEMBLÉIA-GERAL
É o órgão máximo da Organização, composto por representantes de todos
os Estados-membros, na pessoa do Ministro das Relações Exteriores, sendo que
cada país tem direito a um voto nas decisões a serem tomadas.
A Assembléia-geral reúne-se anualmente e cada sessão é realizada em um
Estado diferente (no último ano, em 2003, foi realizada em Santiago do Chile).
Além disso, são previstas sessões extraordinárias para solução de problemas
específicos, como ocorreu em 2002, data do mais recente período extraordinário,
que foi convocado em razão da situação política vivida pela Venezuela naquela
oportunidade.
As atribuições do órgão estão previstas no art. 54 da Carta da OEA e
abarcam questões acerca da política geral da OEA, orçamento, bem como estrutura
e funcionamento dos demais órgãos que a compõe.
As decisões no âmbito da Assembléia-geral são tomadas pela maioria
absoluta dos votos dos Estados-membros, exceto quando a Carta ou a própria
Assembléia determine que a aprovação conte com dois terços de votos
afirmativos, como ocorre, por exemplo, quanto às decisões sobre assuntos
orçamentários.
Essas decisões podem ser resoluções
recomendatórias, quando dirigidas aos
Estados-membros ou resoluções
obrigatórias, quando destinadas aos órgãos da OEA, tendo em vista que estes
estão subordinados ao órgão supremo, devendo acatar suas decisões.
4.2.2. A REUNIÃO DE CONSULTA DE MINISTROS DAS
RELAÇÕES EXTERIORES
Este órgão somente é convocado em hipóteses excepcionais e que coloquem
em risco a paz continental. Funciona também como órgão de consulta no âmbito do
Tiar ou no contexto da Carta da OEA, como ocorreu no dia 21 de setembro de
2001, após os ataques terroristas ocorridos nos Estados Unidos.
Quando surgirem problemas envolvendo colaboração militar ou problemas
relacionados com a defesa contra uma agressão sofrida por qualquer país-membro,
o órgão utilizar-se-á de uma Comissão Consultiva de Defesa, formada pelas mais
altas autoridades militares dos Estados americanos que participem da Reunião de
Consulta.
4.2.3. O CONSELHO PERMANENTE
De acordo com o art. 84 da Carta da OEA, o Conselho Permanente é o
órgão responsável por velar pela manutenção das relações de amizade entre os
Estados-membros e ajudá-los de maneira efetiva na solução pacífica de
controvérsias.
Formado por um representante de cada Estado com a categoria de
embaixador, o Conselho Permanente será presidido de forma rotativa, conforme a
ordem alfabética em espanhol dos nomes dos países-membros. O mandato é exercido
por um período máximo de seis meses.
O Conselho tem duas sessões ordinárias por mês, as quais são públicas e
podem ser captadas na internet através do site
da OEA.
Tendo em vista a amplitude de suas atribuições, poderá instituir
comissões ad hoc, como a comissão
permanente para os assuntos relacionados com a segurança hemisférica, criada em
virtude dos possíveis ataques estrangeiros contra a região.
O Conselho atua, outrossim, como comissão preparatória da
Assembléia-geral, sendo responsável pela elaboração dos temas a serem
discutidos na sessão seguinte. São realizadas duas sessões ordinárias por mês.
4.2.4. CONSELHO INTERAMERICANO PARA O
DESENVOLVIMENTO INTEGRAL
Este órgão foi recentemente criado pelo Protocolo de Manágua, em
substituição aos Conselhos Interamericanos Econômico e Social e de Educação,
Ciência e Cultura, tendo sido concebido para promover a cooperação entre os
Estados americanos, mormente no que diz respeito ao desenvolvimento integral da
região, o que contribui para a eliminação da pobreza crítica. Para tanto,
deverá reunir-se ao menos uma vez por ano.
4.2.5. SECRETARIA-GERAL
A primeira expressão da Secretaria-geral surgiu na Primeira
Conferência Internacional Americana como União Internacional das Repúblicas
Americanas. Já na Segunda Conferência, contudo, o órgão mudou de nome, passando
a ser chamado de Escritório Internacional das Repúblicas Americanas. Na Quarta
Conferência, alterou-se novamente a designação para União Pan-americana.
Somente com o advento do Protocolo de Buenos Aires o órgão passou a ser chamado
de Secretaria-geral.
É o órgão central e permanente da OEA, no qual trabalham funcionários
dos diferentes Estados-membros e tem como sede a cidade de Washington.
De acordo com o art. 111 da Carta de Bogotá, tem a função de promover
as relações econômicas sociais, jurídicas, educacionais e científicas e
culturais entre os Estados da região. Além disso, é depositária dos tratados e
acordos celebrados no âmbito do continente.
À frente do órgão está o Secretário-geral, o qual é eleito pela
Assembléia-geral para um mandato de cinco anos, podendo ser reeleito uma só vez
e sendo vedada sua sucessão por pessoa de mesma nacionalidade.
O mesmo vale para o Secretário-geral Adjunto, o qual desempenha as
funções do primeiro em caso de impedimento ou ausência temporária. O
Secretário-geral Adjunto é também secretário do Conselho Permanente, nos termos
do artigo 115 da Carta.
O Secretário-geral e o Secretário-geral Adjunto deverão,
necessariamente, ter nacionalidades distintas, sendo eleitos em diferentes
sessões da Assembléia-geral, a fim de se evitar a vacância dos cargos em caso
de falecimento ou renúncia.
4.2.6. COMISSÃO JURÍDICA INTERAMERICANA
É o órgão responsável pela promoção do desenvolvimento do direito
internacional, mormente o direito interamericano, incluindo sua codificação.
Ademais, realiza estudos para solucionar os problemas jurídicos relativos à
integração dos países americanos, buscando uniformizar as legislações quando
for possível e conveniente. É, portanto, um órgão de consulta para assuntos
jurídicos da OEA.
A Comissão é composta por onze juristas de diferentes nacionalidades,
não podendo haver mais do que um de cada país-membro, os quais são eleitos levando-se
em conta uma rotatividade eqüitativa, por um período de quatro anos, não
havendo limites quanto à reeleição. Tem sede no Rio de Janeiro, onde se
realizam duas sessões por ano.
4.2.7. COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS[7]
É um órgão consultivo que visa a proteção dos direitos humanos no
âmbito continental, colocando à disposição dos Estados-membros a Convenção
Interamericana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da
Costa Rica. Neste instrumento está delineada sua composição — sete membros
oriundos dos diversos países da região, eleitos pela Assembléia-geral para um
mandato de quatro anos, podendo ser reeleitos uma única vez.
Sua sede encontra-se na cidade de São José da Costa Rica.
Vale lembrar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos não faz
parte da Organização dos Estados Americanos, mas sim, da supracitada Convenção,
razão pela qual foge do alcance que se pretende dar a esse estudo.
4.2.8. CONFERÊNCIAS ESPECIALIZADAS
As Conferências Especializadas são, em verdade, reuniões em que
comparecem os representantes dos países-membros e destinam-se a "tratar de
assuntos técnicos especiais ou a desenvolver aspectos específicos da cooperação
interamericana" (artigo 112 da Carta da OEA).
Como exemplo dessas Conferências podemos citar o Comitê Interamericano
contra o Terrorismo (Cicte).
4.2.9. OS ORGANISMOS ESPECIALIZADOS
São instituições especializadas em determinados assuntos,
visando, assim, uma atuação mais eficiente da Organização, sendo estabelecidos
por acordos multilaterais entre os Estados do continente e gozam de autonomia
técnica, já que podem estabelecer relações com outros organismos internacionais
de caráter análogo.
São eles: Organização Pan-americana da Saúde; Instituto Interamericano
da Criança; Comissão Interamericana de Mulheres; Instituto Pan-americano de
Geografia e História; Instituto Indigenista Interamericano e Instituto
Interamericano de Cooperação para a Agricultura.
Recentemente, a Assembléia-geral criou duas comissões que também são
organismos especializados — a Comissão Interamericana para o Controle do Abuso
de Drogas (Cicad) e a Comissão Interamericana de Telecomunicações (Citel).
4. - PERSPECTIVAS
Cumpre observar, por fim, que inobstante tenha
sido de grande valia a criação da Organização dos Estados Americanos como
mecanismo para proporcionar a integração entre os países da região, é forçoso
reconhecer que muito pouco foi feito nesses mais de cinqüenta anos de
existência.
De fato, a OEA foi instituída visando atingir objetivos por demais
amplos, incluindo, dentre outros, assegurar a segurança coletiva, a manutenção
da paz, a defesa da democracia representativa, a cooperação econômica e o
desenvolvimento integral do continente, incluindo a erradicação da pobreza
crítica, o que constitui verdadeiro óbice para a consecução de seus propósitos.
Deve-se ressaltar, ainda, que a atuação da OEA sempre esteve
condicionada aos interesses dos países mais poderosos do continente, mormete
dos Estados Unidos, como se pode concluir diante sua omissão em face da
suspensão de Cuba junto ao Sistema Interamericano, verificada em 1962, bem como
das ditaduras militares na América Latina durante os anos de 1960 a 1980.
Como se não bastasse, há que se considerar que a simples enumeração dos
objetivos a que se propõe a Organização não tem o condão de ensejar a sua
aplicação na prática, pois para tanto, seria necessário que fossem previstos
mecanismos jurídicos que permitissem sua pronta execução.
Porém, em que pesem essas inúmeras dificuldades enfrentadas pela
Organização, devemos acreditar que sua permanência como instrumento para
fomentar a integração entre as nações do continente não só é possível como
necessária, pois certamente a manutenção da OEA ainda é a maneira mais viável
para a promoção do ideário defendido por Simón Bolivar em fins do século
XIX.
5. - REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
ACCIOLY, Hildebrando e SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento. Manual de Direito Internacional Público.
14ª ed. — São Paulo: Saraiva, 2000;
ARRIGHI, Jean Michel. Organização dos Estados
Americanos. São Paulo:
Manoele, 2004;
MELLO, Celso D. de
Albuquerque. Curso de Direito
Internacional Público. 2º volume. 11ª ed. — Rio de Janeiro: Renovar, 1997;
REZEK, José
Francisco. Direito Internacional Público:
curso elementar. 7ª ed. rev. — São Paulo: Saraiva, 1998;
SEITENFUS, Ricardo.
Manual das Organizações Internacionais.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003;
__________. Textos fundamentais do Direito das Relações
Internacionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002;
___________ e
VENTURA, Deisy. Introdução ao Direito
Internacional Público. 3ª ed. rev. ampl. — Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2003;
http:// www.oas.org
http://
www.mre.gov.br
NOTAS DE FIM
[1] Argentina,
Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, República Dominicana,
Equador, El Salvador, Estados Unidos, Guatemala, Haiti, Honduras, México,
Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.
[2] De acordo com os
artigos 140 e 142 da Carta da OEA, as reformas empreendidas no documento
somente entrarão em vigor quando dois terços dos Estados-membros as
ratificarem, sendo que somente obrigam os países que completaram o processo de
ratificação.
[3] ARRIGHI, Jean Michel. Organização dos Estados
Americanos. São Paulo:
Manoele, 2004.
[4] Cabe ressaltar
essa é uma particularidade da OEA, a qual não é verificada em outras
organizações internacionais. No entanto, consoante salientam Seitenfus e
Ventura (in Introdução ao Direito
Internacional Público. 3ª ed. rev. ampl. — Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2003, pág. 95), "estes
Tratados especiais são documentos formalizadores de alianças militares
defensivas e não podem ser assimilados a tratados constitutivos de uma
organização internacional de caráter regional. Em conseqüência, do ponto de
vista jurídico, não se configura na OEA o traço coercitivo ou de ingerência que
se tenta identificar nas organizações internacionais".
[5] "Uma organização possui caráter regional
quando possuir restrições no que se refere ao caráter geográfico,
cultural, econômico ou outro” (REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 7ª ed. rev. — São
Paulo: Saraiva, 1998) (Grifamos).
[6] Art. 143 - Esta
Carta vigorará indefinidamente, mas poderá ser denunciada por qualquer dos
Estados membros, mediante uma notificação escrita à Secretaria-Geral, a qual
comunicará em cada caso a todos os outros Estados as notificações de denúncia
que receber. Transcorridos dois anos a partir da data em que a Secretaria-Geral
receber uma notificação de denúncia, a presente Carta cessará seus efeitos em
relação ao dito Estado denunciante e este ficará desligado da Organização,
depois de ter cumprido as obrigações oriundas da presente Carta.
[7] A Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, além de ser um órgão integrante da
estrutura da OEA, também é órgão da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Esta Convenção foi elaborada durante a Conferência Especializada Americana
sobre Direitos Humanos, realizada em 1969, na cidade de San José da Costa Rica
e entrou em vigor no ano de 1978.
SEGALIN, Gabriele Rigo; SEGALA, Guilherme de Oliveira. A organização dos Estados Americanos. Site do Curso de Direito da UFSM. Santa Maria-RS. Disponível em: <http://www.ufsm.br/direito/artigos/internacional/oea.htm>. Acesso em: 20.SET.2006