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Relevância da imunidade diplomática





Alceu José Cicco Filho*





Sumário:
1 Introdução2 O que são as imunidades e agentes diplomáticos3 Classificação destes privilégios4 Teorias acerca da sua finalidade - 5 Relevância de tais prerrogativas - 6 Conclusão 7 Referências Bibliográficas

1 Introdução

Na origem das relações entre os povos estrangeiros, a imunidade diplomática sempre foi de grande relevância. Com o fim do período medieval e a partir da instauração do Estado fortemente assentado em bases territoriais, a imunidade era explicada pelo princípio da extraterritorialidade, pelo qual se criou a ficção de que o lugar em que se situa uma embaixada ou órgão representativo do Estado estrangeiro é considerado território de seu país em situação absoluta de não submissão à lei local.

De toda sorte, qual seja o tratamento conferido pelos diversos povos aos entes estrangeiros que em seus territórios adentram, o certo é que a problemática da imunidade do agente estrangeiro em outra jurisdição nunca foi pacífica nem teve tratamento equânime. Desde sempre o direito diplomático permanece em constante debate para fixar um norte definitivo acerca da razão efetiva de tal instituto. Entre nós, o tema ganha contornos especiais, haja vista a relevante necessidade de saber o porquê da imunidade presente para aqueles atuantes diplomáticos uma vez que ao se encontrar em território estrangeiro deveria como tal, se submeter ao ordenamento jurídico ali vigente. No entendimento de alguns estudiosos, tal interferência fere a soberania(1) do país receptor sendo que a resposta para tal indagação se encontra presente na idéia de que tais agentes carregam consigo muito além de um interesse pessoal: possuem como relevante objetivo garantir um eficaz desempenho das funções das missões diplomáticas, defendendo, portanto, o interesse do Estado representado em território estrangeiro.

A expansão das relações internacionais no pós-guerra e o aumento extraordinário do número de atores nesse cenário (novos Estados, organismos internacionais e não-governamentais e seus representantes) indicam o caráter verdadeiramente universal da vida internacional. Nesse período, à mercê da crescente interdependência, da dinâmica que passaram a marcar a vida internacional, multiplicaram-se as missões diplomáticas permanentes, as repartições consulares de carreira como também as representações de organismos internacionais. A tecnologia moderna aproximou a comunidade das nações e ampliou os interesses dos Estados, temas antes estranhos à agenda internacional passaram a nela figurar. O volume de assuntos com que a diplomacia passou a lidar, a variedade dos problemas de que começou a tratar e o alcance das tarefas que foi chamada a empreender são indubitavelmente maiores do que no passado.

A cooperação e o intercâmbio assumiram papel de relevo para o desenvolvimento dos Estados, que se globalizaram a partir do fim da Guerra Fria, fazendo com que as missões diplomáticas, como nunca visto antes, ganhassem maior importância como instrumento dessas relações.

Se de um lado temos um crescente desenvolvimento nas relações internacionais, faz-se necessário que seus representantes diplomáticos carreguem consigo um meio de garantir certa independência sendo esta inegavelmente necessária para a execução de seus deveres oficiais.

O presente trabalho, deste modo, apresenta como proposta maior expor o quão importante é a presença das imunidades como meio de desenvolver as relações internacionais, concretizando o entendimento de que tais privilégios são concedidos em virtude de garantir, conforme já mencionado, a necessária independência para a execução dos seus deveres oficiais, defendendo, por conseguinte, o interesse recíproco dos Estados.

2 O que são as imunidades e agentes diplomáticos

Os privilégios e imunidades diplomáticos acompanham a história das relações dos povos desde os seus primórdios e foi adquirindo gradualmente, importância maior como condicionante do relacionamento entre os Estados soberanos. Imbuídos, inicialmente, de caráter religioso, foram, através dos tempos, absorvidos pelo direito consuetudinário e por acordos bilaterais, até serem, mais recentemente, incorporados a convenções internacionais e à legislação de número crescente de países. Do mesmo modo, observa-se que os agentes diplomáticos(2) são instrumentos necessários para o funcionamento e manutenção da comunidade internacional, sendo assim não poderiam desempenhar seus encargos com efetividade se não se encontrassem livres de toda ameaça e com a garantia de independência frente ao Estado receptor.

Todo Estado soberano tem o direito de enviar tais agentes e de receber outros, que os governos estrangeiros, reciprocamente, lhe enviem. As primeiras missões permanentes apareceram no século XV, na Itália. Desde a antiguidade, porém, já existia o costume de enviar a países estrangeiros pessoas incumbidas de representar o soberano ou chefe de Estado numa cerimônia ou na negociação de algum acordo, cabendo, assim, a cada Estado a tarefa de determinar as qualidades e condições de idoneidade que devem possuir os seus agentes no exterior, bem como o modo de sua designação. Antes de efetuada a nomeação, o governo que resolve acreditar um agente diplomático junto a outro governo deve solicitar deste a aceitação da pessoa escolhida, ou, antes deve informar-se confidencialmente, junto a esse outro governo, sobre  se tal pessoa será bem recebida como representante diplomático, isto é, se ela será como se costuma dizer "persona grata". A essa consulta dá-se comumente a designação de pedido de "agrément" ou de "agréation".

O agente diplomático assume deveres para com o seu próprio Estado e para com o Estado junto a cujo governo se ache acreditado. As funções da Missão Diplomática estão enumeradas no art. 3º da Convenção de Viena celebrada em 1961 como sendo as seguintes:

. Representar o Estado acreditante perante o Estado acreditado;
. Proteger no Estado acreditado os interesses do Estado acreditante e os de seus nacionais, dentro dos limites permitidos pelo Direito Internacional;
. Negociar com o governo do Estado acreditado;
. Inteirar-se por todos os meios lícitos, das condições e da evolução dos acontecimentos no Estado acreditado e informar a esse respeito o governo do Estado acreditante;
. Promover relações amistosas e desenvolver as relações econômicas e científicas entre o Estado acreditante e o Estado acreditado.

Os agentes diplomáticos também possuem deveres em relação ao Estado acreditado de natureza diversa, sendo que o principal deles a não intromissão na política ou nos negócios da administração interna do Estado acreditado como também a não participação de intrigas partidárias locais e respeito às leis e regulamentos do país. Contudo, também se fazem primordiais para contribuir com o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, independentemente da diversidade dos seus regimes constitucionais e sociais a lealdade para com o soberano estrangeiro, conforme afirma HEFFTER.

3 Classificação destes Privilégios

Estes privilégios e imunidades podem ser classificados em: inviolabilidade, imunidade de jurisdição civil e criminal e isenção fiscal. Eles se estendem não apenas ao agente diplomático, mas ainda aos funcionários da Missão, que os possuem de modo mais restrito.

O agente diplomático, ao entrar no Estado acreditado, passa a se beneficiar deles e, se nele já se encontrar, gozará das imunidades quando a sua nomeação for comunicada ao Estado acreditado. As imunidades subsistem até que a pessoa saia do Estado acreditado, ou com a expiração de um "prazo razoável" que lhe tenha sido dado para este fim.

A inviolabilidade já existia na mais remota Antiguidade, em virtude do caráter sagrado do agente diplomático. Atualmente ela é encarada como decorrendo da necessidade de assegurar o desempenho das funções diplomáticas da Missão estrangeira com liberdade – razão pela qual demonstra o quanto é relevante e proveitoso a presença de tal instituto durante a realização deste encargo.

A imunidade abrange a Missão Diplomática e as residências particulares dos agentes diplomáticos. A inviolabilidade significa que nestes locais o Estado acreditado não pode exercer nenhum ato de coação (ex.:ser invadido pela polícia), a não ser que haja o consentimento do chefe da Missão.

O mobiliário, os arquivos, "assim como os meios de transporte da Missão, não poderão ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução"(3). A missão deverá notificar ao Ministério do Exterior os locais que se beneficiam deste privilégio.

Os atos da Missão praticados como representante do Estado acreditante (ex.: assinatura de um tratado) não podem ser apreciados pelos tribunais do Estado acreditado. Quanto àqueles praticados pela Missão em que ela age como simples particular, a jurisprudência tem sido hesitante. Na Inglaterra, defende-se a imunidade absoluta. Na Europa continental segue-se a prática de se distinguir os atos "jure imperii" e os atos "jure gestionis", havendo imunidade apenas para os primeiros.

A necessidade que tem os agentes diplomáticos de se sentirem independentes da jurisdição civil e criminal do Estado onde se acham acreditados, a fim de poderem tratar, com plena liberdade e máxima franqueza, dos negócios inerentes às respectivas missões, exige que não lhes seja aplicada a referida jurisdição.

Ensina-nos Ismael Moreno Pino que

A imunidade de jurisdição não se baseia no princípio da igualdade soberana dos Estados, onde se desprende que nenhum Estado pode exercer jurisdição sobre o outro par in parem non habet imperium, mas sim que há uma necessidade de outorgar às missões diplomáticas e a seus membros as liberdades necessárias para que possam levar a cabo sua missão com independência. A imunidade de jurisdição ampara os agentes diplomáticos contra ações civis ou penais que possam atrapalhar o desenvolvimento de sua incumbência.(4)

O agente diplomático goza de imunidade de jurisdição criminal sendo esta absoluta e aplicada a qualquer delito. É relevante também mencionar que ainda há a imunidade civil, que parece só ter sido consagrada no século XVIII. A Convenção de Viena a Consagra no artigo 31, salientando que ele goza de "imunidade de jurisdição civil e administrativa", admitindo algumas exceções. Na imunidade de jurisdição está compreendida a faculdade, geralmente reconhecida aos agentes diplomáticos, de não comparecer a tribunal algum do país onde esteja acreditado para prestar testemunho de fatos que sejam do seu conhecimento. Admite-se, contudo, que solicitados por via diplomática, dêem o seu testemunho na sede da missão, a um magistrado do país delegado para esse fim.

A referida imunidade não assegura que o agente diplomático esteja acima da lei, mas expressa apenas que ele deverá ser processado no Estado acreditante, tampouco exime o agente diplomático da obrigação de respeitar os regulamentos locais referentes à segurança dos cidadãos, à saúde pública, etc., contanto que sejam de ordem geral e não restrinjam, de modo algum, o exercício efetivo dos seus deveres.

Os agentes diplomáticos também estão isentos, nos países onde se acham acreditados, do pagamento de certos impostos. Entre estes, figuram: 1º) os impostos pessoais diretos, isto é, os que incidem diretamente sobre o contribuinte e deste passam diretamente à repartição arrecadadora; 2º) os impostos que incidem sobre o edifício da legação ou embaixada, quando o mesmo pertence ao Estado estrangeiro. Além disso, por cortesia dos Estados que os recebem, são geralmente dispensados do pagamento de direitos aduaneiros, sobre os objetos destinados ao uso oficial das respectivas missões, ou ao uso pessoal dos próprios agentes ou das respectivas famílias.  A Convenção de Viena reconhece a isenção fiscal no artigo 34, que enumera também as exceções à regra geral.

4 Teorias acerca de sua finalidade

Tais agentes para o melhor desempenho de suas funções gozam de privilégios e imunidades. A razão de ser destas imunidades foi muito discutida afim de procurar justificá-la. Atualmente, a posição adotada é quase unânime sendo que para chegar a tal consenso, inúmeras teorias sobre o assunto surgiram através da História:

a) O agente diplomático representante do soberano ou do Estado estrangeiro

Tal teoria remonta ao período medieval até a Revolução Francesa onde as relações internacionais eram consideradas como relações pessoais entre os monarcas e príncipes - eram relações entre chefes de Estado. Os enviados de tais monarcas eram representantes pessoais seus e toda violência ou ofensa a sua dignidade considerava-se como uma ofensa ao próprio soberano. Ademais, de acordo com o princípio da igualdade dos Estados e consequentemente dos monarcas, que nessa época os personificavam, entendia-se que uma lei ditada por um soberano não podia ser aplicada a outro soberano nem a seu representante direto. Foi a teoria esposada por Burlamaqui e Montesquieu onde este último destaca:

O Direito das Gentes quer que os príncipes enviem embaixadores, e a razão derivada da natureza das coisas não permite que estes dependam do soberano ante o qual são acreditados, nem de seus tribunais. Eles são a palavra do príncipe que os envia e tal palavra deve ser livre; nenhum obstáculo deve impedir-lhes da ação. Por falar como pessoas independentes, podem muitas vezes desagradar; poderia imputar-lhes crimes se fosse permitido prende-lhes por dívida. Um príncipe, naturalmente altivo, falaria assim pela boca de pessoas sujeitas a temer por tudo. É necessário, portanto, recorrer com respeito aos embaixadores a razoes emanadas do Direito das Gentes e não as regras de direito político. Se abusam de seu caráter representativo, se deve dar por terminada sua missão e despedi-lhes; também os pode acusar ante seu amo a fim de que atuem como juízes ou cúmplice."(5)

Tal teoria caiu em desuso em virtude de que os Estados não são propriedades dos príncipes além do caráter representativo dos chefes de missão ter decaído em importância. Ademais, o chefe de missão moderno não representa mais seu respectivo chefe de Estado, e sim representa o Estado em seu conjunto. Mesmo assim, se o agente diplomático desfrutasse de um estatuto privilegiado só em virtude de que possui um caráter representativo, porque sua família, que carece do dito caráter, goza de privilégios e imunidades?

A Revolução Francesa, destruindo a concepção de que o Estado fosse propriedade do soberano, fez com que o agente diplomático representasse o próprio Estado. Entre os seus defensores está Fort-Dumanoir.

b) Teoria da Extraterritorialidade

A Teoria da Extraterritorialidade data do século XVII e foi exposta por Hugo Grotius. Os seus defensores sustentam que por meio de uma ficção a embaixada faz parte do território do Estado de que ela é nacional. O lugar em que se situa uma embaixada ou órgão representativo do Estado estrangeiro é considerado território de seu país, em situação de absoluta não submissão à lei local.

Grocio acreditava que no que se referia aos embaixadores havia dois pontos prescritos pela lei das nações: o primeiro era que deveriam ser admitidos; o segundo era que uma vez admitidos, deveriam ser invioláveis. Como base nessa inviolabilidade, o próprio Grocio estabeleceu:

segundo o direito das gentes, um embaixador representa, por uma espécie de ficção, a pessoa de seu senhor, e igualmente, por uma ficção, se considera que se encontra fora do território da potencia ante a que exerce suas funções. Assim se desprende que não tenha que observar as leis civis do país estrangeiro onde permanece como embaixador(6).

O seu abandono remonta ao século XIX, no tocante a crimes comuns ocorridos na embaixada. Se esta fosse território estrangeiro, o criminoso só poderia ser entregue por meio de um processo de extradição, o que na prática não ocorre. Por outro lado, alguns países (ex: França) permitem que seja movida uma ação contra o estrangeiro que não mora no país por obrigações que tenham sido aí contraídas. Ora, nesse caso, o agente diplomático poderia então ser acionado, o que é contrário a suas imunidades. Outro caso é que o asilado em Missão Diplomática é considerado como estando ainda no território do Estado a que pertence. Entre os autores modernos ela só foi defendida por Genet, e muito raramente na jurisprudência.

c) Outras teorias têm sido propostas, como a de que o direito de legação, de onde decorrem as imunidades, faria parte do direito natural (Gentili), entretanto, este contempla apenas princípios gerais e o direito de legação faz parte do direito positivo.

O Duque d´Aiguillon sustentava que os privilégios e imunidades decorriam de um acordo tácito. Ora, se assim fosse, nada impediria a denúncia deste acordo, ou, ainda, o Estado poderia não dar o seu consentimento para este acordo, o que não é possível.

Cecil Hurst sustenta na sua teoria que o agente diplomático possui privilégios e imunidades em relação à lei local, "porque ele não pertence àqueles para os quais a autoridade legislativa possa fazer leis". Esta teoria mereceu uma cerrada crítica, porque as imunidades se tornam inúteis, pois o agente diplomático já não estaria sujeito às leis do Estado. Na verdade, ele se encontra submetido a elas, apenas gozando de imunidades.

d) Teoria do interesse da função:

A Teoria do Interesse da Função foi esboçada por Vattel. É adotada pelo Instituto de Direito Internacional e no grupo de Harvard Law School, consagrada no direito positivo nos preâmbulos das convenções sobre relações diplomáticas de Havana (1928) e Viena (1961). Esta última declara reconhecer a finalidade de tais privilégios e imunidades - garantir o eficaz desempenho das funções das Missões Diplomáticas em seu caráter de representantes dos Estados.

Este é o fundamento das imunidades da Missão Diplomática, consagrado na jurisprudência e aceito por quase todos os doutrinadores. A presença de tal instituto é extremamente significante por garantir o adequado desempenho das funções dos representes diplomáticos.

Esta é a teoria que priva na intelectualidade, por ser eminentemente satisfatória. A imunidade dos agentes diplomáticos é de relevante necessidade, pois segundo tal ensinamento um representante diplomático não pode exercer suas funções se não estiver livre de toda ameaça bem como se não estiver plenamente independente do Estado receptor. Vattel, afirma:

Os embaixadores e outros ministros públicos são instrumentos necessários para manter esta sociedade internacional, esta correspondência mutua das nações. Mas sua função não pode lograr o fim para o qual foi designado se não se encontram providos de todas as prerrogativas necessárias para assegurar o êxito legítimo, permitindo-lhes exercer com toda segurança, liberdade e fidelidade. O mesmo Direito das Gentes que obriga as nações a aceitar os ministros estrangeiros, as obriga também manifestadamente a receber estes ministros com todos os direitos que lhes são necessários e todos os privilégios que asseguram o exercício de suas funções.(7)

A idéia é clara e satisfaz plenamente: os embaixadores são instrumentos necessários para o funcionamento e manutenção da comunidade internacional e estes não a podem desempenhar com efetividade se não se encontram livres de toda ameaça e não são plenamente independentes frente ao Estado receptor. Como afirma Oppenheim:

As razões pelas quais estes privilégios devem ser outorgados radicam em que os enviados diplomáticos são representantes de seus Estados e da dignidade destes ademais de não poder exercer suas funções adequadamente se não desfrutam de semelhantes privilégios. Resulta obvio que, se estivessem sujeitos a interferências comuns de ordem política ou jurídica como qualquer outro indivíduo, e conseqüentemente fosse mais ou menos dependentes da boa vontade do governo, ficariam sujeitos a serem influenciados por considerações de ordem pessoal relativas a sua segurança ou comodidade, a um gral tal, que materialmente lhes dificultaria o exercício pleno de suas funções. É igualmente claro que se em sua relação livre e plena com seus Estados, através de cartas, telegramas e correios, estivessem sujeitos a interferências, os objetivos de sua missão não poderiam ser cumpridos. Neste caso lhes resultaria impossível o envio de informações independentes e secretas a seus Estados, e o recibo de instruções similares de seus próprios países. Da consideração destas e várias outras razões análogas, seus privilégios parecem ser atributos inseparáveis da existência mesma dos enviados diplomáticos.(8)

Do mesmo modo, o Instituto do Direito Internacional afirmou em sua sessão correspondente a 1924 que era "um interesse funcional o fundamento das imunidades diplomáticas"; mas adiante, em sua seção de 1929, declarou que "os agentes diplomáticos tem, pelo interesse de suas funções, direito às imunidades enumeradas no presente regramento".

O preâmbulo da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas também estabelece e assegura como já mencionado, tais direitos: "Realizing that the purpose of such privileges and immunities is not to benefit individuals but to ensure the efficient performance of the functions of diplomatic missions as representing States". Diz Guggenheim que "os representantes diplomáticos gozam de certos privilégios e imunidades em interesse coletivo das relações internacionais"(9), com o qual quer afirmar que o interesse no desempenho das funções da missão não corresponde somente ao Estado receptor, tampouco está limitado ao estado acreditante, mas sim a toda comunidade dos Estados.

As imunidades e privilégios diplomáticos existem desde a Antiguidade, quando os agentes diplomáticos se revestiam de um aspecto sagrado. Em Roma, a violação de embaixadores romanos era o suficiente para causar uma guerra justa.

Estas imunidades têm uma origem consuetudinária e foram se desenvolvendo, através dos tempos, até serem codificadas, no âmbito interamericano, na Convenção de Havana (1928), e, no âmbito "universal" na Convenção de Viena (1961), concluída sob os auspícios da ONU.

Hildebrando Accioly, em sua obra Manual de Direito Internacional Público, contempla:

Os agentes diplomáticos gozam de certas prerrogativas e imunidades de relevante importância, que lhes são reconhecidas como condições essenciais para o perfeito desempenho de suas respectivas missões. Desde a época remota, foram os enviados diplomáticos cercados de grande respeito e consideração. De tal modo que o direito internacional contemporâneo, admitindo os aludidos privilégios, não faz mais, por assim dizer, do que consagrar uma tradição generalizada. Desde o tempo de Grócio até hoje, muito se tem invocado como fundamento das prerrogativas diplomáticas, um exemplo é a ficção da extraterritorialidade. A opinião mais corrente, porém, combate semelhante idéia, sustentando, com razão, que a importância das ditas prerrogativas está na real necessidade de se assegurar, aos que delas gozam, a independência necessária para a execução dos seus deveres oficiais; decorrendo, pois, do interesse recíproco dos Estados.(10)

Torna-se claro, portanto, que o valor exercido pela imunidade aos agentes diplomáticos é muito mais que uma simples "vantagem" conferida a tais atuantes: é a garantia de que a jurisdição local não irá obstaculizar a missão a eles concebida resultando, assim, em um encargo livre da pressão do ordenamento jurídico local bem como na independência necessária para realizar da maneira mais eficiente a execução de suas funções.

Pensa-se ser a preservação de tais prerrogativas essenciais à condução das relações entre Estados, pois tais benefícios permitem a seus representantes exercer suas funções no Estado acreditado, livres de pressões locais possuindo eles, assim, a liberdade de se comunicar com seus próprios governos, negociar em seu nome, representá-los e defender seus interesses nacionais de forma independente das autoridades do Estado que os recebe.

A imunidade, portanto, encontra seu fundamento de proeminência na idéia de proteger ao máximo a missão diplomática garantindo aos agentes a liberdade necessária para negociar como também defender os interesses de seu país sem a interferência do ordenamento jurídico e princípios locais. Em relação a tal importância, Clóvis Bevilaqua afirma que "destas regalias gozam os agentes diplomáticos de qualquer categoria, por serem condição para o bom desempenho de suas funções e são atribuídas aos Ministros e Embaixadores, para que possam cumprir, sem embaraços, a sua missão, e porque representam um Estado soberano".(11)

A Convenção de Havana reconhece em seu preâmbulo que os funcionários diplomáticos representam seus respectivos Estados além de estar consagrado em seu artigo 15 que tais Estados deverão outorgar toda classe de facilidade para o exercício de suas funções.

Importante é ver a imunidade como o meio encontrado de tentar ao máximo alcançar com efetividade e precisão o desempenho pleno das funções pelo agente diplomático, desacreditando que tal instituto apenas atribui a tais profissionais certa regalia sendo esta um meio de não responder à Legislação vigente. Tal idéia se apresenta de maneira incorreta uma vez que conforme consagrado na Convenção de Viena de 1961 em seu artigo 41, "sem prejuízo de seus privilégios e imunidades, todas as pessoas que gozem desses privilégios e imunidades deverão respeitar as leis e os regulamentos do Estado acreditado". Conseqüentemente, há deveres a serem cumpridos em relação ao Estado acreditado que é o de respeitar as leis e regulamentos do país receptor. Cada vez que tais agentes abusam da imunidade que lhes foi conferida estes se distanciam do seu objetivo maior que é o de se valer destas prerrogativas como um meio de executar suas funções, que se encontram elencadas no artigo 3º, com maior liberdade bem como eficiência longe das pressões jurídicas do estado que os recebe.

Alguns pensadores acreditam que a imunidade diplomática fere à soberania de um país uma vez que neste caso o Estado está impedido de exercer seu poder de imperium sobre estes agentes. Outros adotam a idéia de que uma das conseqüências da soberania dos Estados é a imunidade que permite, em regra, a isenção jurisdicional do Estado, tendo como fundamento o princípio da igualdade soberana dos Estados. O Estado goza de imunidade por direito próprio e os agentes diplomáticos, por via indireta, como representantes do Estado, pois este entendimento lastreia-se na relevante necessidade funcional de bem desempenhar sua missão representativa. Consoante Montesquieu, os embaixadores "representam a palavra do príncipe que os envia, e esta palavra deve ser livre. Nenhum obstáculo deve obstar-lhes a ação".(12)

Entretanto, ainda em relação a essa temática, é relevante acrescentar que alguns agentes diplomáticos se utilizam destas prerrogativas para burlar abusivamente as leis locais obstruindo, assim, o interesse legítimo que é o de garantir as condições necessárias e a proteção ao exercício das funções diplomáticas. Tal abuso se nutre na complacência e o desequilíbrio na falta de zelo daqueles a que, por mandato, obrigação de ofício ou dever social, cabe exercer função reguladora e fiscalizadora.

Gislene Pinheiro acredita que "as infrações praticadas pelas pessoas que gozam de imunidade diplomática constituem fonte de preocupação, uma vez que há sentimento de impunidade dele decorrente, constituindo verdadeiro estímulo para que seus autores continuem delinqüindo".(13)

É necessário, antes de tudo, refletir na importância de se encontrar uma política de rígida aplicação dos privilégios e imunidades em resposta aos abusos no gozo de prerrogativas diplomáticas. Não suprimir gratuitamente tais prerrogativas, devido a sua excelência para garantir liberdade ao executar os encargos diplomáticos, mas sim aprimorar procedimentos e normas que desestimulem aquelas ações como parte do dever maior que é o de garantir, de forma recíproca, condições de segurança, trabalho e respeito mútuo que facilitem à sua missão o exercício de suas funções.

5 Relevância de tais prerrogativas

A real necessidade bem como importância de se manter tais prerrogativas não é proporcionar ao particular imunidade ao ordenamento jurídico local tampouco prover-lhes do necessário para realizar seus anseios subjetivos, mas como objetivo legítimo, conforme consagrado na Convenção de Viena, garantir o eficaz desempenho das funções das Missões Diplomáticas em seu caráter de representantes dos Estados.

O agente diplomático somente poderá desempenhar sua representação eficazmente se o Estado que o recebe lhe outorgar garantias para sua função, ou seja, privilégios que assegurem seu livre exercício. Sendo assim, a relevante importância dos privilégios diplomáticos reside na necessidade de garantir aos beneficiários a independência necessária para o cumprimento de seus deveres oficiais derivando do interesse recíproco dos Estados - preservar a liberdade para o exercício de tais incumbências sem a intervenção não somente, mas principalmente jurídica do Estado receptor.

Torna-se claro, portanto, que o valor exercido pela imunidade aos agentes diplomáticos é muito mais que uma mera "vantagem" conferida a tais atuantes: é a garantia de que a jurisdição local não irá obstaculizar a missão a eles concebida resultando, assim, em um encargo livre da pressão do ordenamento jurídico local bem como na independência necessária para realizar da maneira mais eficiente a execução de suas funções. Assim como Javier Pérez, também entendo que o titular dos privilégios não é o agente, mas o Estado, pois quando aquele negocia ou defende os interesses de seu país, o faz como se Estado o fosse.

Imagine se fossem eles sujeitos à interferência legal e política ou à boa vontade do Estado acreditado ou de seus nacionais. Poderiam ser influenciados por considerações de segurança e conforto? Não somente poderiam como certamente seriam influenciados num grau que os prejudicaria materialmente no exercício de suas funções. Em casos como este, verifica-se o quão importante se faz a presença de tais prerrogativas a fim de garantir ao máximo o exercício pleno das missões diplomáticas, afastando todo e qualquer fator que de alguma maneira possa prejudicar o correto andamento de tais encargos

Interessante ainda é analisar a tese de Sérgio Eduardo quando este afirma que a imunidade diplomática é um instrumento de Política Externa. Primeiramente porque se nós garantimos tais privilégios a agentes estrangeiros, conforme o princípio da não discriminação(14) teremos os mesmos tratamentos reconhecidos aos nossos atuantes diplomáticos - o que significa dizer que nossos diplomatas terão as mesmas prerrogativas de liberdade e imunidade à jurisdição do país que se encontram, providos com o melhor meio de realizar suas tarefas sem intervenção de demais países.

Consagrar tais prerrogativas é também reconhecer que nossas missões diplomáticas trarão resultados independentes dos princípios, ideologias, jurisdição bem como estarão livres de interferências oriundas do Estado que recebe nossos agentes. Em outras palavras, promover-se-ão relações amistosas a todos que participam deste incomensurável mundo que forma o Direito Internacional com vantagens a todos os que destas prerrogativas não somente usufruem, mas também garantem aos demais Estados.

6 Conclusão

As imunidades diplomáticas constituem princípio e fundamento do Direito Internacional. Sua finalidade e importância se encontram na necessidade de garantir o eficaz desempenho das funções das missões diplomáticas, em seu caráter de representantes dos Estados. Elas subtraem a missão diplomática e seus agentes à jurisdição dos tribunais locais para permitir-lhes a liberdade, a independência e a segurança necessária ao exercício de suas funções.

A imunidade do representante diplomático constitui-se conditio sine qua non do relacionamento internacional desde suas origens. Impregnada inicialmente de sentido sagrado, o porquê da presença de tais prerrogativas vai se aperfeiçoando juridicamente num sentido mais estrito. Assim, as imunidades diplomáticas passam a ser outorgadas propter officii para resguardar a função exercida – a ênfase da diplomacia se transfere para a missão diplomática.

A cooperação e o intercâmbio assumiram papel de relevo para o desenvolvimento dos Estados, que se globalizaram a partir do fim da Guerra Fria, fazendo com que as missões diplomáticas, como nunca visto antes, ganhassem maior importância como instrumento desses contatos. Consequentemente há uma ampla necessidade de fazer com que tais missões sejam executadas com maior independência e adequação. Fossem eles sujeitos à interferência legal e política ou à boa vontade do Estado acreditado ou de seus nacionais, sofreriam influencias relativas a considerações de segurança e conforto num grau que os prejudicaria materialmente no exercício de suas funções.

Questão que também merece ser discutida é a de que a preservação do regime de privilégios e imunidades diplomáticas dependerá da capacidade de cada país de prevenir a ocorrência de abusos que comprometam essas prerrogativas e provoquem as ações que levarão ao seu progressivo cerceamento. Daí a necessidade de uma política que, por meio da aplicação estrita das leis e das normas pertinentes, desestimule aquelas práticas irregulares. Não se limitará essa política a considerar o abuso do agente diplomático; deverá, também, empenhar-se na defesa dessas prerrogativas, quando elas forem objeto de abusos maiores provocados pelos próprios Estados acreditantes ou praticados com o seu aval.

Conclui-se, portanto, que é na Teoria da Necessidade Funcional que a imunidade diplomática encontra não somente seu fundamento de validade, mas adquire principalmente sua importância.

Assegurar uma maior liberdade bem como independência em relação ao ordenamento jurídico local é o reflexo sólido de buscar ao máximo garantir o eficaz desempenho das funções das missões diplomáticas em seu caráter de negociadores além de representantes dos interesses dos Estados. Se o resultado da missão diplomática é fundado em tais princípios é porque houve o equilíbrio necessário para que não fossem influenciados juridicamente pelos valores e ideologias presentes no país que os recebeu, o que pessoalmente admiro uma vez que aí sim estarão fazendo uso de tais prerrogativas para garantir, ou no meu entender respeitar a razão principal de seu fundamento: assegurar o adequado desempenho de tais funções.

7 Referências Bibliográficas

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MEDEIROS, Antonio Paulo Cachapuz de. (Org.). Pareceres dos consultores jurídicos do Itamaraty. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2000.

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PÉREZ DE CUÉLLAR, Javier. Manual de derecho diplomático. 7. ed. México: Fondo de Cultura Económica,1997.

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REZEK, J. F. Direito dos tratados. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

VATTEL, E. El derecho de gentes. Madri: [s.n.], 1834.

VERDROSS, Alfred. Derecho internacional público. Madri: [s.n.], 1963.

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(1) Constitucionalmente apresenta como definição o poder de imperium exercido pelo Estado a fim de fazer com que aqueles que se encontram em seu território cumpram com seus princípios e determinações. Houve uma revisão do conceito tradicional de soberania absoluta do Estado, que passa a sofrer uma relativização em prol da observância dos direitos humanos, na medida em que estes passam a constituir tema de legítimo interesse da comunidade internacional.

(2) As pessoas que o Chefe de Estado manda ao exterior e acredita perante algum governo, para representar o seu país bem como seus direitos e interesses são chamadas de agentes diplomáticos.

(3) Convenção de Viena, art.22, §3º.

(4) MORENO PINO, Ismael. La diplomacia. México: Fondo de Cultura Económica, 2001, p. 231.

(5) MONTESQUIEU. O espírito das leis (livro XXVI, cap.XXI).

(6) GROCIO. Le droit de la guerre et de la paix. Amzterdam, 1724, livro II, cap. XVIII, p. 540.

(7) Emerich de Vattel. Lê Droit de Gens. París, 1830. tomo II, lib IV, cap. VIII, pp.364-365.

(8) OPPENHEIM, L. op. cit., p. 706.

(9) GUGGENHEIM, Paul. Traité de droit international public. Ginebra, 1953, v. I, pág. 496-497.

(10) ACCIOLY,   Hildebrando. Manual de direito internacional público. São Paulo: Saraiva, 1972. p.108.

(11) BEVILAQUA, Clóvis. Pareceres dos consultores jurídicos do Itamaraty. Brasília: Senado Federal, 2000. p. 290.

(12) MONTESQUIEU. O Espírito das leis. Brasília: Universidade de Brasília, 1982. p. 521.

(13) PINHEIRO, Gislene. Imunidade de jurisdição penal dos agentes diplomáticos. Brasília: Monografia, 2005. p. 1.

(14) Maresca afirma que este é o princípio geral que governa todo o sistema das imunidades, é a não discriminação que significa que o Estado receptor está internacionalmente obrigado a dar idêntico tratamento a todas as representações diplomáticas dos diversos Estados acreditantes.



*Estudante de graduação do Curso de Direito do Uniceub



CICCO FILHO, Alceu José. Relevância da imunidade diplomática. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ . Acesso em: 17 set. 2006.