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A Corte Interamericana de direitos humanos





Andressa de Sousa e Silva*





Sumário:
1 Introdução2 A Corte Interamericana de Direitos Humanos - 2.1 Noções Gerais - 2.2 Estrutura e atribuições da Corte Interamericana - 2.3 As funções e atribuições da Comissão Interamericana de Direitos Humanos - 2.4 O Sistema de petições individuais - 2.4.1 Dos requisitos de admissibilidade das petições - 2.5 Sentenças e pareceres da Corte Interamericana - 3 O Brasil e a Corte Interamericana de Direitos Humanos - 3.1 Casos brasileiros - 3.1.1 Caso José Pereira – primeiro caso brasileiro de solução amistosa - 3.1.2 Caso Corumbiara – análise de mérito - 3.1.3 Caso Jailton Neri – análise de mérito - 3.1.4 Caso Urso Branco – primeiras medidas provisionais contra o Estado Brasileiro - 4 O problema da divulgação5 Conclusão6 Referências

Resumo

Num cenário de constante violência e desrespeito à figura do ser humano, notadamente em meados do século XX, surge dentre os mecanismos de promoção e proteção dos direitos do homem, a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Juntamente à Comissão de Direitos Humanos, a Corte tem por finalidade precípua a interpretação das disposições da Convenção Americana, assim como das disposições de tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados Americanos, apresentando, desta forma, as devidas soluções às eventuais controvérsias, além de dirimir conflitos porventura existentes.

Este instrumento de proteção, pouco disseminado nos ambientes em que a necessidade o conclama a se efetivar, será objeto de estudo deste artigo, direcionado para a compreensão e a difusão do seu funcionamento.

Palavras-chave: Direitos Humanos, Convenção Americana de Direitos Humanos, Difusão, Corte Interamericana de Direitos Humanos.

1 Introdução

Tem sido notado em recentes proposições científicas um significativo crescimento de interesse relativamente aos mecanismos de promoção e proteção dos direitos humanos, contribuindo para a constituição de um ramo específico do direito, qual seja o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Esse segmento jurídico foi fomentado, basicamente, após a Segunda Guerra Mundial e nasceu com o intuito de acabar com as constantes desigualdades, com os preconceitos e com as violações a esses direitos. Se constitui de normas jurídicas internacionais, procedimentos e mecanismos voltados a garantir os direitos humanos de todos os cidadãos e a obrigar cada nação a responsabilizar-se pela satisfação desses direitos. São Convenções, Tratados, Pactos, Protocolos, Comissões, Comitês resultantes de consensos da comunidade internacional e destinados a reforçar o caráter universal, indivisível e interdependente dos direitos humanos.

Com a aprovação da Declaração Universal em 1948, dos Pactos dos Direitos Civis e Econômicos, Sociais e Culturais e das Convenções específicas, formou-se um sistema global ligado a ONU que compeliu os Estados-partes a respeitarem os mecanismos internacionais adotados.

Com o intuito de complementar o sistema da ONU, muitos continentes criaram sistemas regionais de proteção aos direitos humanos como a Europa, África e América. O objetivo foi de aproximar as realidades territoriais e dicotômicas dos parâmetros gerais e valores construídos pela humanidade.

Além de ser Estado-parte da ONU, o Brasil também integra a OEA(1) (Organização dos Estados Americanos). É, pois, membro do sistema regional interamericano de proteção dos direitos humanos, tendo já ratificado a Convenção Americana dos Direitos Humanos de 1969, em 25 de setembro de 1992, bem como outros instrumentos específicos desse sistema.

Com a finalidade de salvaguardar os direitos essenciais do homem no continente americano, a Convenção instituiu dois órgãos para promover a observância e proteção dos direitos humanos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

O objetivo deste trabalho consiste em descrever pontos de interesse relativamente a estas instâncias que se revestem de tão pouca publicidade, mas que configuram uma importante arma contra os abusos ainda cometidos por governos, sistemas e autoridades, notadamente no que tange à proteção dos direitos humanos.

É necessário, para tanto, um estudo conjugado dos papéis de ambos os órgãos, haja vista eles interagirem no processo de viabilização de direitos humanos, conforme se verá. A par de compreender esse sistema regional subsidiado pela atuação da Corte Interamericana de Direitos Humanos e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, será analisada também, a perspectiva da divulgação desses instrumentos.

2 A Corte Interamericana de Direitos Humanos

2.1 Noções Gerais

O surgimento da idéia de uma Corte Interamericana de Direitos Humanos remonta à aprovação, pela OEA, da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem em Bogotá - Colômbia, 1948, considerado o primeiro documento internacional sobre direitos humanos de caráter geral. Este documento representa, portanto um marco inicial para proteção dos direitos humanos no continente americano.

Em 1969 foi aprovada a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que entrou em vigor no ano de 1978 sendo ratificada em setembro de 1992, por 25 países. São eles: Argentina, Barbados, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Dominica, República Dominicana, Equador, El Salvador, Grenada, Guatemala, Haití, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Perú, Suriname, Trindade e Tobago, Uruguai e Venezuela.

A Convenção (comumente conhecida por Pacto de São José da Costa Rica) define os direitos humanos que os Estados ratificantes se comprometem internacionalmente a respeitar e configura verdadeira garantia para que eles sejam respeitados.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos é um órgão autônomo e principal da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujas atribuições constam na Carta da OEA e na Convenção Americana sobre Diretos Humanos.

A Corte tem hoje sede em São José, Costa Rica. Contudo, conforme disposição do art. 58 da Convenção, os Estados-Partes da Convenção podem mudar a sede da Corte em Assembléia-Geral, por dois terços dos seus votos. Ainda, a Corte poderá realizar suas reuniões no território de qualquer Estado-membro da Organização dos Estados Americanos em que o considerar conveniente pela maioria dos seus membros e mediante prévia aquiescência do Estado respectivo.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos é instância com características especialíssimas e foi reconhecida pelo Brasil através do Decreto-Legislativo nº 89/98. Por meio deste instrumento, estabeleceu-se sua competência obrigatória em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos, para os fatos ocorridos a partir da data do seu reconhecimento.

Por outro lado, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que hoje é presidida por um brasileiro, Dr. Hélio Bicudo, existe desde antes da Convenção Americana e passou de uma instância de promoção para instância de fiscalização, estabelecendo recomendações e decisões sobre as violações de direitos humanos submetidas a sua apreciação. As competências desta Comissão estão especificadas nos arts. 34 a 51 do instrumento referido (RAMOS, 2002, p. 23).

A Corte se reúne em sessões ordinárias e extraordinários várias vezes ao ano, onde a sua Secretaria Executiva cumpre as instruções da Comissão Interamericana servindo de apoio para a preparação legal e administrativa de suas tarefas (PIOVESAN, 1997, p.90).

Delineadas algumas características acerca da Corte, nota-se que o estudo já se estende, inevitavelmente, às características da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, razão pela qual nos propomos agora a adentrar neste território de forma mais específica.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos - CIDH é uma das entidades do sistema interamericano de proteção e promoção dos direitos humanos nas Américas. Sua sede está situada em Washington (PIOVESAN, 1997, p.89).

Foi criada em 1959 e entrou em vigor em 1960, quando o Conselho da OEA aprovou seu estatuto e elegeu seus primeiros membros. Diz-se que a Convenção a institucionalizou, bem como à Corte, porquanto ela define as atribuições e procedimentos de ambas. Em verdade, a Convenção deu forma institucional à Comissão. Contudo, a Corte não poderia ser fixada e organizada até que a Convenção entrasse em vigor, haja vista suas atribuições jurisdicionais se basearem essencialmente neste documento.

Em 1961 a Comissão iniciou o procedimento de visitas in loco para observar a situação geral dos direitos humanos em um determinado país, ou para investigar uma situação particular que fora delatada. Respeitando as generalidades sobre a situação do país, pode a Comissão publicar informações a respeito da visita, conforme se verá do estudo de casos brasileiros. (PIOVESAN, 1997, p.91).

Desde 1965 a Comissão foi autorizada expressamente a receber e processar denúncias ou petições sobre casos individuais dos quais se alegavam violações aos direitos humanos. Até 1997 havia recebido várias dezenas de milhares de petições, que se concentrou em mais de 12.000 casos processados ou em fase de processamento (PIOVESAN, 2000, p. 34).

Pode-se dizer, relativamente ao sistema interamericano de proteção aos direitos humanos, que este possui instâncias sólidas e diversos mecanismos destinados a acompanhar a garantia e respeito aos direitos humanos. Passemos agora à análise individual de cada uma dessas instâncias.

2.2 Estrutura e atribuições da Corte Interamericana

Em linhas gerais, pode-se dizer que a Corte é o órgão jurisdicional do sistema regional, possui competência consultiva e contenciosa, e é composta por sete juízes nacionais dos Estados-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA), eleitos a título pessoal pelos Estados-partes da Convenção (PIOVESAN, 1997, p. 234-235).

A eleição dos membros da Comissão Interamericana é feita pela Assembléia Geral da OEA, que é composta por todos os Estados membros da OEA, sejam ou não partes da Convenção Americana. Os juízes da Corte Interamericana, por sua vez, apenas podem ser indicados e eleitos pelos Estados-partes da Convenção Americana. Entretanto, os juízes não precisam ser nacionais dos Estados-partes. A única condição relativa à nacionalidade - e ela se aplica igualmente aos membros da Comissão Interamericana e aos juízes da Corte - é que eles devem ser nacionais de um Estado membro da OEA (PIOVESAN, 1997, p. 234-235).

Assim, em contrapartida ao que acontece na Comissão Interamericana onde todos os Estados-Membros da Organização dos Estados Americanos têm legitimidade para indicarem as pessoas que integrarão o referido órgão, no tocante a Corte Interamericana que exercerá funções jurisdicionais, somente os Estados que subscreveram a Convenção é que terão legitimidade para indicarem candidatos ao cargo de juízes.

Vale a pena ressaltar que os juízes da Corte são eleitos por um período de seis anos e só poderão ser reeleitos uma vez. O mandato de três dos juízes designados na primeira eleição expirará ao cabo de três anos. Imediatamente depois da referida eleição, determinar-se-ão por sorteio na Assembléia Geral, os nomes desses três juízes.

Segundo o que preceitua o artigo 54, 2, da Convenção Americana, o juiz que venha a ser eleito para substituir outro magistrado cujo mandato não haja expirado, completará o período deste.

Os juízes permanecerão em suas funções até o término dos seus mandatos. Entretanto, continuarão funcionando nos casos em que já tenham tomado conhecimento e que se encontrem em fase de sentença, em atendimento ao princípio denominado na teoria geral do processo de princípio da identidade física do juiz, sendo que para tais feitos, não serão substituídos pelos novos juízes eleitos (PIOVESAN, 1997, p. 236).

Nos ensinamentos de Flavia Piovesan, a Corte Interamericana possui duas atribuições essenciais: a primeira, de natureza consultiva, relativa à interpretação das disposições da Convenção Americana, assim como das disposições de tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados Americanos; a segunda, de caráter jurisdicional, referente à solução de controvérsias que se apresentam acerca da interpretação ou aplicação da própria Convenção (PIOVESAN, 1997, p. 235).

Dentro do campo consultivo, qualquer membro da OEA - parte ou não da Convenção - pode solicitar o parecer da Corte relativamente à interpretação da Convenção ou qualquer outro tratado relativo à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos. A Corte pode ainda opinar sobre a compatibilidade de preceitos da legislação doméstica em face dos instrumentos internacionais.

Ressalta-se que todos os Estados Americanos que depositaram a carta de adesão à Convenção Americana de Direitos Humanos, neles se incluindo, o Brasil, Estados Unidos entre outros, reconheceram a competência da Corte para o exercício de suas funções jurisdicionais.

Portanto, configura-se sua função contenciosa, a prerrogativa da Corte de ser chamada a se pronunciar a respeito da violação ou não dos preceitos disciplinados na Convenção Americana de Direitos Humanos. Já em sua competência consultiva, poderá apresentar pareceres relativos à interpretação do Pacto de São José da Costa Rica ou de qualquer outro tratado relativo à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos. (PIOVESAN, 1997, p. 236).

2.3 As Funções e Atribuições da Comissão Interamericana de Direitos Humanos

A Convenção Americana de Direitos Humanos em seu artigo 33 disciplina que são competentes para conhecer dos assuntos relacionados com o cumprimento dos compromissos assumidos pelos Estados-Partes na Convenção, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Compreender a Corte Interamericana de Direitos Humanos requer analisar conjuntamente o sistema interamericano representado pela OEA, as determinações da Convenção, que subsidia todas as atribuições da Corte e da Comissão, e finalmente, a CIDH, porquanto, como veremos, ela é o primeiro órgão a ter contato com as petições individuais e desempenha um papel precedente à Corte e de grande importância para a proteção dos direitos humanos no continente americano.

A Comissão tem a função principal de promover a observância e defesa dos direitos humanos, no exercício do seu mandato (RAMOS, 2002, p. 29-35). Dentre suas atribuições a Comissão:

"a) Recebe, analisa e investiga petições individuais que alegam violações dos direitos humanos, segundo o disposto nos artigos 44 ao 51 da Convenção;

b) Observa a vigência geral dos direitos humanos nos Estados membros; quando considera conveniente publica informações especiais sobre a situação de um Estado em particular;

c) Realiza visitas in loco aos países para aprofundar a observação geral da situação e/ou para investigar uma situação particular.(2) Geralmente, essas visitas resultam na apreciação de uma denúncia respectiva, que é publicada e enviada para a Assembléia Geral.

d) Estimula a consciência dos direitos humanos nos países da América. Entre outros, realiza e publica estudos sobre temas específicos. Assim, por exemplo, sobre: medidas para assegurar maior independência do poder judicial; atividades irregulares de grupos armados; a situação dos direitos humanos dos menores, das mulheres, dos povos indígenas.

e) Realiza e participa de conferências e reuniões com representantes de governos, acadêmicos, grupos de parlamentares, além de difundir e analisar temas relacionados ao sistema interamericano dos direitos humanos.

f) Faz recomendações aos Estados membros da OEA sobre a adaptação e implantação de medidas para contribuir na promoção e garantia dos direitos humanos.

g) Requer aos Estados que tomem medidas cautelares e específicas para evitar danos graves e irreparáveis aos direitos humanos em casos urgentes, podendo também solicitar ‘medidas provisionais’ dos Governos em casos urgentes de perigo."(3)

Compreendidas as atribuições da Corte Interamericana de Direitos Humanos e da CIDH, interessa saber agora, como se dá o processamento das petições individuais nesse sistema interamericano de proteção aos direitos humanos.

2.4 O Sistema de Petições Individuais

2.4.1 Dos requisitos de admissibilidade das petições

De acordo com o estabelecido na Convenção e no Regulamento da Comissão, a petição deve referir-se a uma presumida violação de um direito protegido pela Convenção com relação a um Estado Parte (art. 1 da Convenção e art. 31 do Regulamento) ou referente a uma presumida violação da Declaração Americana sobre Direitos e Deveres do Homem com relação aos Estados membros que não sejam partes na Convenção (art. 51 do Regulamento).

Os requisitos podem ser divididos em formais e substanciais(4)

A) Requisitos formais:

O Regulamento e a Convenção estabelecem alguns requisitos formais para a apresentação das petições. Em princípio, a petição deve ser apresentada por escrito (art. 27.1 Regulamento). A mesma deve conter:

a. Os dados pessoais de identificação dos denunciantes ou peticionários (art. 32 A do regulamento)

b. Uma relação dos fatos. O que se passou, aonde, quando, que tipo de participação tiveram os agentes estatais, os nomes das vítimas se for possível identificá-las, que autoridades tomaram conhecimento do fato ou situação (art. 32 B do regulamento).

c. Identificar o Estado que tenha violado os direitos por ação ou omissão e estabelecer quais foram os direitos violados (art. 46 da Convenção e artigo 32.c do Regulamento).

B) Requisitos substanciais:

São eles:

a. O esgotamento dos recursos da jurisdição interna ou a aplicabilidade de uma das causas de exceção para a sua aplicação (art. 46.1.a e 46.2).

b. Que não tenha caducado o prazo de seis meses para a apresentação da denúncia previsto na Convenção (art. 46.1.b). Os seis meses para a apresentação contam-se desde de que o presumido lesionado tenha sido notificado da decisão definitiva ou dentro de um prazo razoável se for alegada uma exceção ao requisito do esgotamento dos recursos internos.

c. Que não haja duplicidade de procedimentos com outro procedimento de âmbito internacional governamental cujas decisões tenham o mesmo caráter das decisões da Comissão ou com uma petição pendente ou já examinada e solucionada pela Comissão (art. 39 do Regulamento).

Na ausência de preenchimento de algum desses itens, bem como na falta de exposição dos fatos que caracterizem violação dos direitos garantidos por esta Convenção, ou se pela exposição do próprio peticionário ou do Estado, for manifestamente infundada a petição ou comunicação, evidente sua total improcedência, ou ainda, for substancialmente reprodução de petição ou comunicação anterior, já examinada pela Comissão ou por outro organismo internacional, a Comissão declarará inadmissível toda petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44 ou 45.

O Sistema Interamericano estabeleceu um procedimento para que vítimas possam denunciar a essa instância internacional casos concretos de violações aos direitos humanos, quando não puderam obter justiça e reparação perante o ordenamento interno de seus respectivos países. Novamente, dois órgãos do Sistema são responsáveis pelo processamento das petições individuais: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana (CANÇADO TRINDADE, 2003, p. 487).

A Convenção Interamericana de Direitos Humanos estabelece, em seu artigo 44, que qualquer pessoa, grupo de pessoas, ou organização não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da OEA podem apresentar à CIDH petições que contenham denúncias ou queixas de violações de direitos humanos reconhecidos pelos tratados interamericanos. A CIDH é, portanto, o primeiro órgão a processar as petições individuais, sendo responsável pela emissão de um Relatório Final onde indicará se houve responsabilidade estatal.

A Corte Interamericana é uma instituição jurídica autônoma, cujo mandato principal baseia-se na aplicação e interpretação da Convenção Americana. O artigo 61 da Convenção estabelece que a CIDH poderá submeter um caso à apreciação da Corte, quando o Estado não cumprir as recomendações de seu Relatório Final sobre o caso. Quando a Corte decide que houve violação de um direito protegido pela Convenção em um caso concreto, esta determina que o Estado garanta à vítima o gozo de seus direitos ou liberdades lesionados e, quando procedente, determina que o Estado indenize a vítima pelos danos sofridos com a violação e estabeleça medidas para evitar violações semelhantes. Vislumbra-se, portanto, um caráter punitivo, protetivo e educacional das medidas determinadas pela Corte.

As decisões da Corte são definitivas e inapeláveis. A Corte pode ainda determinar aos Estados que adotem medidas provisionais em casos de extrema gravidade, quando necessário para evitar danos irreparáveis às pessoas. (CANÇADO TRINDADE, 2003, p. 488-489).

2.5 Sentenças e Pareceres da Corte Interamericana

Com referência as sentenças proferidas pela Corte, elas decidem sobre litígios que envolvem as violações cometidas contra as convenções, enquanto que os pareceres são opiniões emitidas pelo Plenário da Corte, quando consultada pelos Estados Signatários da OEA, no sistema interamericano.

O caráter das sentenças é meramente declaratório, não tendo o poder de desconstituir um ato interno como a anulação de um ato administrativo, a revogação de uma lei ou a cassação de uma sentença judicial. A única exceção prevista ocorre quando a decisão da autoridade da Parte Contratante é oposta às obrigações derivadas da Convenção e o direito da Parte Contratante não puder remediar as conseqüências desta disposição, caso em que as Cortes deverão conceder ao lesado uma reparação razoável, conforme se deflui do artigo 63 da Convenção Americana.

O Pacto de São José da Costa Rica, em seu artigo 56 disciplina que o quorum para as deliberações da Corte é constituído por cinco juízes, sendo que o Colegiado sem a observância desse requisito não poderá decidir nenhuma matéria submetida a sua apreciação.

Pode-se citar como referência no plano da jurisdição contenciosa o caso "Velasquez Rodriguez", relativo ao desaparecimento forçado de indivíduo no Estado de Honduras, o qual deu jurisdição à Corte para a realização desses julgamentos. Acolhendo a comunicação encaminhada pela Comissão Interamericana e após análise das provas apresentadas, que confirmaram a violação aos direitos fundamentais de Angel Manfredo Velasquez Rodriguez prevista no Pacto de São José da Costa Rica, a Corte condenou o Estado de Honduras ao pagamento de indenização aos familiares do desaparecido, em decisão publicada em 21 de julho de 1989, sendo certo que os familiares de muitos presos políticos desaparecidos na Argentina, Brasil e Chile não tiveram a mesma sorte (FIORATI, Revista dos Tribunais nº 722, 1994, p. 13).

Outro caso foi encaminhado pela Comissão Interamericana ao conhecimento da Corte referente a um caso contencioso contra o Estado do Suriname, concernente ao assassinato de 7 (sete) civis pela polícia do Estado. Embora no início do processo o Estado do Suriname tenha se declarado não responsável pelos assassinatos, posteriormente assumiu tal responsabilidade. Ao final, a Corte determinou o pagamento de justa e apropriada compensação aos familiares das vítimas (PIOVESAN, 1997, p. 238).

Com relação aos julgamentos realizados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos estes revelam que aos poucos a Convenção Interamericana vem se firmado como um instrumento garantidor dos direitos humanos na América, que existem meios para se apurar as violações aos direitos consagrados no Pacto, e que os Estados que não respeitam as garantias fundamentais de seus cidadãos, bem como as autoridades que fazem opção pela arbitrariedade ao invés do respeito à lei, encontram-se sujeitos a punições, nelas se incluindo indenizações às vítimas ou a seus familiares.

O que se pode perceber, por meio da jurisprudência que vem se firmando na Corte, é que os magistrados que integram este Tribunal Internacional encontram-se preparados para julgar qualquer questão relativa a violação dos direitos humanos, e aplicar de forma exemplar punições no intuito de se evitar novas violações aos direitos fundamentais consagrados na Convenção Americana.

3 O Brasil e a Corte Interamericana de Direitos Humanos

Pode-se dizer que a partir da decisão do Brasil em aceitar a competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos, dá-se inicio a um amadurecimento e expansão do seu pensamento jurídico, mostrando-se mais lúcido, além de congregar as instituições do poder público e as organizações não-governamentais e demais entidades da sociedade civil brasileira em torno de uma causa comum: a do alinhamento pleno e definitivo do Brasil com o movimento universal dos direitos humanos, que encontra expressão concreta na considerável evolução dos instrumentos internacionais de proteção nas cinco últimas décadas.

Há meio século, no mesmo ano da adoção das Declarações Universal e Americana dos Direitos Humanos, a Delegação do Brasil à IX Conferência Internacional Americana (Bogotá, 1948) propunha a criação de uma Corte Interamericana de Direitos Humanos (TRINDADE, 1991, p. 551-553). Esta só se estabeleceu, no entanto, em 1979, depois da entrada em vigor da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (uma década após a adoção desta), como órgão judicial autônomo, dotado de funções consultiva e contenciosa, responsável pela interpretação e aplicação da Convenção (CANÇADO TRINDADE, 1991, p. 551-553).

Desde 1992 o Brasil é parte na Convenção, participou ativamente dos trabalhos preparatórios da Convenção Americana, e apoiou sua adoção de forma integral (na Conferência de 1969 de São José da Costa Rica, onde veio a sediar-se a Corte), inclusive quanto a suas cláusulas facultativas, como a do artigo 62, sobre a aceitação pelos Estados Partes da competência contenciosa da Corte. Tal aceitação constitui, com efeito, uma garantia adicional pelo Brasil, a todas as pessoas sujeitas à sua jurisdição, da proteção de seus direitos (tais como consagrados na Convenção Americana), quando as instâncias nacionais não se mostrarem capazes de garanti-los. Ao mesmo tempo, fortalece institucionalmente a Corte, ao passar esta a contar com o reconhecimento de um país de dimensão continental e com uma vasta população necessitada de maior proteção de seus direitos (CANÇADO TRINDADE, 1991, p. 553).

Dessa forma, o Brasil se junta, aos 18 dos 25 Estados Partes na Convenção que já assumiram esse compromisso. Por meio desta iniciativa, o Brasil enfim reconhece que não é razoável aceitar tão-somente as normas substantivas dos tratados de direitos humanos, fazendo abstração dos mecanismos processuais para a vindicação e salvaguarda de tais direitos.

Existe um efeito didático na aceitação pelo Brasil da competência contenciosa da Corte Interamericana: tal iniciativa haverá de fomentar um interesse bem maior, em particular por parte das novas gerações, pelo estudo e difusão da jurisprudência da Corte, que permanece virtualmente desconhecida em nosso país, inclusive em nossos círculos jurídicos. A garantia da não-repetição de violações passa necessariamente pela educação e capacitação em direitos humanos, tornando-se essencial, para este fim, o conhecimento da referida jurisprudência protetora (CANÇADO TRINDADE, 1991, p. 554).

3.1 Casos Brasileiros

Cumpre neste momento, referenciar alguns casos ocorridos no âmbito brasileiro com o fim de melhor compreender como tem se dado a intervenção desse sistema interamericano no Estado brasileiro.

As decisões a seguir aludidas são de extrema importância para efetivação dos direitos humanos no Brasil, não apenas pelo caráter sancionador (reparador), como também pela natureza preventiva presente nas recomendações da CIDH e nas medidas provisionais estabelecidas pela Corte (RAMOS, 2002, p. 64).

3.1.1 Caso José Pereira - Primeiro caso brasileiro de solução amistosa

Pode-se afirmar que o caso José Pereira foi um marco para a defesa dos direitos humanos no Brasil, visto que pela primeira vez o Estado brasileiro assumiu, perante o sistema interamericano de proteção aos direitos humanos, ser responsável por atos praticados por particulares.

 Em 1989, quando da tentativa de fuga da Fazenda Espírito Santo, no Estado do Pará, José Pereira, à época com 17 anos, foi gravemente ferido, sofrendo lesões permanentes na mão e no olho direito, e outro trabalhador rural foi morto. O jovem fora atraído por falsas promessas acerca das condições de trabalho, mas restou por trabalhar forçadamente, sem liberdade para sair e sob condições desumanas e ilegais, situação esta que também afligia outros 60 trabalhadores rurais da fazenda (RAMOS, 2002, p. 65).

O caso foi objeto de petição apresentada pelo CEJIL e pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em face da República Federativa do Brasil, no ano de 1994.

Em setembro de 2003 as peticionárias e o Estado subscreveram um acordo de solução amistosa, o primeiro acordo desta natureza celebrado pelo país no sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, em que o Estado brasileiro, conforme supramencionado, reconheceu sua responsabilidade internacional pela violação de direitos humanos protegidos pela normativa Interamericana (RAMOS, 2002, p. 65).

O acordo firmado entre as partes foi homologado pela CIDH em 24 de outubro de 2003. A Comissão permanece supervisionando os pontos do acordo amistoso cujo cumprimento ainda se encontra pendente (RAMOS, 2002, p. 64).

3.1.2 Caso Corumbiara – Análise de mérito

Não é raro defrontar-se com uma denúncia de violação dos direitos humanos cometida por policiais. O presente caso trata de mais um abuso cometido por policiais, com o apoio de proprietários rurais contra trabalhadores sem terra. Verdadeiros massacres, como ocorrido em Corumbiara e em Eldorado dos Carajás, mostram-se comuns na região e, mesmo após diversas recomendações de organismos internacionais, violações claras dos direitos humanos persistem sem que qualquer sanção seja aplicada aos acusados (RAMOS, 2002, p. 66-67).

Na tentativa de efetivar decisão judicial referente à ação de manutenção de posse, interposta pelo proprietário da Fazenda Santa Elina, localizada em Corumbiara – RO, policiais militares realizaram operação para expulsar trabalhadores rurais sem terra que haviam invadido a fazenda em julho de 1995. A operação resultou na morte de trabalhadores e causou ferimentos em outros 53, havendo relatos de execuções sumárias, torturas e humilhações praticadas contra os agricultores (RAMOS, 2002, p. 66-67).

A denúncia do caso foi apresentada à CIDH, por meio de petição contra a República Federativa do Brasil, na qual figuram como autores o CEJIL, o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, o Centro para Defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Porto Velho, a Comissão Teotônio Vilela e Human Rights Watch/Américas.

O Estado brasileiro alegou a falta de esgotamento dos recursos internos e informou sobre o trâmite e resultados de tais recursos, o que não foi considerado pela Comissão.

Em março do 2004, houve a publicação do relatório final sobre o caso , no qual a CIDH concluiu que o Estado era responsável por violação dos artigos 4º (direito à vida), 5º (integridade pessoal), 25 (proteção judicial), e 8º (garantias judiciais), consagrados na Convenção Americana, bem como descumpriu a obrigação de respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção. A Comissão concluiu, ainda, que houve violação dos artigos 1º, 6º e 8º da Convenção Interamericana para Prevenir e Sancionar a Tortura.

Novamente, a Comissão recomendou ao Brasil que se realizasse uma investigação completa, imparcial e efetiva dos fatos por órgãos que não sejam militares. Declarou que, além do dever de reparação adequada às vítimas ou a seus familiares pelas violações sofridas, medidas preventivas também deveriam ser adotadas para que casos similares não se repitam. E, principalmente, visando ao combate à impunidade e a efetivação dos direitos a proteção e garantias judiciais, a Comissão recomenda que seja modificado o artigo 9º do Código Penal Militar, o artigo 82 do Código de Procedimento Penal Militar e qualquer outra lei interna para fins de abolir a competência da polícia militar para investigar violações a direitos humanos cometidas por policiais militares, transferindo, assim, dita competência para a polícia civil.

3.1.3 Caso Jailton Neri - Análise de mérito

Este caso também é maculado com a participação de policiais militares e, embora não se possa concluir que o presente caso de assassinato fora motivado por discriminação racial, a análise da influência da raça e da posição social quando da prática de atos violentos por policiais mostra-se pertinente.

De fato, a CIDH tem manifestado sua preocupação quanto à violência contra crianças e adolescentes, especialmente quando as violações ocorrem influenciadas pelo ao racismo ou por fatores sócio-econômicos. Consoante relatório da Comissão, indicadores sociais comprovam que a população afro-brasileira está mais suscetível a ser perseguida e processada em comparação com o resto da população. Em um conjunto de 265 investigações, o perfil da maioria das crianças e adolescentes assassinados é de pobres, do sexo masculino, negros e mulatos (RAMOS, 2002, p. 66-67).

Dentro deste contexto, surge Jailton Neri da Fonseca, afro-brasileiro, com, então 14 anos de idade, o jovem foi detido ilegalmente por policiais militares em dezembro de 1992, sem ordem judicial, sem ter cometido delito em flagrante e em oposição ao estabelecido na legislação penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, com o pretexto de se obter informações acerca do tráfico de drogas nas favelas cariocas.

Segundo testemunhas, que não quiseram ser identificadas por temerem represálias, os policiais militares arrastaram o corpo do jovem até a praia de Ramos, Rio de Janeiro. As declarações dos policiais apresentaram-se contraditórias em relação à hora e ao local nos quais haviam liberado o rapaz, assim como quem o havia feito. Ademais, o exame balístico confirmou que os projéteis encontrados no corpo da vítima foram disparados pela arma de um dos policiais da Unidade de Polícia Comunitária de Ramos (RAMOS, 2002, p. 68).

O caso foi apresentado à Comissão, que declarou entender que as investigações efetuadas, tanto pela Polícia Militar quanto pela Polícia Civil, foram frágeis. Ambas estiveram marcadas por atrasos, falhas e negligências, o que resultou na absolvição dos acusados pelo Tribunal Penal Militar.

A Comissão concluiu também, em seu relatório final de março de 2004, que o Estado brasileiro era responsável pela violação dos direitos à liberdade pessoal, à integridade pessoal, às medidas especiais de proteção à infância, à proteção judicial e as garantias judiciais previstas na Convenção Americana. Foi declarado também que Estado desrespeitou sua obrigação de adotar disposições de direito interno nos termos do artigo 2º da Convenção, bem como violou o artigo 1, que determina o respeito e a garantia dos direitos consagrados no documento.

Ainda no relatório, a CIDH ratificou recomendações anteriores relacionadas ao racismo, recomendando ao Estado brasileiro que tome "medidas de educação dos funcionários da justiça e da polícia, para evitar ações que impliquem parcialidade e discriminação racial na investigação, no processo ou na condenação penal".

3.1.4 Caso Urso Branco - Primeiras medidas provisionais contra o Estado Brasileiro

O caso retrata a realidade do sistema penitenciário brasileiro e se referia inicialmente aos assassinatos brutais de 37 detentos, no período de janeiro a junho de 2002, por outros detentos da instituição e às ameaças sofridas até os dias atuais por outros presos.

Em junho de 2002, a CIDH submeteu à apreciação da Corte Interamericana de Direitos Humanos um pedido de medidas provisionais em face do Estado brasileiro, em favor de um grupo de detentos do Presídio Urso Branco, no Estado de Rondônia. O pedido foi deferido pela Corte Interamericana, que ordenou a adoção de medidas provisionais, determinando que o Estado brasileiro garantisse a devida proteção da vida dos detentos do Presídio Urso Branco.

Diante das novas denúncias levantadas pela Comissão, demonstra-se a gravidade e urgência de solução para o caso, e a situação de vulnerabilidade e risco nas quais se encontram a vida e a integridade dos reclusos, assim como dos visitantes e dos agentes de segurança. Em decorrência disto, a Corte resolveu ordenar novas medidas provisionais em 22 de abril de 2004, que também restaram frustradas.

A própria CIDH tinha expressado através de um Comunicado de Imprensa datado em 21 de abril de 2004, sua "profunda preocupação pela situação do Presídio de Urso Branco", instando ao Brasil a "cumprir devidamente as medidas provisionais ditadas pela Corte Interamericana; e adotar todas as medidas que sejam necessárias, tanto para solucionar de maneira adequada a situação atual do Presídio Urso Branco, como para evitar que se repitam tais atos de conflito, violência e mortes no futuro".

Mais uma vez considerando as observações da Comissão e dos peticionários, realizadas, inclusive, em audiência pública celebrada em 28 de junho de 2004, que apontam a situação de extrema gravidade que prevalece no Presídio Urso Branco, a Corte decidiu determinar, em julho de 2004, novas medidas provisionais. Estas requerem ao Estado brasileiro que sejam adotadas de imediato as medidas necessárias para proteger eficazmente a vida dos preso e todas as outras pessoas que ingressem no presídio; que sejam as condições do presídio adaptadas de acordo com as normas internacionais de proteção aos direitos humanos; que sejam enviadas informações sobre a situação dos apenados; entre outras. Reitera-se, ainda, a importância do trabalho de cooperação, principalmente no que concerne ao fornecimento de informações, entre a Corte, a Comissão e os peticionários.

4 O problema da divulgação

Um dos maiores problemas enfrentados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos centra-se na dificuldade de divulgação de informações pertinentes ao sistema, ou seja, a sua existência não é conhecida por todos, gerando com isto uma falta de aplicabilidade mais direcionada de suas funções diante dos quadros apresentados, bem como de efetivação das denúncias sobre casos que vão de encontro com os direitos humanos.

A elaboração deste trabalho requereu o acesso a fontes diversas, especialmente a sites da Internet, porquanto os artigos científicos apresentados nesta área em geral trazem informações mais direcionadas acerca do caráter inovador deste sistema.

A busca por informação que pudessem esclarecer o que é a Corte Interamericana, qual o papel da CIDH, como se chega até esse sistema, como é o processamento das petições em seu âmbito, e ilustrações acerca dos casos já apreciados enfrentou também a dificuldade da fidedignidade dessas informações.

Estudiosos do Direito, professores e acadêmicos que porventura queiram se aprofundar nesta matéria, encontrarão a dificuldade inerente ao trabalho, tão pouco conhecido, desempenhado por esses organismos. As pessoas diretamente interessadas como as minorias representadas por movimentos sociais, povos indígenas, até mesmo negros e mulheres, na maioria das vezes nem sabem da existência desta instância, que tem a prerrogativa de ir buscar a justiça onde o Estado não alcança ou se queda inerte.

A existência de um sistema de tamanha expressão que pode conferir a defesa de direitos fundamentais a classes tão carentes de proteção é quase impensável pela grande maioria dos interessados. Ainda, a disponibilidade de informações em sites da Internet e livros de quase nenhuma circulação no meio da população interessada dificulta a difusão desse sistema.

Não obstante não só a pessoa ou grupo de pessoas, mas também organizações não-governamentais legalmente reconhecidas por Estados membros da OEA possam apresentar à CIDH petições que contenham denúncias ou queixas de violações de direitos humanos reconhecidos pelos tratados interamericanos, é mister que chegue à grande massa interessada na defesa desses direitos, informações acerca do trabalho desenvolvido por esses organismos de modo a tornar mais eficaz as intervenções destes e, como conseqüência, a observância dos direitos protegidos pelos governos dos países signatários.

O organismo de maior presença nas denúncias levadas à CIDH e à Corte Interamericana de Direitos Humanos é o Centro pela Justiça e o Direito Internacional – CEJIL. Trata-se de uma organização de defesa e promoção dos direitos humanos nos países do hemisfério americano. O objetivo principal do CEJIL é promover a plena implementação das normas internacionais de direitos humanos nos Estados membros da Organização dos Estados Americanos (OEA), por meio do uso efetivo do sistema interamericano de direitos humanos e outros mecanismos de proteção internacional.(5)

O CEJIL oferece um serviço jurídico gratuito e integrado, especializado no sistema interamericano. Representa alcance e diversidade únicos e tem por fim assegurar a documentação de violações, a aplicação de sanções legais aos responsáveis individuais pelas mesmas, a reparação dos danos causados às vítimas e a prevenção de futuras violações.

Além disso, o CEJIL se ocupa de um importante trabalho de educação e difusão para promover o conhecimento das ferramentas de direito internacional no âmbito internacional no âmbito interno do país, conjuntamente com organizações locais e regionais de direitos humanos.

Todavia, o trabalho de divulgação dos organismos do sistema interamericano necessitaria de um maior apoio dos governos dos Estados signatários, notadamente com campanhas e publicidade, a fim de atingir a população e as minorias interessadas. Sabemos, contudo, que esta divulgação se depara com obstáculos apostos por muitos governos, porquanto o julgamento de uma causa levada a conhecimento da Corte, em geral requer a publicação de um relatório contendo, na maioria dos casos, a indicação de responsabilidade do Estado, a assunção de que as instâncias internas se omitiram ou não foram capazes de efetivar a proteção a que o Estado se comprometeu a dar relativamente aos direitos humanos, entre outras conseqüências.

Desta forma, resta-nos esperar a consolidação de jurisprudências, que ainda representam apenas tendências, no tocante à proteção dos direitos humanos, e contar com o trabalho desempenhado por organismos como o CEJIL, bem como publicações que alertem para a necessidade de divulgação deste mecanismo de defesa dos direitos humanos que é a Corte Interamericana.

5 Conclusão

Ao final da Segunda Guerra Mundial, houve o advento da Organização das Nações Unidas (ONU) em substituição a Liga das Nações que não foi capaz de evitar os conflito bélicos vivenciados neste século. Em 1948, foi promulgada a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que traz os chamados direitos humanos de 1ª geração, voltados para a garantia da vida, liberdade, devido processo legal, juiz natural, ampla defesa e contraditório, princípio da inocência, entre outros.

Conjuntamente com essas garantias decorrentes da Carta elaborada pelas Nações Unidas, encontram-se os chamados sistemas regionais de proteção dos direitos humanos, destacando-se o sistema europeu, americano e africano.

O sistema interamericano de direitos humanos possui na Convenção Americana, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, o seu instrumento mais importante voltado para a proteção dos direitos dos povos da América.

Para garantir os direitos previstos na Convenção, o sistema interamericano possui dois órgãos: a Comissão Americana de Direitos Humanos, que tem a função de promover a observância e a defesa dos direitos humanos, e a Corte, que exerce funções jurisdicionais e consultivas.

Apesar da atuação ainda limitada desses órgãos, uma vez que nem todos os países que ratificaram a Convenção Americana de Direitos Humanos, deram a Corte Interamericana jurisdição para o julgamento de caso de violação dos direitos previstos no Pacto de São José da Costa Rica, estes tem contribuído para a defesa e garantia dos direitos fundamentais frente às violações praticadas pelos Estados e autoridades que preferem o arbítrio ao invés da observância da Lei.

Com o retorno da democracia à maioria dos países da América Latina e Central, a Convenção vem ganhando força e importância junto ao direito nacional de cada Estado membro da Organização das Nações Unidas.

Na atualidade, falta uma maior divulgação do Pacto de São José da Costa Rica, e uma redefinição do papel a ser desenvolvido pela Comissão, como garantidora dos direitos previstos na Convenção, uma vez que a grande maioria das pessoas desconhecem a existência desse instrumento e o local onde podem apresentar suas reclamações em caso de desrespeito das garantias fundamentais.

A América ainda enfrenta prisões ilegais, violações ao direito à vida, ao devido processo legal, do juiz natural e tantos outras, relacionadas com o desaparecimento de presos políticos, que muitas vezes ficam no anonimato.

É preciso um aprimoramento no sistema interamericano, para que este possa estar mais próximo das dificuldades enfrentadas na defesa dos direitos humanos, garantindo o acesso a Corte Interamericana de Direitos Humanos, para se evitar novas violações ao direitos consagrados na Convenção Americana.

A Comissão e a Corte vem cumprindo com o seu papel na defesa dos direitos humanos, denunciando os casos mais sérios de abuso dos direitos previstos no Pacto de São José da Costa Rica. Mas, para se evitar outras espécies de violações se faz necessário uma maior divulgação desses órgãos, inclusive com a criação de escritórios regionais, para que os nacionais dos Estados Membros da Organização dos Estados Americanos possam apresentar suas reclamações.

Aos poucos, a América se liberta da opressão das espadas e do julgo dos ditadores, sejam eles de esquerda ou de direita, para que cada americano em qualquer rincão deste continente possa se sentir um cidadão livre para conduzir sua vida segundo os ditames da lei e da sua consciência.

6 Referências Bibliográficas

FIORATI, Jete Jane. A evolução jurisprudencial dos sistemas regionais internacionais de proteção aos direitos humanos. Revista dos Tribunais, n. 722.

PIOVESAN, Flávia; GOMES, Luiz Flávio. O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e o direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

_____. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1997.

RAMOS, André de Carvalho. Processo internacional de direitos humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e a implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: SAFE, 2003.

Disponível em: http://www.social.org.br/relatorio2002/relatorio033.htm. Acesso em 29.05.06.

Disponível em: http://www.cidh.oas.org/base.htm. Acesso em 29.05.06.

Disponível em: ttp://www.corteidh.or.cr/. Acesso em 29.05.06.

Disponível em: http://www.cejil.org/gacetas.cfm?id=49. Acesso em 08.06.06.

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(1) A OEA congrega os países do Hemisfério Ocidental com o fim de fortalecer a cooperação e desenvolver interesses comuns.

(2) Frise-se que o Governo brasileiro estabelece uma ressalva ao direito de visitas in loco (notadamente quanto ao disposto nos artigos 43 e 48, alínea d da Convenção), que determina não incluir o direito automático de visitas e investigações "in loco" da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, sendo as mesmas dependentes da anuência expressa do Estado.

(3) Disponível em: http://www.cidh.oas.org/que.htm.
     Acesso em: 29 maio 2006.

(4) Disponível em: http://www.cejil.org/gacetas.cfm?id=49.
     Acesso em: 29 maio 2006.

(5) Disponível: http://www.cejil.org/gacetas.cfm?id=49.
     Acesso em 08 jun. 2006.



*Advogada, Mestranda em Direito e Políticas Públicas pelo UNICEUB, Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Jurisdição Constitucional, Democracia e Direitos Fundamentais

andressaceub@yahoo.com.br



SILVA, Andressa de Sousa e. A Corte Interamericana de direitos humanos. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ . Acesso em: 17 set. 2006.