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A
homologação e execução de sentenças brasileiras nos Estados Unidos
Fabiano Deffenti *
1.Introdução
Ao contrário das dificuldades sobre a questão de
homologação de sentenças estrangeiras no Brasil, a homologação de sentenças
brasileiras nos países regidos pelo sistema anglo-americano (common law)
não é controversa, sendo uma excelente opção para execução de créditos
judiciais. A vasta maioria dos países regidos pelo sistema anglo-americano
oferece resultados céleres e eficazes que devem ser considerados pelas partes
que não obstante terem obtido êxito em seus processos, não querem se sujeitar
ao prolongado processo de execução no Brasil.
Neste artigo serão abordados os procedimentos de
homologação de sentenças nos Estados Unidos, considerando a possibilidade da
homologação de sentenças proferidas no Brasil. (1)
A Homologação de Sentenças Brasileiras nos Estados
Unidos
Primeiramente, deve-se entender que ao contrário do
Brasil, é de competência das cortes estaduais a normatização do processo a ser
utilizado para homologação de sentenças estrangeiras. Isso porque, na concepção
federativa dos Estados Unidos, estabelecida em sua Constituição, a
independência de cada estado é muito maior daquela que temos no Brasil.
A Uniform Foreign Money-Judgments Recognition Act ("UFMJRA")
é uma lei modelo elaborada pela National Conference of Commissioners on
Uniform State Laws, órgão que trabalha em prol da harmonização das normas
em todo o país. O UFMJRA foi promulgado em mais de 30 Estados norte-americanos,
entre eles encontram-se os Estados de Nova Iorque, Califórnia, Massachusetts,
Texas e Flórida. O UFMJRA altera pouco as normas jurisprudenciais que regiam a
matéria antes de sua promulgação (as normas provindas da common law).
A definição de "sentença estrangeira" na seção 1
do UFMJRA expressa que "qualquer sentença de um país estrangeiro deferindo
ou indeferindo a recuperação de um valor em dinheiro" pode ser homologada
nos Estados Unidos, desde que não seja uma sentença de cunho penal (multas e
outras penas pecuniárias), tributário (para cobrança de tributos brasileiros)
ou de direito de família (para cobrança de alimentos). (2) Destarte,
a lei é bastante abrangente, permitindo a homologação da maioria das sentenças
brasileiras, inclusive aquelas provindas dos tribunais do trabalho.
Em Hilton v. Guyot (3), a Suprema Corte
dos Estados Unidos admitiu a possibilidade de homologação de sentenças
estrangeiras no país, com base no respeito (comity) entre as nações.
Porém, na época, condicionou a homologação à existência de reciprocidade por
parte do país donde a sentença provém. Com o acórdão em Eire Railroad Co. v
Tompkins (4) e, principalmente, com a promulgação do UFMJRA,
esse requisito foi eliminado, não podendo ser utilizado como forma de oposição
à homologação da sentença estrangeira.
As seções 2 e 3 do UFMJRA prevêem que uma sentença
estrangeira será homologada quando esta for "final e conclusiva" e
executável no local onde foi prolatada, mesmo que ainda esteja sendo recorrida
ou que seja passível de recursos. O teor da sentença homologada terá o mesmo
poder executório que uma sentença provinda de outro Estado norte-americano.
Na sua seção 4(a), a UFMJRA expressa que uma sentença não
será considerada "conclusiva" se:
(1)o ordenamento jurídico de onde esta provém não
proporciona tribunais imparciais ou procedimentos condizentes com o devido
processo legal;
(2)o tribunal estrangeiro não tinha competência para citar
o réu; ou
(3)o tribunal estrangeiro não tinha competência para
resolver a lide.
Uma mera diferença processual entre o sistema
norte-americano e o sistema brasileiro não será suficiente para impedir a
homologação da sentença – tem de se haver "séria injustiça". (5)
Em certas circunstâncias, fica ao critério do tribunal
perante a qual a sentença poderá ser homologada a homologação, ou não, da
sentença. A seção 4(b) da UFMJRA lista as circunstâncias:
(1)se o réu não foi citado com tempo suficiente para se
defender;
(2)se a sentença foi obtida por fraude;
(3)se a causa de pedir fere a ordem pública do Estado onde
a sentença está sendo homologada;
(4)se a sentença conflita com outra sentença "final e
conclusiva" já existente;
(5)se o processo no tribunal estrangeiro era contrário a
um acordo entre partes determinando que a lide deveria ser resolvida de outra
forma, que não por processo naquele tribunal; ou
(6)no caso da competência depender somente da citação
pessoal, se o foro estrangeiro era "seriamente inconveniente" para o
julgamento da ação.
Nesses quesitos é importante uma análise mais profunda do
caso concreto, principalmente levando-se em consideração as diferenças dos
sistemas jurídicos americano e brasileiro. Por exemplo, na recente decisão em HSBC
USA, Inc. v. Prosegur Paraguay, S.A., (6) os tribunais
paraguaios foram considerados demasiadamente "corruptos e inaptos"
para que suas sentenças fossem passíveis de homologação nos Estados Unidos.
Ainda, ressalta-se a diferença sobre a determinação de
competência com base na citação e dos princípios de forum non conveniens (parágrafo
4(b)(6)). O princípio do forum non conveniens rege que as cortes
norte-americanas devem suspender o processo permanentemente se houver um outro
foro mais conveniente para julgar a lide, independentemente se o foro mais
conveniente estiver dentro ou fora do país – ao contrário do que ocorre nos
artigos 88 a 90 do Código de Processo Civil.
Execução da Sentença
Uma vez que a sentença é homologada pelo tribunal
competente, a sentença passará pelos mesmos procedimentos de execução que uma
sentença daquele foro teria; isto é, é um título executivo judicial com o mesmo
teor de uma sentença local. Usa-se aqui a palavra "procedimentos",
pois no sistema anglo-americano não há um processo separado para a execução da
sentença judicial, somente procedimentos que se aplicam à sentença.
Os procedimentos disponíveis para o credor exeqüente
variam de estado para estado, mas normalmente incluem a penhora dos bens (attachment)
do devedor executado, inclusive de sua moradia; o re-direcionamento da receita
do devedor executado, inclusive de seu salário; ou a denúncia do devedor
executado por não cumprimento das ordens da corte (contempt of court).
Esses procedimentos são obtidos através de petições junto às cortes, decididos
sem citação da outra parte, ou mesmo automaticamente após o não cumprimento dos
termos da sentença prolatada pela corte pelo devedor.
Se a sentença ainda estiver sujeita a recurso no tribunal
brasileiro, poderá o réu no processo americano pedir a suspensão do processo de
homologação. Fica ao critério do tribunal a suspensão ou não do processo, mas
normalmente tais pedidos serão deferidos, garantindo a suspensão temporária do
processo.
Comentário
Mesmo com o crescimento do comércio internacional e,
principalmente, o aumento significativo das importações e exportações
brasileiras, nos parece que a opção de executar os devedores no exterior é por
muitos ignorada como alternativa viável. Vê-se que tanto empresas como
indivíduos que tenham bens fora do país podem ter estes penhorados e vendidos
para que suas dívidas judiciais sejam satisfeitas.
Como visto acima, a homologação de sentença brasileira no
exterior pode ser um método de execução seguro e rápido, permitido que aqueles
que já obtiveram seus direitos reconhecidos pelos tribunais brasileiros possam
buscar, no exterior, aquilo que lhes é devido.
NOTAS
1 Cabe lembrar que o procedimento aplicável em
outros países regidos pelo common law é bastante semelhante.
2 Existe um procedimento específico para
cobrança de alimentos. O Ministério Público não pode cobrar tributos
brasileiros nos Estados Unidos, nem executar quaisquer multas de natureza
penal.
3 159 U.S. 113 (1895).
4 304 U.S. 64 (1938).
5 Hilton v. Guyot 159 U.S.
113, 205 (1895).
6 2004 WL 2210283 (S.D.N.Y. 30 de setembro de
2004).
* Advogado inscrito na Ordem dos Advogados de Nova
York -attorney at law, Austrália-legal practitioner, Nova Zelândia-barrister
and solicitor e Brasil -advogado, Sócio de Carvalho, Machado, Timm &
Deffenti Advogados.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6890>. Acesso em: 25 jul. 2006.