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Solução pacífica de controvérsias internacionais
Debora Gonsales Rocca Magalhães*
1 - INTRODUÇÃO
Se entre homens é comum a
existência de divergências, conflitos entre os Estados não poderia ser
diferente. Ao contrário da sociedade civil, na comunidade internacional não
existe um órgão supremo a que todos obedeçam, com jurisdição obrigatória, mas
há grandes avanços nesse sentido, como a ação, principalmente, da Corte
Internacional de Justiça (CIJ) e da Organização das Nações Unidas (ONU), embora
seus esforços sejam atrapalhados por alguns de seus próprios membros.
Como não há o monopólio desse
poder central superior aos Estados, há de se suprir tal lacuna para impedir que
os Estados se agridam mutuamente. E caso não seja possível evitar que surjam
conflitos, é de dever moral de todo Estado ao menos tentar uma solução pacífica
antes de partirem para os métodos coercitivos que podem chegar ao extremo da
luta armada (guerra).
As controvérsias internacionais
podem ter inúmeras causas. A doutrina costuma dividi-las em jurídicas (que
podem resultar da violação de tratados e convenções; do desconhecimento, por um
dos Estados, dos direitos do outro; da ofensa à
princípios correntes de Direito internacional, na pessoa de um cidadão
estrangeiro) e políticas (que envolvem apenas choques de interesses, políticos
ou econômicos; ou resultam de ofensas à honra ou à dignidade de um Estado),
embora na prática seja difícil distinguir qual a natureza das controvérsias.
Segundo o Professor Guido F. da
Silva Soares, as soluções pacíficas devem ser entendidas como “instrumentos
elaborados pelos Estados e regulados pelo Direito Internacional Público, para
colocar fim a uma situação de conflito de interes-ses,
e até mesmo com a finalidade de prevenir a eclosão de uma situação que possa
degenerar numa oposição definida e formalizada em pólos opostos”.
Dos inúmeros modos de solução de
litígios internacionais, trataremos aqui apenas dos meios pacíficos pois, à rigor, os meios coercitivos são sobretudo sanções,
que reprimem as violações às normas e, como já foi dito anteriormente, podem
chegar à guerra, não constituindo, portanto, um meio pacífico para a solução de
controvérsias internacionais.
2–MODOS PACÍFICOS DE SOLUÇÃO DE
LITÍGIOS INTERNACIONAIS
2.1 – Classificação
A classificação mais didática de
tais meios de solução depreendida dentre os autores estudados foi a seguinte
[1]:
2.1.1 – Meios Diplomáticos
a) Negociações Diretas
b) Sistemas consultivos
c) Mediações
d) Bons ofícios
e) Congressos e conferências
2.1.2 - Meios Jurídicos
a) Comissões de inquérito
b) Conciliação
c) Soluções arbitrais
d) Soluções judiciárias
d1) A Corte Internacional de
Justiça
2.1.3 - Meios Políticos: As
soluções dadas pelas Organizações Internacionais.
2.1.1 – Meios Diplomáticos
A negociação direta entre as
partes varia segundo a gravidade do problema. Podem ser bilaterais (entre duas
pessoas de Direito Internacional Público, ex.: dois Estados), ou multilaterais
(quando interessam a mais Estados). É a que geralmente
apresenta os melhores resultados e caracteriza-se por grande informalidade,
sempre conduzidas segundo os usos e costumes internacionais. Tais negociações
podem chegar à vários resultados, como a desistência,
quando um Estado renuncia à sua reivindicação; aquiescência, quando um Estado
reconhece a reivindicação do outro; e transação, quando os Estados fazem
concessões recíprocas.
A consulta consiste numa troca de
opiniões entre dois ou mais Estados interessados num litígio internacional para
que possam alcançar uma solução que agrade a todos. Tal método figura no
continente americano, mais precisamente no âmbito da OEA.
A mediação consiste na
interposição de um (mediação individual) ou mais Estados (mediação coletiva),
entre outros Estados para se solucionar pacificamente um litígio, podendo ser
oferecida ou solicitada, sendo que seu oferecimento ou recusa não deve ser
considerado ato inamistoso. Em regra geral, apresenta-se como facultativa.
O mediador participa ativamente
das negociações, mas não procura impor sua vontade, procedendo com intuitos
desinteressados.
Os bons ofícios são a tentativa
amistosa de um ou vários Estados de abrir via às negociações das partes
interessadas ou de reatar as negociações que foram rompidas. Sendo assim, o
terceiro Estado seria um simples intermediário que coloca em presença os
Estados litigantes para os levar entrar em
negociações, ao contrário da mediação, embora na prática seja difícil
distinguir entre ambos.
Não necessariamente precisa ser
um Estado que ofereça bons ofícios: o serviço pode ser oferecido por um alto
funcionário de organização intergovernamental, como o
Secretário Geral da ONU, por exemplo.
Por fim, recorre-se a um
congresso ou conferência internacional quando, segundo Accioly,
“a matéria ou assunto em litígio interessa a diversos Estados, ou quando se tem
em vista a solução de um conjunto de questões sobre as quais existem
divergências”.
2.1.2- Meios
Jurídicos
As comissões internacionais de
inquérito (ou de investigação) são comissões criadas para facilitar soluções de
litígios internacionais ou para elucidar fatos controvertidos, tendo como
função específica investigar os fatos sobre os quais versa o litígio, mas sem
se pronunciarem sobre as responsabilidades, ou seja, o relatório não é
obrigatório.
Em geral, as convenções que
estipulam tais comissões prevêem a instituição de uma comissão permanente para
que já se tenha previamente um organismo para se submeter a
controvérsia que venha a surgir.
Na conciliação, um órgão que tem
confiança comum dos Estados litigantes, após procedimentos com certa
formalidade, apresenta suas conclusões sobre a questão litigiosa, na forma de
relatório opinativo, no qual irá propor um acordo entre os litigantes e um
prazo para que estes se pronunciem. Difere dos procedimentos de investigação
pela possibilidade de os conciliadores emitirem opiniões valorativas e
formularem sugestões aos Estados litigantes, embora os Estados não sejam
obrigados a aceitarem a solução proposta.
A arbitragem é o meio de solução
pelo qual os litigantes elegem um árbitro ou um
tribunal para dirimir o conflito. Estes são geralmente escolhidos através de um
compromisso arbitral que estabelece as normas a serem seguidas e onde as partes
contratantes aceitam previamente a decisão a ser tomada, que deve ser apresentada
como sentença definitiva, salvo se o contrário foi previsto no respectivo
compromisso, ou se é descoberto um fato novo que poderia determinar a
modificação da sentença.
O compromisso arbitral deve
conter, no mínimo, o objeto do litígio, o compromisso de submeter a questão à arbitragem e o método de formar o Tribunal e o
número de árbitros.
A sentença arbitral é passível de
anulação quando houver corrupção, excesso de poder da parte dos árbitros,
quando uma das partes não tiver sido ouvida, quando houver erro na motivação da
sentença, quando tiver sido violado algum outro princípio fundamental do
processo etc. A anulação é invocada livremente pelas partes.
A sentença será dada no prazo
determinado pelo compromisso, embora o tribunal tenha competência para estender
este prazo. Vale lembrar que as deliberações do Tribunal são secretas.
Celso de Albuquerque Mello
discorre sobre três tipos de arbitragem:
1º) Realizada por chefes de
Estado: Incomum nos dias de hoje. Os árbitros são os chefes de Estado, todos em
pé de igualdade, sem que haja um superior.
2º) Realizada por comissões
mistas: Inicialmente a comissão era formada de dois membros, cada um indicado
pelas partes litigantes. Posteriormente essa “comissão mista diplomática” é
substituída por uma outra (“comissão mista arbitral”), que é formada de comissionários de número ímpar e tem o superárbitro
para desempatar, geralmente escolhido entre os nacionais de terceiro Estado. A
vantagem é que a questão é resolvida pelos próprios interessados e as decisões
são legalmente motivadas.
3º) Realizada por Tribunal: A
maioria dos juízes não é nacional das partes contratantes. Tem sido considerada
a forma mais avançada e é também a mais utilizada.,
por assegurar maior imparcialidade à decisão.
Atualmente a arbitragem pode ser
empregada em assuntos de menor importância, que não necessitam ser submetidos à
CIJ, bem como em assuntos que as partes desejarem uma solução rápida.
O tribunal arbitral desaparece
com a resolução do litígio.
A solução judiciária consiste em
se submeter o litígio a um tribunal judiciário, composto de juízes
independentes, com investidura pretérita ao litígio e subsiste à sua solução, e
difere da solução arbitral também pelo fato de seus componentes não serem
escolhidos pelas partes litigantes, e sua grande diferença em relação às outras
formas de soluções de litígios internacionais, segundo Guido F. da Silva
Soares, reside na institucionalização de um organismo com funções claras e
determinadas, fixadas em instrumentos internacionais solenes, com jurisdição e
competência permanentes. Essa sua permanência no tempo, assegurada pela presença
de um corpo de juízes nomeados pelos Estados para mandatos definidos, a existência de um secretariado fixado com sede conhecida,
entre outros elementos, permite a formação de uma jurisprudência mais definida
do que os casos julgados por árbitros, tanto em relação às normas de sua
competência quanto a questões de fundo. “Aos poucos, novos tribunais
permanentes vão surgindo com o objetivo de adjudicar ampla gama de problemas” (Accioly).
Em 1920 instituía-se com sede em Haia uma Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI)
integrada por 15 juízes para um mandato de nove anos, mas acabou extinta com a
eclosão da Segunda Guerra. Com a instituição da ONU, foi rebatizada de Corte
Internacional de Justiça (CIJ), sendo o principal órgão judiciário dessa organização,
e continua sediada em Haia.
Um Estado litigante tem o direito
de indicar um juiz de sua nacionalidade para compor a CIJ em determinados
casos, e a manifestação da vontade dos Estados é essencial para que se já
invocada a jurisdição da CIJ.
Em tese, a solução de litígio por
intermédio da CIJ tem a vantagem sobre a simples arbitragem, segundo Accioly, de envolver o Conselho de Segurança na implementação da sentença.
Devido ao veto concedido aos
países de cúpula da ONU, vem se questionando a imparcialidade da CIJ.
2.1.3- Meios
Políticos
A Carta da ONU determina, em seu
art. 33, que nas controvérsias “de ameaça à manutenção de paz e da segurança
internacional”, as partes litigantes deverão chegar à solução pacífica por
qualquer um dos modos existentes no DI, (supramencionados) ou por qualquer
outro meio. Se a lide não for resolvida, as partes deverão submetê-la ao
Conselho de Segurança, que, nos casos de ameaça à paz, pode fazer recomendações
e também decidir sobre as medidas a serem tomadas. A Assembléia Geral tem a
competência de fazer recomendações, criar comissões de bons ofícios e indicar
mediadores, geralmente o Secretário Geral da ONU.
No âmbito da OEA, temos o sistema
consultivo como modo de solução pacífica dos litígios internacionais. A
Comissão Interamericana de Solução Pacífica dos Litígios é o órgão de
conciliação e investigação da OEA.
Uma inovação trazida pelas
organizações intergovernamentais diz respeito às
formas de sua atuação, que mesclam as formas tradicionais de soluções e
prevenções de litígios internacionais, refletindo a pouca preocupação com a
forma, e mais com a os resultados de uma atuação coletiva eficaz para a solução
de uma disputa.
3 – CONCLUSÃO
Nos dias de hoje, com os
incessantes conflitos entre os países, versando principalmente sobre religião e
cultura, como ocorre sobretudo no Oriente Médio, os
meios pacíficos de solução de controvérsias têm se mostrado relativamente
ineficazes, pela má vontade das partes de se submeterem aos desígnios de um
outro país, pois julgam que os interesse na região são político-econômicos, e
reclamam da imparcialidade das organizações, que têm, sem dúvida, grande
influência do ocidente, sobretudo dos Estados Unidos, o que dificulta as
negociações.
Os recursos pacíficos deveriam
ser tentados exaustivamente para que não desfavoreça os países
subdesenvolvidos, sujeitos à sanções econômicas
ilegítimas, sendo obrigados a ceder aos seus interesses em favor de
estabilidade, tanto no plano econômico quanto no político. Caso os meios
pacíficos não satisfaçam a pretensão das grandes potências,
estas partem imediatamente para o confronto armado, renunciando aos princípios
de DI e rejeitando a intervenção das organizações intergovernamentais.
No que tange a ONU, esta deve
mostrar-se mais imparcial, pois, como já foi dito,
seus membros deliberam conforme seus próprios interesses, o que prejudica sua
atuação.
Enfim, com tantos meios pacíficos
à disposição dos Estados, a guerra deveria ser o último recurso adotado, fato
que hoje em dia, infelizmente, não tem acontecido na prática, principalmente
com a alegação de combate ao terrorismo.
Bibliografia:
ALBUQUERQUE MELLO, Celso D. de – Curso de Direito Internacional Público – 11ª ed.,
vol. II, Rio de Janeiro, Livraria Editora Renovar – 1997
NASCIMENTO E SILVA, Geraldo
Eulálio e ACCIOLY, Hildebrando – Manual de Direito Internacional Público – 13ª
ed., São Paulo, Editora Saraiva – 1998
SOARES, Guido Fernando da Silva –
Manual de Direito Internacional Público – 1ª ed., vol. I, São Paulo, Editora
Atlas - 2002
[1] Segundo Celso de Albuquerque Mello ( item 3, p. 1263 – vide bibliografia) não há, na doutrina, 1 uma classificação unânime.
* Estudante de Direito
Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/x/23/20/2320/
Acesso em: 09 novembro. 05.