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A fragmentação do sistema internacional de segurança
coletiva e dos desafios da segurança Latino-Americana
.
Felipe Kern
Moreira
Advogado em Brasília/DF
.
.
I - INTRODUÇÃO:
O presente
artigo apresenta uma abordagem
multidisciplinar de um tema
pouco explorado pelos autores internacionalistas, apesar de os temas
geopolíticos e segurança internacional serem de inegável importância
estratégica para a política externa brasileira. O presente texto foi o objeto
de uma palestra proferida quando do X Encontro Internacional de Direito da
América Latina (EIDAS), mais precisamente no dentro da programação do IX
Encontro de Estudantes de Direito do Mercosul, realizado em Florianópolis em
setembro de 2001, três dias antes do ataque terrorista às Torres Gêmeas nos
Estados Unidos da América que levou uma miríade de espectadores desavisados no
mundo inteiro a voltar suas atenções para os paradigmas da segurança
internacional.
Oportuno é ressaltar
que o estudo dos problemas de segurança latino-americanos com a correlata e consequente abordagem dos instrumentos
internacionais aplicáveis merece um artigo próprio, e por isso não é constante
desta pesquisa.
A PRODUÇÃO
BRASILEIRA DOS TEMAS GEOPOLÍTICOS E ESTRATÉGICO-MILITARES
A produção
acadêmica no que tange aos temas de segurança internacional sofreu juntamente
com todo o conjunto das matérias de política Internacional um aumento
considerável de produção e de qualidade de profissionais incorporado também às
instituições que promovem os estudos. Acentue-se uma tendência a um maior
rigorismo metodológico da escola brasileira como a fundamentação teórica e
implementação de abordagens analítico-interpretativas. As três principais
comunidades que se ocupam das Relações Internacionais no Brasil continuaram as
mesmas apesar das acentuadas mudanças políticas: os acadêmicos, os militares e
os diplomatas.
No Brasil a
produção em termos de uma abordagem da segurança internacional ou geopolítica
fica bem aquém se comparada à escola econômica, ambiental, de direitos humanos,
propriedade intelectual, etc... e o mesmo não ocorre na produção interna de
outros países. Em parte deve-se à inserção internacional predominantemente
pacifista do Brasil - mas de forma nenhuma neutra - , em parte à diluição do
papel protagônico dos militares no país, que detêm uma parcela significativa
da pesquisa nacional na área e, por fim
à continuidade de uma política externa de segurança efetuada majoritariamente
pelo responsável da pasta da defesa nacional, sem uma reflexão crítica
concomitante.
A METODOLOGIA
APLICADA
Para
desenvolver o presente artigo, considerando a atualidade do tema e a escassez
de bibliografia específica disponível, foi necessário um conjunto de métodos
para proceder uma avaliação mais exata dos dados obtidos bem como garantir seu
objetivo teleológico: a compreensão objetiva por parte de seu apreciador.
Entende-se portanto que um método único, ou mesmo a sistematização hermética de
algumas metodologias é uma fórmula superada das ciências sociais do século XIX,
principalmente após o advento da escola Kuhniana que pacificou que diferentes
argumentos e paradigmas não podem ser comparados por empregarem diferentes
conceitos e sistemas conceituais. Dada a gama de fontes para a presente
pesquisa como a história, sociologia, direito e política; as razões de atração
e vigor da abordagem passam a ser múltiplas, e devem incluir uma coerência
intelectual, e as influências e tendências do senso comum das ciências sociais
e a aplicabilidade dos dados à época pesquisada.1
Destarte, a
metodologia a ser aplicada possui caráter híbrido e há a necessidade de se
analisar os dados mediante um conjunto sistemático de métodos, porque há muitos
termos que só podem ser utilizados quando em conjunto com outros termos2. Como
os objetos de estudo serão definidos, relacionados e comparados, deverá se
adotar uma proporcionalidade dos conceitos jurídicos abordados.
II - O NOVO
PANORAMA DA SEGURANÇA INTERNACIONAL
Inegavelmente
a II Grande Guerra determinou e abriu reais perspectivas para um novo panorama
geográfico e estratégico mundial que só viria a sofrer substanciais mudanças
com a queda do Muro de Berlim e o denominado fim da Guerra Fria. De 1939 a
1945, ocorreu o que o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães chamou de
contestação interna à liderança do sistema3, ou seja, matizado por um
desequilíbrio global de forças, o novo desenho geográfico-político mundial, a
partir de um conceito de países protagônicos vencidos e vencedores, delineou as novas estruturas de poder mundial.
A Guerra Fria
trouxe consigo o problema da contenção
do poder soviético. Formula-se toda uma teoria elaborada pelos norte-americanos
e com a qual o nosso país anui, de que a principal função da contenção
estratégica da União Soviética tinha de caber, indubitavelmente, à grande
potência militar que eram os EUA, sendo o papel das potências militares de
menor alcance, como obviamente era o caso brasileiro, o de sustentar
internamente a luta contra a subversão.
4 Dessarte, com a formação de dois blocos distintos e hegemônicos, a Guerra
Fria é funcional para a manutenção da coesão do bloco e da hegemonia dos
Estados dominantes dentro dele. 5
Em termos de
segurança internacional, o contexto estratégico que permaneceu congelado
durante a Guerra Fria fez com que a quase totalidade dos conflitos que
envolviam defesa e segurança fossem interpretados sob a ótica da bipolaridade
de poder. A situação sofrerá uma mudança a partir de 1989, quando os conflitos
voltam a ser o que sempre deveriam ter sido; localizados e regionais (...) o
elemento de contenção representado pelo conflito Leste-Oeste deixa de
existir, provocando um maior número de
conflitos periféricos. 6
Um sistema
então vigente de segurança coletiva caracteriza-se pelo monopólio centralizado
da força no âmbito da ONU, o que é colimado em seu próprio preâmbulo da Carta
de formação: a força armada não será usada a não ser no interesse comum. 7 A
mesma Carta reserva por sua vez o uso da força ao Conselho de Segurança, órgão
Central das Nações Unidas. Este é portanto o cerne de um sistema pragmático de
diplomacia preventiva que visa o estabelecimento da paz ( peacemaking) e
manutenção desta (peacekeeping).
Estamos historicamente portanto no século XX, com a
formação dos primeiros sistemas de regionalização do comércio internacional,
com a formação dos primeiros blocos que possuíram sua fase seminal já no século
XIX; como o movimento regionalista
marcado pela tentativa de estabelecer uma união aduaneira nos Estados Alemães
separados, que naquela época (1813-1815) impunham direitos aduaneiros em trinta
e oito fronteiras. Importante registrar desta idéia que a união econômica iria
culminar em políticas comunitárias com transferência de soberanias à unidade
integrada. 8 Ademais, prevalecia quando da formação da CEE na década de 50, uma
idéia de segurança coletiva bastante pacifista, centralizada na estrutura da
ONU, após a então recente falência do sistema da Liga das Nações e adstrito
administrativamente ao Conselho de Segurança
Sob a égide de
uma análise de uma política estrutural internacional, o ponto de partida é o do
monopólio centralizado da força no que diz respeito à segurança coletiva
mundial: a ONU. Para a manutenção de uma Paz Perpétua como aludiu Kant9, a
estrutura administrativa da ONU exige um consenso entre os membros permanentes
do Conselho de Segurança: este foi e é
a limitação inicial do instituto10. Certo é que as Nações Unidas forneceram uma
espécie de espaço público internacional que permitiu e tem permitido até hoje,
a reunião da comunidade das nações em assembléia para a discussão de problemas
que dizem respeito ao futuro da coletividade. É claro que a metáfora
democrática aparentemente não resiste a uma análise rigorosa da realidade da
política de poder, das intervenções unilaterais e dos privilégios cristalizados
no Conselho de Segurança. Certamente
hoje perseveram os objetivos da ONU formulados em 1945 mas, a realização prática é algo
completamente distinto, dada a realidade dos conflitos armados e do crescente
subdesenvolvimento sistêmico dos países periféricos, sendo a Segurança
Internacional um dos prontos de destaque na agenda das pretensas reformulações emergenciais institucionais
das Nações Unidas11. Neste sentido, a segurança internacional é hoje em dia a
área mais emergencial de reformulações institucionais, pois é o cerne de toda
estrutura político-institucional do pós-guerra.
Ocorre
contudo, que a partir dos três fenômenos que moldam hoje as Relações
Internacionais: a globalização, a fragmentação e a regionalização12; a noção de
uma segurança coletiva universal que sobrevive a mais de três quartos de
século, não chegou a ser instaurada, nem com base no Pacto da Liga das Nações
nem para a aplicação do capítulo VII da
Carta da ONU. 13 Hodiernamente, em
virtude da ampla e estruturada
aceitação do monopólio da força por parte da ONU, a comunidade internacional
passa a questionar-se sobre a legalidade de uma fragmentação e regionalização
dos mecanismos de segurança como a Organização do Tratado do Atlântico Norte,
principalmente após a intervenção militar em Kosovo14.
Considerando o
fato historicamente notório de que a
estrutura cerne para todas as outras posteriores Organizações
Internacionais ( OMC, OMS, OIT, etc...) é a ONU, enquanto celula-mater,
estabelecida e fundada sobre os ideais de um sistema mundial de manutenção dos
litígios armados internacionais, pergunta-se como ficará toda a estrutura
institucional do pós-guerra a partir da coexistência de subgrupos de defesa
regional. Se hoje em dia o transnacionalismo e os novos desafios à soberania
nacional puseram fim ao chamado Sistema de Westfalia; é precoce o a fim dos ideais originários de busca de paz internacional através de uma instituição
única de nações com ampla aceitação?
III - A
FRAGMENTAÇÃO DE UM SISTEMA DE SEGURANÇA UNIVERSAL
Em um mundo
globalizado e marcado pelo papel protagônico da estruturas coletivas de caráter
intergovernamental ou supranacional, prevalece e perpetua-se em contrapartida a
estrutura da OTAN com status de aliança regional. É o assinalado por alguns
teóricos das Relações Internacionais como o retorno ao século passado, no qual
os Estados mais fortes criavam a lei
Internacional sendo os mais fracos simples rule-takers15. Assinala-se ainda a
justificativa, na esclarecida visão do Professor Charles Zorghibe, da
Universidade de Paris I, sobre Segurança Coletiva na Europa e na Ásia, que a
manutenção de uma aliança militar como a OTAN é também fruto da ausência de uma
verdadeira política européia de defesa e falta de coesão no âmbito da União
Européia. 16
Em movimento
contrário às aspirações de uma política de segurança mundialmente unificada com
escopo de manutenção de paz, o mundo assistiu atônito às investidas militares
da OTAN, mesmo após o fenecimento do Pacto de Varsóvia e mais recentemente, no
mesmo viés da regionalização da defesa em contraponto às aspirações do
pós-guerra, ao estabelecimento efetivo de uma política externa comum relativa
à segurança no contexto da comunidade
européia; a denominada “Common Foreign & Security Policy” (CFSP), ou
Política Externa e de Segurança Comum (PESC).
A PESC
representa uma aliança regional com escopo de
segurança regional e coletiva,
muito embora dentro de um contexto de políticas comuns e não de direito
comunitário. Embora o Tratado de Maasstricht tenha em 1993 estabelecido a PESC
como um instituto, foi posteriormente, com o Tratado de Amsterdão de maio de
1999 que foi provido o conjunto de instrumentos concretos para uma ação externa
por parte da União Européia. A política comum inclui entre seus objetivos a (a)
salvaguarda dos valores e interesses fundamentais, bem como integridade e
independência da União Européia segundo os princípios da Carta das Nações
Unidas; (b) reforçar a segurança na UE
de todas as maneiras; © preservar a paz e segurança internacional; (d) promover
a cooperação internacional; e (e) promover e consolidar a democracia, as regras
do direito, o respeito pelos direitos humanos e as liberdades fundamentais.
(tradução livre do autor a partir do texto oficial).
Resta claro,
frente aos objetivos supracitados, que a PESC aspira a uma continuidade da
própria UE enquanto cooperação regional internacional. Dados os problemas
efetivos constantes do território
europeu como (a) os conflitos do leste trazidos pelos países recém regressos do
bloco comunista; (b) os problemas de terrorismo não restritos ao movimento
basco; © as conseqüências alarmantes da imigração em massa, principalmente dos
povos de origem islâmica; (d) os conflitos em Chipre e; (e) o reavivamento de
ideários extremistas como os neonazistas. segundo uma visão analítico-crítica,
o sistema (PESC) parece ter ainda duas motivações concorrentes, obviamente não
apostas e previstas nos Tratados: (a) uma econômica, que é problema do vultuoso orçamento militar para a defesa, dados
os imensos gastos efetivados em Kosovo e (b) uma fortemente política; que
reforça claramente uma independência política da UE em relação aos EUA e o
próprio resguardo da independência democrática européia. Pode-se aditar ainda a
razoável estratégia de pensar em uma
maior e ampla independência do Conselho de Segurança, órgão cerne da ONU no
caso de “conflitos regionalizados”. Neste contexto, é notório que a estrutura
bicéfala do Conselho de Segurança, é o manancial de grandes divergências na
práxis da manutenção da paz: de uma estrutura com escopo dinamizador, na
realidade é bem aceitável que predominou mesmo após a Guerra Fria uma situação
de congelamento. 17
III - O SISTEMA DE SEGURANÇA EUROPEU : DESAFIOS E
INSTRUMENTOS:
Após a
assinatura do Tratado de Roma, a construção Européia focalizou suas ações
conjuntas nos aspectos econômicos, que veio a se concretizar em um estágio
intermediário de Mercado Comum. Por quase quarenta anos a expressão Política
Externa Comum não tomou lugar nos Tratados. A mudança substancial surgiu com o
Tratado de Maastricht, onde pela primeira vez os Estados Membros incorporaram o
termo Política Externa Comum, o considerado segundo pilar, tendo em vista ainda
um terceiro pilar relativo a Cooperação Policial e Judiciária em Matéria Penal
(CPJP) 18. A partir da vigência deste Tratado, a União Européia começou a ser
ouvida em nível internacional como uma opinião uniforme em relação aos
conflitos armados internacionais. A previsão de um instituto de Políticas
Comuns de Segurança foi efetivamente revisada pelo Tratado de Amsterdão que
passou a vigorar a partir de 1o. de maio de 1999. Os artigos 11 ao 28 do
Tratado da União Européia são devotados exclusivamente à PESC .
De fato, o
Tratado de Amsterdão abriu novas perspectivas para as políticas integratórias
européias, situando no segundo pilar a Política Externa e de Segurança Comum,
com alterações que visam uma implementação efetiva dos novos instrumentos de
segurança enquanto colaboração Estatal como o fato de o Secretário Geral do
Conselho passar a ser o alto representante para a PESC (TUE, art. 26); o que
também aumenta o poder a Comissão no cenário internacional fora dos limites
europeus. Desta forma, o aprofundamento do conhecimento dos instrumentos do
PESC significa compreender o novo direcionamento do pensamento europeu mais
recente em relação aos verdadeiros desafios da cooperação regional e o
verdadeiro escopo destas novas tratativas que segundo F. Dehousse são uma
verdadeira révolution copernicienne dans l’histoire de líntegration
européenne19.
A Política
Externa Comum e de Segurança não são contudo implementadas do mesmo modo que as
políticas comunitárias como agricultura, meio-ambiente, transporte e políticas
de pesquisa. A estruturação de poderes entre o Conselho, o Parlamento e a Comissão é consideravelmente diferente do
aplicado às políticas comunitárias, como por exemplo, o fato de a Comissão possuir uma relação mais direta
com a PESC, mas sem o direito exclusivo de estabelecer políticas ou submeter
iniciativas.
Os
instrumentos da PESC são conforme de depreende do Tratado de Amsterdão: (a) posições comuns;(b) ações conjuntas, e;
(c) decisões e conclusão de Acordos Internacionais. As referidas estratégias
passam a ser melhor entendidas frente às metas pragmaticamente delimitadas no
anexo do Tratado sob a nomeclatura de uma Política Única, que envolvem cuidado
sobre áreas de conflito ou passíveis de conflitos futuros e cuidando sobre as
situações com potenciais repercussões ou crises políticas.
O estudo do
direito comunitário europeu e da vivência prática das questões jurídicas
torna-se interessante neste sentido: muito além de uma cooperação regional
econômica, há o vívido interesse na
cooperação regional em favor das áreas menos favorecidas, com a clara
colaboração política em zonas de possíveis conflitos militares com o escopo
final de uma união política total. 20 No caso do estudo mais profundo da
estratégia da UE, apesar do ideário de paz e de desarmamento no âmbito das
Organizações Internacionais e das relações inter-estatais, a implantação de uma
política objetiva de segurança implica em inúmeros outros aspectos subjacentes
à uma uma análise superficial como: economia orçamentária militar,
desenvolvimento e cooperação tecnológica, energética e integridade territorial
assegurada.
Considerando o
fenômeno da integração regional sul-americana, sob a perspectiva dos interesses
estratégicos latino-americanos e o próprio modelo integracionista
teoreticamente assimilado (europeu); não se pode deixar de considerar as propostas ( políticas e estratégias
explícitas, implícitas e possíveis) e práxis do MERCOSUL extremamente
comprometidas. O Mercosul necessita nas palavras de Marcos Costa Lima aprofundar
a integração, principalmente pela coordenação de políticas macroeconômicas,
aprofundamento da discussão sobre insuficiência institucional, cooperação
tecnológica e expansão da cooperação
nos setores onde há menor resistência como justiça educação e meio ambiente.
21
IV - OS
DESAFIOS DE UMA POLÍTICA DE SEGURANÇA REGIONAL FRENTE AO DESENVOLVIMENTO DE UM
ESPAÇO INTEGRADO E DEMOCRÁTICO LATINO AMERICANO:
O primeiro
aspecto a ser analisado é o fato de o MERCOSUL, ter a União Européia como
modelo institucional, muito embora nossos Tratados e instrumentos políticos
localizem o processo de integração latino-americano no patamar
intergovernamental. É fato portanto, concorde e pacífico na academia, que a
União Européia é o modelo mais bem acabado de políticas governamentais de
cooperação e integração, não sendo contudo o único modelo.
O belicoso
tema de o MERCOSUL ser ou não uma aplicação do modelo da UE é esclarecido por
Luis Olavo Batista : “...o MERCOSUL foge aos modelos conhecidos como o da CEE,
o do Grupo Andino e outros (...) para um atendimento melhor das realidades
regionais”. 22 Pode-se portanto,
admitir a inspiração no modelo europeu e ademais um modelamento principalmente
a partir da BENELUX23, sendo que as fases de união econômica e monetária que
não foram cogitadas no Tratado de Assunção necessitariam hoje de instituições
ainda não adotadas. 24
A partir do
modelo europeu, há aspectos a serem estudados para o aperfeiçoamento da
integração latino-americana ( ou mais acertadamente da cooperação
intergovernamental), especificadamente no Mercosul. Os desafios de segurança e
defesa latino-americana são inúmeros: (a) a questão da vulnerabilidade e
vigilância amazônica onde já há linhas e cooperação25; (b) o narcotráfico com a
associação altamente perigosa com a
marginalidade urbana como a instalada nas favelas do Rio e zonas marginais de
São Paulo26, ( c) a presença de pelo menos três grupos terroristas
exclusivamente latinos; (d) a intervenção como o deflagrado Plano Colômbia27;
(e) a tentativa de avanço tecnológico na área nuclear conforme o programa
desenvolvido pela Marinha Brasileira e a presença de outros ilícitos
internacionais como a prostituição infantil28, o tráfico de plantas medicinais,
o contrabando nas zonas fronteiriças, o indefeso indígena em áreas de
importância estratégica, a atuação da máfia chinesa29, etc...
Os desafios
latinos em relação à segurança no âmbito do Mercosul não são teoréticos, visto
que a PESC no âmbito da EU é um instituto de Direito Internacional e não de
Direito Comunitário, não procedendo o argumento que nosso estágio seminal de
integração regional enquanto Mercado Comum
é insuficiente para um aprimoramento na área de segurança regional.
Ademais, claramente, como na propositura européia, a cooperação em termos de
segurança, associa-se diretamente com a cooperação e investimento tecnológico,
desenvolvimento energético, garantia de proteção ambiental e credibilidade das
instituições democráticas.
Desta forma, o
estudo acadêmico dos mecanismos adotados pela hoje União Européia tornam-se
fundamentais para o desenvolvimento de uma política governamental integracionista por parte dos governos do
MERCOSUL como em uma uma acepção
análoga foram decisivas as colaborações acadêmicas para o direcionamento
legalista para a reformulação do Sistema de Solução de controvérsias da
OMC30. Inobstante a abordagem
doutrinária e estratégica quase exclusivamente econômica do MERCOSUL em seu
contexto regional e internacional, alguns autores acentuam a premência de
discussões mais políticas sobre segurança como Jacques Ginesta sob o título : Evaluación de los esquemas de
concertación e integración latino-americana31, conforme o avanço europeu
translúcido e instrumentalizado no Tratado de Amsterdão.
O pensamento
de aprofundamento do Mercosul na realidade é uma das matizes de um movimento
mais generalizado que possuía em seu bojo até mesmo a idéia de uma “recriação”
do bloco platino. Existem portanto problemas de fragilização do Mercosul, mas
em outra escala valorativa; estes estão presentes também na UE, sendo o Tratado
de Amsterdão entendido por alguns teóricos como a consagração de um mecanismo
dinamizador e regulador de cooperações reforçadas, permitindo a alguns EM
avançarem em detrimento de outros.(...) Na verdade, tal mecanismo significa a
aceitação de uma construção diferenciada da Europa32. Dessarte, ao mesmo tempo
que o conjunto de perspectivas para a institucionalização do MERCOSUL deve ser
aprofundado, a experiência do modelo europeu é fundamental para o delineamento
de estratégias e previsão de fracassos, ainda mais sob a perspectiva adiada de
formação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), com conseqüências
aplicáveis a cada um dos pontos delineados, a partir de um contexto
internacional de segurança e manutenção/apoio à Pax Americana.
Notas
1 idem. pg. 88
2 Kaplan, 1975, 67.
3 Guimarães,2000, pg. 65.
4 Jaguaribe, 1993, pg. 125.
5 Halliday, 1999, pg. 190.
6 Seintenfus, 1994, 132.
7 Mercadante, 1998, 142.
8 Maria de
Oliveira, 2000, pg. 316
9 Kant
refere-se no primeiro parágrafo de sua obre “Paz Perpétua” à uma inscrição
satírica na tabuleta de um hospedeiro holandez, em que estava pintado um
cemitério para os homens em geral , ou especialmente para os Chefes de Estado.
na realidade o autor previu uma liga do tipo especial, denominada Liga de Paz (
foedus pacificum) que distinguiria-se de um Tratado de Paz (Pactum Pacis) que
visa somente por fim à uma determinada guerra. ( Kant, 1989, pg. 41)
10 Mercadante,
1998, 139.
11 “Na área da
paz e da segurança, tem-se observado um consenso crescente no âmbito da ONU,
quanto à necessidade de se colocar em prática
novas estratégias de prevenção de conflitos. O objetivo de se manter a
paz e a segurança se manifesta atualmente na forma de um desafio novo, o de atuar de forma consistente sobre as causas
estruturais e imediatas dos conflitos. (...) Se no passado a política externa
brasileira buscava a autonomia pela
distância dos processos dominados pela lógica bipolar, hoje procuramos a
autonomia pela participação ativa em
todos os tabuleiros em que se desdobram as relações internacionais.” Fonseca Jr., Gelson e Belli, Benoni. “Novos
Desafios das Nações Unidas: prevenção de Conflitos e agenda social” in revista
Política Externa vol. 10, nr. 01. pg. 59 ss
12 Seintenfus, 1994, 129.
13 Mercadante, 1998, 140.
14 “...from a strictly legal
perspective, the NATO military
intervention in Kosovo violated the United Nations Charter in article 53 [ “The
Security Council shall, where appropriate, utilize such regional arrangements
or agencies for enforcement action under its authority. But no enforcement
actions shall be taken under regional arrangements or by regional agencies
without the autorization of the Security Council...] ( Wilets, 2000, 645)
15 Hurrel & Woods, 1999.
16 “A falta de
coesão dos europeus é devida aos três principais atores: Paris estava fora da
Organização Militar Integrada e não podia exigir reformas da estrutura da OTAN.
Bonn, mobilizada pelos problemas da reunificaçào, preferiu manter a mesma
estrutura militar. E Londres, comportou-se como associado europeu ideal para
Washington.” ( Carta Internacional, 1999, pg. 8)
17 Por
estrutura Bicéfala entende-se a tentativa de equilibrar o peso das grandes
potências (membros permanentes com poder de veto) contra o direito ou princípio
da maioria. É a franca dissonância com o artigo 2o. da própria Carta das Nações
Unidas, que prescreve a igualdade entre os Estados, princípio fundamental do
Direito Internacional (Seintenfus e Ventura, 1999, 105).
18 Palma,2000,
118.
19 idem, 2000,
pg. 122
20 Maria de
Oliveira, 2000, 319
21 Lima, 2000,
pg. 173
22
Baptista,1998, 40.
23 idem.
24 idem. pg.
53
25 Pode-se
assinalar uma típica política comum em torno de interesses regionais neste
ponto. “Assinado em 1978 e vigente desde 1980, subscrevem o Tratado de
Cooperação Amazônica a Bolívia, o Brasil, a Colômbia, a Guiana, o Peru, o
Suriname e a Venezuela. Note-se que este Tratadofoi negociado e entra em vigor
precedendo, de certa forma a onda ambientalista, na medida em que tenta tornar
a compatível o desenvolvimento socio-econômico e a conservação do meio
ambiente.” (Seintenfus, 1994, 170)
26 Jaguaribe,
1993, 130
27 Mais de 40%
do território colombiano está sob controle de grupos guerrilheiros (dos quais
são as forças armadas Revolucionárias da Colômbia, as FARC, chefiadas por
Manuel “Tirofijo” Marulanda e integradas por 15.000 soldados, e o exército da
Libertação Nacional, o ELN, chefiada por Nicolas Rodrigues, com 6000 soldados).
O Plano Colômbia foi anunciado pelo vice-ministro da Defesa dos EUA, James
Bodner, durante a Conferência de Defesa dasAméricas, realizada em Manaus, nos
dias 18 e 19 de outubro e visa à
repressão da guerrilha entendida como o braço armado do narcotráfico. ( Revista
“Caros Amigos, novembro 2000, pg. 10)
28 Seintenfus,
1994, 187
29 Em recente
reportagem, em cadeia nacional, datada de 08/10/2001, o poder judiciário
brasileiro expressou sua fragilidade frente à atuação da máfia em meio à
colônia chinesa, principalmente na jurisdição paulista. A maior dificuldade
encontrada é a variabilidade de dialetos utilizados pela organização criminosa.
30 Barral, 2000,102.
31 Ginesta,1999, 62. Com
precisão e agudeza de raciocínio adverte: “En lo referente a la concertación
política, que resultó bastante inefectiva si nos atenemos a la labor del SELA,
al consenso de Cartagena sobre la corresponsabilidad de la deuda externa Y de
modestos resultados en otros múltiples aspectos, tiene en su haber el logro de
haber cimentado la idea de la democracia, la reivindicación de un espacio de
decisión autónomo latinoamericano y la concreción de una zona de paz regional y
libre de armas nucleares, sólo turbada por algunos episodios aislados, como la
reciente y vergonoza uerra fronteriza entre Ecuador y Peru, lo que ha hecho
funcionar a la región como una comunidad de seguridad, en el sentido que le
adjudica Karl Deutsch a la expressión.”
32 Palma,
2000, pg. 3-4
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