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A Constituição Federal
brasileira e o mercosul
Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer
Feitosa
professora da Faculdade
de Direito da UFPB, mestra em Ciências Jurídicas
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Todo sistema político em normal funcionamento pressupõe
uma ordem de valores sobre a qual repousam as instituições. Em se tratando de
um sistema democrático, do modelo cultivado no Ocidente, essa ordem é
representada pela Constituição, cujos princípios guiam a vida política e
garantem a liberdade dos cidadãos.
Nos sistemas democráticos, a Constituição é fundamento
do Direito e ergue-se perante a sociedade e o Estado como o mais alto valor,
posto que de sua observância deriva o exercício permanente da autoridade
legítima e consentida. A Constituição se converte na imagem da legitimidade
nacional, valor que limita todos os poderes e deve exprimir o estado de cultura
política da nação (BONAVIDES, 1995, p. 206-207).
A Constituição
positiva, resultante da conjugação dos sentidos material e formal, funciona
como padrão jurídico fundamental e que não pode ser contrariado por qualquer
outra norma integrante do mesmo sistema jurídico. As normas constitucionais são
as que possuem o máximo de eficácia, não sendo admissível a existência, no
âmbito do mesmo Estado, de normas que com elas concorram em eficácia ou que
lhes sejam superiores. As normas constitucionais, atuando como padrão jurídico
fundamental, condicionam todo o sistema jurídico, resultando na exigência de
que lhes sejam conformes todos os atos que pretendam produzir efeitos dentro do
mesmo ordenamento jurídico (DALLARI, 1987, p.172-173).
A incompatibilidade entre qualquer disposição normativa
e a Constituição Federal consubstancia situação de inconstitucionalidade,
institucional e/ou normativa. Sob nenhum pretexto, enquanto não forem alteradas
as disposições constitucionais, poderão vir a ser elas afrontadas por qualquer
norma que lhes seja contraditória.
Na problemática da implementação da integração
internacional em blocos sub-regionais, o dado jurídico, com destaque para a sua
dimensão constitucional, constitui aspecto basilar da questão. Somente na medida
em que os direitos internos possibilitarem a integração é que esta poderá
efetivamente ocorrer, impondo-se trabalhar por ela, através da elaboração e
aplicação de mecanismos legais, no plano dos ordenamentos jurídicos nacionais,
a começar kelsenianamente pelas alterações nas Constituições dos
Estados-membros.
O Tratado de Assunção, que instituiu a integração de
quatro países no cone sul da América Latina, entre estes o Brasil, data de 26
de março de 1991, sendo, portanto, cronologicamente posterior à vigência da
atual Constituição brasileira. O ordenamento jurídico que adveio com a formação
do bloco integrado - Tratado de Assunção e demais Protocolos Adicionais -
apresenta incompatibilidades com as normas constitucionais dos Estados-membros.
No modelo constitucional brasileiro, particularmente, a dinâmica da integração
sofre configurações antinômicas, dificilmente conciliáveis com os pressupostos
de soberania e independência nacional nas relações internacionais, formulados e
interpretados segundo a concepção clássica, de caráter absolutista.
O futuro da empreitada MERCOSUL depende, em grande
parte, da solução de tais divergências. Faz-se imprescindível, no momento
atual, a definição de prioridades e de princípios norteadores do projeto MERCOSUL,
de modo a poder imprimir orientação à ordem econômica e social que viabilize um
modelo claro de integração, seja intergovernamental ou supranacional. Uma
estrutura institucional de integração do tipo mercado comum requer instrumentos
jurídicos sólidos e um bloco estável de princípios, no nível interno ou
regional, que informe coerentemente o conjunto do ordenamento jurídico
integrado.
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1. A INTEGRAÇÃO NA PERSPECTIVA
DOS MODELOS CONSTITUCIONAIS DA UNIÃO EUROPÉIA E DO MERCOSUL
A integração, conforme o modelo institucional adotado e
as exigências estruturais e funcionais dele decorrentes, terá, necessariamente,
seu elo de união e ponto de partida no direito interno e no tratamento por este
dispensado aos direitos e obrigações decorrentes de tratado firmado
internacionalmente pelo Estado, seja na ordem externa, seja na interna,
mediante a incorporação de tais direitos e deveres em seu ordenamento jurídico
interno, criando instância de vigência e aplicação interna imediata.
Reitere-se que a integração supõe ponto de partida no
direito interno, isoladamente ou em conjunto com tratados internacionais
constitutivos, a partir dos quais se estruture, em maior ou menor grau, um ordenamento
jurídico supranacional comum a todos os Estados que partilham do esforço
integracionista, enquanto sujeitos soberanos e independentes de direito
internacional, aos quais competiria, na ordem interna, implementar os
princípios e obrigações assumidos no plano internacional, em vista da
consolidação do espaço integrado (CASELLA, 1996, p.50).
Os Estados envolvidos em projeto de integração, no
exercício pleno de sua soberania, contraem direitos e deveres internacionais,
estando obrigados, ética e juridicamente, a assegurar existência, validade e
eficácia a tais condutas nas suas respectivas ordens internas. A condição
soberana do Estado não pode prosperar nem ser invocada contra legem, devendo
conformar-se aos padrões imperativos de direito internacional geral(1) ou aos
termos do tratado celebrado, inseridos nas respectivas ordens jurídicas
nacionais. A partir dessa inserção, faz-se extremamente necessário garantir
coerência ao ordenamento jurídico, compatibilizando o direito decorrente do
tratado com os demais direitos nacionais, especialmente quanto às normas de
natureza constitucional.
Na Europa, a formação de um direito comunitário,
diferente do direito dos Estados-partes, constitui uma realidade. O Tratado de
Maastricht destacou-se como um documento singular de integração pela estrutura
comunitária que adotou, gerando definições de políticas públicas comuns que
foram refletidas em instrumentos jurídicos de tão grande significação que
permitiram interpretar o documento de Maastricht, mais do que um simples
tratado internacional, como uma verdadeira "constituição européia".
Tanto é assim que parte da doutrina(2) já se debruça
sobre a análise da possibilidade de aplicação do termo "constituição"
em espaço físico diferente do Estado, uma vez que o marco conceitual do
Estado-Nação constitui o paradigma a partir do qual foram pensadas e
constituídas as noções do direito constitucional moderno. As atuais
circunstâncias obrigam a repensar algumas noções básicas do direito
constitucional fora dos marcos do Estado-Nação, tais como soberania nacional,
poder constituinte, relações entre direito interno e direito internacional etc.
A expressão "constitucionalismo europeu" designa o fenômeno estudado
e, por enquanto, prefere ao termo "direito constitucional europeu"
(DALLA VIA, op. cit., p. 85). Tem-se procurado afastar a idéia de que as
organizações internacionais de tipo comunitário sejam "Estados",
"Estados Federados" ou "Confederação de Estados", sendo
mais aceita a concepção de uma "União de Estados".
O
autor acima citado instiga: Qué hay de común entre el estado que surge de la
transformación de la sociedad feudal y el estado contemporáneo? Si la palabra
es la misma quién puede asegurar que la realidad a la que él se refiere es idéntica?
DALLA VIA (op. cit., p. 87) demonstra que o professor Malinverni reduz a
três os elementos que, conforme seu entendimento, caracterizam o modelo
constitucional europeu: "a) la primacía de la constitución y sus
consecuencias en términos de rigidez constitucional y de control de
constitucionalidad de las leyes; b) la primacía del derecho internacional,
concebida como una garantía adicional de los derechos humanos; c) la existencia
de un "standard mínimo europeo" articulado en torno al sufragio libre
y universal, a la separación de poderes y a la protección de las minorías
nacionales." Em torno desses princípios pode situar-se o modelo
constitucional europeu, predominando, quando da organização dos poderes
públicos, a via parlamentarista.
Em análise
paralela, poder-se-ia atestar a existência de um modelo constitucional
latino-americano? Do ponto de vista da investigação histórica, dois elementos
emergem da realidade político-institucional da América Latina: a instabilidade
política que marcou freqüentes rupturas à ordem constitucional e a tendência ao
autoritarismo, surgida, essencialmente, de fatores culturais, ligados à
presença do caudilhismo que impôs um estilo hierarquizado nas relações de
poder, fazendo prevalecer a figura do "homem forte" e gestando um
protótipo de "dominação carismática", comum nos países latinos. Para
DALLA VIA (ibid.), nas lutas pela independência, observa-se a primazia dos
militares; nas guerras civis, percebe-se a dominação dos caudilhos locais e, no
campo estrito do Direito Constitucional, essa tendência tem-se manifestado no
predomínio do Poder Executivo sobre os demais poderes, assim como na
predominância do sistema presidencialista de governo.
Assim, o princípio federativo não pode destacar-se como
característica definitiva ou inata do modelo constitucional sul-americano,
embora dele faça parte. A tendência histórica à centralização do poder põe em
xeque a intenção federalista, submetendo os países federalistas como Brasil,
Argentina, México e Venezuela a tensões permanentes à concentração desse
poder(3). O autor citado conclui que da influência do constitucionalismo
norte-americano, marcada pelo presidencialismo e pelo federalismo,
"solamente el primero há alcanzado mayor arraigo" entre nós,
destacando, por fim, que, a partir da restauração democrática dos anos oitenta,
dois outros elementos marcam o modelo constitucional subcontinental: a forma
democrática de governo e o respeito aos direitos humanos.
Nesse contexto, como entender e situar
constitucionalmente a integração econômica nos países do cone sul? Poder-se-ia
falar em ordem jurídica comunitária como se faz na Europa? Para VENTURA (1996,
p. 65), verificar a existência de uma ordem jurídica comunitária no âmbito do
MERCOSUL pressupõe, indubitavelmente, um permissivo constitucional que
possibilite a recepção da regra comunitária nos ordenamentos jurídicos
nacionais. Quando se invoca o termo recepção de uma norma jurídica, o
observador logo estabelece um dos elementos de convicção que é, nessa hipótese,
a distinção entre as ordens jurídicas interna e internacional no que tange à
fonte de produção normativa. Enquanto na ordem interna, a produção normativa
observa as regras procedimentais estabelecidas, via de regra, pela Constituição,
na ordem internacional, as normas procedem das convenções internacionais, do
costume e dos princípios gerais de direito reconhecidos pelas "nações
civilizadas", conforme preconiza o Estatuto do Tribunal Internacional de
Justiça.
Entre as Constituições dos países-membros do MERCOSUL,
as soluções não se apresentam uniformes. Conforme foi visto no decorrer do
presente trabalho, as Constituições da Argentina e do Paraguai fazem expressa
menção em seus textos a respeito da possibilidade de recepção da regra jurídica
comunitária nos seus ordenamentos internos e apresentam inovações interessantes
no sentido de institucionalizar a integração supranacional. Entretanto, as
Constituições do Uruguai e do Brasil não fazem qualquer menção à supranacionalidade
ou à ordem jurídica comunitária; tampouco definem hierarquicamente as normas
internas em relação às internacionais. Quanto ao Tratado de Assunção, conforme
analisa DALLARI (1995, p. 11), "não há equacionamento constitucional claro
para a definição acerca da cogência, inclusive face a eventual oposição no
âmbito do ordenamento jurídico interno, das decisões emanadas das instâncias
deliberativas componentes da estrutura do Mercosul". Essa situação pontua
um desequilíbrio entre as legislações fundamentais dos Estados-membros do
MERCOSUL e o projeto de integração.
Na acepção comunitarista, que compreende a ordem
comunitária como resultado do duplo fenômeno da autonomia e da hierarquização
das normas, parece evidente, segundo conclui VENTURA (op. cit.), a inexistência
de um ordenamento comum no MERCOSUL. O professor Amir Barav em artigo
intitulado "The reception of community law by the national legal
systems", em conferência proferida em novembro de 1996, em Santa Maria -
RS, ponderou que se há direito comunitário não há necessidade de recepção. Por
ser de elaboração comunitária, o direito prescindiria do mecanismo tradicional
da incorporação. Apenas nas organizações internacionais de natureza
intergovernamental, por não se gerarem normas comunitárias, apresenta-se
imprescindível o fenômeno da recepção. Para VENTURA (op. cit. p. 77), resta
que, à sombra do direito comunitário europeu, parece estar surgindo um pálido
direito comunitário latino-americano, que ainda parece se confundir,
parafraseando Kelsen, entre o ser e o querer ser.
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2. TRATAMENTO DA MATÉRIA NA
CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988
O MERCOSUL representa, para o Brasil e demais
parceiros, a mais significativa experiência de integração institucional já realizada
em nível internacional, com possibilidades concretas de modificações na ordem
jurídica nacional. Mais do que um simples acordo no plano das relações
exteriores dos quatro países, o que está em discussão é a possibilidade de
edificação de um sistema de normas supranacional, capaz de superar a
competência normativa interna dos Estados, com relação às matérias que forem
objeto de pactos e acordos no âmbito do MERCOSUL. Multiplicam-se, no cenário
jurídico nacional, os personagens interessados em saber qual a força cogente do
direito originado do Tratado de Assunção, de seus Protocolos Adicionais e de
suas instâncias deliberativas.
A implementação de um mercado comum e a inserção do
ordenamento jurídico de um Estado nesse contexto requerem adaptações
legislativas profundas das Constituições nacionais às legislações ordinárias,
bem como das competências legislativas às atribuições dos tribunais.
No Brasil, até o presente, o MERCOSUL está conseguindo
se implantar sem uma codificação adicional, apenas realizando ajustes pontuais,
através do clássico fenômeno da recepção. A mecânica de incorporação do direito
derivado do MERCOSUL aos direitos nacionais é tradicional: tratados
internacionais são negociados pelos governos e, após a aprovação parlamentar,
são ratificados e promulgados, incorporando-se então ao ordenamento nacional do
Estado, equiparados à lei ordinária interna. É assim com as normas do MERCOSUL,
mecanismo que dificulta sua compreensão como órgão de direito comunitário.
Perante o
sistema constitucional brasileiro, apesar da discreta referência feita ao tema
da integração latino-americana, o MERCOSUL surge como um intruso, forçando
limites e adequações legais e promovendo a reflexão acerca da necessidade de
mudanças institucionais que balizem os novos marcos da inserção internacional
do Brasil. No direito brasileiro, conforme ensina GRANDINO RODAS (1980, p.
259), a aprovação dos tratados segue no Congresso o mesmo processo que a
elaboração da lei, ou seja, a promulgação e a publicação compõem a fase
integratória da eficácia da lei ou do tratado. "A promulgação atesta a
adoção da lei pelo Legislativo, certifica a sua existência e o seu texto e
afirma, finalmente, seu valor imperativo e executório. A publicação, que se
segue à promulgação, é condição de eficácia da lei". Com respeito aos
tratados que não são submetidos à ratificação do Executivo, o referido autor
assinala que a promulgação é dispensada sendo esses tratados simplesmente
publicados no Diário Oficial da União. É o caso dos "acordos
intergovernamentais", ou acordos do executivo.
De acordo com MELLO (1994, a, p. 198-201), em face dos
acordos executivos firmados pelo Brasil e tomando como base as normas
constitucionais, a doutrina brasileira dividiu-se em duas correntes: aquela que
sustenta a validade de ditos acordos, sejam como subprodutos de um tratado
vigente ou expressão da diplomacia ordinária do Executivo (Hildebrando Accyoli,
Levi Carneiro, João Hermes Pereira de Araújo, Geraldo Eulálio Nascimento Silva,
Francisco Rezek) e aquela que nega tal condição, para quem a constituição impõe
a aprovação legislativa a todo e qualquer acordo internacional ao qual o Brasil
queira obrigar-se, diretamente ou mediante referendum (Haroldo Valladão, Vicente
Marota Rangel, Afonso Arinos, Pontes de Miranda, Themístocles Cavalcanti e
Carlos Maximiliano). Na prática, o que se percebe é que esses chamados
"acordos intergovernamentais" são plenamente admissíveis no Brasil.
A respeito do tema em análise, a Constituição da
República Federativa do Brasil dispõe:
Art. 1 º. "A República Federativa do Brasil,
formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
(...)".
Art. 4º. "A República Federativa do Brasil rege-se
nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I - independência nacional;
II - prevalência dos direitos humanos;
III - autodeterminação dos povos;
IV - não-intervenção;
V - igualdade entre os Estados;
VI - defesa da paz;
VII - solução pacífica dos conflitos;
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX - cooperação entre os povos para o progresso da
humanidade;
X - concessão de asilo político.
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil
buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da
América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de
nações" (grifo nosso).
À primeira abordagem, percebe-se que a Constituição
Federal brasileira diferencia-se das Constituições da Argentina e do Paraguai,
onde cláusulas expressas estabelecem a base para uma política integracionista,
com prerrogativa legiferante, embora, conforme ressalta LADMANN, represente
"un avance notable sobre la Constitución anterior que consagraba la teoría
de la seguridad nacional verdadero obstáculo a cualquier proyecto de índole
integracionista al estabelecer limitativamente las áreas en que el Ejecutivo y
el Legislativo podían obligar al Estado" (In Cuadernos de Investigaciones,
n.º 20, p. 24).
Importantes doutrinadores brasileiros demonstram sérias
dúvidas quanto ao alcance da habilitação do parágrafo único do artigo 4 º da
Constituição brasileira. Diante do texto constitucional, MARTINS & BASTOS
(1988, P. 464) concluem que o dispositivo constitucional autoriza o país a
buscar sua integração numa comunidade latino-americana de nações. Acrescentam
adiante que "o Texto Constitucional não esclarece de maneira expressa se a
forma desta integração deve guardar respeito aos princípios clássicos da
soberania ou se envolve a possibilidade de integração em organismos
supranacionais. Quer-nos parecer, no entanto, que a mera existência do artigo
implica uma opção por esta última forma. Do contrário, ele seria desnecessário,
posto que organização sem caráter supranacional já existe na América Latina. De
outra parte, a expressão utilizada integração envolve certamente a participação
em entidades que não sejam de cunho meramente associativo".
DALLARI (1995, p. 182-185), por sua vez, sustenta que a
Constituição não contempla a transferência de soberania para organizações
supranacionais não se podendo, portanto, falar de aplicabilidade direta ou de
primazia de regras comunitárias. Em interpretação mais técnica, citando a ausência
de outros mecanismos constitucionais capazes de dar sentido concreto a tal
regra programática, percebe o dispositivo como permissivo da incorporação ao
sistema jurídico de regras que assegurem tratamento diferenciado às pessoas e
produtos originários dos Estados latino-americanos, ressaltando que não se
cogita constitucionalmente da transferência de soberania para organizações
supranacionais. No mesmo sentido posiciona-se ALBUQUERQUE MELLO (1994, b, p.
121), para quem a Constituição consagra uma das antinomias da ordem
internacional: a soberania e a cooperação internacional. Para esse autor,
"a Constituição brasileira não estabelece a admissão de qualquer restrição
à soberania e ao mesmo tempo, no parágrafo único do art. 4º, fala em integração
econômica".
BATISTA (1995, p. 54-74) entende que os artigos 22 a 24
da Constituição Federal, que tratam da competência privativa, comum e
concorrente da União com os demais entes da Federação, são impeditivos da participação
brasileira em um órgão internacional que emita normas e regulamentos comuns,
dado que nos mesmos se determinam as competências legislativas das unidades
federativas e não se menciona a possibilidade de delegação. Sustenta o autor
que tais artigos constituem cláusulas pétreas não podendo, conseqüentemente,
ser modificados.
Frente a estas opiniões da doutrina brasileira, DROMI,
EKMEKDJIAN & RIVERA (1995, p. 671) afirmam que o princípio contido no
inciso IX do artigo 4º da Constituição do Brasil constitui "(...) la directiva
máxima para el Estado en el campo de las relaciones internacionales
(...)". Os mesmos
autores, ao se referirem aos artigos 177 e 178 (4) da nossa Carta, sustentam:
"Es obvio que las disposiciones de estos dos artículos deben ceder frente
a los Estados Miembros del Mercosur; vale decir que una correcta hermenéutica
de los mencionados artículos de la constitución de la República Federativa del
Brasil, trae como inevitable conclusión que las limitaciones referidas no
resultan aplicables a las empresas argentinas, paraguayas y uruguayas"
(1995, p. 671).
O chamado "parágrafo integracionista" do art. 4.º da
Constituição brasileira, na realidade, é fruto de discussões e debates a
respeito do tema durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte e
teve origem na proposta formulada pelo então senador pela Paraíba, Marcondes
Gadelha. Perguntado sobre o motivo da proposta, justificou que o artigo foi
extraído "quase que literalmente do artigo 100 da Constituição peruana,
visando dar uniformidade para homogeneizar a linguagem. (...) Há uma crítica,
que tem sido feita continuadamente ao comportamento do Brasil com relação à
integração latino-americana". No entendimento do ex-senador, a aprovação
da emenda representou uma prova cabal do empenho brasileiro pela causa da
integração. Se não chegou a criar uma verdadeira comunidade de nações, dadas as
dificuldades de implantação de um projeto dessa natureza, ao menos estimulou a
idéia da integração(5).
A ênfase dada à diretriz da integração
latino-americana, na forma adotada pelos constituintes, levou os comentaristas
do texto constitucional a identificarem no dispositivo a condição de norma
enunciadora de objetivo programático de política externa.
FERREIRA FILHO (1990, p. 21) ilustra essa tendência ao
afirmar que o parágrafo único do artigo 4º indica "um objetivo prefixado
para a política internacional do Brasil". Já SAMPAIO (1989, p. 50) pondera
que "é de suma importância para o desenvolvimento dos países que compõem a
chamada América Latina a sua integração, mas, para que isto aconteça,
necessário se torna delinear nitidamente as relações do nosso país com essas
nações. Integrar como? Quando? O preceito estatuído no parágrafo não encontra
respaldo em todo o texto constitucional".
A caracterização do dispositivo como diretriz de
política externa, conforme argumenta Celso Lafer, Ministro brasileiro das
Relações Exteriores atualmente e à época da assinatura do Tratado de Assunção,
contribuiu para a viabilização do MERCOSUL. Para ele, "o princípio de
integração dos povos da América Latina (art. 4º, parágrafo único), ajudou, como
vis directiva, o avanço dos processos de implantação do Mercosul, contemplados
em Las Leñas (26.6.1992)" (ver Prefácio, in Constituição e Relações
Exteriores, DALLARI, op. cit).
E qual o alcance
das normas programáticas? BARROSO (1993, p. 13), salienta que "delas não
resulta para o indivíduo o direito subjetivo, e sua versão positiva, de exigir
uma determinada prestação. Todavia, fazem nascer um direito subjetivo negativo
de exigir do Poder Público que se abstenha de praticar atos que contravenham os
seus ditamos". Acrescenta adiante o constitucionalista:
"Objetivamente, desde o início de sua vigência geram as normas
programáticas os seguintes efeitos imediatos: a) revogam os atos normativos
anteriores de que disponham em sentido colidente com o princípio que
consubstanciam; b) carreiam um juízo de inconstitucionalidade para os atos
normativos editados posteriormente, se com elas incompatíveis".
CANOTILHO (op. cit. 1998, p. 1102 – 1103) esclarece que
a concretização das normas programáticas pela intermediação da instância
legiferante não significa que tais normas não sejam dotadas de positividade
jurídica autônoma. Para o mestre lusitano, essa positividade é dotada de eficácia
vinculativa à medida em que implica vinculação permanente do legislador à sua
realização; vinculação positiva de todos os órgãos concretizadores e, por
último, vinculação negativa dos poderes públicos, no sentido de que os atos que
as contrariem deverão ser censurados por inconstitucionalidade.
Para DALLARI (1997, p. 111), o fato de uma norma
constitucional programática contribuir para a realização do MERCOSUL "abre
perspectivas concretas, mesmo que explicitamente não o faça, para a realização
de modificações no ordenamento jurídico brasileiro, estas sim capazes de dar
efetividade aos propósitos do Tratado de Assunção. Ou seja, o caráter de regra
primordialmente indutora do comportamento do Brasil na comunidade internacional
não pode, todavia, obscurecer sua importância de regra indutora de alterações
no direito brasileiro que decorram dos resultados da ação de política externa
que se pretendeu justamente orientar".
Isso, porém, não basta. O tangenciamento das questões
relativas à implantação do MERCOSUL, enquanto efetivo mercado comum, não pode
durar indefinidamente. Na verdade, a Constituição brasileira não leva em
consideração as novas tendências da ordem jurídica internacional. Conforme
salienta MELLO (1994, b, p. 146), em relação ao princípio da "cooperação
entre os povos para o progresso da humanidade" (art. 4º, inciso IX),
"(...)é preciso repetir que a ‘cooperação’ no plano internacional é uma
antinomia com a ‘soberania’ ou ‘independência nacional’, para usar as expressões
da Constituição Federal. É que aquela pressupõe uma restrição desta última. Não
há cooperação sem limitação de soberania". Quanto à formação de uma
comunidade latino-americana de nações (art. 4º, parágrafo único, in fine), o
mesmo autor (op. cit., p. 154) assinala que é um ideal e não uma realidade,
recorrendo o texto constitucional a um conceito jurídico indeterminado. A
expressão parece estar fora da realidade, demonstrando um conceito restrito.
Sociologicamente, jamais existiu uma comunidade latino-americana. Lembrando
Ferdinand Tönnies, 1887, o autor transcreve: "a comunidade é a vida em
comum verdadeira e durável: a sociedade é passageira e aparente (...)
compreender a comunidade como um organismo vivo, a sociedade como um agregado
econômico e artificial". Nesse sentido, na vida internacional não haveria
uma comunidade, mas uma sociedade caracterizada por uma tensão de domínio. O
texto constitucional, neste aspecto, parece claramente influenciado pela
terminologia européia de comunidade e de integração econômica, uma vez que esta
é a grande obsessão do momento nas relações internacionais.
O autor citado conclui sua análise (op. cit., p. 159)
observando que a impressão que fica do texto constitucional é que os princípios
foram escolhidos de modo arbitrário, como se para o legislador constituinte
"princípios fundamentais", "fundamentos" e "objetivos
fundamentais" fossem tudo a mesma coisa. Entretanto, repetindo o
internacionalista espanhol Remiro Brotons, o autor lembra que a inclusão desses
princípios na Constituição não os torna mais obrigatórios no plano prático,
porém torna mais explícita ou reforça a aceitação deles por parte do Estado.
Sua inclusão no texto constitucional representa um "fator de moralização e
de pedagogia, educando a opinião pública e coadjuvando a germinação de uma
consciência popular solidária com uma sociedade internacional pluralista com os
princípios fundamentais que devem regê-la".
Entretanto, a criação e implantação de um mercado comum
regional requer mais do que princípios constitucionais genéricos de função
pedagógica; requer adaptações jurídicas que demarquem, com segurança, os novos
rumos da integração internacional do país, parâmetros definidos nos campos da
política e da sociedade, a orientarem as reformas no campo do direito. Na etapa
definitiva de concertação do MERCOSUL, o processo integracionista precisa
consolidar-se através da implantação de estruturas que o mantenham e o
aperfeiçoem, mediante a aceitação de reformas legislativas e constitucionais
importantes e pela harmonização jurídica, tarefa gigantesca que não pode ser
postergada para depois da institucionalização supranacional do MERCOSUL.
No caso específico do Brasil, a opção pelo
aprofundamento das relações institucionais da integração regional, sedimentadas
a partir do Protocolo de Ouro Preto, terá que envolver reformas constitucionais
em dois aspectos distintos: para promover as condições jurídicas necessárias à
implantação de cinco liberdades básicas (de circulação de mercadorias, de
serviços, de trabalhadores, de capitais e liberdade de concorrência), como está
preconizado no artigo 1º do Tratado de Assunção, e para propiciar a
auto-aplicabilidade e a vigência plena e imediata das normas emanadas dos
órgãos e sistemas internacionais aos quais o país tenha soberanamente aderido.
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3. A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Em que pese a posição de alguns juristas brasileiros ao
defenderem a interpretação extensiva do parágrafo único do artigo 4 º da
Constituição brasileira, conseguindo enxergar em tal dispositivo o permissivo
constitucional necessário à consolidação de uma ordem jurídica comunitária no
âmbito do MERCOSUL, é, sobretudo, no campo econômico que a Carta Magna
brasileira tem-se revelado disfuncional em relação ao pleno cumprimento dos
objetivos traçados no artigo 1º do Tratado de Assunção. A revisão constitucional
poderia dirigir-se, genericamente, a dois aspectos: rever o parágrafo
integracionista para dar-lhe preeminência sobre as disposições que lhe são
equivalentes; alterar o capítulo econômico, objetivando possibilitar
concretamente uma interdependência ativa entre as economias dos países-membros
do bloco. De um modo geral, poder-se-ia pensar na introdução de um artigo
tratando da aplicabilidade direta no direito interno brasileiro das normas e
tratados internacionais, bem como de dispositivos que resultem na aceitação
inconteste de decisões, resoluções e laudos de órgãos supranacionais de caráter
político (Conselho e Comissão) ou jurídico (Tribunal de Justiça) do MERCOSUL.
(ALMEIDA, in BILA N.º 09, p 18).
Ao se iniciar o processo da revisão constitucional de
1993/94, foi retomada a discussão da necessidade de inclusão de uma regra
constitucional destinada a dar efetividade à diretriz de integração
internacional do Brasil. A revisão, no entanto, não se viabilizou e a reforma
somente se iniciou em 1995, quando o debate especificamente voltado ao tema da
integração mereceu algum destaque.
Foi proposta no Congresso Nacional uma emenda
constitucional destinada a acrescentar dois novos parágrafos ao artigo 4º da
Constituição, de modo a possibilitar a vigência imediata de diretivas e
decisões tomadas por organismos internacionais, desde que nos tratados que o
Brasil tivesse firmado, ratificados pelo Congresso, fosse prevista a hipótese
de tais decisões serem tomadas por órgãos supranacionais. Nesse caso, estas
passariam a ter vigência imediata como um direito supranacional,
independentemente do mecanismo tradicional da recepção.
O autor da proposta, deputado Adroaldo Streck
(PSDB/RS), elaborou-a com base no artigo 8.º da Constituição de Portugal,
justificando que os parágrafos propostos "objetivam ampliar o tratamento
constitucional das relações internacionais da República Federativa do Brasil,
em particular quanto à América Latina" (Proposta Revisional n.º 001079 -
1, de 02.12.93). O § 1.º da proposta reconhece a aplicabilidade do direito
internacional, como parte integrante do direito brasileiro; o § 2.º acolhe e
sintetiza o atual parágrafo único; o § 3.º concede vigência imediata na ordem
interna brasileira às normas emanadas das organizações internacionais das quais
o Brasil seja parte, desde que estabelecidas em tratado.
O artigo 4º recebeu o maior número de propostas
revisionais (vinte e oito no total). No seu relatório sobre processo
revisional, o deputado Nélson Jobim (PMDB/RS), considerando suas
características comuns, dividiu as propostas encaminhadas em quatro grupos, a
saber: a)o grupo formado pelas propostas que visam a solucionar os problemas
que advirão da adesão do Brasil a uma comunidade de Estados, subdividido na
corrente que defende que os atos de direito comunitário somente deverão vigorar
no Brasil, após deliberação do Congresso Nacional, na corrente que propõe a
formação de uma Comissão Mista congressual para examinar e acompanhar a implementação
de todos os atos relativos à integração e na corrente que advoga a vigência
imediata na ordem jurídica interna brasileira dos atos originários de
organizações internacionais das quais o Brasil seja parte (na forma da proposta
descrita no parágrafo anterior); b) o grupo composto pelas propostas
revisionais que tencionam modificar o teor do parágrafo único do artigo 4º, de
modo a ampliar o universo da integração, circunscrita aos Estados
latino-americanos; c) o grupo composto das propostas que desautorizam o Brasil
a reconhecer territórios ou governos de Estados ocupados por forças militares
externas; d) por último, o grupo das propostas revisionais que visam a
acrescentar novas disposições aos incisos do atual artigo 4º, tais como repúdio
ao golpismo, à sabotagem, ao tráfico internacional de entorpecentes etc. Houve,
ainda, propostas que atribuíam aos tratados e demais compromissos
internacionais hierarquia superior às leis, bem como propostas que recomendavam
a supressão do artigo 4º, por considerá-lo desnecessário e demagógico.
O parecer do relator concluiu, com base na proposta
revisional do deputado Streck, pela conveniência e oportunidade da inclusão de
dois novos parágrafos ao referido artigo 4º da Constituição Brasileira, passando
o atual parágrafo único a se constituir no § 3.º, nos termos do substitutivo
proposto, com as seguintes alterações, destacadas em itálico:
"1º- As normas gerais ou comuns de Direito
Internacional Público são parte integrante do ordenamento jurídico brasileiro.
2º- As normas emanadas dos órgãos competentes das
organizações internacionais de que a República Federativa do Brasil seja parte
vigoram na ordem interna, desde que expressamente estabelecido (sic) nos respectivos
tratados constitutivos".
3º- mantém o teor do parágrafo único da atual
Constituição.
Submetida à votação, a proposta recebeu 168 votos a
favor e 144 contrários, verificando-se, ainda, 7 abstenções. Entretanto, por
não ter atingido o quórum mínimo legal favorável de 293 votos, ou seja, maioria
absoluta, a proposta foi considerada rejeitada pelo Congresso Nacional.
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4. LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS À
IMPLANTAÇÃO DO TRATADO DE ASSUNÇÃO
Diante de todo o exposto, pode-se inferir, em
consonância com a análise feita por DALLARI (1997, p. 113), em artigo
intitulado O Mercosul perante o Sistema Constitucional Brasileiro, que, em face
do Tratado de Assunção e do MERCOSUL, o sistema constitucional brasileiro
apresenta as seguintes deficiências, apontadas aqui genericamente:
a) Equipara o Tratado de Assunção, do ponto de vista
jurídico, à generalidade dos tratados internacionais, tendo seu conteúdo, em
virtude da jurisprudência, força equivalente à das leis ordinárias, podendo ser
por elas modificado.
b) Não há clareza no texto constitucional para a
definição acerca da cogência das decisões emanadas das instâncias deliberativas
dos órgãos do MERCOSUL.
Em conferência proferida em maio de 1995, no XVI
Congresso Brasileiro de Direito Constitucional, Francisco Rezek afirmou que
"o MERCOSUL não tem personalidade jurídica; não é uma organização, apenas
um tratado em plena operação; tem um sistema de tomada de decisão fundado na
reunião de autoridades dos quatro países". Na opinião de Dalmo DALLARI
(op. cit., p. 114), mesmo com a entrada em vigor do Protocolo Adicional de Ouro
Preto, que expressamente conferiu personalidade jurídica ao MERCOSUL, a
situação que embasava essas avaliações não sofreu alteração substancial.
Persiste a diretriz intergovernamental do Tratado de Assunção, de onde não
emanam, como regra geral, normas jurídicas de Direito Internacional Público,
dotadas de auto-aplicabilidade. As deliberações tomadas nas instâncias
decisivas do MERCOSUL não se constituem, a rigor, em normas jurídicas em
sentido estrito, mas em determinações políticas que condicionam os
Estados-membros à promoção de medidas jurídicas necessárias à recepção no
ordenamento jurídico interno das referidas decisões. A falta de obrigatoriedade
das normas abre espaço para aumentar o campo da discricionariedade dos governos
em cumprir as decisões do bloco apenas quando lhes forem interessantes, sob
vários aspectos, podendo tais condutas atingir o próprio espírito do processo
integracionista. O artigo 42 do Protocolo de Ouro Preto assim dispõe: "As
normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no Artigo 2 deste Protocolo
terão caráter obrigatório e deverão, quando necessário, ser incorporadas aos
ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pela
legislação de cada país" (grifo nosso). São normas obrigatórias, porém não
são autoaplicáveis. Entre os quatro integrantes do MERCOSUL, a situação de
descompasso jurídico e de superficialidade dos debates em torno do tema básico
da integração, no território brasileiro é especialmente preocupante,
considerando-se o fato de ser o Brasil o maior e mais rico país do bloco. A
inserção internacional do país, em bases sólidas e justas, é condição de
crescimento e de competitividade num mundo marcado pela globalização e pela
regionalização da economia. O fato econômico precisa ser demarcado e
configurado pelo fato jurídico, imprimindo-se-lhe critérios de segurança e
certeza. A alteração jurídica fundamental reside na mudança do texto
constitucional dos dispositivos que ainda regulam um momento social, político e
econômico anterior aos rumos que o mundo rapidamente tomou na última década. A
ordem jurídica da atualidade revela-se comunitária, baseada nos princípios da
aplicabilidade direta do direito proveniente dos órgãos comunitários nos
ordenamentos internos nacionais; na primazia do direito comunitário sobre os
direitos nacionais e na harmonização da interpretação e aplicação do direito
comunitário nos Estados integrantes do bloco comunitário (OTERMIN, in BILA N.
8. Fonte: www.mre.gov.br 28/06/98). É nesse sentido que o MERCOSUL deve ser
consolidado, caso se pretenda manter os propósitos da integração.
Sinteticamente, defendemos a alteração dos dispositivos
constitucionais relativos à soberania e independência nacional, vinculando a
expressão destes ao princípio geral estabelecido no parágrafo integracionista
(art. 4º - parágrafo único), com precedência sobre as demais regras,
reformulando e compatibilizando com a diretriz integracionista todos os demais
dispositivos que, direta ou indiretamente, apresentem alguma ligação com o
tema.
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NOTAS
1. Estipulados pela Convenção de Viena sobre Direito
dos Tratados, aberta à assinatura em 1969 e em vigor desde 27 de janeiro de
1980.
2.
V. "Cuadernos Constitucionales". Universidade de Valência.
Espanha.
3. Entretanto, convém lembrar a afirmativa de HESSE
(1991, p. 21): "Se pretende preservar a força normativa dos seus
princípios fundamentais, deve ela (a Constituição) incorporar, mediante
meticulosa ponderação, parte da estrutura contrária", ou seja, direitos
fundamentais e deveres, divisão de poderes e possibilidade de concentração de
poder, federalismo e unitarismo.
4. "Art. 177. Constituem
monopólio da União:
(...)".
"Art. 178. A lei disporá
sobre:
(...)
§ 1º. A ordenação de transporte
internacional cumprirá os acordos firmados pela União, atendido o princípio da
reciprocidade.
§ 2º. Serão brasileiros
os armadores, os proprietários, os comandantes e dois terços, pelo menos, dos
tripulantes de embarcações nacionais.
§ 3º. A navegação de cabotagem e a interior são
privativas de embarcações nacionais, salvo caso de necessidade pública, segundo
dispuser a lei."
5. Apesar de encontrarmos referências no sentido de que
a autoria do chamado parágrafo integracionista pertenceria a Franco Montoro-
PMDB/SP, em entrevista pessoal que fizemos com o ex-senador Marcondes Gadelha
PFL/PB, obtivemos a confirmação de ser de sua autoria a emenda que trata da
integração, expressa no parágrafo único do art. 4º da Constituição Federal
Brasileira.
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Retirado de: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2192&p=2. Acesso em: 17 maio 05.