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Tratados do Mercosul e executoriedade
Gabriel Schonfelder de Souza
acadêmico de Direito da
Universidade do Extremo Sul Catarinense
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1 - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Desde a celebração do Tratado de Assunção, em março de
1991, os Estados-partes do Mercosul têm envidado significativos esforços no
sentido de implementar o processo de integração com vistas à constituição de um
mercado comum, que possibilite o livre fluxo de pessoas, bens, serviços e
capitais.
Para tanto, sucedem-se protocolos que disciplinam
questões específicas, registrando-se que, no campo da cooperação judiciária, já
foram negociados e assinados os protocolos de Las Leías, de Cooperação e
Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e
Administrativa; protocolo de Buenos Aires, sobre Jurisdição Internacional em
Matéria Contratual; Protocolo sobre Medidas Cautelares e o Protocolo de
Assistência Jurídica Mútua em Assuntos Penais, este último assunto principal
deste trabalho no qual será exposto posteriormente.
E aqui surge o primeiro problema, que é a questão da
incorporação desses protocolos nos ordenamentos jurídicos internos. Tem sido
comum perceber que alguns setores seguem, equivocadamente, não compreendendo
que o acervo normativo produzido no âmbito Mercosul não tem, ainda, o condão de
produzir efeitos diretos e imediatos sobre as ordens jurídicas nacionais, à
semelhança do que ocorre na União Européia.
Não menos perceptível tem sido a confusão conceitual
que advém dos debates quando se trata de distinguir a norma de Direito
Internacional e a norma de Direito Comunitário. Aquela, como se sabe, é
produzida bilateral ou multilateralmente, no âmbito da cooperação clássica
entre Estados soberanos, enquanto esta é produzida por órgãos, ditos
supranacionais, nos quais os agentes e servidores têm representação distinta
(não representam) de seus Estados de origem, e exercem competências e
atribuições antes reservadas exclusivamente aos Estados soberanos.
Esta é, precisamente, a distinção que se deve ter
presente entre intergovernabilidade ou governabilidade compartida e
supranacionalidade, pois, naquela os Estados negociam na plenitude de sua
soberania, e recepcionam as normas internacionais segundo as suas conveniências
políticas e sob a observância de seu particular regime constitucional. No
sistema comunitário, ao revés, as normas não demandam recepção do complexo
normativo produzido pelos órgãos da comunidade e, muito menos, os Estados
membros podem invocar seus respectivos ordenamentos jurídicos internos, inclusive
no que respeita às normas constitucionais, como obstáculo à executoriedade das
chamadas normas comunitárias.
É óbvio que essas perplexidades jurídicas introduzidas
a partir dos processos de integração regional têm causado incompreensões e até,
em alguns casos, desairosas críticas, especialmente no que concerne à mitigação
do conceito clássico de soberania.
Pois bem, no contexto do processo de integração do
Mercosul a aplicação e executoriedade das normas jurídicas têm, também,
produzida estupefação em alguns segmentos.
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2 – PRINCÍPIOS PENAIS
DEMOCRÁTICOS
Após a eliminação das ditaduras em quase todos os
países latino-americanos e também em outras partes do mundo, na verdade, o que
se observa é a tendência de incluir nas respectivas constituições princípios
fundamentais de proteção a direitos individuais que, na realidade, ultrapassam
a própria ordem jurídica interna e se estendem a relações de cooperação penal.
Podemos classificá-los em dois grupos:
-Princípios de limitação material;
-Princípios de limitação formal.
O primeiro princípio elencado diz respeito aqueles
princípios de fundamentação do Estado democrático, tais como a proteção da
dignidade da pessoa humana, a observância do bem jurídico, a necessidade da pena,
a intervenção mínima, a proporcionalidade e os preceitos delimitativos
decorrentes dos direitos humanos.
O princípio da limitação forma, tange à exigência da
legalidade e seus crolários e, mais especificamente, à formação dos tipos
legais e à fundamentação dos fatores de reprovação e de punibilidade.
Como sabemos a cooperação penal implica na intromissão
de uma ordem jurídica externa em outra ordem jurídica, o qual deverá aplicar
seus próprios preceitos para tornar executáveis as medidas solicitadas, que podem,
por seu turno, afetar direitos pessoais e patrimoniais dos cidadãos. Neste
complexo, os atos de cooperação penal podem ocorrer em três níveis, dependendo
da natureza da medida, de sua duração e coercibilidade.
Um primeiro grau inclui as medidas de simples
assistência, tais como notificações, perícias, informes, tramitação de provas,
atos de instrução, traslado de pessoas para prestar declarações no país
requerente.
Num segundo grau compreende as medidas de assistência
processual penal, capazes de causa prejuízos ou gravames ao patrimônio alheio,
tais como os registros, embargos, seqüestros, interdições e atos de disposição
de bens.
Completando então temos o terceiro grau, que diz
respeito ao procedimento de extradição.
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3 - PROTOCOLO DE ASSISTÊNCIA
MÚTUA EM ASSUNTOS PENAIS PARA O MERCOSUL
O Protocolo de Assistência Mútua, foi assinado na
República da Argentina em Buenos Aires, no mês de junho do ano de 1996, com o
objetivo de intensificar a cooperação jurídica em matéria penal, para que os
objetivos do Tratado de Assunção sejam devidamente alcançados.
Doravante, serão apresentados os pontos primordiais
deste importante documento para o Direito Internacional da América do Sul.
3.1 – Do Alcance da Assistência
Este diploma legal diz respeito à ajuda mútua entre os
Estados concordantes deste documento. Sendo eles a Argentina, Brasil, Paraguai
e Uruguai.
Conforme dito anteriormente este protocolo rege aos
princípios existentes e compreende na assistência dos seguintes casos:
notificação de atos processuais, recepção e produção de provas (documentais ou
testemunhais), localização ou identificação de pessoas, notificação de
testemunhas ou peritos para o comparecimento voluntário a fim de prestar
testemunho no Estado requerente, traslado de pessoas sujeitas a um processo
penal para comparecimento como testemunhas no Estado requerente ou com
propósitos expressamente indicados na solicitação, conforme o citado Protocolo,
medidas acautelatórias sobre bens como também informações sobre os mesmos,
entrega de documentos e outros elementos de provas, apreensão, transferência de
bens confiscados de sentenças judiciais e qualquer outra forma de assistência
regida pelo Protocolo objeto do presente estudo.(1)
3.2 – Das Autoridades Centrais e Autoridades
Competentes
Os Estados membros terão que designar autoridades
centrais para exercer a função de transmissão de pedidos de assistência mútua,
sendo que as mesmas se comunicarão remetendo todos os pedidos às autoridades
competentes.
Esta autoridade poderá ser substituída a qualquer
momento, dependendo da vontade do Estado, sendo que o mesmo terá que comunicar
aos demais Estados sobre a substituição.
A transmissão dos pedidos feita pelas autoridades
centrais, como dito anteriormente, será repassadas às autoridades designadas
como competentes. O Ministério Público e autoridades judiciais dos Estados
terão esta designação e serão incumbidas de esclarecimentos dos fatos
pertinentes ao pedido.
3.3 – Denegação de Assistência
Existem casos em que o Estado requerido poderá se negar
a dar assistência requerida, sendo eles elencados no artigo 5º e suas alíneas e
expresso desta forma: a solicitação se refira a delito tipificado como tal na
sua legislação militar, mas não na legislação penal ordinária; no caso de que o
Estado em sua legislação entenda como político ou de finalidade política, como
também a delito tributário; quando a pessoa em relação se solicita a medida
haja sido absolvida ou haja cumprido condenação no Estado requerido pelo mesmo
delito mencionado na solicitação; como também no caso de risco à segurança,
ordem pública e a outros interesses essenciais do Estado requerido.
Tudo que diz
respeito à denegação de assistência, que foi expresso anteriormente, tem que
ser fundamentada através da Autoridade Central, expressando as razões do
respectivo ato, tendo como ressalva no caso de entregar cópias de documentos
oficiais, registros ou informações não acessíveis ao público.
3.4 – Forma e Cumprimento da Solicitação
Como todo documento oficial tem que ser expresso por
escrito, no caso da assistência não poderia ser diferente, podendo ser feita
também através dos diversos meios eletrônicos existentes, mas, para fim de
confirmação deverá ser entregue no prazo de 10 dias os documentos originais.
Sendo este documento com efeitos jurídicos, tem o mesmo
que conter algumas indicações. Como não poderia deixar de conter, a autoridade
no qual se direcionará o pedido de assistência, assunto e natureza do
procedimento judicial, como também os delitos; as medidas requeridas também têm
que ser expressas; os motivos que originaram o pedido; as normas penais
aplicáveis e principalmente a identidade da pessoa no qual tem o objeto do
procedimento.
Para que o procedimento seja concretizado da melhor
maneira possível pode também constar os seguintes dados: uma melhor
identificação das testemunhas que se deseja obter, como também das pessoas a
serem notificadas e sua relação com os procedimentos; identidade e paradeiro
das pessoas a serem localizadas, como o interrogatório a ser feito, descrição
exata do local a ser inspecionando; informações sobre o pagamento dos custos(2)
que serão necessários para o cumprimento.
Importante salientar que a solicitação deverá ser
redigida no idioma do Estado requerente acompanhado de uma tradução no idioma
do Estado requerido.
As solicitações serão regidas segundo a lei do Estado
requerido, e no caso de incompatibilidade com sua lei interna com os
procedimentos descritos no pedido, o Estado requerido não cumprirá a
assistência.
Pode o Estado requerente pedir a tramitação
confidencial de todo o procedimento, mas, o Estado requerido pode negar o
caráter confidencial, sendo assim o Estado requerente após informação do
requerido se insistirá na solicitação.
3.5 – Prazos ou condições para o cumprimento
A autoridade competente poderá adiar o cumprimento da
assistência, ou sujeita-la a condições quando houver interferência em
procedimento penal em curso em seu território. Essas condições farão através de
sua Autoridade Central para o Estado requerente, se o mesmo aceitar a
assistência mediante condições o mesmo a cumprirá integralmente sem problemas.
3.6 – Informações sobre o Cumprimento
Não existe um prazo expresso para a prestação de
informações sobre o andamento do cumprimento da solicitação, tem-se neste caso
o uso do bom senso de que do menor prazo possível possa conceder os devidos
resultados, utilizando o idioma do Estado informante.
Sempre que não poder cumprir alguma parte ou em sua
totalidade o pedido, o Estado requerido deverá expor os motivos do não
cumprimento.
Todas as informações adquiridas só poderão ser
aplicadas em relação ao procedimento indicado na solicitação.
3.7 – Testemunho no Estado Requerido e no Estado
Requerente
No que diz respeito a este fato rege-se o direito do
Estado Requerido, e apresentação será realizada à autoridade competente.
Informando a data, lugar em que será extraída a declaração da testemunha.
Poderá existir comunicação entre as autoridades
competentes dos dois Estados, através das autoridades Centrais, podendo ser
acompanhados por autoridades competentes do Estado no qual requereu.
No caso de pessoa que tem caráter de imunidade,
privilégio ou capacidade, deverá ser analisado pelas autoridades competentes
sobre este fato a fim de decidir sobre o testemunho ou não.
Já se for a testemunha comparece no Estado requerente,
todas informações serão prestadas perante as autoridades competentes daquele
Estado, sendo que todos os gastos deverão ser pagos pelo Estado requisitor.
Será informado o teor das declarações ao Estado de origem da testemunha.
3.8 – Traslado de Pessoas Sujeitas a Procedimento Penal
No que tange a esse assunto, temos que nos ater à
constituição de cada nação pertencente ao referido protocolo, pois pode ocorrer
que a Carta Magna proíba tal procedimento de envio de pessoa nacional, para
Estado estrangeiro para qualquer procedimento. Caso seja proibido pela
constituição, o Estado decidirá a conveniência de cumprir o solicitado.
Não havendo empecilhos para que a pessoa sujeita ao
procedimento penal se dirija ao Estado requerente o mesmo terá que mantê-la sob
sua custódia, salvo disposição em contrário do Estado requerido, se
comprometerá o requerente de enviar a pessoa tão logo seja realizado todos os
procedimentos, não podendo o prazo de permanência exceder 90 dias não sendo
necessário um procedimento de extradição.
3.8 – Do Salvo Conduto
Toda pessoa que comparecer ao Estado requerente, terá o
salvo conduto garantido, não podendo ser detido ou julgado por delitos
anteriores a sua saída do território do Estado requerente e convoca-lo a dar informações
que não dizem respeito ao especificado na solicitação.
A validade desse salvo conduto será a partir do 10º que
a pessoa estiver no Estado requerente por manifestação sua, ou seja pelo
prolongamento por vontade da própria pessoa.
3.9 – Medidas
Acautelatórias
Estas medidas serão processadas sob a regência da lei
processual do Estado requerido. Serão requeridas quando um Estado tiver
informações suficientes que justifiquem tal medida.
Tendo conhecimento da existência dos instrumentos,
objeto ou frutos do delito, no território do outro Estado parte, que possam ser
objetos de medidas acautelatórias, informará à autoridade do outro Estado sobre
o fato, que remeterá para as autoridades competentes para adoção das medidas
cabíveis.
3.10 – Dos Bens
O Estado disporá dos bens e frutos de acordo com sua
lei interna. Podendo transferir a outros os bens confiscados como também o
produto de sua venda.
3.11 – Autenticação de Documentos e Certidões
Todos os documentos que advindos das autoridades
competentes não necessitam de qualquer formalidade.
3.12 – Das Controvérsias
Serão decididas as controvérsias existentes relativas
ao protocolo de cooperação penal através de soluções diplomáticas diretas, não
tendo acerto deverá ser aplicado os procedimentos previstos, no Sistema de
solução de controvérsia vigente no Tratado de Assunção.
Finalizando no que concerne ao Protocolo de Assistência
jurídica mútua em Assuntos Penais para o Mercosul temos:
- O presente protocolo que é parte integrante do
Tratado de Assunção, entrou em vigor após 30 dias o depósito do instrumento de
ratificação.
- Qualquer Estado que aderir ao Tratado de Assunção
terá automaticamente aderido ao protocolo de colaboração em assuntos penais.
- O presente Protocolo e os Instrumentos de Ratificação
estão depositado com a República do Paraguai, que enviará cópias aos Estados
Membros.
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Notas
1. Art. 2º do Protocolo de Assistência Mútua em
Assuntos Penais para o Mercosul
2. Os custos
serão divididos da seguinte forma: ao Estado requerido arcará com as despesas
de processamento da solicitação; e ao Estado requerente ao pagamento dos
honorários relativos às perícias, traduções e transcrições, despesas
extraordinárias e custos de viagem descritas nos arts. 18 e 19.
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Bibliografia Utilizada
POULANTZAS, Nicole. Poder Político e Classes Sociais.
São Paulo: Martins Fontes, 1997.
PRADO, Luiz Regis. Bem
Jurídico-penal e Constituição. São Paulo: RT, 1996.
Retirado de: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1632. Acesso em: 17 maio 05.