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A
ONU, o Conselho de Segurança e o Brasil:
convergências, assimetrias e dilemas
Thales Castro*
I. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
Tendo originalmente 51 Estados-fundadores que estiveram presentes na
Conferência de São Francisco de 25 de abril a 25 de junho de 1945 e com o total
hoje de 191 Estados-membros, sendo a Suíça e o Timor Leste os últimos a
ingressarem em 2002, a Organização das Nações Unidas (ONU) atrai críticas
ácidas, hesitantes elogios e dúvidas concretas sobre sua real capacidade de
efetivar os princípios e propósitos de sua Carta. Com sede em Nova Iorque, é o
centro de um amplo conjunto de Organismos Internacionais e agências
especializadas em todos os continentes que, juntos, compõem o Sistema da ONU. É
um organismo internacional de segunda geração já que a Liga das Nações (SDN)
seria um organismo internacional de cunho político global de segunda geração.
Além disso, é um organismo internacional estato-cêntrico, isto é, admite
somente Estados soberanos em seus quadros e, como tal, tem uma estrutura
orgânica e decisória voltada para a esfera público-estatal (Artigo 3 e 4 da Carta
e Artigo 34 do ECIJ). (1) Seu principal documento jurídico é a Carta da ONU,
com 111 artigos, e o Estatuto da Corte Internacional de Justiça, com 70 artigos
– texto ipso jure à Carta – que ambos delineiam suas funções, propósitos,
missão e composição de seus órgãos internos bem como disciplinam o
relacionamento os Estados-membros, organismos internacionais e agências
especializadas atrelados ao Sistema da ONU e o próprio Secretariado.
A ONU teve seus princípios, propósitos e sua estrutura política
formulada ainda durante a vigência da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) pelos
Aliados em uma séria de encontros de Cúpula, conferências internacionais e
articulação direta entre EUA, URSS e Reino Unido, a partir da assinatura do
marco da Carta do Atlântico de 1941. Ao longo de seus sessenta anos, a ONU vem
cativando o imaginário político coletivo de forma imponente pelo seu histórico
de acertos, erros, letargia e inanição decisória, especialmente durante a
Guerra Fria (1945-1991).
O principal objetivo da ONU, criada ainda em meio aos escombros humanos
e materiais da Segunda Guerra Mundial é, dessa forma, evitar nova guerra em
escala mundial que "por duas vezes, no espaço de nossas vidas, trouxe
sofrimento indizíveis à humanidade", como consta no Preâmbulo da Carta da
ONU. Os sofrimentos eram pelos totalistarismos nazi-fascistas durante o
"tempo partido de homens partidos", como aludira magistralmente
Carlos Drummond de Andrade em seu poema "Nosso Tempo" de 1945. Nesse
sentido, a ONU tem cumprido, mesmo que deficitariamente, com seus objetivos
primordiais. Certamente, a ONU com seu papel nas Relações Internacionais
pós-bipolaridade e pós-11 de setembro de uma pesada carga de doutrinarismo
anti-terror não deve se limitar, exclusivamente, a evitar ocorrência de novos
flagelos bélicos em escala mundial como os que ocorreram em 1914-1918 e entre
1939-1945. (2) Ela deve ter um papel bem maior e mais incisivo no planos
sócio-econômico, cultural, comercial e humanístico.
Sendo mais específico, ao analisar a ONU e entender suas deficiências e
acertos no plano internacional é necessário ter uma visão maximalista e
interdependente. Em outras palavras, o reducionismo e o minimalismo apenas
mostram parcela sem foco correto da ONU, suas origens, propósitos e papel. A
hipótese de Ryan, em uma perspectiva maximalista, de que a ONU tem origem
histórica bem antes da Segunda Guerra Mundial e sofreu forte influência do
Congresso de Viena de 1815, das Conferências de Haia de 1899 e 1907 e da fracassada
Liga das Nações mostra que seu sistema criado não era de todo uma inovação, um
breakthrough nas Relações Internacionais e no comportamento dos vencedores.
Para melhor ilustrar sobre o funcionamento da ONU e a relação com seus
órgãos internos, o organograma (Figura 1) abaixo foi estruturado.
Figura 1 – Estrutura orgânico-funcional da ONU com a base jurídica da
Carta
Convém tecer alguns breves comentários sobre a posição destacada da AGNU
acima (Figura 1). Foi seguida rigorosamente a recomendação da ONU de destaque
da AGNU, no entanto, discorda-se desta postura. (3) Na verdade, defende-se aqui
que a centralidade decisória da ONU está no CSNU que decide sobre a grande
maioria das matérias substanciais e de procedimento do Sistema da ONU, exceto
questões orçamentárias que é, inteiramente, decidida na AGNU em seu Quinto
Comitê. Observe, por exemplo, que a eleição do Secretário-Geral da ONU e dos
Ministros que comporão a CIJ e todos os tribunais ad hoc é decidida no CSNU e a
AGNU apenas homologa uma decisão já tomada. Os Apêndices mostram, repetidas
vezes, o papel central que o CSNU exerce na ONU com a votação, em primeira mão,
dessas resoluções. Além disso, as resoluções do CSNU, como reza o Artigo 25
gozam, exclusivamente, de força imputativa e coercitiva geral de cunho erga
omnes.
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II. O CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS
(CSNU) E SEU PAPEL
Como salientado anteriormente, discorda-se que o centro decisório da ONU
seja a Assembléia Geral das Nações Unidas (AGNU). Defende-se aqui que a
centralidade decisória do Sistema da ONU está no Conselho de Segurança das
Nações Unidas, pois é este o epicentro dos rumos da ONU e representa o ente de
manutenção, por meio do instituto do veto aos países permanentes, da ordem
mundial de 1945. Esta é uma primeira observação de cunho teórico-metodológico
para que se possa avaliar, criteriosamente, o papel, os dilemas e desafios do
CSNU na atual conjuntura internacional, tendo como marco de análise a formação
e a execução da política externa brasileira.
Ao contrário do que é difundido amplamente, o Conselho de Segurança das
Nações Unidas (CSNU), composto por 15 países-membros desde a reforma de 1965,
não opera, no contexto pós-bipolar ou "unimultipolar", pela lógica da
transparência democrática e da simetria decisória com votações competitivas
sobre a paz e a segurança internacionais como consta nos Capítulos V, VI e VII
da Carta da ONU. (4)
Durante a rigidez e esterilidade decisória da Guerra Fria, o CSNU sequer
chegou a exercer, efetivamente, seu mandato de política estratégica de
segurança coletiva pela falta de consenso, exceto em alguns breves momentos
como, por exemplo, na Guerra da Coréia (1950-1953). (5) Com a ausência da URSS
em várias reuniões em junho de 1950, os EUA conseguiram passar uma série de resoluções
condenatórias, autorizando, portanto, a intervenção liderada pelos EUA na
Coréia. (6) O consenso desde então vem constituindo engrenagem decisória do
CSNU.
Na pós-bipolaridade que vai da queda do Muro de Berlim (1989), passando
pela reunificação da Alemanha, pela cooperação EUA-URSS no CSNU contra a
invasão do Kuwaite e até a implosão da URSS, parece que a atenção se volta para
o CSNU como órgão político capaz de agir, imparcialmente, em nome da segurança
coletiva. Seria um ponto de inflexão? Seria uma iniciativa de democracia
decisória em nome da paz mundial? De fato, não, necessariamente.
Para se ter uma interpretação literal da Carta da ONU, pode-se, como
conseqüência, interpretar o CSNU como um órgão de manutenção da paz e da
segurança internacionais quando, efetivamente, não o é de todo. Convém
transcrever in verbis o teor do Artigo 1 da Carta da ONU:
Os propósitos das Nações Unidas são: 1. Manter a paz e a segurança
internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para
evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura
da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da
justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou
situações que possam levar a uma perturbação da paz; 2. Desenvolver relações
amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de
direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao
fortalecimento da paz universal; 3. Conseguir uma cooperação internacional para
resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou
humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às
liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou
religião; e 4. Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a
consecução desses objetivos comuns.
Assim, pode-se afirmar que o CSNU foi criado não com propósitos
concretos de manutenção da "paz e da segurança internacionais", como
consta na Carta da ONU, mas sim de preservação de um determinado status quo.
Além disso, o próprio conceito de "paz" é heterodoxo e dependente de
uma série de fatores políticos atrelados, incluindo interesses hegemônicos à
luz da ordem mundial. A definição precisa de "segurança" é
discrepante e atrelada a eixos centrais da ordem mundial posta pelas potências
vencedoras da Segunda Guerra Mundial por meio de um jogo de poder de
delimitação de esferas de influência. Conseqüentemente, a ONU e o CSNU já
nasceram amputados e continuam incapazes de realizar o mandato contido na Carta
em seu Artigo 1 pela da ordem mundial.
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III. ERROS DE LEITURA SOBRE O CSNU
Há erros de análise sobre o papel, o processo decisório e os parâmetros
políticos de atuação do CSNU. Grande parte de tais erros decorre da tendência
de associar, automaticamente, o CSNU ao paradigma do institucionalismo
liberal-internacionalista (ILI) que criou a ONU em 1945 e demais organismos
internacionais no pós-guerra. (7) O CSNU é a exceção ao ILI por conta do
conversadorismo na preservação do poder e do interesse dos vencedores que
instituíram a ordem mundial de 1945 (P-5).
Assim, o CSNU não é, necessariamente, um órgão mantenedor da paz e da
segurança internacionais como determina a Carta da ONU. Essa é uma
interpretação minimalista e literal. Defendo que é um órgão de preservação do
status quo da ordem mundial tendo como eixo a liderança hegemônica dos EUA que,
ao exercê-la, utilizam os consensos como mecanismo decisório para o CSNU. Mesmo
que haja algum dissenso no processo decisório, este não afeta o jogo do poder
internacional já que o dissenso é manifestado pela abstenção e não pelo voto
contrário ou veto. Em raros casos, como fora com relação à Guerra no Iraque
(2003-2005), houve manifestações da França (detentora do veto) e Alemanha,
membro rotativo, de contrariedade a uma nova resolução sobre a matéria, que, de
toda forma, não afetaram o intervencionismo anglo-americano no Iraque.
Conseqüentemente, o CSNU deve ser interpretado por meio de um realismo
multilateralista que se fundamenta na fabricação de decisões consensuais à luz
do hegemonismo unicêntrico dos EUA. Representa o locus das relações de poder
entre os P-5, os E-10 e demais países da ONU. O CSNU está, dessa forma,
capilarizado pelo jogo do poder internacional, evidenciando a dicotomia
polaridade x lateralidade. Autorização de operações de paz, reforma de sua
composição e extensão do mandato das operações vigentes seguem,
conseqüentemente, a lógica do realismo multilateralista, da consensualização
coercitiva e não da legitimidade da segurança coletiva pós-bipolaridade.
São falaciosos os argumentos baseados estritamente em senso comum de que
a histórica reunião de Chefes de Estado no CSNU de janeiro de 1992
representaria um marco de resgate nos princípios da paz e da segurança coletiva
da Carta da ONU. Da mesma forma, é enganosa a idéia de que a reforma da
composição do CSNU que começa a ser cogitada, atualmente, representa anseio
novo em prol da democracia e da igualdade de seu processo decisório e seu
comportamento político. (8)
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IV. UMA ANÁLISE DO CSNU PELA TRISSECCIONALIDADE
Visualizar o papel, as funções e os dilemas do CSNU por uma única ótica
é estabelecer parâmetros equivocados de análise sobre este que, ao nosso ver,
constitui o mais importante órgão interno político-decisório não somente da
ONU, mas de todo o Sistema da ONU ampliado, dando reforço ao item anterior
"Erros de leitura sobre o CSNU".
O CSNU deve ser examinado por meio de uma tripla, indissociável e
simultânea esfera: a política, a diplomática e a jurídica. Essas três
referências são complementares para a compreensão crítica do CSNU,
particularmente seu papel mantenedor da ordem mundial de 1945 e,
secundariamente, da segurança coletiva pós-bipolaridade. Trisseccionlidade
refere-se, portanto, as essas três esferas discursivas e normativas do
comportamento do CSNU no atual contexto internacional. Justifica-se tal visão
pelo fato de o CSNU ser ocupado por diplomatas que, por meio de processo de
negociação política de alto nível, formula diretrizes jurídicas de cunho
vinculante para todos os 191 Estados-Membros.
É uma das únicas instâncias em que um órgão da ONU produza legislação de
aplicabilidade imediata, automática e definitiva para todos os 191
Estados-Membros da ONU. Aplicabilidade imediata, vinculante e automática
referida aqui diz respeito à dispensa de necessidade de serem as resoluções do
CSNU ratificadas pelos parlamentos nacionais dos Estados-Membros. Transcrevemos
abaixo a íntegra do Artigo 25 da Carta da ONU que serve com tal justificativa:
"Os membros das Nações unidas concordam em aceitar e executar as decisões
do Conselho de Segurança, de acordo com a presente Carta".
O Brasil costuma avaliar e prognosticar o comportamento do CSNU apenas
por uma ou, no máximo duas destas esferas, sendo a diplomática a de maio
relevância. (9) O fato é que analisar o CSNU pela esfera discursiva e normativa
essencialmente diplomática é incorrer em erros de leitura sobre seu papel,
função, propósitos e perspectivas futuras. Muitas vezes, o CSNU age com o peso
político-hegemônico dos EUA – como no caso recente do Iraque em seus interesses
high politics se sobrepuseram no CSNU – em detrimento do teor legalista ou de seu
discurso diplomático. No plano da racionalidade instrumental, defendo, dessa
forma, que o CSNU seja visualizado pela trissecionalidade de forma integrada e
interdependente nas esferas política, jurídica e diplomática.
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IV. BRASIL, O CSNU E AS ILUSÕES DA REFORMA
Muito se tem comentado na imprensa escrita e televisiva sobre a reforma
do Conselho de Segurança (CSNU) e a candidatura do Brasil à membro permanente,
cujas atribuições, processo decisório e propósitos estão previstos nos
Capítulos V, VI e VII da Carta da ONU. Observa-se que muitas destas análises
são superficiais e apenas focalizam o viés idealista e principista da reforma
sob o lema repetido à exaustão de que a ampliação do Conselho de Segurança
traria maior legitimidade e democratização às suas decisões. Não é meu objetivo
aqui dissertar, detalhadamente, sobre tais equívocos, mas apenas fornecer
reflexões sobre o tema, tendo como eixos as falsas teses histórica, diplomática
e político-jurídica que norteiam o comportamento diplomático brasileiro sobre a
matéria.
Primeiro, historicamente, a primeira e única reforma ocorrida até a
agora no Conselho foi em 1965 quando 2/3 dos países, incluindo os permanentes
(EUA, URSS, França, Reino Unido e China), ratificaram a emenda que aumentava de
11 para 15 os países rotativos. Em 1965, a ONU tinha 117 dos 191
Estados-membros de hoje. Foram necessários no mínimo então 77 países ratificar
a emenda ao Artigo 23 e 27, sem contudo, alterar a composição ou o poder de
veto dos cinco permanentes (P-5). Hoje seriam necessários 126 países e mais
todos os permanentes para aprovar uma reforma no CSNU (Art. 108 da Carta).
Segundo, a diplomacia e a política externa brasileiras estão calcadas na
herança jurídico-principista pacifista do Barão do Rio Branco, chanceler brasileiro
entre 1902-1912. Este é um sólido legado patrimonial do Brasil no cenário
internacional. Essa herança riobranquina pouco se harmoniza com o realismo
belicista dos P-5, especialmente dos EUA que permanecem como única
superpotência mundial. O Brasil ao fornecer 1.200 homens ao Haiti (MINUSTAH)
apenas está cumprindo o desígnio expresso do Artigo 43. Não vejo a causa
humanitária na missão no Haiti e sim uma frágil manobra diplomática de apoio à
candidatura brasileira à membro permanente do CSNU. As falsas promessas de que
um envio de 1.200 homens ao Haiti para compor um total de uma força de pouco
mais de 6.000 homens já conhecidas do Itamaraty e do próprio Planalto, e
geralmente estas não resultam em resultados práticos. Durante o segundo mandato
de FHC, as pressões de Washington da Secretária de Estado Albright eram para
que o Brasil (1) assinasse e ratificasse rapidamente tanto o TNP (Tratado de
Não-Proliferação de Armas Nucleares) de 1968, quanto o Tratado de Proibição
Completa de Teses Nucleares de 1996 e (2) convertesse seus descentralizados
Ministérios militares (Exército, Marinha e Aeronáutica) em um único Ministério
da Defesa sob direção de um civil. (10) O Brasil acatou plena e totalmente as
duas recomendações, ratificando o TNP pelo Decreto 2.864 em 17/12/1998 e o
Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares pelo Decreto Legislativo 64
de 24/07/1998 de 24/07/1998 (11) bem como criando o Ministério da Defesa em
1999 (12) e a tão sonhada vaga como permanente no CSNU não veio e dificilmente virá
a curto e médio prazos. É claro que são valorizadas positivamente tais medidas,
mas que, se fossem tomadas única e exclusiavemente com a ambição da vaga
permanente no CSNU as mesmas resultam em frustrações e assimetrias pela não
concretização do pleito ainda.
Ainda na perspectiva na análise do plano político-diplomático: um
elemento de enfraquecimento da candidatura é que o Brasil passou mais de duas
décadas sem contribuir, em termos militares, para missões de paz e, somente na
década de noventa, voltou participar nas operações da paz da ONU e a defender
reforma do CSNU durante a primeira gestão de Celso Amorim no Itamaraty. Ou
seja, há mensagens contraditórias além de uma interpretação superficial sobre o
processo decisório do Conselho de Segurança e os objetivos primordiais da ONU
criada pela Conferência de São Francisco em junho de 1945. O Japão e a
Alemanha, por exemplo, há uma década vêm sendo o segundo e o terceiro maiores
contribuidores para o orçamento regular da ONU e preservam uma plataforma
político-diplomática à vaga permanente do CSNU bem mais coesa e alinhada com os
EUA.
Terceiro ponto: o recente relatório contendo 101 propostas de reforma da
ONU e do CSNU intitulado "A more secure world: our shared
responsibility" divulgado no início de dezembro de 2004 (13) é prova dos
equívocos concernentes à reforma e da incompatibilidade do idealismo e do
principismo brasileiro com a natureza do poder, da força e dos interesses do
CSNU. Política e juridicamente considerada, a alteração dos membros permanentes
está longe de se concretizar. De fato, essa alteração na composição do CSNU
pode ser considerada um engodo, particularmente quando há a tendência de
fortalecimento do realismo conservador e intervencionista da tríade Rice-Rumsfeld-Cheney
em Washington.
Em síntese conclusiva, pode-se discordar que uma mera reforma de
composição venha a democratizar e legitimar o órgão que tem a principal função
de manter o statu quo da ordem mundial. Além disso, creio que o Brasil não está
avaliando, criteriosamente, os custos políticos, militares e sociais de, um
dia, ser membro permanente. Poucos meses de missão no Haiti e já há,
visivelmente, desgaste nas tropas brasileiras. Há, portanto, um longo caminho a
ser percorrido, passando, inclusive, pela necessidade de maior debate público
sobre a questão do Brasil e expansão do CSNU, seus custos tangíveis e
intangíveis e seus benefícios concretos a médio e longo prazos.
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NOTAS
1 O estato-centrismo está patente em abas as passagens, tanto nos Artigo
3 e 4 da Carta da ONU como no Artigo 34 do Estatuto da Corte Internacional de
Justiça (ECIJ) in verbis "Só os Estados poderão ser partes em questões
perante a Corte." Cf. A CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS E O ESTATUTO DA CORTE
INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Rio de Janeiro, Centro de Informações das Nações
Unidas, 2001.
2 Cf. SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. 2a.
ed. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2002. p. 116-118.
3 Cf. CASTRO, Thales. O Brasil e a ONU. Jornal do Comércio. Recife, 11 de janeiro de 2005.
4 A expressão "unimultipolaridade" de refere-se ao sistema
híbrido em que a potência hegemônica articula com potências regionais menores
no exercício de sua liderança coercitiva atualmente. Cf. HUNTINGTON,
Samuel. A superpotência
solitária. Política Externa. São Paulo, Paz e Terra, março de 2000. p. 18-19.
5 Ryan é um importante intérprete político da ONU, sobretudo de sua
história e desenvolvimento no período da Guerra Fria. De acordo com Ryan, houve
outros breves momentos na bipolaridade de funcionamento efetivo e eficaz do
CSNU, como em Suez (1956) e contra o regime do Apartheid da África do Sul. Cf.
RYAN, Stephen. The United Nations and International Politics. Nova Iorque, St Martin´s Press, 2000. p. 26.
6 As resoluções aprovadas no CSNU em junho de 1950 sobre "os atos
de agressão da Coréia" são as seguintes em ordem cronológica: S/RES 82 de
25 de junho de 1950; S/RES 83 de 27 de junho de 1950; S/RES 84 de 7 de julho de
1950 e S/RES 85 de 31 de julho de 1950. Em todas as sessões de votação a URSS
esteve ausente como forma de protesto e facilitou a aprovação das mesmas. Nas
duas últimas resoluções, Egito, Índia e Iugoslávia se abstiveram sem alterar,
substancialmente, o curso de aprovação das mesmas. Cf. UNITED NATIONS
SECURITY COUNCIL. Disponível
em http://www.un.org/sc. Acesso em setembro de 2004.
7 MALONE, David. The UM Security Council: from the Cold War to
the 21st Century. Boulder, Rienner Publishers, 2004. p. 45-47.
8 O Plano Razali de 1997 já propunha
uma reforma do CSNU para aumentá-lo para 24 países com 5 novos membros
permanentes (um para África, um para a América Latina, um para a Ásia e dois
países industrializados) e 4 não-permanentes. Esses dois industrializados
seriam o Japão e a Alemanha, segundo e terceiro maiores contribuintes do
orçamento regular da ONU. Cf. REPORT OF THE WORKING GROUP ON SECURITY
COUNCIL REFORM. Disponível em
http://www.un.org/reform/focus.htm. Acesso em setembro de 2004.
9 A demonstração clara dessa unicidade interpretativa está no texto do
Chanceler Celso Amorim, especialmente quando enumera as credenciais brasileiras
à vaga permanente do CSNU, salientando, assim, um viés exclusivamente
diplomático da trisseccionalidade. Cf. AMORIM, Celso. O Brasil e o Conselho de
Segurança da ONU. Política Externa. São Paulo, Paz e Terra, Março de 1995.
10 Merece atenção a tese do Professor Jorge Zaverucha da UFPE quando
afirma que há uma democracia tutalada (ou semi-democracia) nos Brasil
pós-constitucionalização de 1988, expressa em seus livros e artigos. Cf.
ZAVERUCHA, Jorge. Frágil Democracia: Collor, Itamar, FHC e os Militares
(1990-1998). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000. p. 51-52
11 Cf. MAZZUOLI, Valério. Coletânea de Direito Internacional. 2 ed. São
Paulo, Revista dos Tribunais, 2004. p. 97 e p. 154.
12 O texto oficial do Ministério da Defesa salienta: "Em 10 de
junho de 1999, o Ministério da Defesa foi oficialmente criado, o Estado-Maior
das Forças Armadas extinto e os ministérios da Marinha, Exército e Aeronáutica
transformados em Comandos. A instituição do Ministério da Defesa tem a
finalidade de pôr em prática a otimização do sistema de Defesa Nacional, a
formalização de uma política de defesa sustentável e a integração das três
forças, racionalizando as suas atividades." MINISTÈRIO DA DEFESA.
Disponível em http://www.defesa.gov.br. Acesso em 10 de jan 2005.
13 A íntegra do texto contendo as 101 recomendações sobre reforma da
ONU, incluindo seu CSNU, está disponível online. Disponível em
http://www.un.org/secureworld. Acesso em 12 de dez de 2004.
* sócio-diretor da Globalplan
Consultoria Internacional, professor da Universidade Católica de Pernambuco e
da Faculdade Integrada do Recife, bacharel em Relações Internacionais e em
Economia e mestre em Relações Internacionais pela Indiana University of
Pennsylvania (EUA), doutorando em Ciência Política pela UFPE
Retirado de:http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6538