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Pirataria e biopirataria: ilegalidade versus imoralidade

 

George Felipe de Lima Dantas

 

O século XXI é uma espécie de palco de espetáculos onde se exibem as "estrelas" da chamada "sociedade baseada no conhecimento". O elenco de "superstars" inclui sementes modificadas geneticamente que produzem plantas imunes aos mais variados tipos de patologias; clones dos animais mais puros de diferentes espécies; programas de computação capazes de rastrear criminosos e terroristas na Internet e até mesmo drogas miraculosas a ponto de reverter a mitológica impotência sexual do homem moderno.

Enquanto isso, no mesmo século XXI, surgem coisas não menos espetaculares vindas dos chamados países "em desenvolvimento", caso do Brasil. Elas são bem diferentes das novidades que nos chegam dos países desenvolvidos, já que são "velhas novidades. Alguns exemplo, são antigas espécies vegetais e animais, já quase imperceptíveis ao olhar acostumado dos brasileiros, mas que podem surpreender um "mundo desenvolvido" que esgotou seu potencial de descobertas advindas da biodiversidade.

Entre os muitos "artistas" desse "show de variedades" de novidades velhas estão, dentre outros, o cupuaçu, o açai e até mesmo jararacas e sapos. Tais quais os prodígios da manipulação genética e da tecnologia da informação, os "superstars" brasileiros também são extremamente cobiçados. É a cobiça de uma gastronomia internacional interessada em novas texturas, cheiros e sabores, ou, no caso dos ofídios e batráquios tupiniquins, é a curiosidade multimilionária de uma mega-indústria farmacêutica de "primeiro mundo", sempre interessada em explorar novos modelos de ação de substâncias naturais com efeitos terapêuticos ou simplesmente cosméticos.

Ambos os tipos de novos produtos, tanto os de cá quanto os de lá, são alvo de processos eticamente questionáveis visando assegurar sua propriedade e/ou usufruto. Os de primeiro mundo são copiados e vendidos, sem a devida permissão, o que constitui, no jargão atual, a chamada "pirataria". Já os produtos naturais oriundos de países como o Brasil são patenteados internacionalmente como se não fossem tradicionalmente conhecidos e utilizados, numa suposta "descoberta" de "espertos" de países que já esgotaram sua própria biodiversidade.

Assim, os prodígios da "sociedade baseada no conhecimento" sofrem seus percalços nos países "em desenvolvimento", o Brasil inclusive. A exemplo, existe uma enorme demanda mundial por software falsificado. Além da oferta legal do mercado tradicional, eles chegam aos consumidores, ilegalmente e a baixo custo, através de "comércios pirata" como é possível detectar em vários "sites" da Internet.

A contrapartida do "comércio pirata", a "biopirataria", pode ser verificada em verdadeiros escândalos de "suposta esperteza", caso da patente do nome "cupuaçu". O nome da fruta foi registrado internacionalmente por uma empresa japonêsa que sequer tem a fruta em seu país de origem. A patente está depositada no Japão, União Europeia e Estados Unidos da América, sendo propriedade da "Asahi Foods".

Ao contrário do que acontece com o "comércio pirata", a "Asahi Foods", em verdade, não praticou crime algum, já que apenas fez valer o que é legal sob a ótica de um direito comercial internacional feito "sob medida" para o "Primeiro Mundo". Mais que registrar o nome, a empresa nipônica também pesquisou com bastante êxito a possibilidade de aproveitamento das sementes do cupuaçu. A espécie é "prima" do cacau, razão pela qual os japoneses puderam inventar o "cupulate", novo tipo de chocolate produzido a partir das sementes secas do cupuaçu.

Curiosamente, o Brasil é hoje considerado o maior "mercado pirata" das Américas. O ritmo da reprodução ilegal, no Brasil, de produtos estrangeiros cuja propriedade intelectual é assegurada internacionalmente, não é reprimido como os proprietários gostariam que fosse. Paradoxalmente, as normas brasileiras de proteção à propriedade intelectual formam um sofisticado conjunto de diplomas legais, a começar da Carta Magna (artigo 5º), sem esquecer o fato de que o país é signatário de avançados mecanismos de comércio internacional, assim como possui moderna legislação específica contra a falsificação.

É de questionar, entretanto, o balanço entre o que supostamente "ganhamos" com a pirataria e o que certamente "perdemos" com a biopirataria. Talvez tenhamos muito pouco a "ganhar" com a legítima ilegalidade da pirataria, mas muitíssimo a perder com a legalidade ilegítima da biopirataria…

 

(*) Artigo disponibilizado pelo Jornal do Meio Ambiente.

 

(**) George Felipe de Lima Dantas é do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Segurança Pública e Defesa Social - Upis Faculdades Integradas e articulista da Rede Internacional de Comunicação CTA-JMA. email: dantasf@hotmail.com

 

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