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MERCOSUL, União Européia e a liberação dos serviços

 

Fernando Kinoshita

  Advogado em Florianópolis/SC

 Professor de Direito na

Universidade Federal de Santa Catarina/SC

Doutor em Direito Internacional Público e Comunitário

 pela Universidad Pontificia Comillas de Madrid/España

 

Marcelo Azevedo dos Santos   

  Consultor Jurídico em Santa Catarina

Pós-Graduando em Direito e Negócios Internacionais pela UFSC/SC

 

 

INTRODUÇÃO

 

Nos últimos anos, especialmente na última década de 90, as relações internacionais tornaram-se muito intensas, sobretudo no que diz respeito ao comércio. Não poderia ser diferente, portanto com relação ao caso específico do setor de serviços que caracteriza-se por ser um dos mais dinâmicos.

 

Considerando-se que o estudo do setor de serviços é uma matéria relativamente recente, mas de suma importância nos processos de desenvolvimento, cumpre anotar que os Estados verificaram que o comércio de internacional de  serviços é responsável por grande parte de seus produtos internos bruto e que a regulamentação internacional faz-se necessária em virtude dos interesses envolvidos.

 

Quanto à regulamentação multilateral do setor de serviços, vale recordar igualmente que o mesmo está disciplinado no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC) que é o organismo internacional responsável pela contínua liberalização do comércio internacional. Por outro lado e em sintonia com as normas da OMC, os modelos de integração regional, bem como os Estados legislam internamente sobre a matéria em questão.

 

Neste sentido, o objetivo do presente artigo é analisar sucintamente o comércio internacional de serviços e situá-lo no quadro das relações entre o MERCOSUL e a UNIÃO EUROPÉIA como subsídio para o entendimento das negociações em curso que culminarão com o estabelecimento de uma Zona de Livre Comércio Intercontinental. A metodologia utilizada foi a monográfica pela sua amplitude e crítica por seu carácter.

 

1. SERVIÇOS E COMÉRCIO INTERNACIONAL DE SERVIÇOS

 

Primeiramente antes de analisar o comércio internacional de serviços, é necessário definir o conceito de serviços e de comércio de serviços. Assim sendo, segundo MERCADANTE,  serviço é "toda atividade econômica que gera valor e cujo produto final não seja um objeto material"[i]. Ou seja, é a atividade incorpórea, invisível e individualmente indivisível que visa atender a um determinado fim, com o intuito de obtenção de lucro.

 

Neste sentido, não é possível visualizar o serviço prestado e tampouco mensurar a quantidade de serviço que vai ser efetuada para que determinado objetivo seja alcançado. Por outro lado, o comércio de serviços não é nada mais do que a negociação da atividade econômica (incorpórea, invisível e indivisível), cujo produto definitivo não seja um objeto material.

 

Evidentemente, o descobrimento da importância da prestação de serviços para a economia de um país faz com que se invista cada vez mais nesta modalidade de comércio no âmbito interno e nas possibilidades de exportação da prestação de serviços.

 

Logo, o comércio de serviços será internacional quando envolver um serviço executado "do território de um Estado ao território de qualquer outro Estado; no território de um Estado aos consumidores de qualquer outro Estado; pelo prestador de serviços de um Estado, por intermédio da presença de pessoas naturais de um Estado no território de qualquer outro Estado"[ii].

 

Assim sendo, o comércio internacional de serviços deve sempre ser executado transfronteira, seja quando acontece apenas a passagem do serviço prestado de um Estado para outro Estado (no caso das chamadas telefônicas internacionais e os transportes internacionais), seja quando acontece a passagem do beneficiário do serviço ao território do Estado em que se presta, através consumo realizado no exterior (no caso do turismo), ou ainda, quando acontece a passagem do prestador de serviços para o território do Estado em que se prestará o serviços (no caso de jogadores de futebol, na execução de consultorias), mediante a presença comercial de pessoas físicas e/ou pessoas jurídicas.

 

Deve-se atentar, entretanto, para o fato de que a prestação internacional de serviços está intimamente ligada, e portanto pode ser confundida, com a questão dos investimentos estrangeiros no território de um determinado Estado. Principalmente com relação à presença comercial de jurídicas nos países que recebem a prestação de serviços.

 

Atualmente, todas as normas referentes à liberalização dos serviços em âmbito internacional são discutidas no quadro do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) da Organização Mundial de Comércio. O GATS versa sobre os princípios e regras acordadas no plano multilateral e que são juridicamente obrigatórias para todos os Membros da OMC. Suas normas regem de maneira relativamente flexível o comércio internacional de serviços e têm por finalidade a liberalização progressiva do setor. Pode-se afirmar que o GATS abrange todas as formas de prestação de serviços realizadas no comércio internacional e deve estar em sintonia com a matéria pertinente no âmbito interno dos Estados e que são regulamentadas pelas leis nacionais.

 

Apesar do GATS prever a liberalização do comércio internacional de serviços, isto não significa que de fato ocorra. O que acontece é que os Estados devem indicar em uma lista nacional os compromissos específicos assumidos, elencando de conformidade com o artigo XX, 1, do GATS: "os termos, limitações e condições relativas ao acesso a mercados; as condições e qualificações relativas ao tratamento nacional; as obrigações relativas aos compromissos adicionais; e a data de entrada em vigor de tais compromissos". Desse modo, somente os serviços que não sofreram restrições à liberalização, ou que sofrerão restrições parciais, é que serão inscritos na lista nacional, ou seja, trata-se de uma lista taxativa e positiva.

 

De fato, distingue-se sobremaneira, o comércio internacional de bens do comércio internacional de serviços, visto que sobre este último não incidem, até o presente momento, medidas protecionistas como antidumping, salvaguardas, barreiras técnicas, entre outras.

 

Entretanto, se verifica que os Estados procuram preservar ao máximo os seus mercados de serviços, uma vez que interferem diretamente no mercado de trabalho e em áreas que podem ser entendidas como de segurança nacional, saúde, telecomunicações e transportes.

 

Pelo que se refere ao Brasil no contexto do comércio internacional de serviços, existem restrições, entre outras:

 

i)   à participação estrangeira quanto a Assistência à Saúde, de acordo com o artigo 199, parágrafo 3°, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o artigo 23 da Lei 8080/90;

 

ii)  à Navegação de Cabotagem, de acordo com o artigo 178, parágrafo único, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e os artigos 1º e 2º do Decreto Lei 2784/40;

 

iii)  às Empresas Jornalísticas e de Radiodifusão Sonora e de Sons e Imagens, de acordo com os artigos 12, parágrafo 1° e 222 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o artigo 12, parágrafo 2º, inciso I do Decreto 70436;

 

iv)  às Empresas de Serviço de TV a Cabo, segundo o artigo 7º, incisos I e II da Lei 8977;

 

v)   às Empresas de Mineração e Energia Hidráulica, de acordo com o artigo 176, parágrafo 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988;

 

vi)  às Empresas de Transportes Rodoviários de Carga, de acordo com os artigos 22, inciso VII e 178 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o artigo 1º, incisos I a II e parágrafos 1º e 2º da Lei 6813/80.

 

Assim sendo, tanto o setor quanto o comércio internacional de serviços desempenham um papel de alta magnitude nas transações nacionais e internacionais, sendo caracterizados pela complexidade de visualização e pela co-existência de normas internas e internacionais que buscam proporcionar uma maior transparência ao mesmo tempo em que podem constituir mecanismos de proteção de mercados.

 

2. NOTAS PERTINENTES SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE O MERCOSUL E A UNIÃO EUROPÉIA.

 

Muito embora a maioria das negociações com relação a liberação internacional do comércio de serviços sejam feitas no âmbito do GATS, o Brasil e o MERCOSUL possuem acordos (em vigência ou em negociação) com a UNIÃO EUROPÉIA que necessariamente devem estar sob à égide do próprio GATS, posto que em seu Artigo V determina que o referido Acordo não impedirá nenhum de seus Membros de ser parte ou de celebrar um acordo que liberalize o comércio de serviços entre as partes do mesmo.

 

A UNIÃO EUROPÉIA há muito comercializa seus serviços ao redor do mundo, sendo que com o advento da OMC a partir de 1995 o bloco europeu vem desenvolvendo uma estratégia de regulamentação efetiva do comércio de serviços em seus acordos comerciais. Aliás, o comércio de serviços é um dos setores que mais contribui para o êxito da UNIÃO EUROPÉIA, no sentido de que no âmbito territorial da UNIÃO EUROPÉIA o setor de serviços representa aproximadamente dois terços da economia e dos postos de trabalho, respondem por quase um quarto do total das exportações européias e pela metade de todo o investimento estrangeiro destinado a outras partes do mundo.

 

Vale recordar ainda, que a UNIÃO EUROPÉIA é o maior exportador mundial de serviços comerciais. Prova desta afirmação é o fato de que em 1996 a UNIÃO EUROPÉIA era responsável por 26% do total das transações de serviços mundiais (valor que aumentaria para 43% caso se inclua o comércio intra- UNIÃO EUROPÉIA), seguida dos Estados Unidos da América com 17% e do Japão com 5,2%.

 

Por outro lado, as relações entre os países da Améria Latina e a UNIÃO EUROPÉIA há muito vêm sendo desenvolvidas, principalmente devido aos vínculos históricos e culturais existentes entre ambos continentes. Desse modo,  é importante notar que as relações entre ambas regiões se intensificam cada vez mais, sendo que o caso mais notável é o relacionamento entre o MERCOSUL e a UNIÃO EUROPÉIA, onde as condições de concorrência livre aproximam ambos interlocutores, visto que entre outros fatores, existe uma forte e sólida afinidade cultural. Em função desse relacionamento, durante os últimos anos percebe-se a afluência de inúmeras prestadoras de serviços da UNIÃO EUROPÉIA no âmbito territorial do MERCOSUL.

 

A UNIÃO EUROPÉIA tem fortes interesses em matéria de investimentos, compras governamentais e serviços em geral, necessários ao MERCOSUL e componente fundamental das negociações entre o MERCOSUL e a UNIÃO EUROPÉIA  que culminarão com uma Zona de Livre Comércio Intercontinental em 2005.

 

Recorde-se que o MERCOSUL e a UNIÃO EUROPÉIA assinaram em dezembro de 1995, o Acordo Quadro Inter-Regional de Cooperação que representa um importante instrumento de transição para uma futura "Associação Inter-Regional" entre os dois agrupamentos regionais, visando a liberalização completa do comércio de bens e serviços e contemplando a intensificação da cooperação política e econômica. Note-se que o relacionamento entre o MERCOSUL e a UNIÃO EUROPÉIA é mais interessante que a possível Área de Livre Comercio das Américas (ALCA), não só pelos laços culturais, como já supracitado, como também porque o processo da UNIÃO EUROPÉIA, ao contrário da ALCA incorporou preocupações efetivas com as economias mais debilitadas que implicou no devido apoio financeiro e cooperativo para que tais economias alcançassem o nível de desenvolvimento dos outros Estados membros.

 

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Muito embora hajam certas restrições ao comércio internacional de serviços, porque se pretende resguardar os mercados nacionais, o mesmo já é uma realidade e apresenta-se nos fluxos internacionais conectado aos investimentos estrangeiros diretos.

 

Os interesses da UNIÃO EUROPÉIA, bem como dos Estados Unidos da América, através da ALCA no MERCOSUL são vorazes e visam não só o mercado de bens, como também o de serviços. Anote-se uma vez mais que muitos dos grandes prestadores de serviços da UNIÃO EUROPÉIA já se encontram atuando em nosso mercado.

 

Deve-se verificar se a liberalização total dos serviços atualmente em negociações com a UNIÃO EUROPÉIA, será favorável ao Brasil e ao MERCOSUL, levando-se em consideração que desde que haja permissivo legal para que o estrangeiro, pessoa física ou jurídica, atue no mercado nacional, este deve ser equiparado à nacional, como aliás, determina o GATS.

 

Apesar dos imensos interesses estrangeiros no mercado brasileiro e do MERCOSUL, o Brasil também é um grande prestador internacional de serviços. Principalmente na modalidade do serviço prestado no território do Estado, ao consumidor do Estado estrangeiro. O turismo é um exemplo claro neste sentido. Se não bastasse isso, o Brasil também é um grande exportador de jogadores de futebol, fazendo com que milhares de dólares sejam canalizados ao nosso país. Tal modalidade de prestação de serviços, onde a pessoa física presta o serviço no território do outro Estado, é uma das mais freqüentes no comércio internacional de serviços brasileiros, sendo que o nosso maior consumidor é a a UNIÃO EUROPÉIA.

 

Finalmente, conforme pode ser analisado, o comércio internacional de serviços é uma realidade e a tendência é o seu crescimento. Deste modo, no quadro de suas relações externas, o Brasil e o MERCOSUL devem negociar conscientemente de seu alto potencial ao mesmo tempo em que precisa investir em educação para melhor preparar o seu profissional, prestador de serviços, e para conseguir competir exitosamente no mercado mundial.

 

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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Notas

 

[i] MERCADANTE, A. A."Comércio de Serviços", em BARRAL, W. (Org.). O Brasil e a OMC. Florianópolis: Diploma Legal, 2000.

 

[ii] Resultados da Rodada Uruguai do GATT. Decreto nº 1355 – De 30/12/94 – D.O.U. de 31/12/94. Aduaneiras: 1995.

 

 

Retirado de: http://www.ambito-juridico.com.br/aj/merc0002a.htm