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UNIÃO EUROPÉIA + 10: AVANÇO OU RETROCESSO?

 

Leda Lu Muniz

 

 

 

Maio de 2004. Toda a Europa comemora a entrada de mais 10 países  para o bloco da União Européia.  Para os 10, a espera e o tempo para preencher os requisitos exigidos para sua admissão no bloco foram longos e penosos. Lêem-se críticas, crônicas e opiniões diferentes sobre o fato, e análises diversas sob os mais diferentes pontos de vista.

 

Uma coisa é certa: não há volta. Como a História nos tem mostrado, existem os movimentos de fluxo e refluxo, tal qual o movimento das marés que também é imutável. O que é permanente é exatamente o movimento.

 

Tal inclusão é esperada há muito tempo. Por quem ? Pelos chefes de Estado?  Esses se vêem diante de um  grande desequilíbrio de poder: após a queda do Muro (há 15 anos) a cortina se abriu e o mundo percebeu que a situação em que se encontravam aqueles países era de uma desestruturação lamentável. Falta de soberania, de autonomia , de desenvolvimento, violação dos direitos fundamentais, fome, desemprego, ausência total de identidade.  Sim, porque se quisermos recordar um pouco o passado daqueles povos, trata-se  de um passado rico em história, tradições, cultura, valores religiosos, arte música, educação.  E o que restou após  todos os anos de dominação soviética?

 

Ausência de identidade. Um povo amorfo, “do leste”, relegado à segunda categoria como europeu, desvalorizado, cansado e temeroso de resgatar suas tradições e sua identidade, por não ter sequer o olhar no futuro. Assim como seus governantes, que em alguns desses países saíram das fileiras sindicalistas de partidos de trabalhadores (resquício dos movimentos sociais pré-queda do Muro), se depararam com um mundo completamente diferente daquele que enxergavam através da cortina cinzenta que os separava.

 

O Muro caiu. E agora? Alinhar-se ? Com quem ? Os Estados Unidos são verdadeiramente atraentes e os faria sair da situação de penúria. Porém o preço, ainda desconhecido, pode ser intuído... alinhar-se com a Europa ? Talvez o preço seja mais conhecido e mais pacífico...

 

Finalmente chegou a hora. E agora? Para aonde levará essa tentativa de formar um único bloco com uma população de 454 milhões de habitantes, 75  milhões dos quais pertencem aos 10 novos integrantes (República Tcheca, Polônia, Hungria, Eslováquia, Eslovênia, Lituânia, Letônia, Estônia, ilhas de Malta e sul de Chipre)? Serão necessários pelo menos mais 20 anos para poder afirmar com alguma certeza se o plano deu certo. Mas... um fato me inquieta.

 

Ao contrário da época em que me encontrava lá trabalhando e acompanhando de perto a integração de novos países (meados da década de 80 e 90), hoje existe um grande fato que me intriga . O silêncio de algumas vozes que a meu ver são determinantes  para esse processo de integração. Essas vozes, que foram atuantes e importantes nas duas décadas anteriores  para consolidar esse processo através da opinião pública, hoje estão em silêncio.

 

Naquela época, o medo da perda da identidade  e das tradições era tão forte na população daqueles países (França, Itália, Alemanha, Bélgica, Luxemburgo, Países Baixos, Dinamarca, Irlanda, Reino Unido; depois Grécia, Portugal e Espanha; mais tarde Suécia, Finlândia e Áustria) que artistas, intelectuais, cineastas, grupos musicais e escritores fizeram questão de marcar de forma indelével, com o seu aval, a aprovação da realização de um sonho de Europa unida. Basta recordar os grandes eventos musicais  que reuniram a Europa em favor de uma causa única em várias de suas cidades durante as duas últimas décadas do século XX. Expoentes da música se empenharam nisso. Basta lembrar nomes de vários cineastas tais como o polonês  Krzysztof Kieslowski  em sua trilogia (A liberdade é azul; A igualdade é branca; A fraternidade é vermelha) que cita e retrata o chamado Concerto Europeu (projeto da unificação) e valores a serem preservados. E tantos outros que na literatura e nas artes plásticas tentaram através de suas obras mostrar ao povo europeu que a identidade nacional seria mantida e preservada. Curiosamente, muitos deles considerados visionários na época,  por serem de países (como o polonês Kieslowski) que só agora foram incluídos.

 

Mas ... e hoje ??? Onde estão os responsáveis pela cultura que através de suas obras seriam as vozes que mostrariam o termômetro da identidade da Europa atual ? Estão em silêncio. No mais completo e profundo silêncio. Será que a criatividade deles está sendo engolida  pela globalização impiedosa ? Ou será que existe o medo de mostrar-se culturalmente para não ser classificado como adepto de “forças do mal do oriente”?

 

Convém pensar nisso. Os dez novos integrantes são países ricos em tradições e cultura, como já dissemos. Porque não vêem à tona ? Porque estão em silêncio? Porque fazem parte de uma “categoria oriental” de cultura que deve ser abafada para poder sobreviver sem riscos de ser discriminada? Nenhuma cultura ou tradição consegue desaparecer,  porque constitui o próprio oxigênio que alimenta um povo.E esses povos têm oxigênio.

 

Será que o preço dessa inclusão  é  parar de respirar?

 

Leda Lu Muniz, consultora, é mestra em Sociologia pela Universidade “La Sapienza” de Roma e especialista em Política Internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Trabalhou na área de Comunicação, Relações Institucionais e Internacionais da Comissão da União Européia durante 10 anos.

 

 

 

 

Retirado de: http://www.dipnet.com.br/mostra_artigo.asp?id_artigo=31