® BuscaLegis.ccj.ufsc.br

 

 

PARTICIPAÇÃO DE NOVOS ATORES NO SEGMENTO DAS ATIVIDADES ESPACIAIS, VISTA SOB O PRISMA DA EFETIVIDADE DOS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS QUE REGULAM A EXPLORAÇÃO E O USO DO ESPAÇO EXTERIOR


14/05/2003 16:03:30


A AGÊNCIA ESPACIAL BRASILEIRA INFORMA QUE ESTE ARTIGO NÃO REFLETE A VISÃO GOVERNAMENTAL E INSTITUCIONAL, SENDO O(S) SEU(S) JUÍZO(S) DE INTEIRA RESPONSABILIDADE DO(S) AUTOR(ES).

 

 

WÁLTENO MARQUES DA SILVA*

 

 

I - INTRODUÇÃO

As perspectivas do grande valor e a oferta dos benefícios que a descoberta e a exploração do espaço exterior trariam para toda a humanidade foram fautrizes dos esforços envidados para a convergência dos interesses dos Estados, tendo por propósito prioritário a franca defesa dos interesses de todos os países, independentemente do seu estágio de desenvolvimento econômico, científico e tecnológico, e sempre voltados aos princípios da cooperação e da assistência mútua.

2. O interesse pela conquista espacial e o singular desenvolvimento de veículos de locomoção através do espaço exterior, inclusive com adrede propósito de fins belicosos – instalações e/ou fortificações militares, despertaram a preocupação da comunidade internacional para a necessidade da elaboração de normas reguladoras das atividades espaciais com o objetivo de garantir a implementação de uma ampla cooperação internacional nos aspectos científico, tecnológico e jurídico da exploração e uso do espaço exterior para fins pacíficos em benefício de toda a humanidade.

3. A propósito da questão inerente à necessidade de regulamentação das grandes invenções, Haroldo Valadão , professor da Faculdade de Direito da então Universidade do Brasil e precursor do Direito Espacial no país, assim se manifestou:

“A verdade é que as grandes invenções, dando ao homem um excessivo poder material, mas expondo seus semelhantes, também, aos maiores perigos, exigem logo uma nova disciplina jurídica a impedir que o abuso do poder técnico ofenda os direitos da pessoa humana e leve a atentados contra a Justiça.”

4. Nessa diretriz, pode-se asserir que no processo da discussão, concepção e regulamentação do Direito Espacial Internacional, importante passo foi dado na convenção multilateral, negociada no âmbito do COMITÊ PARA OS USOS PACIFICOS DO ESPAÇO EXTERIOR - COPUOS, referente ao “Tratado Sobre os Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes”, de 1967, com o destaque de que o seu inteiro teor foi pontual e exaustivamente debatido e negociado pelas partes interessadas, tudo num ambiente de extremado cuidado e desconfiança em razão dos reflexos motivados pela própria situação da denominada “Guerra Fria”.

5. Louvável, então, é o manifesto interesse da Sociedade Brasileira de Direito Aeroespacial – SBDA, e oportuna a sua iniciativa de constituir um Grupo de Trabalho, de cunho eminentemente acadêmico, para proporcionar um fórum específico e favorável ao desenvolvimento dos estudos sobre tão relevante matéria, até porque, a definição de Estado Lançador alçou o patamar de item trienal da agenda do Subcomitê Jurídico do COPUOS, o que representa uma abertura para novos e acalorados debates para, quem sabe, a partir daí se iniciar a preparação do terreno para a identificação da necessidade e/ou mesmo da conveniência de se implementar qualquer emenda aos vigentes instrumentos internacionais, frente à realidade do acelerado processo de comercialização e privatização das atividades espaciais.

6. Com esta percepção, e na expectativa de que este “discussion paper” também possa contribuir para o fomento dos debates no âmbito do nosso Grupo de Trabalho, faremos um exercício intelectivo sobre a aplicabilidade dos principais instrumentos jurídicos internacionais reguladores da exploração e uso do espaço exterior, na tentativa de uma avaliação da sua efetividade, sem perder de vista o crescente uso econômico da atividade espacial; as constantes inovações tecnológicas dos lançamentos espaciais; a efetiva comercialização e participação de empresas privadas nesse promissor e milionário segmento de mercado e, ainda, o ambiente internacional como fórum por excelência para as futuras negociações.

II – BREVE HISTÓRICO SOBRE O SISTEMA DA TOMADA DE DECISÃO NO COPUOS

7. O sistema da aprovação por maioria dos Estados-Partes foi consignado nos textos do “Tratado Sobre os Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, Inclusive a Lua e demais Corpos Celestes” e das Convenções “Sobre Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais” e a “Relativa ao Registro de Objetos Lançados no Espaço Cósmico” – artigos 15, 25 e 9º, respectivamente.

8. Entretanto, reconhecendo o interesse que a exploração e o uso do espaço exterior para fins pacíficos apresentava para toda a humanidade, e tendo em mira a imperiosa necessidade de evitar que ele viesse a ser utilizado como um campo de disputas e corrida bélica, as próprias partes negociadoras não tardaram em chegar à sensata conclusão de que aquela não seria a melhor alternativa para a aprovação das regulamentações das complexas questões decorrentes das atividades especiais. Assim, depois de exaustivas consultas informais ficou acordado no âmbito do COPUOS que todos os seus Membros, assim como os Subcomitês, deveriam conduzir os debates de modo a possibilitar a conclusão dos acordos durante o desenrolar dos respectivos trabalhos, sem a necessidade da prática do voto.

9. No contexto desse segmento de mercado altamente dispendioso, e no qual a cooperação internacional vem se mostrando como a forma natural de se viabilizar e incentivar os respectivos empreendimentos, os resultados têm evidenciado que o sistema de construção de consenso vem funcionando satisfatoriamente como mecanismo de fundamental importância para a discussão, a elaboração e a negociação dos princípios, acordos e/ou procedimentos inerentes ao Direito Espacial, particularmente quando são tão comuns ocorrências de conflitos de interesses, ou até de exigências e/ou posições originariamente contrastantes.

10. O sistema de consenso vem se consolidando como uma conquista marcante para a defesa dos interesses da humanidade no segmento espacial, representando uma opção intermediária entre o sistema de voto por maioria, debilitador do caráter universal das normas produzidas, e o critério da unanimidade, de indesejável outorga do poder de veto a um único Estado-Parte.

11. É consabido que o processo de tomada de decisões pela sistema de consenso é longo e trabalhoso, porém, ideal para as negociações de posições que à primeira vista pareçam antagônicas e/ou irreconciliáveis. O exercício do diálogo em torno dessas questões cruciais vão tornando-as mais flexíveis, possibilitando pontos de convergência que no final se traduzem num texto consensual. O mérito desse sistema está na descoberta da vontade, do pensamento, da intenção diretora e triunfante alimentada pela nobre causa da defesa do interesse maior da humanidade, e que se desenvolve num campo de idéias originariamente contraditórias, e todas parcialmente vencedoras.

12. Dito isso, preferimos acompanhar o entendimento daqueles que não vêem nas negociações travadas no sistema de consenso uma fonte de textos frágeis ou aquém do desejado, até porque, a prática tem nos mostrado que os resultados dos acordos celebrados sob a égide desse tipo de negociação refletem exatamente o ponto de comunhão entre as posições dos seus partícipes e, por isso mesmo, eles desfrutam de um elevado grau de credibilidade, aceitabilidade e respeitabilidade perante a comunidade internacional. A propósito, eis o magistério de Carlos Maximiliano :

“O pensamento não se mantém escravo da vontade; conserva a independência própria; eleva-se à altura de fenômeno sociológico; não representa o trabalho de uma inteligência apenas, e, sim, algo ilimitado, infinito, o produto do esforço cerebral de séculos.”

III – PRINCIPAIS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS EM VIGOR

13. Sobreleva dizer que na abordagem do tema envidaremos esforços na tentativa de darmos um enfoque primordial ao ponto central proposto para desenvolvimento dos estudos no âmbito do Grupo de Trabalho, qual seja, “a definição de Estado Lançador”, motivado pela inserção do Brasil no mercado internacional de lançamentos, decorrente da demanda na utilização da infra-estrutura espacial brasileira incentivada pela localização privilegiada do Centro de Lançamento de Alcântara - CLA. Para tanto, centraremos a nossa abordagem nos 03 (três) intrínsecos instrumentos internacionais alusivos ao tema em foco, o que poderá nos conduzir ao objetivo desejado. São eles:

? “TRATADO SOBRE OS PRINCÍPIOS REGULADORES DAS ATIVIDADES DOS ESTADOS NA EXPLORAÇÃO E USO DO ESPAÇO CÓSMICO, INCLUSIVE A LUA E DEMAIS CORPOS CELESTES”, APROVADO PELA ASSEMBLÉIA GERAL DA ONU EM 19 DE DEZEMBRO DE 1966, ABERTO À ASSINATURA EM 27 DE JANEIRO DE 1967, EM VIGOR DESDE 10 DE OUTUBRO DE 1967. PAÍSES DEPOSITÁRIOS: RÚSSIA, REINO UNIDO E EUA; 93 RATIFICAÇÕES (INCLUSIVE A DO BRASIL) E 27 ASSINATURAS.

? “CONVENÇÃO SOBRE RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL POR DANOS CAUSADOS POR OBJETOS ESPACIAIS”, APROVADA PELA ASSEMBLÉIA GERAL DA ONU EM 29 DE NOVEMBRO DE 1971, ABERTA À ASSINATURA EM 29 DE MARÇO DE 1972, EM VIGOR DESDE 1º DE SETEMBRO DE 1972. PAÍSES DEPOSITÁRIOS: RÚSSIA, REINO UNIDO, EUA; 76 RATIFICAÇÕES (INCLUSIVE A DO BRASIL) E 26 ASSINATURAS.

? “CONVENÇÃO SOBRE REGISTRO DE OBJETOS LANÇADOS AO ESPAÇO CÓSMICO”, APROVADA PELA ASSEMBLÉIA GERAL DA ONU EM 12 DE NOVEMBRO DE 1974, ABERTA À ASSINATURA EM 14 DE JANEIRO DE 1975, EM VIGOR DESDE 15 DE SETEMBRO DE 1976. DEPOSITÁRIO: SECRETARIA-GERAL DA ONU EM 12 E NOVEMBRO DE 1974, ABERTA À ASSINATURA EM 14 DE JANEIRO DE 1975, EM VIGOR DESDE 15 DE SETEMBRO DE 1976. DEPOSITÁRIO: SECRETARIA-GERAL DA ONU ; 39 RATIFICAÇÕES E 4 ASSINATURAS. O BRASIL AINDA NÃO ASSINOU, MAS DEIXOU PATENTEADA A SUA INTENÇÃO DE FAZÊ-LO EM BREVE.

14. Iniciemos, pois, a apreciação de mérito do nosso “discussion paper” fazendo referência ao anexo resumo pontual e comparativo dos principais aspectos legais ligados à responsabilidade internacional sobre as atividades espaciais, intrínsecos aos indigitados instrumentos, e que verdadeiramente se constituem nas balizas legais para o desenvolvimento dos debates visando a identificação da necessidade de se formular uma proposta de revisão do conceito de “Estado Lançador”.
15. Sob o auspício do livre vôo do exercício da atividade intelectiva de cunho eminentemente acadêmico, que é a proposta da SBDA, tentaremos despertar a atenção para alguns tópicos dos vigentes instrumentos internacionais e, despretensiosamente, ousaremos firmar algumas posições e ponderações nos baseando exclusivamente na singela vivência e na salutar especulação que a matéria suscitada nos proporciona, sobretudo com a expectativa de provocar o acirramento dos debates e contribuir para a construção da linha de consenso no Grupo de Trabalho, o que é desejável.

16. Os dados constantes do anexo resumo nos autorizam asserir que ao dispor sobre a responsabilidade internacional no campo das atividades espaciais, o Tratado de 67 tornou-se o principal marco jurídico do processo de codificação do Direito Espacial, e núcleo a partir do qual se desencadeou a edição das outras duas Convenções, e a ele intimamente ligadas: uma sobre a “Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais”; e outra relativa ao “Registro de Objetos Espaciais Lançados no Espaço Cósmico”.

17. No que diz respeito propriamente à questão da responsabilidade internacional consignada no Tratado de 67, depreende-se que os elaboradores da então embrionária codificação do Direito Espacial deixaram evidências de que um dos objetivos primordiais foi a garantia da pronta e eficaz reparação dos danos decorrentes das atividades espaciais, reconhecidas como de altíssimos riscos, diante da extrema dificuldade que as vítimas poderiam enfrentar na reparação dos danos sofridos, e não por outra razão, tal responsabilidade foi adredemente situada no patamar de Estado a Estado – hipótese clássica da responsabilidade internacional ( arts. 2º a 5º). Nesse sentido é o entendimento manifestado pela Doutora Maria Helena Fonseca de Souza Rolim , ao examinar os elementos constitutivos de responsabilidade internacional e o sistema de responsabilidade:

“b) a responsabilidade é de Estado a Estado, mesmo quando é um simples particular a vítima ou o autor do ilícito; é necessário, no plano internacional, que haja endosso da reclamação do estado nacional da vítima, ou ainda, o Estado cujo o particular cometeu o ilícito é que virá a ser responsabilizado.”

“O Direito Espacial estabeleceu um sistema de responsabilidade objetiva e absoluta para os danos causados em conseqüência das atividades espaciais. Esta atribuição de responsabilidade é legítima porque fundamenta-se no risco gerado pela atividade espacial. Este fundamento ético justifica a adoção do instituto.”

18. Sem prejuízo das críticas, numa lúcida percepção da impossibilidade de se abranger a infinita variedade dos conflitos de interesses no complexo cenário espacial, em particular, em relação aos seus aspectos econômico e comercial, aquelas dezenas de homens cultos e experimentados tiveram a sensatez e a visão de futuro quando da consolidação dos princípios dessa matriz jurídico-espacial, quando inseriram no Tratado de 67 a permissibilidade e a liberdade para a celebração de acordos quanto à divisão da responsabilidade entre os Estados participantes de um lançamento conjunto (art. 5º, 2, in fine), não obstante no indigitado diploma internacional tenha a responsabilidade sido alçada ao patamar de Estado a Estado.

19. É natural que em face da larga abrangência da definição atribuída ao termo “Estado lançador”, e parece-nos que foi adrede a intenção do legislador em tempos de “guerra fria”, somente Estados são reconhecidos jurídica e internacionalmente como responsáveis pelas atividades realizadas no espaço exterior, quer sejam elas exercidas por organismos governamentais, quer por entidade não-governamental. Entretanto, cabe enfatizar que isso não significa dizer estar afastada a possibilidade da negociação entre as partes envolvidas num lançamento conjunto, seja por via contratual ou qualquer outro instrumento idôneo, vis a vis das respectivas legislações nacionais.

20. Nessa diretriz, compreendemos que todo lançamento de objeto espacial que envolva instalações e pessoal do Governo Brasileiro deva ser precedido de ampla negociação para se estabelecer as exigências quanto a prova da capacidade e responsabilidade financeiras e outras garantias necessárias para se proteger o Estado Brasileiro dos compromissos decorrentes de algum dano ou prejuízo à terceiros, no âmbito internacional, conforme previsto no disposto no art. 5º da Convenção Sobre Responsabilidade, verbis:

“2- (...) Os participantes num lançamento conjunto podem concluir acordos quanto à divisão entre si das obrigações financeiras pelas quais eles são, solidária e individualmente responsáveis.”

21. A esse respeito vale lembrar que tanto o anteprojeto da legislação brasileira apresentado pelo Dr. Sérgio Sardenberg, quanto a minuta final elaborada pela INFRAERO tomaram como parâmetro a legislação americana, e contemplam as seguintes disposições:

“O lançamento de objeto espacial de propriedade de governo estrangeiro deverá ser precedido de entendimentos com as autoridades competentes do país estrangeiro em questão, mediante o qual fique estabelecido que a nação estrangeira assumirá plena responsabilidade, de âmbito internacional, a partir do momento de sua separação do veículo lançador. No caso de não ocorrência da separação, a responsabilidade será compartilhada pelos dois países.”

“No caso de objeto ou carga espacial de natureza comercial, lançada ao espaço por empresa estrangeira, deverá ser apresentada prova, pela referida empresa, de preexistência de acordo entre as autoridades competentes do país de nacionalidade da empresa comercial e esta última, mediante o qual o referido país tenha assumido plena e total responsabilidade por quaisquer prejuízos ou danos que porventura sejam causados pelo objeto espacial depois do seu desligamento do veículo transportador. No caso de não ocorrência da separação, a responsabilidade será compartilhada pelos dois países.”

22. Por outro lado, nos termos do art. 5º, §2º, da citada Convenção, nos parece restar garantido o exercício do direito regresso do Estado pagador da indenização em desfavor dos demais participantes do lançamento conjunto, ali grafado como pedido de ressarcimento: “Um Estado lançador que pagou a indenização por danos terá o direito de pedir ressarcimento a outros participantes no lançamento conjunto.”

23. De igual modo, evidencia-se uma vez mais priorizado o objetivo da pronta reparação dos danos com a consagração da responsabilidade solidária no texto do art. 4º da referida Convenção, que assegura ao prejudicado, a seu critério, o direito da livre escolha para acionar qualquer um ou todos os Estados lançadores, tomando-se em conta a sua exclusiva conveniência. Esse encaminhamento prescinde da regra do exaurimento dos recursos locais. Assim, em defesa do seu interesse tecnológico, científico, econômico e estratégico recomenda-se a máxima prudência nas futuras celebrações dos contratos para lançamentos a partir do território brasileiro. Eis o teor do citado dispositivo:

“2 – Em todos os casos de responsabilidade solidária e individual mencionados no § 1º, o ônus da indenização pelo dano será dividido entre os primeiros dois Estados de acordo com o grau de sua culpa; se não for possível estabelecer o grau de culpa de cada um desses Estados, o ônus da indenização deve ser dividido em proporções iguais entre os dois. Tal divisão se fará sem prejuízo do direito que assiste ao terceiro Estado de procurar a indenização total devida nos termos desta Convenção de qualquer ou de todos os Estados lançadores que são, solidária e individualmente, responsáveis.“

24. Superadas as ponderações formuladas sob o prisma do Tratado de 67 e da Convenção Sobre Responsabilidade, passemos, então, a uma rápida abordagem do ponto referente à relação entre Estado Lançador e Estado de Registro, até porque, duas manifestações de caráter convergente foram produzidas no curso dos debates no Grupo de Trabalho, e apresentadas com as seguintes sugestões de alteração nos instrumentos internacionais:

a) qualificar como Estado Lançador, ou principal responsável, aquele que promove o registro do objeto espacial, sem embargo da responsabilidade de quaisquer outros Estados que participem do lançamento, quer seja promovendo-o, quer seja autorizando a realização em seu território;

b) análise de eventual pleito do Governo do Brasil, para que após o registro de um objeto espacial orbital à Terra, a responsabilidade internacional por danos que esse objeto possa causar seja exclusivamente do país que o registrou ou adquiriu esse registro;

25. O artigo 8º do Tratado de 67 ao contemplar que “o Estado-Parte do Tratado em cujo registro figure o objeto lançado ao espaço conservará sob sua jurisdição e controle o referido objeto e todo o pessoal do mesmo objeto, enquanto se encontrarem no espaço cósmico ou em um corpo celeste”, tornou-se matriz para as disposições da Convenção “Relativa ao Registro de Objetos Lançados no Espaço Cósmico”, que assim dispõe:

Art. 1º - c) O termo “Estado de registro” se aplica ao Estado lançador, em cujo registro inscreve-se um objeto espacial, de acordo com o art. 2º.

Art. 2º 1- Quando houver dois ou mais Estados lançadores relacionados com qualquer objeto espacial, eles decidirão, em conjunto, qual deles registrará o objeto, em conformidade com o Parágrafo 1º deste Artigo, levando em consideração o disposto no artigo 8º do Tratado Sobre os Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, sem prejuízo dos acordos concluídos ou a serem concluídos entre Estados lançadores sobre a jurisdição e o controle do objeto espacial e qualquer de seus tripulantes.

26. Enfatizamos que não seria perdoável subestimar o valor determinante do ambiente extremamente delicado no qual surgiram as normas positivas reguladoras das atividades espaciais, e num clima de forte pressão e vigilância por parte da comunidade internacional, o que nos leva a crer que naquele momento não pretenderam os legisladores eleger qualquer parâmetro de fixação de limite rígido na definição das respectivas responsabilidades entre o Estado lançador e o Estado de Registro – ex vi do transcrito §1º, art. 2º, deixando a critério dos participantes de um lançamento conjunto, e de forma expressa, a livre escolha para a identificação do Estado que se encarregará de proceder a inscrição do objeto espacial naquele registro central, o que nos parece muito sensato.

27. Com tais considerações, vemos com bons olhos a abertura dos debates alusivos às sugestões colocadas em apreciação no âmbito do Grupo de Trabalho no que diz respeito à identificação da necessidade de se propor qualquer alteração nos vigentes instrumentos. Contudo, não podemos deixar de assinalar certa reserva quanto ao aspecto político da viabilidade da sua efetivação, quando sabemos que na disputa pela corrida espacial entram em cena “interesses convergentes e divergentes”, em grande parte adredemente silenciados.

28. Parece-nos oportuna, então, a citação de um exemplo que nos vem à memória neste instante, e que se reporta aos lançamentos dos denominados “satélites de papel” na corrida pela ocupação da órbita geoestacionária, apenas para assegurar determinadas posições orbitais. Assim, lançamos para a reflexão de todos a seguinte indagação: do ponto de vista da defesa do interesse público global não seria temerário imputar responsabilidade exclusiva ao Estado que promoveu o registro de um determinado objeto espacial, quando se sabe possível a ocorrência do “aluguel de bandeiras” por parte de Estados que não tenham comprovada capacidade financeira para a pronta reparação dos danos ou prejuízos causados a um terceiro?

29. Ademais, segundo nosso entendimento, é importante que se diga que a teor das disposições do parágrafo 2º do art. 2º da Convenção de Registros, o “Estado de Registro” terá que ser necessariamente o “Estado Lançador” ou um dos “Estados Lançadores” no caso de lançamento conjunto: “Quando houver dois ou mais Estados lançadores relacionados com qualquer objeto espacial, eles decidirão, em conjunto, qual deles registrará o objeto...”. Por óbvio, nem todo “Estado Lançador” participante de uma atividade conjunta de lançamento será necessariamente um “Estado de Registro”, sendo sensato concluir que sob o auspício da Convenção nada obsta uma transferência de registro entre Estados participantes de um lançamento conjunto, porém, o mesmo não se pode dizer em relação à transferência para um outro Estado que dele não tenha participado. Sobreleva ressaltar, ainda, que na Convenção sobre Responsabilidade Internacional, mais especificamente no seu art. 1º, letra “d”, o termo “objeto espacial “ está ali definido no seu mais amplo sentido - “inclui peças componentes e também, o veículo de lançamento e peças do mesmo”.

30. Diante de tanta complexidade, sentimos que prosseguir com os debates sobre as sugestões apresentadas é o caminho mais sensato e recomendável para a construção de um juízo de convencimento e, se for este o caminho, a consolidação de uma justificativa consistente para a proposta de alteração, sem perder de vista alguns pontos referenciais, dentre os quais destacamos os seguintes:

? o termo Estado de Registro está contemplado no Tratado de 67 e na Convenção de Registro, e a ele nenhuma referência é feita pela Convenção Sobre Responsabilidade, não obstante a sua anterioridade à Convenção sobre Registros;

? deve ser estimulado o estudo percuciente sobre o teor da primeira parte do artigo 8º do Tratado de 67 para se buscar o verdadeiro sentido do comando “conservará sob sua jurisdição e controle ...” em razão da responsabilidade imposta ao Estado Lançador, na ampla concepção consagrada nos instrumentos internacionais;

? o Tratado de 67 exige que as atividades espaciais das entidades não-governamentais sejam objeto de autorização e de vigilância contínua pelo Estado-Parte ( art. 6º) , e ainda, “que qualquer Estado-Parte do Tratado que tenha razões para crer que uma experiência ou atividade realizada por outro Estado-Parte do Tratado no espaço cósmico, criaria um obstáculo capaz de prejudicar as atividades exercidas em matéria de exploração e utilização pacífica do espaço cósmico, poderá solicitar a realização de consultas relativas à referida atividade ou experiência “(art. 9º) ;

? o lançamento de um objeto espacial estrangeiro a partir do território nacional deverá ser precedido de entendimentos com as autoridades competentes do seu país de origem, objetivando fixar a responsabilidade daquele país, no âmbito internacional, por quaisquer danos ou prejuízos que venham a ser causados pelo referido objeto espacial;

? não podemos ignorar que uma sociedade policiada reage com energia, se alguém afronta os seus princípios ou tenta fazer justiça pelas próprias mãos – o ambiente age sobre a inteligência.

IV – AS PERSPECTIVAS DE NEGOCIAÇÃO NO FÓRUM JURÍDICO INTERNACIONAL - COPUOS

31. Sendo o COPUOS o órgão internacionalmente reconhecido como fórum jurídico por excelência, no qual são fomentados e travados relevantes debates, assim como a celebração dos acordos referentes à exploração e o uso do espaço exterior, não podemos desconhecer as informações sobre as manifestações produzidas nas sessões do seu Subcomitê Jurídico, e que de certa forma têm acenado para uma tendência de esvaziamento da sua agenda de trabalho.

32. Neste particular, o Prof. e Jurista José Monserrat Filho fez uma avaliação sobre as perspectivas dos trabalhos no âmbito do Copuos, em especial, quanto ao possível desenrolar dos debates e a apresentação de propostas de emenda aos tratados espaciais em vigor, assim se manifestando:

“Hoje aqueles êxitos estão distantes. Já não há confrontação à beira do abismo, para alívio da humanidade, embora arsenais de destruição em massa ainda estocados possam destruir a vida na Terra. Mas, por incrível que pareça, a ausência da antiga Guerra Fria nos dá cada vez mais a impressão de estar enfraquecendo os trabalhos do Copuos. Basta ver os resultados tíbios da 39ª Reunião de seu outrora dinâmico Subcomitê Jurídico, realizada de 28 de março a 6 de abril, em Viena, Áustria, com a participação de 42 de seus 61 países membros. Houve, sim, exposições reveladoras, propostas positivas e discussões valiosas. Mas as irrisórias decisões finais indicam a presença de forte vontade política no sentido de bloquear o encaminhamento de novas idéias e novos debates, limitando o funcionamento do órgão apenas aos temas de interesse das grandes corporações envolvidas com programas espaciais. Daí a sensação de impotência com que não poucas delegações deixaram a reunião.

Este clima começou a se esboçar já com a primeira intervenção da delegação dos EUA, na abertura do encontro. A reunião estreava regras flexíveis, aprovadas em 1999, para permitir a adoção de novos temas para exame e discussão. Pois o delegado americano tratou de esfriar o ânimo do plenário. Dirigindo-se a um órgão com clara missão jurídica, ele pôs em xeque a capacidade dos juristas de atuarem positivamente. Ele disse: ‘Entre quem cuida dos problemas de política espacial em meu país há certo ceticismo com relação ao papel dos juristas (lawyers) e dos organismos constituídos por juristas. A impressão é de que os juristas estão sempre mais propensos a buscar soluções sem entender dos problemas’. Mas ele ainda tinha algo mais duro a dizer: ‘Especialmente nas áreas em que a tecnologia e as formas e focos da atividade comercial estão evoluindo rapidamente, sente-se de forma ampla – e, a meu ver, correta – que as soluções dos juristas tendem a tornar as coisas piores e não melhores. Inúmeras experiências dolorosas demonstraram que as respostas a priori dos juristas a problemas constatados podem muito freqüentemente sufocar uma mudança ou forçá-la a tomar um rumo improdutivo’.

Não por acaso, o delegado americano enfatizou dois pontos: 1) Washington vê com ‘considerável ceticismo’ as propostas de emendas e reforma do quadro moldado pelos tratados espaciais em vigor; e 2) ‘há amplo e profundo sentimento entre os operadores’(empresários da indústria espacial) de que ‘o regime jurídico existente não está ‘falido’ e de que ‘não há nenhum caso comprovado’ que justifique ‘reparos’ ou alterações. Em resumo, os EUA não aceitam mudanças na legislação internacional vigente. E sua delegação em Viena não escondeu o nervoso temor das empresas privadas americanas de que o debate aberto de certas questões e propostas de regulamentação, no Copuos, possa prejudicar seus negócios. Na visão pragmática dos ‘operadores’, quanto menos leis internacionais, melhor.

Em contraposição, o Brasil e muitos outros países defenderam algo absolutamente óbvio e racional em nossos dias: a necessidade de elaborar normas que regulem os múltiplos e complicados aspectos da atuação dos novos atores nas atividades espaciais, as empresas privadas, não raro mais poderosas que dezenas de países, bem como as sérias implicações das novas tecnologias deste setor estratégico.“

E assim concluiu o ilustre Professor:

“Como admitir, à luz do bom senso e da boa fé, que o intenso processo de comercialização e privatização destas atividades seja regido apenas pelos acordos criados numa época em que elas simplesmente não existiam? A falta de regras específicas só pode beneficiar as empresas privadas que, assim, ficam livres de critérios e parâmetros legais. Não se trata de impedir seus negócios, mas de assegurar que sejam realizados para o bem e no interesse de todos os países, conforme a regra básica e inderrogável da conquista do espaço, que precisa ser aprofundada e ajustada aos novos tempos. O que está em jogo mais uma vez é o interesse público global.”

33. Como se vê, com a sensibilidade que lhe é peculiar, o Prof. Monserrat esboçou um retrato bastante real do ambiente no Copuos, e das condições adversas que serão enfrentadas pelos Estados-Partes que ergueram e/ou apoiaram a “bandeira da revisão dos tratados”, na difícil trilha da construção do consenso, em especial para este tema que de saída provocou a manifestação de descontentamento da delegação americana sob a alegação de tratar de matéria contrária aos seus interesses, segundo palavras dos seus próprios representantes.

34. Portanto, no franco exercício do seu mister, e à luz destas considerações, uma vez mais não há como deixar de reconhecer a salutar iniciativa tomada pela SBDA e, por conseguinte, pelos membros deste Grupo de Trabalho, ainda que num exercício meramente acadêmico, ao assumir o compromisso de refletir sobre matéria da mais alta relevância na atualidade, e que certamente poderá auxiliar as autoridades competentes na definição da posição estratégica que o Brasil assumirá no Copuos no curso do plano trienal de trabalho.

V – 51º COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE DIREITO ESPACIAL

35. Um novo horizonte se desponta como presságio para o enriquecimento dos estudos e apresentações dos “discussions papers” no âmbito do Grupo de Trabalho, no momento em que registramos que no período de 2 a 6 de outubro próximo a cidade do Rio de Janeiro será palco de um dos mais importantes congressos mundiais sobre os múltiplos aspectos alusivos às atividades espaciais.

36. Na programação do evento está contemplada a realização do 9º Concurso Júri Simulado sobre Direito Espacial – “JURI SIMULADO MANFRED LACHS”, competição que será disputada por equipes escolhidas entre Universidades dos EUA e da Europa, e no qual atuarão como Juizes três membros da Corte Internacional de Justiça, da ONU, dentre eles, o Dr. José Francisco de Rezek, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal e ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil.

37. O caso a ser apreciado pelo Júri Simulado versa sobre tema da mais alta relevância para o segmento espacial na atualidade, quando será julgada uma imaginada disputa entre dois países em torno do projeto de uma empresa privada de lançamento espacial a partir de plataforma instalada em alto mar. Sem dúvida alguma, o mérito das questões formuladas está intrinsecamente ligado à definição de Estado lançador e, por via de conseqüência, à responsabilidade por danos causados por objetos espaciais.

38. Admitimos, pois, que é grande a expectativa da comunidade jurídica em relação aos debates que serão travados num contexto de elevado nível técnico e, em especial, com o veredicto que será adotado para o caso vertente. Estamos certos de que uma vez mais estarão sendo colocadas à prova a aplicabilidade e a efetividade dos vigentes instrumentos internacionais reguladores da atividades espaciais em face de uma suposta situação fática, e que poderá, ou não, sinalizar para a necessidade de qualquer mudança. Aguardaremos com certa dose de ansiedade o resultado desse oportuno exercício jurídico.

VI – SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

39. Tem sido motivo de grande preocupação por parte da comunidade jurídico-científica internacional a matéria de solução das potenciais controvérsias em face dos vigentes Tratados Internacionais, sobretudo depois que entraram em cena os novos atores nas atividades de lançamentos espaciais.

40. Nesse particular, tomamos a liberdade de transcrever “ipsis litteris” as seguintes palavras do Prof. e Jurista Vicente Marotta Rangel , alusivas ao tema em foco:

“É a convenção sobre a responsabilidade que contém normas mais completas sobre a solução de controvérsias. Ela contempla uma Comissão de Reclamações, a ser instituída pelas partes interessadas, se nenhuma solução por via de negociação diplomática tiver sido alcançada. Dentro de dois meses cada parte indica um membro dessa Comissão, devendo o terceiro membro (presidente) ser escolhido pelas partes. Se a escolha do presidente não ocorrer dentro de quatro meses, cabe ao Secretário-Geral das Nações Unidas fazê-lo.

A decisão da Comissão, que será final, será obrigatória se as partes nisso houverem acordado; e recomendatória, se acordo a respeito não tiver ocorrido. De qualquer maneira, as partes deverão respeitá-la de boa fé. A indenização será determinada de acordo com o direito internacional e os princípios de justiça e equidade, ‘de modo a prover a reparação do dano com a restauração da situação que teria existido se o dano não tivesse ocorrido’ ( artigo XII). “

E arremata o Professor Marotta Rangel:

“De maneira geral, o sistema de solução de controvérsias é bastante incipiente no direito espacial. Inexiste tratado específico sobre esse sistema e, a fortiori, o mecanismo institucional respectivo.” (grifamos)

VII – CONCLUSÃO

41. Na preparação deste “discussion paper” tomamos como ponto de partida as disposições concernentes à “Estado Lançador”, “Estado de Registro” e “Responsabilidade Internacional”, contidas nos três instrumentos internacionais ora examinados, sem perdermos de vista alguns aspectos que julgamos relevantes, tais como:

? o surgimento de novos atores no campo das atividades espaciais: o progresso das aplicações do transporte espacial e a crescente participação da iniciativa privada, bem como a inserção do Brasil no mercado de lançamentos;

? a irreversível globalização das informações, como componente do processo de negociação entre os Estados nos fóruns multilaterais, independentemente do seu estágio de desenvolvimento científico, econômico e tecnológico;

? a revelação, no cenário internacional, de que o final da guerra fria e o conseqüente clima de distensão das grandes potências têm fomentado a liberação gradativa de programas espaciais militares, até há pouco tempo inacessíveis aos programas civis, para fins de uso comercial;

? a tendência da reciprocidade entre os Estados-Partes visando a troca de tecnologia no campo das atividades espaciais;

? a crescente tendência da cooperação internacional decorrente dos elevadíssimos investimentos exigidos pelo segmento espacial, e as reais dificuldades econômicas por que passam os governos dos países com programas espaciais ativos;

? a franca defesa do interesse público global, respaldada pelo princípio de caráter finalístico da exploração e uso do espaço exterior para benefício e interesse de todos os países;

? o ambiente para geração de um novo ordenamento espacial.

42. Estamos cônscios de que o direito precisa transformar-se em realidade eficiente, uma vez que as novas exigências fazem surgir situações que afetam à realidade dos fatos, podendo provocar um descompasso entre o teor da norma positiva e a sua efetividade, assim como, compreendemos que os acontecimentos decorrentes dos avanços científico e tecnológico podem e devem até mesmo impor uma reflexão sobre a efetividade das normas vigentes.

43. Todavia, somos levados à ilação de que nem o crescente processo de comercialização e privatização no campo das atividades espaciais, nem a constatação de que essas atividades simplesmente não existiam quando da codificação dos vigentes instrumentos legais, por si só sejam indicadores absolutos da necessidade de mudança na vigente legislação e, nesta ótica, sob o auspício do salutar exercício acadêmico, é que haveremos de continuar com os nossos debates para a construção do consenso ou, quando menos, de uma linha de entendimento que represente o pensamento da maioria deste Grupo de Trabalho. É preciso ou não propor mudanças? Eis a questão que o desafio nos impõe respondê-la com argumentos plausíveis, tanto numa, quanto noutra conclusão.

44. Compreendemos as inquietações suscitadas pelo ilustre Prof. Monserrat, que de forma clara e direta concluiu o seu artigo advogando a necessidade da elaboração de novas normas no campo do Direito Espacial, em razão da falta de regras específicas. Porém, queremos registrar que esta atividade intelectiva nos proporcionou um juízo de convencimento de que os vigentes instrumentos internacionais, a despeito das três ou quase três décadas de suas vigências, ainda têm efetividade, mesmo que no contexto marcado pela presença dos novos atores no intenso processo de comercialização e privatização das atividades de lançamentos, o que não significa dizer que não se deva pensar em acordos e/ou regras específicas, a nível infra-Tratados, e justificamos esta despretensiosa e preliminar linha de raciocínio alicerçados nos seguintes pontos:

? a definição “lato sensu” atribuída ao termo “Estado Lançador” nos parece favorecer o fortalecimento das parcerias, da responsabilidade e do comprometimento por parte dos participantes de um lançamento conjunto, além do que, dá àquele que vier a reclamar por algum dano decorrente dessa atividade uma maior garantia financeira para cobertura dos prejuízos, assim como maior celeridade nos procedimentos da sua reparação;

? consignar nos textos de Tratados uma restrição no universo dos Estados-Partes responsáveis pelo lançamento de um objeto espacial, como por exemplo, imputando responsabilidade apenas ao Estado-Parte que procedeu o registro daquele objeto, nos parece, à primeira vista, um caminhar na contramão dos acontecimentos nesse campo de atividades que requer elevados investimentos e, cada vez mais, o fomento de parcerias internacionais em projetos de longa duração visando drástica redução dos custos;

? a inserção de uma restrição no universo dos potenciais responsáveis nos dá a sensação de se estar vestindo uma “camisa de força” nos Estados-Partes, em particular, porque o texto dos atuais instrumentos lhes asseguram a faculdade da celebração de acordos quanto à divisão das obrigações financeiras pelas quais possam ser solidária e individualmente responsáveis, e aí, ao nosso ver, reside o ponto de relevância dessa salutar flexibilidade;

? as regras internacionais concernentes às atividades espaciais, como hoje estão consagradas, hão de permitir flexibilidade nas negociações a nível infra-Tratado, ou seja, no âmbito dos próprios Estados-Partes, de forma a facilitar o intercâmbio de informações e assegurar uma crescente compatibilização do interesse e da conveniência de cada uma das partes cooperantes em todo o mundo;

? nossa percepção acena na diretriz de que se ficar fixado no texto de um determinado dispositivo do Tratado que a responsabilidade pelos danos causados por um objeto espacial será de “A”, “B “ou “C”, conforme o caso, os Estados-Partes perderão um campo fértil e propício para a cooperação internacional e a conseqüente viabilização dos seus empreendimentos, eis que, do nosso ponto de vista, o ônus da imposição da responsabilidade exclusiva, via Tratado, pode se constituir num fator de desaceleração do progresso das parcerias no campo das atividades espaciais;

? enfim, entendemos que num primeiro momento o Brasil possa experimentar o vôo da livre negociação em razão da particularidade de cada contrato de lançamento, e por isso mesmo, cada lançamento a partir do território nacional deverá ser precedido de entendimentos com as autoridades competentes dos países nele envolvidos, objetivando fixar, a nível infra-Tratado, as responsabilidades das partes, de acordo como os seus respectivos interesses e a própria conveniência de cada um.

45. O Prof. Marotta Rangel , ao tecer seus comentários sobre a responsabilidade e garantias no Direito Espacial, assim se expressou:

“É sabido que, durante o processo de elaboração da Convenção de 1972, devido à oposição da União Soviética e dos países do bloco respectivo assim como ao pressuposto de que as atividades extra-atmosféricas estariam relegadas a futuro incerto e problemático, foi posto à margem dos debates e do processo decisório o tema da regulamentação dessas atividades. Não obstante esse fato, o Tratado sobre Princípios contém regras suficientes sobre essa regulamentação que apenas necessitaria de ser complementada em pontos específicos.” ( grifamos)

46. Considerando o caráter eminentemente acadêmico do entendimento aqui externado, nos declaramos publicamente de flanco aberto aos debates e aos argumentos dos nossos pares para nos convencermos de que o estado do “COMO ESTÁ” não só não é mais viável, como também comprometedor para o futuro das atividades espaciais, em particular para o Brasil. Em outras palavras, devemos continuar encorajando e incentivando o franco exercício desses debates, determinados em afastar o fantasma do “VAMOS DEIXAR COMO ESTÁ PARA VER COMO É QUE FICA”.

47. Apenas para corroborar a irrefragável complexidade deste tema, vale citar mais uma das sensatas colocações do Prof. Marotta Rangel , que bem retrata a inquietação provocada com a crescente participação da iniciativa privada no campo dos lançamentos espaciais, assim formulada:

“ 5. O impacto do fator econômico e a presença cada vez mais influente das organizações não-governamentais na área das telecomunicações suscita problemas novos, sobretudo no concernente ao postulado de soberania dos Estados. Corresponderia ainda hoje esse postulado a uma realidade concreta, substantiva, hegemônica, incontestável, como tem sido tradicionalmente conceituado? Permaneceriam as fronteiras estatais com a mesma opacidade e rigidez com que vêm sendo tradicionalmente concebidas? Até que ponto as organizações não-governamentais, inclusive as empresas transnacionais, mereceriam ser reconhecidas com sujeitos de direito internacional? (grifamos)

48. Importa dizer, por tudo que até aqui foi expendido, ser de suma importância para o processo da construção do consenso ou de uma linha de entendimento predominante no Grupo de Trabalho, a efetiva participação, o respeito, a paciência, a perseverança e a humildade por parte dos lançadores de idéias e de todos os seus pares - não teremos idéias vencedoras e nem vencidas, mas sim, o fruto de um esforço intelectual conjunto para se buscar o que de melhor o Grupo possa produzir, para só assim bem cumprir o desafio que abraçou. Prossigamos, então, com os debates francos e abertos, sem veleidades, com o natural e peculiar despojamento de um exercício acadêmico, e que o próprio Direito impõe aos seus operadores.

49. Com a percepção de que ninguém é senhor absoluto da verdade, é que submetemos este “discussion paper” ao crivo dos nossos pares, e escutaremos com atenção todas as críticas, com a convicção de que elas serão feitas no propósito único de somar e somar cada vez mais, em benefício do crescimento intelectual do próprio Grupo, com vistas ao objetivo maior ora perseguido: a identificação da necessidade, ou não, da formulação de uma proposta de modificação da definição de Estado Lançador para o atual contexto das atividades espaciais.


BIBLIOGRAFIA


CONVENÇÃO Sobre Registro de Objetos Lançados ao Espaço Cósmico, Assembléia Geral da ONU, 12.11.74, Aberta à Assinatura em, 14.01.75.

CONVENÇÃO Sobre Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais, Assembléia Geral da ONU, 29.11.71, Aberta à Assinatura em 29.03.72.

ESTUDO PROSPECTIVO DA ÁREA ESPACIAL, Projeto do Programa RHAE do CNPq/MCT/AEB.

MAXIMILIANO, Carlos, Hermenêutica e Aplicação do Direito, Forense, 15ª Ed..

MINUTA do Anteprojeto de lei elaborado pelo Dr. Sérgio Sardenberg.

MINUTA do Anteprojeto de lei elaborado pela INFRAERO.

MONSERRAT FILHO, José, Introdução ao Direito Espacial, SBDA, Rio de Janeiro, 1998.

MONSERRAT FILHO, José , Artigo intitulado “A crise do Direito Espacial na ONU”.

ROLIM, Maria Helena Fonseca de Souza, Noções e Aspectos Relevantes de Direito Internacional a Serem Considerados no Âmbito do Direito Espacial Brasileiro e Internacional, MCT/INPE.

TRATADO Sobre os Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Exterior, Inclusive a Lua e Demais Corpos Celestes, Assembléia Geral da ONU, em 19.12.66, Aberta à Assinatura em 27.01.67.

*Advogado e Membro do Grupo de Trabalho da Sociedade Brasileira de Direito Aeroespacial - SBDA



Artigos

ACORDO DE SALVAGUARDAS TECNOLÓGICAS ENTRE BRASIL E ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA: POR QUÊ APROVÁ -LO?
(14/05//2003 )


EXAME PRELIMINAR DAS REFLEXÕES SOBRE A “DEFINIÇÃO DE ESTADO LANÇADOR”, PRODUZIDAS NO NÚCLEO DE ESTUDOS DE DIREITO ESPACIAL – NEDE/SBDA
(14/05//2003 )


A AGÊNCIA ESPACIAL BRASILEIRA – AEB E O ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL DAS ATIVIDADES ESPACIAIS.
(02/05//2003 )


A REGULAMENTAÇÃO DO LICENCIAMENTO ESPACIAL BRASILEIRO
(02/05//2003 )


THE BRAZILIAN SPACE LICENSING REGULATION
(02/05//2003 )







Fonte:http://www.agespacial.gov.br/