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Regulamentação Internacional dos Sistemas Móveis Mundiais de Comunicações Pessoais por Satélites

 

José Monserrat Filho

Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Direito Aeroespacial e diretor do Instituto Internacional de Direito Espacial, editor do Jornal da Ciência, da SBPC e membro do Conselho Fiscal da ABJC.

As telecomunicações por satélites começaram a ser operadas nos anos 60, através da órbita geoesta-cionária (36 mil km da Terra, no plano da linha do Equador), por organizações intergovernamentais (Intel-sat, Intersputnik, Inmarsat, Arabsat, Eutelsat e outras) e regulamentadas pelos Estados nos marcos da União Internacional de Telecomunicações (UIT).

Estas telecomunicações compreendem, sobretudo, o serviço fixo por satélite (ponto a ponto), entre estações fixas na Terra.

Com uma exceção: a Inmarsat, que introduziu o serviço móvel por satélite, com estações instaladas em navios, aviões e veículos terrestres.

Mas, tanto o serviço fixo quanto o serviço móvel são prestados por satélites postados na órbita geoes-tacionária pertencentes a organizações intergovernamentais.

Os sistemas móveis mundais de comunicações pessoais por satélites (celulares globais) começam a ser operados nos próximos anos, através de órbitas baixas (400-1.500km) e médias (10.000- 12.000km) da Terra, por empresas privadas, e regulamentadas em conjunto por Estados e empresas privadas, nos marcos da União Internacional de Telecomunicações (UIT).

As principais diferenças entre os dois tipos de sistemas são:

• A primeira forma de comunicações por satélites se efetua entre estações, inclusive quando uma delas é móvel.

• A nova forma de comunicações por satélite tem sempre, numa ponta, um aparelho pessoal, e, na outra ponta, pode ter outro aparelho pes soal ou uma estação.

• A primeira forma de comunicações por satélites usa a órbita geoestacionária e um ou alguns satélites.

• A nova forma de comunicações por satélites, produto do avanço tecnológico dos últimos dez anos, usa órbitas baixas e médias, e constelações de satélites.

O sistema Iridium, por exemplo, terá 66 satélites a 756km de altura. O Globalstar, 48 satélites a 1.400km. O Odyssey (TWR), 12 satélites a 10.354km. O ICO (Inmarsat P), também 12 satélites a 10.354km.

(Há também propostas de comunicações móveis pessoais por meio dos satélites colocados na órbita geoestacionária, mas elas não constituem a tendência mais forte neste tipo de serviço.)

• A primeira forma de comunicações por satélites foi introduzida por organizações intergoverna-mentais, com participação predominante de empresas públicas nacionais.

• A nova forma de comunicações por satélites está sendo introduzida por empresas privadas multinacionais.

• A primeira forma de comunicações por satélites foi e segue sendo regulamentada pelos Estados reunidos na UIT.

• A nova forma de comunicações por satélite começa a ser regulamentada em conjunto por Estados e empresas privadas, reunidos na UIT, praticamente em condições de igualdade.

Empresas participantes, no caso, são as operadoras dos sistemas, as prestadoras dos serviços e as fabricantes dos aparelhos telefônicos pessoais (os terminais).

Assim, a tarefa reguladora está reunindo as entidades que detêm o poder soberano (Estados) e as entidades que detêm o poder tecnológico e financeiro (empresas privadas multinacionais).

Ambas as partes - Estados e empresas - têm demonstrado vivo empenho em se respeitar mutuamente, sobretudo naquilo que lhes é essencial: o direito soberano dos Estados de um lado; o domínio tecnológico e o interesse comercial das empresas de outro.

Claro que a última palavra continua cabendo aos Estados. Mas esta prerrogativa torna-se cada vez mais formal, na medida em que os Estados são forçados, queiram ou não, a levar na devida conta o imenso peso tecnológico e financeiro das empresas multinacionais, especialmente na área das telecomunicações.

Este relacionamento inédito entre Estados e empresas nos quadros de uma organização internacional surgiu no primeiro Fórum Mundial de Políticas de Telecomunicações, realizado na sede da UIT, em Genebra, de 21 a 23 outubro de 1996, para debater o ordenamento jurídico das novíssimas redes de celulares globais.

Países e empresas sentaram-se, lado a lado, com idêntico direito a voz e voto. Compareceram nada menos de 833 delegados, representando 128 Estados e 70 entidades e empresas do setor.

O encontro foi totalmente patrocinado pelas empresas. A UIT, como foi dito na oportunidade, não teria tido recursos para promovê-lo por conta própria.

O Fórum aprovou vários documentos importantes: cinco Opiniões e o projeto de um Memorando de Entendimento.

O texto do Memorando foi reexaminado em três ocasiões: na reunião do grupo de trabalho nomeado pelo Fórum, realizada em 14 de fevereiro deste ano, e nas duas primeiras reuniões dos signatários e prováveis signatários do Memorando, em 3 e 4 de abril e em 17 e 18 de julho, sempre na sede da UIT em Genebra.

Na reunião de julho, signatários e prováveis signatários concluíram um acordo sobre o Memorando de Entendimento. Nova reunião com o mesmo fim está convocada para 6 e 7 de outubro próximo.

As Opiniões consolidaram princípios básicos:

1) Introdução imediata dos serviçosde telefonia celular global.

2) Cooperação internacional para elaborar e harmonizar as políticas nacionais, tendo em vista facilitar a introdução dos novos serviços.

3) Criação de normas para impedir o uso dos serviços nos países onde eles não estavam autorizados.

4) Adoção de medidas urgentes para facilitar circulação mundial e a entrada dos celulares globais em cada país.

O acordo de julho sobre o Memorando de Entendimento pretende servir de marco para a rápida introdução dos novos serviços e, com tal propósito, enfatiza três pontos:

1) O transporte do aparelho celular global durante a visita a um país e seu uso no mesmo devem ser permitidos por força de um acordo geral de licença e não mediante autorização individual.

2) Um aparelho celular global pode ser autorizado a entrar num país, mesmo se não tiver licença de uso.

3) É preciso estabelecer condições técnicas para que os aparelhos celulares globais possam ser vendidos em cada país.

Algumas ressalvas são expressas, com plena clareza, para evitar suspeitas, melindres e temores por parte dos Estados, normalmente ciosos de seu poder soberano:

1) O acordo não altera nem diminui o direito soberano dos Estados ou de suas autoridades competentes de regulamentarem suas telecomunicações - direito este reconhecido, como premissa essencial, na Constituição e na Convenção da UIT em vigor.

2) A aplicação do acordo e de qualquer de suas disposições é voluntária.

3) As empresas operadoras e as prestadoras de serviços estarão sujeitas às leis nacionais dos países onde atuam.

4) Estas empresas fornecerão, em caráter confidencial e em prazo razoável, à autoridade competente de um Estado que assim o solicitar, os dados acordados sobre o tráfego de ligações, pelo novo sistema, do e para seu território nacional.

5) As empresas operadoras devem tomar medidas para impedir o uso de seu sistema nos países onde ele não esteja autorizado; elas também ajudarão os Estados a identificarem os fluxos de ligações autorizadas em seu território.

6) Os aparelhos pessoais estarão sujeitos, em cada país, às tarifas alfandegárias aplicáveis no caso e aos requisitos técnicos normativos locais.

7) As empresas devem proteger os dados específicos sobre cada cliente como informação altamente privada e confidencial.

O acordo define as condições essenciais para:

1) facilitar o reconhecimento mútuo das homologações dos aparelhos;

2) criar um regime simplificado de concessão de licenças aos aparelhos;

3) fixar um método de identificação dos aparelhos;

4) garantir o acesso das autoridades nacionais aos dados de tráfego das ligações, via celular global, de e para o país; e

5) facilitar o trânsito dos aparelhos pela fronteira dos países.

Como os Estados têm diferentes formas de homologação e diferentes regimes jurídicos, o acordo recomenda que eles reconheçam mutuamente seus procedimentos de homologação e de marcação dos aparelhos pessoais (celulares globais).

Aconselha, ainda, os Estados a procurarem estabelecer um sistema único de homologação para facilitar a rápida introdução dos novos serviços.

O acordo considera necessário que a homologação dos novos serviços seja feita, em cada país, de forma pública, não-discriminatória, e compatível com os entendimentos alcançados.

Recomenda que os Estados examinem a possibilidade de homologação dos aparelhos pessoais levando em conta, apenas, a declaração do fabricante, sem exigir outros procedimentos.

Insta os Estados a notificarem a UIT sobre cada homologação, com nome do fabricante e do operador, número do modelo do aparelho e a data da decisão, além das normas e dos procedimentos adotados no caso.

Ao homologar um tipo de aparelho, o Estado poderá autorizar o respectivo fabricante a gravar, de forma indelével, em cada aparelho, a marca "GMPCS-MoU" -- siglas de "Global Mobile Personal Communications by Satellite" e "Memorandum of Understanding".

O acordo julga conveniente isentar os aparelhos pessoais da exigência de licença individual em cada Estado. Propõe aos Estados que adotem um mecanismo simplificado e uniforme para licenciar os aparelhos e, assim, facilitar sua circulação internacional.

Os novos serviços utilizarão o espectro de freqüências de rádio a eles atribuído pela UIT em sua Conferência Mundial Administrativa de Rádio (WARC) de 1992 - a banda L.

Os Estados e suas autoridades competentes efetuarão, dentro da faixa estabelecida, as consignações de freqüências e posições orbitais aos aparelhos pessoais (terminais) dos novos sistemas.

A entrada em operação dos novos serviços dependerá, por fim, do bom resultado do processo de coordenação de freqüências e posições orbitais realizada entre os diversos sistemas, segundo os procedimentos da UIT.

E este processo deverá ser bem mais complexo do que o havido até hoje na própria UIT com referência à ocupação e ao uso da órbita geoestacionária, onde os problemas e os litígios já são preocupantes.

Parece-me surpeendente o que já se fez, em tão breve lapso de tempo, para se chegar com firmeza e elevado grau de consenso a uma regulamentação eficaz sobre tão difícil e singular matéria, praticamente sem precedentes.

Mas ainda há muito o que fazer. E os desafios pela frente não são nada triviais.

Texto enviado 05/09/2002

 


Fonte:http://www.santajus.unisanta.br/doutrina.asp?ID=52&varOrder=titulo,%20autor&viewArticle=381