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O tribunal marítimo

 

 

Mário Augusto de Camargo Ozório

Vice-Almirante (RRm)

ex - Presidente do Tribunal Marítimo

 

O que vem a ser o TRIBUNAL MARÍTIMO? Qual é a sua natureza jurídica? Para que serve? Como se compõe?
A estas e outras indagações visa a responder sucintamente este breve artigo.

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1. DEFINIÇÃO

A Lei que regula a matéria e que está em vigor com algumas alterações é a de nº 2.180, de 05 de fevereiro de 1954, cujo art.1º estabelece que "o Tribunal Marítimo é um órgão autônomo, auxiliar do Poder Judiciário, vinculado ao Poder Executivo através do Ministério da Marinha (para provimento de pessoal militar e de recursos orçamentários) e que tem como atribuições julgar os acidentes e fatos da navegação marítima, fluvial e lacustre, bem como as questões relacionadas com a navegação, incluindo o registro geral das embarcações e dos armadores". Portanto, a definição jurídica do Tribunal Marítimo é a de um órgão autônomo especial da administração direta da União.

Dessa forma, apesar de ser um "Tribunal" e ser composto por "Juízes", conforme prevê a citada Lei, não pertence ele ao Poder Judiciário, funcionando em relação ao mesmo, repete-se, como um órgão auxiliar, sendo que suas decisões são atos administrativos que funcionam como elementos de prova técnica, a serem levados em Juízo pelos interessados e, também, como agente para atos disciplinares relacionados aos marítimos que se envolvem em acidentes ou fatos da navegação.


2. BREVE HISTÓRICO

Tem-se notícia de que a criação do Tribunal Marítimo está vinculada ao caso do vapor alemão "BADEM", que, no ano de 1930, deixou irregularmente o porto do Rio de Janeiro e foi metralhado, com feridos a bordo. O Tribunal Marítimo da Alemanha, julgando o caso, considerou que houve precipitação do Comandante do Navio, bem como, negligência de nossas fortalezas que o bombardearam. No Brasil, houve apenas um inquérito administrativo sobre o fato. Desse modo, sentimo-nos inferiorizados por não possuirmos uma Justiça Marítima. Tal fato, entre outros incidentes, veio influenciar a Subcomissão Parlamentar de Direito Marítimo, que elaborou um Anteprojeto prevendo a criação de tribunais marítimos administrativos no país. Essa idéia foi incorporada ao Decreto nº 20.829, de 21/12/1931, que reorganizava a nossa Marinha Mercante. Todavia, o nosso Tribunal Marítimo só foi regulamentado pelo Decreto nº 24.585, de julho de 1934. Instalado em 1935, seu primeiro Presidente foi o Almirante Adalberto Nunes.

Desde aquela época, a história do Tribunal vem sendo consolidada nos seus Anuários de Jurisprudência, onde está registrado, como primeiro Acórdão, o relativo ao processo nº 29, de 1934, sobre o encalhe do "Hiate Venus".
Todavia, por coincidência, o processo nº 1 só foi julgado no dia 13 de dezembro de 1935 - Dia do Marinheiro. Tratava-se do naufrágio do Cutter "Constantinopla". Muito tempo decorreu desde então, até a última década, quando registramos como processos especialmente notáveis os relativos ao "Bateau Mouche"; "Theomana"; "Alinea P"; "Katina P"; "Mineral Star"; "Protoklitos IV"; "Kamari"; "Trade Daring" e outros de grande repercussão.

Durante todos esses anos, a principal razão de ser do Tribunal tem sido a de contribuir para a segurança da navegação. Assim, seu propósito não se limita a ser meramente punitivo. Seu objetivo é, sim, o de estabelecer as circunstâncias relevantes de cada acidente; perscrutar os fatores que lhes deram origem; publicar suas causas e fazer recomendações apropriadas à Autoridade Marítima, com vistas a alterações preventivas às Normas que tratam da segurança da navegação, à preservação da vida humana e proteção do meio ambiente marinho.

3. COMPETÊNCIA

A competência do Tribunal Marítimo deriva, inicialmente, de compromissos internacionais do Brasil, na qualidade de Parte Contratante de muitas Convenções, Códigos e Regulamentos na área marítima, no que tange à segurança e idoneidade da navegação, à salvaguarda da vida humana no mar e à prevenção da poluição das águas por embarcações. Dessa ampla legislação internacional, de cuja elaboração somos, em princípio, partícipes e, após ratificação, obrigados ao seu cumprimento, e de peculiaridades brasileiras adicionais decorre a legislação nacional sobre o assunto. Cabe à Autoridade Marítima Brasileira, exercida pelo Comando da Marinha (Lei da Segurança do Tráfego Aquaviário, nº 9.537/97), responsabilidade ampla em tal setor, o que se coaduna com o que prescreve a Lei Complementar nº 97/99, ao fixar suas atribuições, subsidiárias da Marinha. Em tal quadro, a contribuição prestada pelo Tribunal Marítimo é essencial.

Segundo os artigos 13 e 16 da já referida Lei nº 2.180/54, compete ao TRIBUNAL MARÍTIMO:

a) Primeiramente, julgar os acidentes e fatos da navegação. E o que vem a ser "julgar" um acidente?


A própria Lei estabelece que tal julgamento é feito; definindo sua natureza e extensão; determinando suas causas; indicando os responsáveis e aplicando-lhes penas administrativas; e propondo medidas preventivas e de segurança para a navegação.

O papel do Tribunal Marítimo não se limita, pois, à simples responsabilidade pela etapa final do julgamento e aplicação das sanções cabíveis, mas envolve, também, significativa participação nas medidas de amplo espectro que visam evitar a ocorrência de sinistros (prevenção de acidentes).

b) Paralelamente, em segundo lugar, compete, ao Tribunal Marítimo, manter o Registro da Propriedade Naval, das hipotecas e outros ônus, bem como o Registro dos Armadores.

O Registro Naval não significa apenas e puramente uma atividade cartorial, como se poderia pensar, a princípio. Sua transcendência é bem maior.

http://www.geocities.com/profpito/ciaba.html

É ponto pacífico, de fato, na comunidade marítima internacional, o relevante papel dos Estados soberanos de efetuar o Registro e, assim, assegurar e atestar as suas embarcações a própria nacionalidade, por conseguinte, conferindo a aplicabilidade, às mesmas, da legislação nacional e do trânsito internacional. O Registro de Propriedade e os demais que lhe são correlatos, independentemente de onde hajam sido lavrados os contratos e demais atos e documentos que os gerarem ou vierem a modificar, quando efetuados pelo Tribunal Marítimo e Órgãos congêneres de outros países, envolvem singularidade, a residir nos procedimentos, pesquisas e formalidades especiais que visam resguardar não apenas aspectos comerciais, em suas diversas facetas, mas a segurança da navegação, a salvaguarda de vida humana no mar e, ainda, a prevenção da poluição do meio ambiente marinho. Tal tipo de Registro deve competir às administrações marítimas nacionais, com a participação contributiva, em aspectos pontuais, de outros órgãos do Poder Público. É uma atividade de Estado, portanto. No Brasil, é atribuída legalmente ao Tribunal Marítimo, com jurisdição em todo território nacional, e por ele executada dentro de parâmetros internacionais, incorporados em sua Lei Orgânica (Lei nº 2.180/54) e demais legislação e regulamentação pertinentes.

Cumpre mencionar, também, o Registro Especial Brasileiro - REB, instituído pela Lei n-º 9.432, de 8 de janeiro de 1997, que veio dispor sobre a ordenação do transporte aquaviário como medida de apoio ao desenvolvimento da Marinha Mercante nacional. A regulamentação sobre a matéria veio com o Decreto nº 2.256, de 17 de junho de 1997.

Viram-se, assim, as atribuições clássicas do Registro do Tribunal Marítimo acrescidas, há cerca de um ano e meio, de outras novas, igualmente requerentes de elevada responsabilidade e idoneidade, a par de carecerem de amplas pesquisas e contínuos contatos e consultas, na área de Poder Público, para a concessão dos certificados pertinentes, a envolver, agora, especiais concessões e isenções a armadores nacionais, previstas na supracitada regulamentação.

Em tal aspecto, pois, é reconhecida legalmente, também, de forma clara, a competência exclusiva do Tribunal Marítimo para o exercício de atividade típica de Estado, a carecer de poderes, assessoria fiscal especializada, situação funcional específica e capacidade decisória que transcendem, em muito, a simples rotina cartorial que o suplicante parece crer ser suficiente ao mister em apreço.

De uma forma complementar, compete ainda ao Tribunal Marítimo: dar parecer nas consultas concernentes à Marinha Mercante que lhe forem submetidas pelo Governo; funcionar, quando nomeado pelos interessados, como Juízo Arbitral nos litígios patrimoniais conseqüentes de acidentes; propor ao Governo recompensas por atos humanitários praticados nos acidentes e sugerir ao Governo modificações à legislação da Marinha Mercante.

Como se pode verificar, o Tribunal Marítimo é um órgão intimamente relacionado com a atividade da Marinha Mercante.

4. COMPOSIÇÃO

O Tribunal Marítimo é composto por sete Juizes, a saber: um Juiz-Presidente - Almirante do Corpo de Armada, nomeado pelo Presidente da República, com mandato de dois anos, podendo ser reconduzido (não é um cargo efetivo); dois Juizes Militares - um Oficial do Corpo da Armada (presentemente especializado em Hidrografia) e outro do Corpo de Engenheiros e Técnicos Navais (especializado em casco ou máquinas), ambos na inatividade e nomeados por indicação do Comandante da Marinha; quatro Juizes Civis - dois Bacharéis em Direito (um especializado em Direito Marítimo, e outro em Direito Internacional Público), um especialista em Armação de Navios e Navegação Comercial e, finalmente, um Capitão-de-Longo-Curso da Marinha Mercante; todos os quatros nomeados mediante aprovação em concurso público.

O Tribunal Marítimo é coadjuvado por uma Procuradoria, a Procuradoria Especial da Marinha, instituída pela Lei nº 7.642, de 18 de dezembro de 1987. Trata-se de Organização Militar do Ministério da Marinha, com atribuições também na área de Assessoria da Alta Administração Naval. Compõe-se de um Diretor, um quadro de sete Procuradores admitidos por concurso público e um reduzido "staff"de militares e civis necessários às tarefas administrativas.




Fonte:http://mx.geocities.com/profpito/tribunalozorio.html