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A liberdade de estabelecimento no Mercosul à luz do direito comunitário europeu

 

Robson Zanetti

Especialista em Direito Comercial pela Università Statale di Milano, mestre e doutorando pela Universitè de Paris 1 ( Panthéon – Sorbonne ).

 

O presente artigo visa a dar um apanhado geral e não específico à respeito da liberdade de estabelecimento no Mercosul.

Nós abordaremos em um primeiro momento a questão referente ao princípio geral da liberdade de estabelecimento ( I ) e, em um segundo momento, como esta liberdade deve ser colocada em prática no Mercosul ( II ).

 

I – O princípio geral da liberdade de estabelecimento

A liberdade de estabelecimento constitui-se no direito que toda pessoa tem de se estabelecer materialmente em qualquer um dos Estados partes do Mercosul e desenvolver uma atividade econômica independente ou não assalariada por um espaço de tempo indeterminado.

A liberdade de estabelecimento é uma das quatro liberdades fundamentais existentes num mercado comum, quais sejam: liberdade de circulação de pessoas ( assalariadas e independentes ou não assalariadas ), liberdade de circulação de bens, liberdade de circulação de capitais e liberdade de circulação de serviços.

Esta liberdade deve ser aplicada as pessoas ( A ) de forma igualitária para que elas possam entrar e se estabelecer em qualquer um dos países partes do Mercosul e exercer uma atividade econômica ( B ).

 

A – Os beneficiários da liberdade de estabelecimento no Mercosul

Os beneficiários da liberdade de estabelecimento no Mercosul são as pessoas físicas não assalariadas e as pessoas jurídicas.

A pessoa física deve ter uma ligação jurídica de nacionalidade com qualquer um dos países partes para que seja beneficiária deste direito, mesmo que a pessoa tenha dupla nacionalidade ela será beneficiária desta liberdade, contanto que uma das nacionalidades seja ligada a um dos países parte do Mercosul. Os apátridas e refugiados não se beneficiam desta liberdade.

As pessoas jurídicas para se beneficiarem deste direito, primeiro deverão ser devidamente reconhecidas e após este reconhecimento elas poderão se estabelecer em qualquer um dos países membros e exercer uma atividade econômica através de seu estabelecimento principal ou através de outras formas de estabelecimento secundário, como por exemplo, através de filiais, sucursais ou agências.

 

B- O acesso e o exercício de atividades econômicas no Mercosul

Não basta que uma pessoa seja beneficiária da liberdade de estabelecimento para que ela possa exercer seus direitos, assim, uma condição preliminar e indispensável lhe deve ser reconhecida: seu direito de entrada e permanência em qualquer um dos países membros.

A pessoa física deve ter assegurado seu direito de entrada em qualquer um dos territórios dos Estados Parte do Mercosul e este direito deve ser facilitado também aos membros de sua família para que estes possam ingressar como beneficiários indiretos da liberdade de estabelecimento.

O documento que deverá ser exigido de cada pessoa é o passaporte ou uma carteira de identidade em curso de validade. Estes documentos possuem somente efeito declarativo e não constitutivo, já que, o direito de entrada é um direito originário do princípios do tratamento igualitário e não discriminatório entre as pessoas que possuem uma nacionalidade de um dos países membros. Nenhum outro documento poderá ser exigido destas pessoas, sobretudo, um visto de entrada.

Após a entrada em qualquer um dos países partes a pessoa deverá ter prolongado seu direito de entrada e este prolongamento se dá através de seu direito de permanecer no Estado parte que a recebe, pois, não seria possível que uma pessoa pudesse exercer uma atividade econômica por tempo indeterminado sem que lhe fosse assegurado o direito de permanência.

Existem algumas situações que devidamente justificadas impedem as pessoas de entrar livremente em um dos países membros. Estas exceções são fundamentadas em alguma razão de ordem pública, segurança nacional, saúde pública ou qualquer outra que venha a ser acordada pelos países integrantes do Mercosul.

Qualquer impedimento que venha a ser feito, não poderá ser exercido de forma ilegítima, assim, deve ser assegurado a qualquer pessoa com nacionalidade de algum dos países membros o direito a ampla defesa e ao devido processo legal.

Nem todas as atividades são liberadas no Mercosul, algumas atividades são excluídas do acesso e exercício dos próprios nacionais de algum dos países partes do Mercosul, como são as atividades econômicas que fazem parte do monopólio estatal.

As atividades econômicas que afetam a ordem pública, a seguridade pública e a saúde pública também são excluídas do acesso e exercício pelas pessoas. É importante que seja assegurado o direito de igualdade entre as pessoas que pertencem a algum dos Estados partes do Mercosul para que elas possam exercer uma determinada atividade econômica de forma concorrencial e sem discriminação.

Os problemas internos deverão ser resolvidos sempre por cada país parte, somente os atos que atinjam uma regra comunitária é que ficam sujeitos a um tratamento comum entre os países integrantes do Mercosul.

 

II – A colocação em prática do direito de estabelecimento no Mercosul

A tarefa de se colocar em prática a liberdade de estabelecimento no Mercosul certamente que não é uma das mais fáceis, em virtude do conflito de interesses e da ausência de uma legislação uniforme entre os atuais 4 países membros, porém, esta tarefa também não é impossível, como brevemente demonstraremos com algumas idéias gerais à respeito do tema.

Em primeiro lugar é importante que seja observado que o Tratado de Assunção não é uma obra acabada, ele é flexível. Este Tratado foi criado de forma a permitir que sejam feitas adaptações de forma progressiva e equilibrada conforme a necessidade interna de seus membros ( A ).

Esta adaptação progressiva permitirá assim, que muitas normas internas possam ser harmonizadas ( B ) e não necessariamente uniformizadas entre os países partes, para que esta liberdade de estabelecimento se torne plenamente viável.

 

 

A adaptação progressiva do Tratado de Assunção conforme as necessidades internas

Atualmente o Mercosul se encontra num estado preliminar à liberdade de estabelecimento chamado de zona de união aduaneira imperfeita. Após superado este estado nós marcharemos então para a formação do mercado comum do sul.

Para que os Estados partes possam atingir o almejado estado de formação de um mercado comum o primeiro passo será o de não introduzir novas restrições em matéria de liberdade de estabelecimento.

Além da não introdução de novas restrições, é necessário que sejam suprimidas as restrições existentes entre os países membros ou partes do Mercosul para que a liberdade de estabelecimento venha a ser realizada.

Será necessário também que um programa geral de liberação das atividades comerciais venha a ser elaborado pelo países partes e que este programa venha a atingir as principais atividades existentes no intercâmbio comercial, como por exemplo, as atividades ligadas ao setor financeiro, as profissões liberais, etc.

A não introdução de novas restrições e a supressão das já existentes pode se demonstrar insuficiente para a plena realização do mercado comum e também para assegurar a liberdade de estabelecimento e, por esta razão, será necessário que haja uma aproximação das legislações dos quatro países.

 

 

A aproximação das legislações dos países parte do Mercosul

Conforme já fora ressaltado brevemente no parágrafo precedente, será necessário que as legislações dos países partes sejam aproximadas em matéria de reconhecimento de diplomas, certificados e outros títulos.

Atualmente, o reconhecimento de diplomas, certificados e outros títulos no Mercosul não produz efeitos civis, mas somente acadêmico. Este sistema não permite o reconhecimento à título profissional, ou seja, um advogado argentino não tem seu diploma reconhecido para trabalhar livremente no Brasil nas mesmas condições que um brasileiro. É preciso que os países membros tomem uma posição a este respeito afim de permitir a livre circulação dos profissionais independentes no Mercosul reconhecendo os diplomas, certificados e outros títulos sob o ponto de vista profissional e não somente acadêmico.

Este aproximação das legislações que deverá ser realizada em matéria de reconhecimento de diplomas também é necessária em matéria de direito societário. As sociedades comercias, principalmente as sociedade anônimas constituem-se nas grandes unidades de produção dentro de qualquer mercado e a aproximação das legislações em matéria societária é indispensável para que as empresas existente no Mercosul possam concorrer no mercado internacional. Esta aproximação legislativa não significa dizer que elas devam ser unificadas. Devem serem criadas algumas regras de aproximação por exemplo em matéria de publicidade dos atos constitutivos, capital social, publicação de contas, etc.

 

 

 

Conclusão: A liberdade de estabelecimento no Mercosul é uma liberdade fundamental para a realização do futuro mercado comum do sul e ela pode ser perfeitamente colocada em prática.

O descrédito existente no Mercosul é gerado pela falta de conhecimento científico do funcionamento de um mercado comum e pela falta de profissionais que possam indicar quais são os problemas existentes no Mercosul e como resolvê-los. Falta produção científica a respeito dos temas ligados ao Mercosul. Na Europa, muitos professores e estudantes contribuíram para a formação do mercado comum europeo. Isto não está ocorrendo no Mercosul.

Não temos a intenção de copiar o modelo implantado no direito comunitário europeo, mas também não podemos deixar de aproveitar as boas idéias que deram certo naquele modelo para serem implantadas no Mercosul com as suas devidas adaptações.

 

retirado de http://www.apriori.com.br/artigos/liberdade_de_estabelecimento_no_mercosul.shtml