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11 de setembro

 

Dois anos após atentado, paz ainda está longe dos EUA.


Gonzaga Adolfo

Neste 11 de setembro, todos os noticiários do mundo irão lembrar aquele dia de 2001, de triste memória. Certamente ocorrerão solenidades nos Estados Unidos, a reafirmação do combate ao terror e estas coisas que já conhecemos. As emissoras de televisão certamente repetirão as cenas dos atentados. Novos depoimentos e gravações serão revelados.

A partir daquele fatídico dia, inicialmente os Estados Unidos trataram de arrasar o Afeganistão, na nova cruzada que não era mais entre Estados mas contra organizações terroristas, pois os mentores das ações pretensamente estariam naquele país.

Posteriormente, a maior potência econômica e bélica do planeta, com o auxílio de sempre da Grã-Bretanha, elegeu o Iraque seu grande inimigo. O secretário de Defesa Donald Rumsfeld pediu dez vezes para a CIA encontrar provas ligando o Iraque aos atentados terroristas do 11 de setembro de 2001. Mesmo com todo esforço dos serviços de inteligência dos Estados Unidos, nenhuma relação foi encontrada.(RAI, Milan. Iraque: plano de guerra; Dez razões contra a guerra ao Iraque. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2003, p. 230 e 236).

Mas aconteceu o esperado: os Estados Unidos e seus sócios invadiram e ocuparam o Iraque. Contra a ONU e o Direito Internacional. Dito de outra maneira, contra o Direito e a possibilidade de se construir um pacto de solidariedade e paz em nível universal.

Se Saddam Hussein não era exemplo de governante — e isso parece claro a todos os olhos —, a ocupação do Iraque a partir de falsa acusação sobre existência de armas nucleares e outros arsenais proibidos — que não foram encontrados por fiscais da ONU — parece não ter sido a melhor alternativa. Menos ainda se contra esta ação beligerente se mostrou o Conselho de Segurança da ONU, órgão decisório central em torno de conflitos a partir de sua criação, após a Segunda Guerra.

O ponto crítico e de enorme questionamento girava exatamente em torno do que a nova realidade e as "promessas" de reação indicavam. Se a superação da Guerra Fria e os conflitos sangrentos do século XX e a perenização da democracia e dos direitos humanos como valores supremos a serem perseguidos levavam a Humanidade ao sonho de novos tempos de paz e prosperidade, a porta de entrada do novo milênio a partir do 11 de setembro de 2001 nos deixa perplexos ao sinalar o contrário.

A realidade do momento mostra um Iraque totalmente fora de controle, com enorme convulsão interna e a manutenção de atentados terroristas, como o que vitimou o diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello. E o Direito Internacional (e com ele a ONU) em crise. Pode-se verificar que a crise da ONU não é só financeira, pois muitos países, entre eles os Estados Unidos, lhe devem quantias significativas. É uma crise institucional, pois precisa ser revisto seu papel no cenário internacional como mantenedora da paz a partir daí.

Dois anos depois, o Iraque ocupado, contra o princípio da não-intervenção consagrado da Carta das Nações. A paz mais longe e os Estados Unidos procurando novos alvos potenciais, ameaças reais ou fictícias à sua hegemonia no globo. A (re)visão do princípio da não-intervenção parte dos seguintes pressupostos: ou não há mesmo intervenção, vedando-a expressamente a inserindo meios assecuratórios disso (de sanção), o que seria difícil de imaginar em decorrência da realidade do Direito Internacional contemporâneo, ou se reforma o princípio da Carta das Nações Unidas assim definidor, permitindo a ingerência apenas para tutela dos direitos humanos, em condições excepcionais de guerra, fome, tragédias, agressões ao meio ambiente etc.

Como se postula a democracia substancial em nível interno, não há outro caminho senão buscá-la em nível internacional. Estranha e inadmissivelmente, a democracia pregada pelos Estados no âmbito de seu interior é lamentavelmente ignorada no âmbito das relações internacionais, onde impera a "lei do mais forte", seja econômica ou militarmente. A conjugação de ambos os fatores e interesses pode ser catastrófica, como bem demonstra a possibilidade de o verdadeiro interesse ter sido o petróleo, ainda abundante na Região.

Mais que uma revisão do Direito de Ingerência enquanto instituto e prática de Direito Internacional restringidor da soberania interna dos Estados, na verdade o que se conclui (e se busca) é a democratização da Organização das Nações Unidas.

Tudo certamente passa pela reformulação da ONU e até da Carta das Nações Unidas. Dito de outra maneira, diante da necessidade de democracia nas relações internacionais antes referida, se a valorização da política é um caminho para a solução de algumas das crises do Estado em seu nível interno, certamente também deve sê-lo no âmbito internacional. Fora dela não há solução! Pode até parecer utopia, mas não há outro jeito de alcançar a paz e apostar no sonhado futuro para a humanidade.

Revista Consultor Jurídico, 8 de setembro de 2003.

 

 

Fonte:http://www.conjur.com.br