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A nova ordem mundial
Valdenio Caminha
procurador do Estado do Maranhão, professor especialista do
UniCEUMA em Direito Administrativo e Direito Internacional
A História da Humanidade é
repleta de conflitos, sustentados por ideais religiosos, políticos, econômicos,
entre outros. O homem desde os primórdios utiliza como uma das formas para
solução dos conflitos a autotutela. A força militar, muitas vezes determina a
capacidade de impor a vontade política.
Nós, que estudamos o
Direito, buscamos a solução dos conflitos pelos meios jurídicos disponíveis
mais adequados, autocomposição ou tutela jurisdicional do Estado. No plano
Internacional, invocamos a construção de organismos multilaterais que
representem os interesses da sociedade internacional e que respeitem a
autodeterminação dos povos, com a conseqüente não intervenção, o direito à
autodefesa e à neutralidade dos Estados que não façam parte do conflito.
Albert Einstein, em carta
dirigida a Freud, datada de 30 julho de 1932, diante da proposta da Liga das
Nações, demonstra a preocupação da comunidade científica com a destruição que é
produzida pela guerra. E se apavora com o lado mercenário de uma pequena casta.
Ipsis Litteris:
"Refiro-me
especialmente a esse grupo reduzido, porém decidido, existente em cada nação,
composto de indivíduos que, indiferentes às condições e aos controles sociais,
consideram a guerra, a fabricação e a venda de armas simplesmente como uma
oportunidade de expandir seus interesses pessoais e ampliar a sua autoridade
pessoal". (1)
É difícil não reconhecer as
vantagens das guerras e o desenvolvimento que elas produzem. Na medicina, os
tratamentos emergenciais são extremamente desenvolvidos. Na área tecnológica,
não teríamos hoje a Internet se não fosse a Guerra Fria (1945/1990). Porém, é
necessário reconhecer que o comportamento do homem em relação à morte muda
significativamente durante o conflito. O temor parece transformar-se em
indiferença.
Fizemos estas considerações
porque entendemos ser importante afirmar que existem guerras justas (2) - mesmo
que os meios utilizados sejam inadequados - a guerra contra o Apartheid é uma
delas... e que é injusta a guerra para conquistar mercados, para expandir
interesses militares, políticos e econômicos por nações que não respeitam as
particularidades das outras. Pelo caráter injusto, deve ser rechaçada pela
Sociedade Internacional.
O conflito armado mais
complexo que a humanidade já viu, a 2ª Guerra Mundial, resultou na vitória dos
aliados EUA, URSS, China, França, Grã-Bretanha contra a Alemanha, Itália e
Japão. A Europa saiu destruída em razão dos maiores conflitos terem acontecido
naquela região e em 1945 erigiu-se a bipolaridade EUA x URSS.
As diferenças de ordem
política e econômica eram profundas. Por um lado, no Estado soviético,
predominava a economia planificada, estatizada e o ideal político socialista.
Pelo outro, no norte-americano predominava a sociedade de mercado e a
democracia representativa. O mundo estava dividido e contrabalançado pelo
poderio econômico e militar das duas partes.
A queda do Muro de Berlim
(1989) e o fim da URSS mudaram o cenário mundial. A bipolaridade deu lugar a um
único Estado, política, econômica e militarmente superior à reunião de todos os
outros, EUA. A partir de então nasce a necessidade de construção de uma Nova
Ordem Mundial. (3)
"De jovens
libertadores a liderança do Eixo do Mal". Os Estados Unidos fomentaram no
Oriente Médio a maioria dos conflitos hoje existentes. Israel é a nação que
recebe maior ajuda financeira norte-americana, apesar de ter atualmente o 4º
Exército Mundial. Osama Bin Laden foi recrutado, treinado e financiado para
lutar contra a invasão soviética ao Afeganistão. Sadam Hussein foi da mesma
forma financiado para combater e deter o avanço do Estado Iraniano pós Reza
Parlevi. Quem garante que os aliados curdos, na Guerra do Iraque - 2003, não se
tornarão inimigos no futuro?
Não existe espaço político
vazio. A ausência no plano internacional de uma oposição ideológica, econômica
e militar ao modelo norte-americano fez surgir como alternativa o
fundamentalismo islâmico. (4) Este, por vezes, se baseia numa sociedade que
ideologicamente se contrapõe ao livre mercado norte-americano, planifica sua
economia, abomina a idéia de um Estado laico e desenvolve armas de destruição
de massa para combater o poderio norte-americano.
A vitória eleitoral de Bush
trouxe à Casa Branca os "neoconservadores" e a política que combina
expansão imperial econômica, religiosa e imposição do pensamento ocidental a
toda a comunidade internacional.
O violento atentado
terrorista de 11 de Setembro de 2001 consolidou este pensamento imperialista,
definitivamente, no centro do governo Bush, que resolveu implementar a Doutrina
da Guerra Preventiva, há muito ideologizada pelo seu grupo político.
O terrorismo é fruto da
maldade humana ou necessariamente é o reflexo da ausência de estruturas
político-jurídicas que garanta o espaço para as diferenças serem expostas?
Assim, a falta de mecanismos jurídicos que garantam a expressão destes grupos
sociais os envia a atitudes extremas. A incorporação, a garantia da solução dos
conflitos por meios jurídicos acalma o furor do homem e o conforta diante da
utopia de uma chamada PAZ SOCIAL. A incerteza, a insegurança provoca o ódio e a
expressão dos sentimentos se revela de forma violenta. (5)
Jamais a derrota do
terrorismo ocorrerá por força militar, seu fim depende da reconstrução de
organismos internacionais que privilegiem a solução pacífica dos conflitos; a
submissão dos Estados ao Direito Internacional; o direito de autodeterminação
de cada povo e a impossibilidade do uso da força militar a não ser para defesa.
(6)
Após o 11 de setembro a
política anglo-americana mudou a lógica do Direito Internacional. A Carta das
Nações Unidas de 1945, estabelecendo que o uso da força só será possível na
legítima defesa de agressão e admitindo a utilização da força com a aprovação
do Conselho de Segurança da ONU, foi ignorada pelas superpotências,
EUA/GRÃ-BRETANHA.
O respeito à neutralidade
das nações que não estavam envolvidas no conflito, estabelecido nas Convenções
de Haia de 1907 (7) estava superado pelo surgimento de uma Nova Ordem que
estabelecia:
1- O direito dos
EUA/GRÃ-BRETANHA de utilizarem a guerra preventiva para combaterem possíveis
ataques;
2- Vale a máxima "quem
não está conosco, contra nós estará", pondo fim à neutralidade até então
assegurada pelos tratados internacionais;
3- A intervenção direta das
superpotências, impondo suas idéias e seu modus vivendi ao conjunto da
sociedade internacional.
Corremos todos nós o risco
de que parte significativa da população mundial, mais precisamente parcela do
povo árabe vítima dos ataques constantes por suas diferenças étnicas,
culturais, religiosas, políticas por exemplo, busque a alternativa de combate à
política norte-americana por meio do crescente avanço do terrorismo. (8)
A incapacidade da Sociedade
Internacional de estabelecer regras jurídicas aceitáveis por toda a comunidade
nos levará à catástrofe vista somente em tempos de barbárie. Estados como a
França e Alemanha por sua relevância geográfica, política e econômica, Brasil e
Índia, por suas importâncias regionais, devem ser signatários da reformulação
das Nações Unidas e servirem de contraponto à política anglo-americana em
curso.
A reconstrução das Nações
Unidas, com bases no expectro da democracia, do respeito à soberania das
nações, da proibição da utilização de armas de destruição em massa e que causem
sofrimento em demasia aos combatentes, do direito à neutralidade e do
privilégio da solução pacífica dos conflitos, configura-se em alternativa de
uma Nova Ordem Mundial.
A saída é o oposto do que
defendem alguns como a existência de um governo mundial, impossível de
respeitar as diferenças das diversas nações. A reação necessária é a ampliação
da democracia e fomentação de organismos multilaterais que estabeleçam
consensos internacionais.
Para os críticos do Direito
Internacional, pela ausência do poder de coerção estatal, temos duas afirmações
categóricas: 1- O Direito não se resume ao ilícito, aliás, a sua magnitude está
no campo da licitude. Neste caso, no estabelecimento de mecanismos - Tratados
Internacionais - que garantam a sustentabilidade do planeta. 2- A indagação da
impossibilidade de aplicação de sanções internacionais não tem supedâneo, pois
organismo multilateral com estrutura democrática e autoridade internacional
poderá estabelecer sanções, como o embargo econômico, àqueles que descumprirem
as regras jurídicas. (9)
O descumprimento das regras
jurídicas internacionais pelos anglo-americanos nos coloca diante da
constatação do fim da ONU e dos organismos multilaterais construídos com grande
esforço diplomático no último século. Essa realidade encaminha a solução dos
conflitos para autotutela, o Terrorismo Internacional - seja o praticado pelos
grupos fundamentalistas - ou o Terrorismo de Estado patrocinado especialmente
pelos EUA, GRÃ-BRETANHA e ISRAEL.
Não existe motivação
juridicamente sustentável para intervenção anglo-americana no Iraque. Sabemos o
que representa a ditadura de Sadam Hussein para o povo iraquiano, mas por que
começar pelo Iraque e não pela Monarquia Absoluta da Arábia Saudita - aliada
dos norte-americanos? O povo iraquiano é o titular do direito à escolha de
qualquer regime e governo para seu país.
A Comunidade Jurídica deve
manifestar-se favorável ao fim da Intervenção anglo-americana, à solução dos
conflitos internacionais por meio de instrumentos jurídicos que garantam aos
Estados liberdade e exigir o respeito à Carta das Nações Unidas (1945),
especialmente quanto:
a) aos limites ratione
personae (os não combatentes serão poupados de qualquer ataque);
b) aos lugares não
atacáveis (atacando somente os objetivos militares);
c) à proibição de métodos
que causem sofrimento excessivo aos combatentes;
d) à proteção à população
civil iraquiana;
e) à punição dos criminosos
de guerra iraquianos e anglo-americanos;
f) ao direito a
autodeterminação do povo iraquiano.
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NOTAS
01. Revista de Psicanálise
da SPPA, Volume VIII, nº 2 - ago /2001.
02. "A noção de guerra
justa permeou a obra dos clássicos. Santo Agostinho assim qualifica aquela que
obedece a um desígnio divino e lembra que, para outros pensadores, justa é
também a guerra que vinga injúrias ou força a (sic) restituição do que fora
indevidamente tomado - embora lhe pareça que a natureza humana recolhe
sofrimento de todas as guerras, e que o homem sábio as encara com contrição e
dor, ainda que justas"- in RESEK, José Francisco - Direito internacional
público: curso elementar, 9 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 358, abud
Agostinho, A cidade de Deus, livro I, cap. 21 e livro XIX, cap. 7.
03. "A implosão do
bloco soviético iniciou-se com o governo de Gorbachov, quando este anunciou que
não mais interferiria nos Estados do Pacto de Varsóvia. Vários Estados foram
desvinculando-se da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS
criando-se a Comunidade dos Estados Independentes - CEI, composta de algumas
das antigas repúblicas soviéticas"- in SILVA, Roberto Luiz - Direito
internacional resumido. Belo Horizonte: Inédita, 1999, pp. 24.
04. O fim da bipolaridade
entre EUA e URSS propiciou o renascimento do Fundamentalismo Islâmico como nova
opção político-ideológica (nem capitalista, nem socialista), segundo SILVA.
Acrescenta que "o fenômeno tem-se dado não só no norte da África (Argélia,
Tunísia, etc.), como no Oriente Médio e sul da ex-União Soviética (Turquia,
Armênia, Afeganistão, Azerbaijão, etc.). Concomitantemente com a coesão
político-ideológica dos Estados Muçulmanos, há uma maior desestabilização
econômica, em decorrência do crescimento e fortalecimento do movimento
fundamentalista" - SILVA, op, cit., p. 24.
05. A psicanalista
Jacqueline Rose considera que a humilhação é corolário da vergonha, que quando
estão juntas levam às pessoas a reagirem com violência - in entrevista ao
programa Milenium na Globonews, 05 abr 2003, 21h05min.
06. Carta de São Francisco
das Nações Unidas (ONU) - Capítulo VI - "Solução Pacífica de
Controvérsia" - art. 33 - 1. As partes em uma controvérsia, que possa vir
a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão antes de
tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação,
arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a
qualquer outro meio pacífico à sua escolha. 2. O Conselho de Segurança
convidará, quando julgar necessário, as referidas partes a resolver, por tais
meios, suas controvérsias" - in SOARES, Guido Fernando Silva - Curso de
direito internacional público, v. 1, São Paulo: Atlas, 2002, p. 165.
07. "As Convenções da
Haia de 1907, em número de treze, exprimem o chamado ''direito da Haia'' ou
direito da guerra propriamente dito - por oposição ao ''direito de Genebra'' ou
direito humanitário" - in RESEK, op. cit., p.361.
08. "Forças que
influenciam os sujeitos da Sociedade Internacional: Culturais - Manifestam-se
pela realização de acordos culturais entre Estados...; Econômicos - Os
problemas de natureza econômica exigem uma cooperação interestatal para a sua
solução...; Religiosas - (...) o Catolicismo originou os institutos da Trégua e
Paz de Deus; o Protestantismo teve atuação decisiva do tráfico negreiro; os
Ortodoxos gregos influenciam o movimento do pan-eslavismo; e, atualmente, os
Islamismo se apresenta como alternativa político-ideológica do norte da África,
Oriente Médio e sul da Ex-URSS; Políticas - a luta pelo poder originou as
ditaduras e o Imperialismo; Outras Forças - partidos e sindicatos
internacionais, Internacional Socialista, Organizações Não Governamentais -
ONG, Conferência Científica Internacional, dentre outros" - in SILVA, op.
cit. pp. 28/29.
09. Carta de São Francisco
das Nações Unidas (ONU) - Art.94 - "1. Cada membro das Nações Unidas se
compromete a conformar-se com a decisão da Corte Internacional de Justiça em
qualquer caso em que for parte. 2. Se uma das partes num caso deixar de cumprir
as obrigações que lhe incumbem em virtude de sentença proferida pela Corte, a
outra terá direito a recorrer ao Conselho de Segurança que poderá, se julgar
necessário, fazer recomendações ou decidir sobre medidas a serem tomadas para o
cumprimento da sentença" - in SOARES, Guido Fernando Silva - Curso de
direito internacional público, v. 1, São Paulo: Atlas, 2002, p. 174.
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BIBLIOGRAFIA
ACCIOLY, Hildebrando;
SILVA, G. E. do Nascimento. Manual de direito internacional público. 13. ed.
São Paulo: Saraiva, 1998.
AMORIM, Edgar Carlos de.
Direito internacional privado. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
CASELLA, Paulo Borba.
Direito internacional: vertente jurídica da globalização. Porto Alegre:
Síntese, 2000.
DOLINGER, Jacob. Direito
internacional privado. 6 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
ENTREVISTA da psicanalista
Jacqueline Rose. Programa Milenium com Sírio Boccanera. Rio de Janeiro:
Globonews, 06 abr. 2003, 21h05min.
MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Direito internacional público. 14 ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002. v.1.
________. Direito
internacional público. 14. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. v.2.
RESEK, José Francisco.
Direito internacional público. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
SOARES, Guido Fernando
Silva. Curso de direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2002, v.1.
SILVA, Roberto Luiz.
Direito internacional público resumido. Belo Horizonte: Inédita, 1999.
STRENGER, Irineu. Direito
internacional privado. 4. ed. São Paulo: LTR, 2000.
Retirado
de: http://www1.jus.com.br