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A população civil no Direito humanitário de guerra
Arthur Becker Mombach
acadêmico de Direito pela Unisinos, no Rio Grande do Sul,
pesquisador nos ramos de Direito Internacional Público e Privado
Sumário: 1 - Introdução; 2
- Evolução Histórica; 3 - Tratamento de civis na guerra; 3.1. - Obrigações
positivas; 3.2. Obrigações negativas; 3.3. Armas de destruição massiva; 4. O
estado de internamento; 5. Violações à boa-fe são possíveis? 6. Podem os civis
perecer na guerra sem haver um fato ilícito? 7. Conseqüências da violação; 8. A
Guerra na Iugoslávia; 9. Conclusões. Bibliográficas
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1. INTRODUÇÃO
A História humana, no
decorrer destes milhares de anos que marcaram a conquista de novos espaços por
nossa civilização, esteve constantemente envolvida em guerras. Pode-se afirmar
que o objetivo atual dos seres humanos que vivem sob o Estado Democrático de
Direito é estabelecer um convívio pacífico, porém não podemos negar que, não
poucas vezes, interesses diversos surgem entre os Estados, causando conflitos
internacionais.
Esta situação de conflito
esteve fortemente marcada na última década, da qual podemos extrair,
exemplificativamente, a Guerra do Golfo, em 1991, como a de maior repercussão,
mas também outros conflitos diversos, como a Guerra da Bósnia, em 1994, a
Guerra do Kosovo, em 1999, e, mais recentemente, a intervenção da Otan na
Macedônia. Diversos outros exemplos podem ser tomados, porém os acima citados
são os que mais se aproximam da idéia de uma guerra internacional, embora
eivados de violações aos direitos da "guerra justa".
Tendo por realidade fática
a existência de constantes violações aos direitos humanitários durante os
conflitos armados, é cada vez maior a importância de uma concentração de forças
internacionais, para que o sistema de sanções seja aprimorado. Atualmente, os
principais Tratados Internacionais são o conjunto de Convenções de Haia de
1907, as Convenções realizadas em Genebra em 1949, 1977 e 1996, e as recentes
Convenções de Nova Iorque, de 1981 e 1993, os quais delimitam uma série de
disposições e limites aos quais os procedimentos belicosos devem obedecer, para
que não violem as regras da guerra.
Nestes comentários,
centramos atenção às regras de tratamento à população civil, que é com certeza
a parcela da população mais profundamente marcada pelas guerras, seja
físicamente, ou, em maiores proporções, psicologicamente. Como veremos, aos
civis são reservadas uma série de garantias, a serem observadas por ambos os
governos envolvidos na operação.
Ao final de nossos
comentários, é também feita breve análise sobre a Guerra em Kosovo, exemplo
mais recente de um conflito público internacional, para que sejam comparadas as
regras humanitárias à sua prática, podendo-se ver como os conflitos geralmente
acarretam, da mesma forma,violações ao Direito Humanitário.
Não pode deixar de ser
lembrado, contudo, que o Direito Humanitário não é algo absoluto, desprovido de
exceções. Tais exceções, admitidas em caso de benefício geral, também serão
alvo de comentários em seção própria.
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2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA
A guerra, na História
humana, é certamente o instituto jurídico mais antigo. Desde o surgimento das
primeiras populações sedentárias, desenvolvidas no antigo Egito saariano (há
cerca de dez mil anos), ou no Crescente Fértil, região localizada entre os rios
Tigre e Eufrates, existem registros de conflitos entre as civilizações.
Inicialmente, as guerras
eram praticadas entre tribos pequenas, quando poucas conseqüências práticas
eram realmente auferidas. O desenvolvimento de nações, porém, marcou a evolução
da guerra para padrões de grande importância humanitária, uma vez que passaram
a estar envolvidas no conflito populações não de dezenas ou centenas de
indivíduos, mas de milhares ou, em casos mais modernos, até mesmo milhões.
Há poucos séculos, ainda
vigorava o estilo de guerra totalmente destrutiva, isto é, a guerra em sentido
mais amplo. Nesta modalidade, além dos exércitos inimigos, também era morta
toda a população civil dos Estados vencidos.
No império Romano, os
Estados que recusavam-se a obedecer à jurisdição do império, quando vencidas,
tinham suas cidades totalmente destruídas. No caos da destruição, eram mortas
as mulheres, as crianças e, em alguns casos, até mesmo os animais do estado
invadido. As plantações eram fulminadas, as construções demolidas. Enfim, não
restava nada do Estado vencido que se recusasse a seguir à jurisdição de Roma.
Da mesma forma, procediam
as guerras medievais, geralmente movidas por motivos religiosos, quando as
populações das cidades invadidas, salvo negociação entre os governantes feitas
pouco depois da tomada das cidades, eram totalmente dizimadas. Assim ocorreu,
via de regra, nas batalhas que configuraram as Cruzadas.
Mesmo recentemente, algumas
técnicas de ataque às populações em geral foram registradas. Como exemplo,
tem-se a ofensiva alemã à União Soviética, durante a 2ª Guerra Mundial, quando
as terras tomadas pelas tropas nazistas eram totalmente inutilizadas pelo corte
da vegetação e envenenamento de lavouras, o que impossibilitava, ao menos a
curto prazo, o repovoamento destas regiões.
As técnicas utilizadas
nestas guerras, contudo, marcavam sério prejuízo aos Estados invasores, uma vez
que, embora por um lado saíssem vencedores do conflito, tornavam-se
proprietários de vastas áreas de terra inutilizadas, sem recursos naturais e
tampouco recursos humanos. Sendo assim, tornava-se difícil e lento o
repovoamento e reconstrução destas áreas, justamente pela falta de recursos.
Nesta situação, tornava-se muito mais fácil a reconquista por tropas inimigas.
Tendo em vista tais
problemas, que, por um lado, representavam a morte de indivíduos não envolvidos
na guerra, e por outro, a inutilidade que as terras conquistadas marcavam para
o Estado vencedor, veio a surgir a necessidade de um Direito que regulasse
estas operações, o qual se traduz pelo Direito Humanitário.
Este Direito visa a
garantir a sobrevivência das populações não envolvidas no conflito, bem como do
maior número possível dos indivíduos envolvidos nas tropas militares. Garante,
da mesmo forma, uma maior proteção aos recursos que mantém a infra-estrutura
das terras envolvidas, partindo das lavouras e fontes de água, até as
estruturas como, exemplificativamente, fontes de energia elétrica, escolas,
hospitais, templos religiosos, entre outros.
Diante destas disposições,
o antigo problema das guerras é resolvido. Como resultado principal, tem-se a
sobrevivência de indivíduos não envolvidos, evitando-se as grandes perdas
humanas tidas até então. Por outro lado, também fica sanado o problema do
arrasamento de terras. Não sendo destruídos os recursos das terras invadidas,
ficarão estas em estado de melhor proveito após o encerramento da belicosidade.
Sendo o tema deveras amplo,
concentraremos comentários sobre o tratamento reservado aos civis durante o
estado de guerra internacional, que, conforme já observado, compõem a parcela
humana mais atingida, seja física ou psicologicamente, por uma guerra.
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3. TRATAMENTO DE CIVIS NA
GUERRA
Na esfera internacional, o
Direito Humanitário reza que a tutela dos civis, muito além de residir nos
deveres do Estado invadido, também recai sob os deveres do Estado invasor.
Sendo assim, toda e qualquer ofensiva militar deve proceder-se mediante todo o
cuidado possível, para que não haja danos aos civis do Estado atacado.
Os deveres do Estado
interventor em relação aos civis do Estado invadido são divididos, de forma
ampla, em obrigações positivas e negativas. Em relação ao Direito Civil pátrio,
tal situação poderia ser comparada às "obrigações de fazer" e
"obrigações de não-fazer", isto é, aos civis do Estado invadido deve
ser conferido um tratamento humanitário digno, cujas caracterísitcas
subdividimos abaixo:
3.1. Obrigações positivas
Como principal obrigação,
relacionada ainda que indiretamente aos civis, pode-se enumerar o dever tido
pelo Estado interventor de respeitar e facilitar o acesso de tropas
humanitárias ao campo de guerra, assim como oferecer, adicionalmente, proteção
a estes órgãos internacionais. São exemplos de tropas humanitárias, a Cruz
Vermelha (Crescente Vermelho) e a Ordem de Malta.
Crianças e mulheres devem
ser respeitadas com distinção. Às crianças, deve ser oferecida a possibilidade
de manterem ativas sua freqüência às escolas. Às famílias como um todo, o
Estado interventor deve garantir a possibilidade de que as reuniões familiares
sejam realizadas com normalidade, quando estas forem possíveis. Se houver
necessidade de internamento, o que pode ocorrer em casos de risco aos civis em
ficarem nas cidades em guerra, as famílias não deverão ser separadas, sobretudo
as crianças.
O sistema Judiciário,
embora não necessariamente deva permanecer o mesmo para o Estado sob novo
domínio, deve necessariamente ser mantido em um nível de razoabilidade para a
população civil, não mantendo leis abusivas para com estes. Os magistrados
devem ser mantidos independentes. Devem, da mesma forma, ser garantidos acesso
à educação, culto religioso, serviços de higiene e alimentação ideais à
sobrevivência digna.
Entre outros deveres
positivos do Estado interventor, também deve ser respeitado o estado de
neutralidade e bom acesso às áreas desmilitarizadas do conflito.
3.2. Obrigações negativas
Opondo-se às obrigações
positivas para o Estado invasor, existem também as obrigações negativas, atos
aos quais o Estado interventor deve abster-se, sob risco de violação aos
preceitos do Direito Humanitário. Destes deveres negativos, destacam-se:
É proibido, no estado de
guerra, o ataque aos civis ou de suas propriedades. Neste contexto, contudo,
deve ser feita ressalva. A título de exemplo, pode-se adotar o caso de uma luta
frente a frente de tropas inimigas, onde milhares de militares estejam
envolvidos. Neste caso, se ao fim do combate resultarem algumas baixas entre
civis, não restará consumado um delito humanitário, dada a imprevisibilidade de
civis no local. O que proíbe-se, portanto, é o ataque direto a civis por parte
do invasor, ou então o ataque feito indiscriminadamente a alvos civis e
militares (como exemplo, podemos citar o caso de um bombardeio massivo de uma
pequena cidade, onde supostamente se abriga o exército inimigo - ao fim do
ataque, certamente tal exército estará dizimado, porém, juntamente com este, um
enorme número de civis que residiam no local).
Da mesma forma, é vedada a
prática de "escudos humanos" à base de civis, seja para favorecer ou
impedir operações militares. É vedada a prática da tática de "terra
arrasada", isto é, devastar as terras conquistadas para impedir
repovoamento da população original, ou para deixar esta perecer pela fome. A
prática de pilhagem, tão comum nos tempos antigos, é terminantemente proibida.
Também é proibida a
destruição de estruturas de interesse civil, como, a exemplo, hidrelétricas,
estações de distibuição de eletricidade, entre outros, exceto no caso de estes
configurarem fins militares.
É vedado o envio de civis
para áreas fora de suas zonas de habitação, onde suas vidas possam estar em
risco (salvo em casos de internamento, o que será visto em seção diversa). O
recrutamento de menores de quinze anos de idade para a guerra é proibido, bem
como a condenação à morte de menores de dezoito anos, mulheres grávidas ou mães
de menores, bem como a execução de pena marcial para indivíduos que tenham sido
sentenciados há mais de seis meses.
3.3. Armas de destruição
massiva
Pelo disposto acima,
fica-nos óbvio que é vedada a utilização de armas de destruição em massa contra
o Estado invadido, tais como armas químicas, biológicas ou de poder nuclear,
uma vez que estas armas, pela sua ampla natureza destrutiva, representariam um
ataque indiscriminado contra alvos civis e militares, situação que é vedada
pela Regra Humanitária.
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4. O ESTADO DE INTERNAMENTO
O estado de internamento,
resumidamente, surgiu para a proteção de indivíduos estrangeiros, nascidos ou
mesmo pertencentes a Estados inimigos, que residam dentro do Estado atacado por
este, sejam melhor protegidos em nome da segurança nacional, e também da
proteção do próprio Estado atacado. Por um lado, este procedimento será
necessário devido à perseguição realizada pela população em geral a estes
indivíduos no Estado atacado; por outro, evita que estes indivíduos, tomados
pelo furor de ódio patriótico, passem a representar perigo à população do país
em que residem. Via de regra, a Regra Humanitária aconselha que os civis devem
ser mantidos em suas residências, sendo afetados da menor forma possível pelo
estado de beligerância internacional, porém o internamento é praticado quando
há indícios suficientes de que os estrangeiros possam representar ou sofrer
perigos, estando em liberdade. Note-se, porém, que mesmo na liberdade, é
permitido ao Estado agredido, ou mesmo o agressor, vedar ou censurar a
correspondência de cidadãos do outro Estado, suspender seu direito a pactos
comerciais, comércio, entre outros diversos, sem que haja, necessariamente, o
internamento.
Os internados são removidos
para áreas seguras, preferencialmente abrigos dotados de infra-estrutura
básica. Nestes casos, deve ser observada a "reunião familiar", que é
a regra internacional que veda que as famílias, sobretudo as crianças, sejam
separadas entre si e dos seus ascendentes. O internamento não pode ser
confundido com a prisão, uma vez que esta última, vem em conseqüência de um
ilícito, enquanto a primeira é meramente realizada em caráter preventivo, sem
haver a pretensão punitiva do Estado, como na execução de uma pena. São
vedados, em todos os casos, a prática de torturas, tratamentos cruéis ou
degradantes e também o trabalho forçado dos indivíduos em internação.
No Brasil, o internamento é
previsto na Lei 3.393/17, elaborada no decorrer da 1ª Guerra Mundial. Por força
desta lei, o Brasil realizou a internação de Japoneses e Italianos durante a 2ª
Guerra Mundial, devido às ameaças que estes corriam perante a opinião pública
desfavorável. Note-se, porém, que o Brasil somente declarou guerra ao Japão no
ano de 1945. Logo, nem sempre será necessária a guerra declarada para que se
proceda ao internamento de civis que corram perigo ou possam oferecer algum:
basta o "perigo fático", em oposição ao "perigo de
direito", que iria requerer a guerra declarada para algum internamento ser
possível.
Destaca-se que, embora tenha
cumprido a regra de internamento, o Brasil, na 2ª Guerra Mundial, violou
disposições do Direito Humanitário, uma vez que realizou apropriação indevida
de bens pertencentes aos indivíduos internados.
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5. VIOLAÇÕES À BOA-FÉ SÃO
POSSÍVEIS?
O Direito da Guerra, tendo
como cerne o caráter humanitário, nos leva a dar primazia ao conceito de boa-fé
mútua objetiva, como primeiro requisito das intervenções. Logo, restariam proibidos
quaisquer métodos resultantes de ardilosidade, para a vitória contra o inimigo.
Por exemplo, são proibidas
por convenção recente, o uso de minas terrestres (não distinguem entre civis e
militares, além de ser um meio cruel), previstas no Protocolo de Genebra, de
1996; da mesma forma, não é permitida a dissimulação, como, por exemplo,
utilizar distintivos diferentes daqueles utilizados pelo Estado invasor, como o
distintivo de ordens de caridade, ou bandeiras de paz, levando o inimigo a uma
emboscada pela dissimulação.
Sendo assim, fica proibido
o uso de métodos que confundam ardilosamente o Estado opositor. Porém, há casos
em que mesmo as regras humanitárias podem ser desconsideradas, dentro de certos
limites. Este é o caso de uma necessidade imperativa envolvendo civis - nosso
tema - ou mesmo militares. Por exemplo, se o Estado invasor, em uma violação
aos direitos da guerra, realiza uma tomada de reféns em massa na população
civil do Estado intervindo, mantendo-os em cativeiro além das linhas de
conflito, será permitido o uso de dissimulação para que haja o resgate. É
tolerado, por exemplo, que haja o sequestro de tanques inimigos, ou uniformes
da tropa adversária, para que, confundindo as tropas inimigas, exista o resgate
dos civis, ou também militares em poder adversário.
A natureza jurídica deste
modo de atuação é o caráter não-prejudicial, isto é, se a dissimulação em nada
afetar os planos do Estado adversário, seja em vidas, seja em planos (que
poderiam ser espionados), seja em preparação bélica, e ainda servir para o
resgate de vidas que em estão ameaçadas pelo inimigo, a boa-fé objetiva pode
ser violada. A permissão vem do próprio ideal da "guerra
humanitária", ou seja, se esta prima pela máxima sobrevivência, tanto de
civis como de militares nos conflitos, nada impediria que um recurso, ainda que
provido de ardil, seja utilizado para poupar a vida de seres humanos, sem, no
entanto, prejudicar outras.
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6. PODEM OS CIVIS PERECER
NAS GUERRAS SEM HAVER UM FATO ILÍCITO?
Há casos, em regime de
exceção, em que pode haver o perecimento de civis no estado de guerra sem que,
porém, haja a violação do Direito Humanitário por parte do Estado interventor.
Exemplos já foram citados anteriormente, como é o caso de ataques a militares
que acabam atingindo civis. São casos tutelados pela Lei Humanitária:
1) Se alguns civis
perecerem em meio a uma quantidade muito maior de militares, tendo como nexo
causal o mesmo fato, não haverá violação da regra humanitária, uma vez que não
há como cessar o combate para diferenciar civis de militares, o que
representaria o colapso de um exército e sua sucumbência às armas inimigas. Em
situação de combate, além disso, é imperativa a permanência dos civis em locais
seguros, ou em internação.
2) Outra situação de
perecimento de civis que não configura ilícito humanitário, é a morte de civis
que trabalham em atividades com fins militares. Por ser imprevisível a presença
de civis em estabelecimentos com fins militares, o Estado internventor não
terá, subjetivamente, a meta de causar a morte de civis. Estes perecerão por
negligência não do Estado interventor, mas sim do Estado que sofre a
intervenção, que não deveria ter empregado civis no local.
3) Uma terceira modalidade
em que é permitido o sacrifício de civis - esta, porém, não resulta diretamente
no perecimento -, é a destruição de lavouras - a "terra arrasada" por
parte do próprio governo do Estado atacado, se esta prática for necessária para
evitar o ataque inimigo. Como exemplo, podemos citar o caso de inundação de
áreas de terra aliada para evitar a passagem de tropas inimigas. Neste caso,
pode haver o sacrifício do bem-estar dos civis, quiçá o perecimento de alguns.
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7. CONSEQÜÊNCIAS DA
VIOLAÇÃO
A conseqüência óbvia de uma
violação às disposições da Lei Humanitária para o procedimento de beligerância
interestatal, é a configuração de um ilícito internacional. Amplamente previsto
em doutrina, estes ilícitos tornam o Estado agressor desprovido de motivos para
sua intervenção, o que acarreta uma série de sanções internacionais.
Não podemos dizer, contudo,
que a violação às regras da Guerra Justa poderão permitir que terceiros países
realizem intervenção no Estado agressor, uma vez que, na ampla vigência atual
de Tratados de Cooperação Internacional (ONU, OTAN, etc.), aqueles países que
mais poderiam realizar uma intervenção sancionatória, certamente já estariam
envolvidos desde o início dos conflitos, ainda que diplomaticamente.
Sendo assim, a prática de
um delito internacional, em Estado de guerra, acarretará três conseqüências
básicas: a) a repercussão negativa nos Estados Neutros; b) as represálias
diplomáticas por parte destes países; e c) punição do responsável pelo ilícito.
Recaindo sob o cerne do
tema de discussão, isto é, o reflexo na população civil, a prática de um
ilícito internacional acarretará aos civis do Estado agressor, ampla
desvantagem na esfera internacional, uma vez que, como sanção da comunidade
global, haverá o corte de grande parte dos tratados internacionais que regem o
comércio, a circulação de estrangeiros, entre diversos outros. Nas esferas mais
incultas da sociedade, poderá inclusive haver perseguição dos estrangeiros
pertencentes ao Estado agressor, através da ultrapassada "política do
sangue", mas ainda vigente em alguns países, o que mais se conhece como
"xenofobia".
Sendo assim, pode-se com
certeza atribuir amplas desvantagens para a população civil, que tenha origem
em um Estado que viole as regras de conduta internacional. Tais desvantagnes,
na ocorrência do ilícito, serão expandidas dos Estados inimigos para todos os
países da Comunidade Global que primam pelo Direitos Humanos.
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8. A GUERRA NA IUGOSLÁVIA
O conflito armado formado
entre a Otan e a Iugoslávia, em 1999, é atualmente o exemplo mais recente, de ampla
divulgação, de uma intervenção pública internacional em um determinado Estado.
Com base neste conflito, podemos fazer uma breve análise sobre as atuações que
violaram preceitos da Guerra Humanitária. Tal comparação é de considerável
importância, uma vez que, através desta, é possível aliar teoria à prática,
reconhecendo o âmbito externo pelo qual se passou o conflito.
Em primeiro lugar,
analisamos a atuação da Iugoslávia. Sem dúvida, pelo que foi amplamente
divulgado em imprensa, o fato gerador da beligerância marcou uma grave crime
contra a Regra Humanitária, e até mesmo os Direitos Humanos (que não podem ser
confundidos). O mais grave delito foi a perseguição étnica contra o povo
albanês, praticada antes e continuando após a intervenção da Otan. Por este
delito, vários generais iugoslavos, e até mesmo o presidente na época, Slobodan
Milosevic, estão sendo ou serão julgados no Tribunal ad hoc de Haia para crimes
contra a humanidade praticados na Iugoslávia. Em recente condenação, um general
sérvio foi condenado a várias dezenas de anos em prisão.
Por outro lado, também
existem os delitos praticados pela própria Otan, que não podem deixar de ser
lembrados. O mais marcante, foi o sistema de guerra adotado, isto é, o
lançamento de mísseis através de bombardeiros de grande altitude (os B-2), ou
dos mísseis Tomahawk, de navios localizados no Mar Adriático, a mais de cem
quilômetros de Belgrado, o que configurou o delito de "ataque
indiscriminado a civis e militares", uma vez que não havia como determinar
ao certo se o alvo atingido seria uma fábrica de explosivos para o exército,
ou, num erro mínimo do alvo, a escola ou o hospital que poderiam estar ao lado.
Não restando no campo da especulação, diversas vezes houveram notícias de
instituções deste tipo atingidas por ataques que erraram os alvos.
Outro delito existente, foi
a destruição sistemática de fontes de energia, que deixou a população civil em
sérias dificuldades. Esta prática, todavia, é permitida pelo Direito
Humanitário quando o alvo atingido, embora seja de utilidade civil, aplique-se
igualitariamente para fins militares.
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9. CONCLUSÕES
Pode-se dizer, pela análise
dos textos internacionais que atualmente regem a aplicação do "Conflito
Humanitário", que, muito antes de retratar uma realidade, um ser (sein), o
Direito Humanitário figura meramente no campo da ambição internacional, o
dever-ser (sollen). Dizemos isso, pois corriqueiramente acompanhamos conflitos
onde as regras internacionais são sistematica e reiteradamente violadas, sem
que, sequer, haja sanção internacional.
Exemplo desta parcial
ineficiência do Direito Humanitário, resultado do subdesenvolvimento do sistema
sancionatório internacional, é o próprio caso da intervenção na Iugoslávia.
Como pôde ser reparado, ambos os envolvidos cometeram infrações à Regra
Humanitária, porém somente uma delas, a parte perdedora, foi levada aos
tribunais internacionais por crimes de guerra. Sem dúvida, foi também a que
cometeu o delito mais grave, o de perseguição étnica, porém não se pode negar
que os ataques à Iugoslávia deixaram centenas de civis sérvios mortos, sem que
estes estivessem envolvidos nos problemas internacionais ou mesmo os de
perseguição étnica.
Pode-se dizer que o devido
controle de crimes de guerra e do cumprimento do Direito Humanitário ainda está
fortemente vinculado à força política internacional dos Estados envolvidos.
Somente com o aperfeiçoamento do sistema sancionatório internacional,
poder-se-á chegar a um patamar ao menos satisfatório de cumprimento do Direito
Humanitário de Guerra, uma vez que atualmente, somente são punidos os
indivíduos ou Estados pertencentes à parcela de países com pouca força
diplomática internacional, esta derivada de seu fraco desenvolvimento
econômico, tanto interna como externamente, fato este que acaba deixando
desportegidos os civis de Estados mais pobres, em relação a possíveis conflitos
internacionais.
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BIBLIOGRAFIA
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A guide for professional soldiers. Prepared for action: law of war,
ICRC, Geneva, 1995.
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1998.
MATTOS, Adherbal Meira.
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MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 11 ed., Rio
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SAAVEDRA LAMAS, Carlos,
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"The Law of War and
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no. 202, p. 20-45, 1978.
Retirado
de: http://www1.jus.com.br