1. Introdução
A Nacionalidade tem sido no correr dos
anos matéria fecundante de muitas teorias e objeto de acirradas controvérsias
entre os mais famosos doutrinadores nacionais, tanto no Direito Constitucional
como no Direito Internacional (STRENGER, 1996:195). No entanto, com o
surgimento do MERCOSUL, acredita-se na existência de um novo enfoque sobre o
assunto que merece espaço para ser discutido. Afinal, a elaboração das normas
sobre a Nacionalidade de um povo são de inteira responsabilidade dos Estados.
Sem uma nacionalidade definida o
indivíduo fica impossibilitado de participar politicamente da vida de seu País
e de ser cidadão do mundo. É situação atípica. Principalmente, porque as Nações
Unidas pregam que todos têm direito a ter uma nacionalidade, ou melhor, a ser
protegido por um Estado, para poder ter direitos e deveres respeitados.
Dolinger defende que a aferição da
nacionalidade de cada um é importante pois distingue nacionais e estrangeiros,
cujos direitos não são os mesmos. Assim como explica que países que adotam o
critério da nacionalidade para reger o estatuto pessoal, a nacionalidade é
pressuposto da maior importância para o Direito Internacional Privado, haja
vista que a proteção diplomática dos nacionais no exterior, depende igualmente
da determinação de sua nacionalidade (DOLINGER, 1994:135).
O MERCOSUL é instituição recente.
Certamente com probabilidades de sucesso. Porém, dependendo de normas que deverão
ser aprovadas, internamente, pelos Estados-membros, para ter qualquer eficácia.
Por isso é necessário um estudo detalhado sobre o tema proposto, para que se
possa concluir pela necessidade de adequar as normas brasileiras quanto à
nacionalidade frente à nova realidade trazida pelo MERCOSUL.
Afinal, o Direito, como ciência
autônoma, precisa responder aos anseios da sociedade, se há uma nova realidade
o direito deve discipliná-la. A relevância do estudo aqui apresentado pretende,
sem esgotar o assunto, tratar superficialmente da questão da nacionalidade no
contexto do Mercosul, tema pouco explorado pelos juristas nacionais, buscando
demonstrar sua importância e sugerir a elaboração de uma possível Emenda ao
art. 12 da Constituição Federal.
2. A Nacionalidade e o MERCOSUL
Acredita-se que a Nacionalidade é,
verdadeiramente, um vínculo que faz do indivíduo um membro da comunidade
constitutiva da dimensão pessoal do Estado. Fazendo com que se possa definir
como nacionais aquelas pessoas submetidas à autoridade direta de um Estado, com
reconhecimento de direitos civis e políticos, assim como, do dever de proteção
de seus nacionais, além das suas fronteiras.
Realmente tem fundamento ser a
apatridia considerada uma anormalidade, pois a carência de nacionalidade por
parte de um indivíduo significa a impossibilidade de localizá-lo ou
identificá-lo, dentre os demais, na coletividade. No entanto, a perda da
nacionalidade é individual; não atinge ninguém além daquele que assim o desejou
ou que, contra si, foi aplicada tal pena.
Segundo Dolinger, o regime adotado no
Brasil só admite a perda da nacionalidade por ato voluntário, não comportando,
portanto, a perda da nacionalidade por motivo de natureza tácita como é a
renúncia. (DOLINGER, 1994:165)
As normas brasileiras sobre a
nacionalidade, certamente, deverão ser adequadas à nova realidade do mundo. As
lacunas ainda existentes, deverão ser preenchidas. A evolução das relações
internacionais entre o Brasil, o MERCOSUL e o Mundo, modificarão os conceitos
sobre a nacionalidade, colocados até então.
Ratificando o acima exposto, Celso
Mello deixa claro, acompanhando as novas tendências do mundo contemporâneo, que
"o próprio processo de integração econômica tem levado a uma certa
abertura no tocante à nacionalidade". Lembrando, ainda, que, atualmente,
cidadãos franceses têm sido eleitos para o Parlamento Europeu, órgão da União
Européia, se candidatando pela Itália. (MELLO, 1995: 195) .
Vislumbra-se, pois, a possibilidade de
que um dia todos os indivíduos tenham somente uma nacionalidade, momento em que
todas as pessoas serão cidadãos do mundo.
Quanto ao MERCOSUL, acredita-se ser
hoje tarefa de todos os nacionais compreendê-lo. A Globalização impulsiona as
pessoas a buscarem informações gerais sobre as transformações do mundo, principalmente,
quando essas modificações podem influir, de alguma forma, na vida particular de
cada um.
Concordando-se, portanto, com Álvaro
Vasconcelos defende-se que a Europa e a América Latina precisam criar uma
autêntica parceria para estabelecerem uma ordem internacional mais democrática.
(VASCONCELOS, 1994: 110).
Realmente, a integração entre os
países do mundo já começou. Estudar sobre o Mercado Comum do Sul é dar um passo
para compreender que, se os países menos desenvolvidos ficarem juntos, terão
mais chances de se desenvolverem e de competirem com os demais Mercados
Comerciais do mundo.
Vale ressaltar que o relacionamento do
Brasil com a Argentina, Paraguai e Uruguai não se esgota na discussão dos
instrumentos do MERCOSUL e sua implantação, haja vista que o processo de
construção do MERCOSUL sustenta-se, basicamente, em dois grandes pilares: a
democratização política e a liberalização econômica vivida recentemente por
cada um de seus membros, sem, contudo, interferir no convívio bilateral com
cada um desses Estados vizinhos citados, cujo relacionamento alcança interesses
outros, além do ponto de vista da integração econômica.
Talvez seja o momento de se discutir
com a sociedade a necessidade da criação de um Tribunal de Justiça para
controle da legalidade dos atos do Mercosul. (FARIA, 1997: 10). Acredita-se, pois,
que havendo segurança jurídica no bloco, está assegurado o avanço da integração
latino-americana, sendo indispensável, portanto, a criação de uma ordem
jurídica própria e autônoma das ordens jurídicas dos Estados-membros. (QUADROS,
1997:12).
Conclui-se, por fim, que o MERCOSUL é
o caminho certo para quem acredita que é através da integração regional que os
Estados irão procurar articular-se uns com os outros, facilitando o processo
negociador do mundo. Afinal, o país que já está engajado num processo de integração,
indubitavelmente, será um forte candidato a participar, com êxito, do processo
de globalização, pois já tem experiência no trato de assuntos que envolvam a
economia internacional e no relacionamento com o resto do mundo.
A adequação das normas brasileiras à
realidade trazida pelo projeto do MERCOSUL é uma necessidade urgente que
precisa ser priorizada pelos governantes locais, caso se realmente pretenda ter
um Mercado no Cone Sul com características do Mercado Comum Europeu de hoje.
A importância do estudo da
nacionalidade no contexto do MERCOSUL traduz-se na necessidade de se ter uma
identidade internacional sem que o povo brasileiro precise perder suas raízes
sócio-culturais; trata-se de internacionalizar o conceito de nacionalidade
frente à realidade do mundo contemporâneo.
Na verdade, a globalização exige novas
posturas dos Estados que desejam ser parceiros do mundo sem fronteiras. No
entanto, não se pode esquecer jamais dos nacionais de cada país envolvido;
pessoas que necessitam continuar tendo a proteção do seu Estado para que,
sentindo-se seguras, consigam produzir cada vez mais em busca do progresso de
seu país.
3. O Projeto de Emenda
Constitucional
O Processo Legislativo brasileiro é amplo,
principalmente, se comparado aos textos constitucionais anteriores,
compreendendo emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias,
leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções, nos
limites e normas estabelecidos, conforme artigo.59 e seguintes do referido
Diploma Constitucional em vigor.
Sabe-se, no entanto, que a doutrina é
pacífica no entendimento que a Constituição Brasileira é rígida, dependendo
para ser modificada da existência de um processo de reforma bastante solene.
Cabendo, portanto, ressaltar os
ensinamentos de Paulo Bonavides, de que "a imutabilidade constitucional,
tese absurda, colide com a vida, que é mudança, movimento, renovação,
progresso, rotatividade. Adotá-la equivaleria a cerrar todos os caminhos à
reforma pacífica do sistema político, entregando à revolução e ao golpe de
Estado a solução das crises." (BONAVIDES, 1988:169).
Reforçando, pois, o pensamento supra, Pinto Ferreira defende que
"a Constituição pode ser emendada, pois embora seja elaborada com
tendência a duração por longo prazo, a um certo grau de perenidade, contudo está
sujeita a mudanças por força das circunstâncias e também dos próprios homens.
Ela depende sempre dos chamados fatores reais do poder." (FERREIRA,
1991:386).
A reforma da Constituição Federal é
possível por meio de emendas a ela apostas, através das quais o Congresso Nacional
exerce o seu poder constituinte derivado, nos termos do art. 60 e nos limites
materiais e circunstanciais impostos pela Constituição Federal.
Segundo Dalmo Dallari, "a
Constituição autêntica será sempre uma conjugação de valores individuais e
valores sociais, que o próprio povo selecionou através da experiência."
(DALLARI, 1987:172).
A nova realidade trazida pelo
MERCOSUL, portanto, é responsável pela necessidade de se propor uma emenda ao
artigo 12 da Constituição Federal do Brasil.
Acredita-se que criando uma nova
situação jurídica aos estrangeiros originários dos países membros do referido
Mercado Comum do Cone Sul, e exigindo reciprocidade aos brasileiros em cada um
dos Estados – Membros, estar-se-á contribuindo para melhorar as relações entre
os povos dos Estados envolvidos e fortalecendo a união entre eles.
Dar uma nova redação ao capítulo
destinado a regulamentação da Nacionalidade do povo brasileiro significa criar
uma possibilidade concreta de avanço ao desenvolvimento do projeto do MERCOSUL,
por isso, sugere-se a seguinte proposta de emenda.
PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO
N. , DE 1999
Dá nova redação ao art. 12 da
Constituição Federal.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do
Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a
seguinte Emenda ao texto constitucional:
Artigo único. O art. 12 da Constituição Federal passa a
vigorar com a seguinte redação:
"Art. 12 São brasileiros:
I - natos:
a) os nascidos na República
Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não
estejam a serviço de seu país;
b) os nascidos no estrangeiro, de
pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da
República Federativa do Brasil e que o tenha registrado em órgão competente
brasileiro no exterior;
c) os nascidos no estrangeiro, de
pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que venham a residir na República
Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira;
d) os nascidos no estrangeiro, em
Países que adotam o jus sanguinis, filhos de pai brasileiro ou de mãe
brasileira, desde que registrados em órgão competente brasileiro no exterior,
devendo manifestarem sua opção pela nacionalidade brasileira ao atingir a
maioridade civil;
II - naturalizados:
a) os que, na forma da lei,
adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de
língua portuguesa e aos nascidos nos Estados-Membros do MERCOSUL apenas
residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;
b) os estrangeiros de qualquer
nacionalidade residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze
anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade
brasileira.
§ 1º Aos portugueses e aos
nacionais dos países do MERCOSUL com residência permanente no País, se houver
reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes
ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição.
§ 2º A lei não poderá estabelecer
distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos
nesta Constituição.
§ 3º São privativos de brasileiro
nato os cargos:
I - de Presidente e Vice-Presidente
da República;
II - de Presidente da Câmara dos
Deputados;
III- de Presidente do Senado
Federal;
IV- de Ministro do Supremo Tribunal
Federal;
V - da carreira diplomática;
VI- de oficial das Forças Armadas.
§ 4º Será declarada a perda da
nacionalidade do brasileiro que:
I - Tiver cancelada sua
naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao
interesse nacional;
II - Não manifestar expressamente
sua opção pela nacionalidade brasileira ao completar a maioridade civil;
III - Adquirir outra nacionalidade,
salvo nos casos:
a) de reconhecimento de
nacionalidade originária pela lei estrangeira;
b) de imposição de naturalização,
pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, como
condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos
civis, desde que previamente comunicado ao Ministério das Relações Exteriores.
"
JUSTIFICAÇÃO
A Constituição Federal promulgada em
outubro de 1988 prevê, no seu art. 12 as figuras do brasileiro nato e
naturalizado, além de conceder direitos aos portugueses nos casos de reciprocidade
em favor dos brasileiros.
Considerando a nova realidade trazida
pelo MERCOSUL, verificamos ser necessário regulamentar a situação dos
estrangeiros originários dos países membros do referido Mercado Comum do Cone Sul,
desde que haja reciprocidade aos brasileiros em cada um dos Estados –Membros..
Aproveita-se ainda para melhorar a
redação do texto constitucional para ser capaz de atender às necessidades dos
nossos nacionais quanto ao registro de seus filhos havidos fora do território
brasileiro, em países cujo sistema adotado para determinar a nacionalidade do
seu povo é o do jus sanguinis .
Por esta razão, contamos com o apoio
de nossos ilustres Pares para aprovação da presente proposta.
Sala das Sessões, em de de 1999
Deputado...
4. Conclusão
Na América do Sul, a integração do
MERCOSUL e dos investimentos privados a cada dia consolidam o bloco, apesar das
barreiras burocráticas que o importador e o exportador ainda estão enfrentando
em suas atividades, é indispensável criar normas para disciplinar o convívio
entre os Estados e seus nacionais.
Sabe-se, também, que há um grande
interesse na internacionalização das bolsas do Cone Sul, Manoel Felix Cintra
Neto, em entrevista concedida a Marcos Graça, em artigo intitulado "Bolsa
vai valorizar produtos do Mercosul", publicado na Revista del Mercosur de
setembro/outubro/97, afirmou que quando estivesse concretizado um sistema de
parceria e complementação entre a Bolsa de Mercadorias & Futuro (BM&F)
do Brasil junto à de Buenos Aires e à que recentemente surgiu no Chile, haveria
condições de valorizar mais os preços internacionais dos produtos brasileiros.
A proposta visava criar uma espécie de Bolsa do Mercosul, facilitando a
negociação das dívidas externas dos países do bloco através de renegociações de
contratos futuros, na pretensão maior de centralizar os negócios do bloco e de
consolidarem-se como a Quarta Bolsa do mundo. (GRAÇA, 1997: 22).
A realidade é que, com o Tratado de
Maastricht, a União Européia caminha firme para o nascimento de um Estado
Multinacional, e, acredita-se que na América do Sul , vencidas as dificuldades
iniciais do Mercado Comum do Cone Sul, provavelmente, dever-se-á avançar nesse
sentido.
José Luiz Magalhães, citando Jaime Ordoñes, já aventa a possibilidade da
substituição do Estado-Nação tradicional, por mega-Estados, formados por
entidades macrorregionais, como a União Européia, o Nafta e o Mercosul.
(MAGALHÃES, 1997:103).
Instigados por esse conjunto de fatos
e pela exposição do tema de maneira suscinta, embora com considerações e
contribuições que certamente servirão para enriquecer o assunto do ponto de
vista legal e doutrinário, haja vista o descaso existente com uma questão de
tamanha relevância na vida e progresso de um Estado, pela maioria dos governos,
acredita-se ter conseguido demonstrar a relevância dos estudos realizados na
conjuntura atual. Restando somente sensibilizar a classe política em geral,
haja vista que a iniciativa de emendas à Constituição pode ter origem no
Congresso Nacional, no Presidente da República ou nas Assembléias Legislativas
Estaduais, da urgência na aprovação de emenda ao artigo 12 da Constituição Federal
nos termos sugeridos. Muito embora ainda não haja uma posição definitiva dos
Estados-Membros em continuar com a união aduaneira ou unir esforços para a
consolidação do MERCOSUL.
--------------------------------------------------------------------------------
5. Bibliografia
BONAVIDES, Paulo. Direito
constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1988.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos
da teoria geral do estado. São Paulo: Saraiva, 1986.
DOLINGER, Jacob. Direito
internacional privado (parte geral). Rio de Janeiro: Renovar, 1994.
FARIA, Werter R.. Experiências latino-americanas de integração.
Revista CEJ/Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários,
Brasília, v.1, n.2, p. 5-10, mai/ago.1997.
FERREIRA, Pinto. Curso de direito
constitucional. São Paulo: Saraiva, 1991.
GRAÇA, Marcos. Bolsa vai valorizar
produtos do Mercosul. Revista do Mercosul (Bilingue). Rio de Janeiro, n. 44, p.
22, set./out. 1997.
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de.
Poder municipal: paradigmas para o estado constitucional brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.
MELLO, Celso D. de Albuquerque.
Direito constitucional internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 1995.
QUADROS, Fausto. O modelo europeu.
Revista CEJ/Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários,
Brasília, v.1, n.2, p. 11-17, mai/ago.1997.
STRENGER, Irineu. Direito
internacional privado. São Paulo: LTr, 1996.
VASCONCELOS, Álvaro. Parceiros naturais:
Europa – America Latina. In: CONSELHO BRASILEIRO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS –
CBRI. Mercosul: desafios a vencer. São Paulo: Bartira Gráfica e Editores S/A,
1994. p. 105-111.
Disponível em http://orbita.starmedia.com/~jurifran/ajpec.html