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Márcia Regina Lusa Cadore
Weber
Porto
Alegre, maio de 2003
Sumário
1. Competência
Internacional: Considerações Gerais: 2
2. Da competência
concorrente – Art. 88 do CPC: 8
3. Da competência
exclusiva – Art. 89 do Código de Processo Civil: 20
4. Da
litispendência e conexão (90 do CPC), prevenção e coisa julgada: 28
6. Homologação de
sentença arbitral estrangeira – Art. 34 da Lei n° 9.307/96. 55
7. Das Convenções
Internacionais e Protocolos. 61
8. Da Cartas
Rogatórias e do Exequatur. 66
9. Competência
Internacional e das Ações de Alimentos. 74
10. Competência
internacional e execução. 77
11. Competência
Internacional e Limitação à Imunidade de Jurisdição dos Estados
estrangeiros 79
12. Competência
Internacional e Falência. 89
13. Competência
Internacional e Jurisdição Voluntária. 90
14. Competência
Internacional e Controle de Constitucionalidade. 91
14. Competência
Internacional e Homologação de Sentença Estrangeira Penal 91
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS. 93
O
direito no Estado moderno suscita desde logo a idéia de jurisdição [1], que
representa a “antítese da defesa privada, almejando a justa composição da lide,
através de órgão alheio aos interesses concreto dos litigantes [2]”. O
processo judicial pode ser caracterizado como o “método do Poder Judiciário
para o exercício da jurisdição [3]”, assim
entendida como o poder do Estado destinado a eliminar o conflito [4]”. Este poder, atualmente atribuído aos órgãos que
constituem o Poder Judiciário está enraizado na própria soberania (art. 1°, inciso
I da Lei Maior), vale dizer, assim como a administração e a legislação, é uma
forma do exercício da soberania estatal [5], sendo
naturalmente abstrato. A estruturação e o concretizar da jurisdição ocorre em
função das regras do instituto da competência [6].
Com
efeito. Nada obstante ser una a jurisdição, enquanto atividade específica
atribuída ao Poder Judiciário, o exercício efetivo e concreto da função
jurisdicional é distribuído internamente pelo Poder Judiciário, segundo a
“competência” que a Constituição Federal, o Código de Processo Civil, as leis
de cada Estado e assentos regimentais conferem aos juízes e aos Tribunais.
Costuma-se definir competência, assim, como “a medida da jurisdição” [7], isto é,
a porção dela atribuída a cada magistrado ou aos tribunais colegiados, para apreciar
e julgar determinada causa. Trata-se da especificação gradual e sucessiva do
poder jurisdicional, que possibilita a sua concretização num dado órgão do
Poder Judiciário, relativamente a uma espécie ou mais de causas, sendo
imperativo decorrente da divisão do trabalho. [8].
A
determinação da competência é, necessariamente, “feita por etapas [9]”,
cumprindo, em primeiro lugar, verificar se é competente a justiça brasileira:
“a quem necessite, perante o direito brasileiro, determinar a competência para
o processo e julgamento de uma determinada causa de natureza civil, a primeira
tarefa a ser realizada é a comprovação de que a jurisdição brasileira é
efetivamente competente para tal causa, o que se faz consultando as disposições
constantes dos arts. 88-90 do CPC, a respeito da
chamada competência internacional [10]”.
Afirma-se
no direito internacional que os Estados independentes são soberanos. Nesse
sentido, “a independência no plano dos fatos e a soberania, no plano do
direito, podem ser tidos como dois dos mais importantes atributos do Estado [11]”.
Sendo a soberania a expressão maior do poder do Estado, as limitações ao
exercício desse poder só podem ser aquelas estabelecidas pelo Estado mesmo,
sejam de ordem interna, por meio das leis editadas pelo Estado, seja na ordem
internacional, por meio dos tratados e acordos internacionais celebrados com
outros Estados, ou com organizações internacionais dotadas de personalidade de
direito internacional público. [12]. É
princípio de não-intervenção e não ingerência, em direito internacional [13], o
dever dos Estados de se abster em assuntos que digam essencialmente respeito à
competência de outros Estados.
Segundo
Arruda Alvim
[14], “é universalmente aceito, em Direito Internacional Privado, o
princípio de que é ao Estado, na esfera de sua jurisdição, onde eficazmente
exerce sua soberania, que cabe determinar a competência dos tribunais, assim
como a sua organização, as formas de processo e os recursos contra as suas
decisões” (Código Bustamante, art. 314, promulgado pela Convenção de Havana,
ratificada pelo Brasil).
Embora
no plano teórico a jurisdição [15] de um
Estado pudesse ser espacialmente ilimitada, os Estados, de maneira geral e
presente o dever de não-intervenção acima mencionado, acatam as limitações
decorrentes do princípio da efetividade que, segundo Amílcar de Castro [16],
“significa que o juiz é incompetente para proferir sentença que não tenha
possibilidade de executar”, por estarem fora de seu alcance as coisas objeto da
demanda, ou o sujeito passivo. Ada Grinover [17] alude
aos princípios conveniência e da viabilidade, segundo os quais o Estado deve
abster-se de julgar questões que sejam irrelevantes para os seus interesses; ou
de julgar casos em que o Estado não possa garantir o cumprimento forçado de
eventual sentença. Como corretamente adverte Athos
Gusmão Carneiro
[18], “o juiz poderia processar e julgar uma ação de despejo relativa a imóvel situado em La Paz,
promovida por cidadão boliviano, também domiciliado fora do Brasil. Mas como
executar ( salvo se a autoridade boliviana concordasse) a sentença concessiva
do despejo, fora dos limites espaciais em que se afirma a soberania brasileira?
E que motivo iria legitimar a ingerência da
jurisdição brasileira na composição do litígio inteiramente alheio ao Brasil?”
Desta forma, como assevera Arruda Alvim [19], “o
estabelecimento de regras de competência internacional é decorrente direta do
poder soberano do Estado. Normalmente o legislador estabelece regras
coincidentes com as fronteiras o Estado, pois dentro destas é que se exerce de
fato e de direito a soberania. Inócuo seria disciplinar esta matéria com
desconhecimento desses referenciais, pois que, em tal caso, inviável seria o
exercício da jurisdição, por colidir com regras de outro Estado, o qual teria poder efetivo de fazer respeitar as suas regras, em
detrimento daquele Estado que houvesse desrespeitado tais princípios políticos,
geneticamente ligados e dependentes de fato, da soberania de cada Estado.
>É
certo que outros fatores influem nessas regras de competência internacional,
tal como o que recomenda a vivência harmônica entre os Estados e o princípio de
que, quanto mais intenso for o relacionamento comercial entre dois Estados,
tanto mais franqueada haverá de estar a receptividade das decisões de um Estado
em relação aos outro. Assume relevância, também, em matéria de competência
internacional o princípio da submissão, segundo o qual, em certos casos, uma
pessoa pode voluntariamente submeter-se a uma jurisdição que, de outro modo, se
afirmaria incompetente.
Na
denominada competência internacional encontra-se o primeiro limite efetivamente
oposto à jurisdição brasileira e, correlatamente, às jurisdições estrangeiras,
ao serem definidos os contornos da jurisdição nacional. [20]
Tem-se,
pois, que o juiz brasileiro somente atua relativamente às causas de algum modo
vinculadas a país estrangeiro se houver possibilidade de tornar efetiva, de
realmente fazer cumprir sua sentença, “de molde a justificar como razoável o
exercício da soberania estatal [21]”.
Ao
processo civil instaurado no Brasil aplicar-se-á a lei
processual brasileira, considerando o princípio da territorialidade dos atos
processuais. Assim, “é permitido concluir que a determinação da
competência internacional dos tribunais brasileiros será estabelecida em razão
da lei processual brasileira (lex fori), e não em razão de lei estrangeira, quando esta
for a lei material aplicável ao litígio (lex causae). [22]”
Havendo conflito entre as determinações da lex
fori e as determinações da lex
causae, aquelas devem prevalecer para fins de
fixação da competência. Todavia, é de se ter presente o alerta de Arruda
Alvim [23] no
sentido de que função desempenhada pelos arts. 88 e
89, este último especialmente, é a de limitar a jurisdição estrangeira, sendo
que a aplicabilidade do direito material pode ser regulada em função de outros
princípios, disciplinados pelo Direito Internacional Privado.
Em
nosso direito positivo, a definição da chamada competência geral ou
internacional estava na Lei de Introdução ao Código Civil, que se compõe,
predominantemente, de normas chamadas de sobre direito ou superdireito,
pois respeitam a aplicação de outras normas. No entanto, segundo Arruda Alvim [24], Celso
Barbi [25] e
Hermes Marcelo Huck [26], a Lei
de Introdução ao Código Civil, na parte atinente à competência internacional,
foi revogada pelos artigos 89 a 90 do Código de Processo Civil. De rigor, não
há, propriamente, um conflito entre o que dispõe o Código de Processo Civil e o
que dispõe a Lei de Introdução ao Código Civil. É que as normas do primeiro
trataram do tema de forma bem mais ampla: O art. 12 da Lei de Introdução ao
Código Civil (LICC-Lei n° 4.657/42) restringe a
competência concorrente da autoridade brasileira às causas em que o réu é
domiciliado no Brasil ou quando aqui deva ser cumprida a obrigação. Já o artigo
88 do CPC, como se verá, além destas hipóteses abarca as ações originadas de
fato ocorrido ou ato praticado no Brasil. Também o artigo 89 do CPC passou a
prever, de forma expressa, a competência exclusiva da autoridade brasileira
para inventários e partilhas de bens situados no Brasil, enquanto o par. 1° do
artigo 12 da Lei de Introdução ao Código Civil aludia apenas à
bens imóveis. De toda forma, reconhece Huck, que estaria
em vigor o par. 2° do artigo 12 da LICC, que trata do cumprimento de cartas
rogatórias.
De
mencionar-se, ainda, por oportuno, que em matéria de competência internacional
são relevantes os tratados e protocolos firmados pelo Brasil com outros países,
os quais, devidamente ratificados e promulgados, podem vir a derrogar, se for o
caso, as regras gerais postas no CPC acerca da competência internacional, razão
pela qual, na definição do juízo competente, é indispensável o seu exame. [27]
Feitas
estas considerações cumpre examinar, pois, nos tópicos a seguir a “competência
internacional”, tal como tratada nos artigos 88 e 89 do Código de Processo
Civil, sendo conveniente esclarecer que a denominação “competência
internacional” não se justifica relativamente “a algum caráter pretensamente
‘internacional’ da autoridade judiciária brasileira que a exerce, mas em razão
das relações jurídicas que são objeto do litígio; ou em razão dos elementos de estraneidade que compõem o litígio [28].”
Nos
casos de competência concorrente a justiça brasileira é tida por
competente para processar e julgar uma demanda, mas não fica excluída a
possibilidade de a causa ser validamente (do ponto de vista do direito pátrio),
processada e julgada em tribunal alienígena. De acordo com o artigo 88 do
Código de Processo Civil, são casos de competência internacional concorrente:
a)
quando o réu, mesmo se estrangeiro, for domiciliado no
Brasil [29]
(art. 88, inciso I). Assim, a ação indenizatória por ato ilícito havido na
Suécia pode ser aqui proposta se o réu, ainda que sueco, for domiciliado no
Brasil. Mas se o autor, por ser domiciliado na Suécia, preferir lá ajuizar a
demanda, não há impedimento, devendo ser o réu citado, no Brasil, por carta
rogatória.
[30] Neste inciso consagrou-se irrelevância jurídica da nacionalidade
do réu, elegendo-se o domicílio do réu, tal como regulado pela lei material,
como critério.
b)
Quando a obrigação tiver de ser cumprida no Brasil, mesmo que sejam os
litigantes estrangeiros e domiciliados no exterior. Trata-se da regra que já
constava no artigo 12 da Lei n° 4.567, de 04.09.42. Desimporta,
no caso, o lugar onde a obrigação foi contraída, mas sim a convenção para que a
mesma seja executada no nosso país. [31] Se uma
rede internacional de hotéis com sede em Paris, na França, contrata uma
empresa francesa para construção de um hotel no Brasil e a empresa deixa de
cumprir esta obrigação, a ação para cumprimento pode ser proposta no Brasil.
Trata-se do foro do local do cumprimento e não do contrato.
c)
Quando a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil (art. 88, inciso III). Por fato há de se entender todo e qualquer
acontecimento, ocorrido em território nacional, capaz de provocar conseqüências
jurídico materiais. O ato jurídico praticado no Brasil e o contrato firmado no
Brasil também podem determinar a competência da autoridade brasileira. Se
houver o desabamento de um prédio e todos os atingidos forem alemães, eventual
ação indenizatória contra o causador dos danos pode ser proposta no
Brasil.
Nos termos do parágrafo único do
artigo 88 do CPC, considera-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica
estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal. [32] Esta
regra deve ser conciliada com aquela posta no artigo 12, par. 3° do mesmo
estatuto, segundo a qual se estabeleceu que o gerente, o
representante ou o administrador de tal agência, filial ou sucursal serão
os representantes em juízo da pessoa jurídica. De acordo com Arruda Alvim esta
competência da autoridade judiciária nacional existirá mesmo nos casos de se
tratar de agência, filial ou sucursal irregulares, pois a irregularidade
, ainda que existente, não poderá beneficiar a pessoa jurídica. [33]
De acordo com José Carlos Barbosa
Moreira [34]
os pressupostos para a competência concorrente acima não são cumulativos: “cada
um deles de per si, é bastante. Assim, a justiça brasileira será competente
quando o réu tenha domicílio no Brasil, mesmo que a causa se origine de fato
ocorrido no exterior; igualmente quando aqui haja de ser cumprida da obrigação,
posto que o réu não seja domiciliado no Brasil, sendo na mesma linha o entendimento
de Celso Barbi [35]: “Apesar de não estar expresso no art. 88, para que a ação
fique sujeita à jurisdição brasileira, basta que ocorra qualquer uma das
circunstâncias prevista nos seus três itens, como já se disse acima. “
Segundo entendimento do E.
Superior Tribunal de Justiça, a competência concorrente da autoridade
judiciária não pode ser afastada por vontade das partes ajustadas em contrato.
No agravo regimental n° 9.794, a Terceira Turma daquela Corte, ante recurso dos
agravantes que, acionados no Brasil, não poderiam chamar ao processo devedores
solidários domiciliados no exterior, constou do voto condutor que tal argumento
não deveria prevalecer, considerando o direito à jurisdição invocado pelo autor
da ação: “Com efeito, obrigar o suposto lesado a demandar na Itália, quando o
Estado brasileiro assegura seu poder de julgar todas as
causas contra o réu, brasileiro ou não, domiciliado no Brasil, é negar a
própria soberania.” [36] Igualmente no Recurso Especial n° 251.438 [37] o E.
STJ afirmou que ocorrendo competência internacional concorrente, a competência
da autoridade judiciária brasileira “não é suscetível de ser arredada pela
vontade das partes”. Tratava-se a existência de contratos coligados, uma de
conversão de navio petroleiro em plataforma flutuante, outro de seguro de desempenho
firmado com seguradoras norte-americanas. Foi considerado que o contrato de
seguro era acessório da prestação de serviços e, portanto, as seguradoras
sujeitavam-se à justiça brasileira, nos termos do artigo 88, inciso II do CPC,
pois no Brasil deveria ser cumprida a obrigação principal. Assim a
ementa:
“COMPETÊNCIA
INTERNACIONAL. CONTRATO DE CONVERSÃO DE NAVIO PETROLEIRO EM UNIDADE FLUTUANTE.
GARANTIA REPRESENTADA POR "PERFOMANCE BOND"
EMITIDO POR EMPRESAS ESTRANGEIRAS. CARÁTER ACESSÓRIO DESTE ÚLTIMO. JURISDIÇÃO
DO TRIBUNAL BRASILEIRO EM FACE DA DENOMINADA COMPETÊNCIA CONCORRENTE (ART. 88,
INC. II, DO CPC).
-
O "Performance bond" emitido pelas empresas
garantidoras é acessório em relação ao contrato de execução de serviços para a
adaptação de navio petroleiro em unidade flutuante de tratamento, armazenamento
e escoamento de óleo e gás.
-
Caso em que empresas as garantes se sujeitam à jurisdição brasileira, nos
termos do disposto no art. 88, inc. II, do CPC, pois no Brasil é que deveria
ser cumprida a obrigação principal. Competência internacional concorrente da
autoridade judiciária brasileira, que não é suscetível de ser arredada pela
vontade das partes.
-
À justiça brasileira é indiferente que se tenha ajuizado ação em país
estrangeiro, que seja idêntica a outra que aqui tramite.
Incidência
na espécie do art. 90 do CPC.
Recurso
especial não conhecido, prejudicada a medida cautelar.”
Igual
entendimento foi sufragado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
“Competência
Internacional. Jurisdição Concorrente- Ação versando
sobre contrato que se presume celebrado no Brasil – Eleição de foro estrangeiro
admissível- Cláusula que, porém, não afasta a jurisdição brasileira – Exceção
de incompetência rejeitada – Aplicação dos arts. 88,
III e 1.087 do CPC. Tratando-se de ação versando sobre contrato que, a teor do
art. 1087 do CC, se presume celebrado no Brasil, em tema de competência
internacional, se está diante da jurisdição concorrente, que admite a atuação
paralela da jurisdição estrangeira sobre a mesma causa sujeita à jurisdição
brasileira – Exceção de incompetência rejeitada – Aplicação dos arts. 88, III e 1.087 do CPC.” [38]
Também sustentando a impossibilidade
de prevalecer a eleição de foro estrangeiro em se
tratando da competência concorrente, Athos Gusmão
Carneiro: “a imposição de tribunal estrangeiro para dirimir lides relativas a
contrato executado ou em execução no Brasil, é ofensiva ao direito
constitucional de acesso à justiça brasileira e, assim, ofensiva à própria
soberania nacional. O direito de invocar a jurisdição brasileira não pode ser
previamente (antes do surgimento, em concreto, da lide) excluído ou
renunciado.”
[39]
De toda forma, há que se ponderar
que a regra do artigo 88, inciso I, por exemplo, constitui-se numa garantia
para o réu. Assim, se este concordar em ser demandado em justiça estrangeira
(ressalvada a hipótese do artigo 89 do CPC), não há qualquer óbice a vedar tal
procedimento. Trata-se, de certo modo, da aplicação do princípio da submissão.
A questão relativa à eleição do
foro ganha contornos próprios em se tratando de contratos de natureza civil ou
comercial, considerando o Protocolo de Buenos Aires sobre Jurisdição
Internacional em matéria contratual, ratificado pelo Decreto Legislativo n°
129, de 05 de outubro de 1995. Este protocolo será aplicado à jurisdição
contenciosa internacional relativa aos contratos de natureza civil e comercial
celebrados entre particulares-pessoas físicas ou jurídicas, quando as mesmas
tiverem domicílio ou sede social nos diferentes Estados-partes
do Tratado de Assunção (países integrantes do Mercosul), ou quando pelo menos
uma das partes do contrato tenha seu domicílio ou sede social em um Estado-parte do Tratado de
Assunção e, além disso, tenha feito um acordo de eleição em favor de um juiz de
um Estado-parte e exista uma conexão razoável segundo
as normas de jurisdição do mencionado Protocolo ( art. 1°). Segundo o artigo 4°
do Protocolo, nos conflitos que decorram dos contratos internacionais em
matéria civil ou comercial serão competentes os tribunais dos Estados-parte em cuja jurisdição os contratantes tenham
acordado submeter-se por escrito, sempre que tal ajuste não tenha sido obtido
de forma abusiva, podendo-se acordar, igualmente, a eleição de tribunais
arbitrais. A validade e os efeitos de eleição do foro serão regidos pelo
direito dos Estados-partes que teriam jurisdição de
conformidade com o estabelecido no Protocolo, sendo aplicável o direito mais
favorável à validade do acordo ( Art. 5°). Eleita ou
não a jurisdição, considerar-se-á esta prorrogada em
favor dos Estados-parte onde seja proposta a ação quando
o demandado, depois de interposta esta, a admita voluntariamente, de
forma positiva e não ficta. [40]
Como já se disse, se proposta no
Brasil a ação nos casos do artigo 88 do CPC, terá ela
curso normal. No entanto, se for proposta em algum país estrangeiro, será
válida a sentença lá prolatada, desde que devidamente homologada pelo E.
Supremo Tribunal Federal, na forma dos arts. 483 e
484 do CPC e de acordo com as disposições do regimento interno da Excelsa
Corte. [41]
Mais. Em se tratando das hipóteses previstas no artigo 88, a possibilidade de o
interessado, eventualmente, não aceitar a jurisdição estrangeira não impede a
concessão do exequatur para a sua citação.
Trata-se o exequatur de
formalidade necessária ao cumprimento das cartas rogatórias no Brasil,
formalidade esta que compete, igualmente, ao E. STF. [42] Assim,
o entendimento manifestado pela Excelsa Corte:
“Jurisdição estrangeira. Competência relativa da Justiça
brasileira. Ação de investigação de paternidade. Art. 88 do CPC.
É
pacífica a jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal, no sentido de que,
não se tratando de qualquer das hipóteses de competência absoluta da Justiça
brasileira (art. 89 e seus incisos do CPC), mas, sim, de competência relativa,
como a que decorre do disposto no art. 88 e seus incisos (ação investigatória
de paternidade proposta no estrangeiro, com réu domiciliado no Brasil), a
possibilidade de o interessado não aceitar a jurisdição estrangeira, não impede
a concessão do exequatur para citação. Exequatur deferido. Agravo Regimental
improvido.“
[43]
“Embargos
contra a concessão do exequatur que são
conhecidos como agravo regimental.”
Em
se tratando de lide cuja competência da autoridade judiciária brasileira é
meramente relativa, a possibilidade de o interessado não aceitar a jurisdição
estrangeira não obsta à concessão do exequatur
para citação, notificação ou intimação. Agravo regimental a que se nega
provimento.”
[44]
Controverte-se na jurisprudência
acerca da competência da justiça brasileira para conhecer de ação ajuizada
contra pessoa com domicílio no exterior. O Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo entendeu não ser cabível a ação de divórcio contra cônjuge residente nos
Estados Unidos, tendo sido lá celebrado o casamento, dando aplicação à regra do
artigo 100, inciso I do CPC, segundo a qual seria competente o foro da residência
da mulher, desconsiderando, contudo, a regra civil então vigente, segundo a
qual o domicílio da mulher casada seria o do marido (art. 36, par. único do Código Civil de 1916).
No entanto, o E. STJ, em
acórdão bem fundamentado, entendeu que em se tratando de cônjuges estrangeiros,
com um deles domiciliado no exterior, não tem prevalência o foro privilegiado
do artigo 100, inciso I do CPC, devendo ser aplicadas, primeiramente, as regras
da competência internacional. Tratava-se, no caso, de ação de divórcio direto ajuizada por cônjuge de nacionalidade Argentina, mas
domiciliado no Brasil, contra a esposa, de nacionalidade argentina
e domiciliada também na Argentina. Entendeu o Relator ser aplicável na questão
do domicílio o disposto no art. 36, par único do Ccivil
de 1916. Assim, se pelo direito material a esposa, ainda que estando na
Argentina, tinha por domicílio o Brasil, deveria ser aplicada a regra do art.
88, inciso I do CPC. Segundo o Relator, Ministro Waldemar Zveiter:
“(...) pelo sistema atual, o juiz na sua função de examinar a questão da
competência deve em primeiro lugar recorrer às normas do capítulo sobre a
competência internacional. Se a causa não estiver entre aquelas ali
mencionadas, ele não poderá conhecer dela. É evidente que essa prioridade há de
atuar em ambos os sentidos: de um lado, não pode o juiz dar-se por competente,
sobrepondo a norma de competência interna à de competência internacional, que
não favorece a justiça brasileira; de outro lado, tampouco lhe é lícito
declarar-se incompetente com base em regra de competência interna, fazendo-a
prevalecer sobre a de competência internacional [45]. No
que pertine à competência interna, o relator invocou
o art. 94, par. 3° do CPC [46].
Independentemente da posição assumida quanto à aplicação do artigo 36,
par. único do Ccivil de 1916 [47],
considerando o quanto acima exposto, no sentido de que primeiro o julgador deve
examinar as regras de competência internacional,
parece certo afirmar que, quanto a tal aspecto, o entendimento do E. STJ
traduz a melhor interpretação das regras atinentes a dita competência.
De outra parte, também parece
certo afirmar que se o casamento tiver sido celebrado em país estrangeiro, no
qual ainda residisse o marido em ação de divórcio, a competência seria da
justiça daquele país para processa-la,
como já decidiu a Segunda Câmara Cível de Férias B no Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo. No corpo do acórdão consta: “A regra jurídica do artigo 7°
da LICC é de sobre direito. A discussão versa, porém, sobre matéria processual:
repartição internacional das competências. O artigo 12 da mesma lei, este sim,
é de matéria processual. Podemos até mesmo desconsiderar essas regras
jurídicas. Da mesma taxinomia jurídica que aquelas
são as do Código de Processo Civil, arts. 88 e 89.
Não contradizem, aliás, as regras processuais da Lei de Introdução ao Código
Civil. O domicílio do réu apelado é na França. Celebrado na França o casamento,
lá é que o réu teria de submeter-se à dissolução da sociedade conjugal. Os
próprios fatos alegados pela autora na inicial deram-se na França. De modo que
todas as normas do artigo 88 do CPC indicam a jurisdição francesa como única
possível para o julgamento de causa como a proposta. O art. 89 do CPC é alheio
à espécie. Demonstrou-se brilhantemente em contra-razões que mesmo a análise do
artigo 7° e pars. da LICC
não aproveita à apelante. Bem ao contrário. A eventual
mudança de domicílio da autora é posterior à ocorrência dos fatos trazidos a
juízo como causa da separação judicial. Com isso a Justiça Francesa certamente
negará exequatur à sentença brasileira (como
já o fez em cautelares), inclusive com base na fraude à lei: mudar de domicílio
a posteriori precisamente para fugir à
incidência tanto da lei francesa como da brasileira nesta matéria de repartição
internacional de competência.” [48]
A existência de eventual conexão
entre demandas
[49] não importa na prorrogação da competência estabelecida nos artigos 88
do CPC, conforme o entendimento manifestado pela 3ª Turma do E. Superior
Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n° 2.170. Tratava-se de
recurso especial interposto contra acórdão que entendeu ser competente a
justiça brasileira para apreciar ação de nulidade contratual cumulada com ação
de perdas e danos. Do voto do relator, Ministro Eduardo Ribeiro extrai-se o
seguinte excerto: “A infringência aos diversos
incisos do artigo 88 resultaria da circunstância de o acórdão haver reconhecido
a competência da justiça brasileira para julgamento da hipótese que não se
conteria na previsão daquele dispositivo. Cumpre distinguir, para que se possa
dar à espécie solução adequada. Na inicial, pediu-se a declaração de nulidade
de contrato firmado pelas partes, com a condenação da ora recorrente e de Advicorp Advisory Financial Corp., ao pagamento de perdas e danos decorrentes da gestão de
contas e liquidação de contratos, assim como dos que advieram da publicação do
protesto contra alienação de bens. Relativamente à nulidade do contrato, a
decisão de primeiro grau, entendeu que o pleito não era de competência da
justiça brasileira. Não assim, entretanto, no que diz com as perdas e danos
oriundas da publicação do protesto. Este ato, tendo sido praticado no Brasil,
firmar-se-ia a competência das autoridades judiciárias
pátrias. O acórdão reformou em parte o julgado. Considerou que, mesmo
admitindo-se competente, em princípio, a justiça estrangeira para apreciar o
pedido de nulidade, a brasileira teria sua competência prorrogada em virtude da
conexão. No que diz com a pretensão pertinente à nulidade contratual, há que se
admitir como certo que, em princípio, não seria competente a Justiça
brasileira. É que induvidosamente não se verifica qualquer das hipóteses
previstas nos artigos 88 e 89 do Código de Processo Civil. (...) A tese do
julgado recorrido é placitada por Thornagui
(...) Parece-me mais acertada, entretanto, a doutrina contrária, sustentada por
José Ignácio Botelho de Mesquita (Rev. de Processo n° 50, p.
61). Após salientar que o direito brasileiro, ao contrário do italiano, não
elegeu a conexão como critério para fixação da competência internacional,
invoca o disposto no artigo 90 do CPC, considerando que este cortou a
discussão: ‘a pendência de uma ação no exterior não impede que a justiça
brasileira conheça de ações conexas com a proposta no exterior e simetricamente
a conexão com uma ação proposta no Brasil não se inclui entre os pontos de
contato suficientes para estender até ela a jurisdição nacional (art. 88).’ E a
solução parece efetivamente a melhor. Admitir-se que a conexão possa levar a
que se afirme a competência da autoridade judiciária brasileira, para hipóteses
não cogitadas nos artigos 88 e 89 do CPC, poderá levar a um alargamento
excessivo daquela, colocando em risco o princípio da efetividade que domina a
matéria” [50] .
Efetivamente,
no que diz com a competência internacional concorrente, assume relevo o
disposto no artigo 90 do Código de Processo Civil, segundo o qual a ação
intentada perante tribunal estrangeiro não induz litispendência, nem obsta que
a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são
conexas. Ensina Athos Gusmão Carneiro que “a
litispendência, normalmente impeditiva a que alguém renove a mesma causa que já
está em juízo, neste caso, excepcionalmente, não opera como exceção processual.
Mas se a ação, proposta no estrangeiro, já foi definitivamente julgada, sua
homologação perante o E. Supremo Tribunal Federal impedirá, desde então, a
renovação da demanda perante Tribunal brasileiro”.
Diferentemente
da hipótese prevista no artigo 88 do CPC, o artigo 89
regula a competência com “rigidez absoluta” da autoridade judiciária
brasileira, ensejando, nas hipóteses que menciona, “carência absoluta da
jurisdição estrangeira”. [51]
Compete à autoridade judiciária brasileira, com a “exclusão de qualquer outra”,
conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil (inciso I) e proceder
a inventário e partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da
herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional (inciso
II). Nestas hipóteses, a sentença estrangeira eventualmente proferida não terá
nenhuma validade. Os princípios da submissão e da efetividade entrelaçam-se nas
ações relativas a imóveis situados no Brasil. A submissão decorre, no ponto, da
necessidade de uma decisão que seja aqui exeqüível.
O texto do inciso I do artigo 89
repete o que já vinha disposto no artigo 12 da LICC, norma
que, de resto, é adotada com freqüência pelas legislações estrangeiras. A
expressão “relativa a imóveis” é ampla, não se restringindo, pois, às ações
fundadas em direitos reais. Refere-se, pois, a qualquer ação referente a bens
imóveis [52],
inclusive fundada em direito obrigacional como, por exemplo, a locação, desimportando, ainda, o tipo de demanda, se condenatória,
se declaratória, se constitutiva, etc. [53] Se
houver relação entre o direito alegado e um imóvel, a competência da Justiça
brasileira prevalecerá sobre qualquer outra.
No que concerne a imóveis situados
no estrangeiro não há regra expressa no Código de Processo Civil. Segundo Barbi, considerando que, de regra, os Estados não
reconhecem a validade de sentenças estrangeiras versando sobre imóveis situados
em seu território e o princípio da efetividade, seria inútil a sentença
proferida no Brasil acerca de imóvel situado em país estrangeiro, mesmo que
pertencente a réu aqui domiciliado, criticando, de toda forma, a omissão do
legislador quanto ao ponto. Athos Gusmão Carneiro [54] refere
decisão do E. STF [55] em que teria havido afirmação da competência da justiça
brasileira para decidir acerca de imóvel situado no Paraguai. Na ocasião,
contudo, o e. STF entendeu que não detinha a natureza de “ação relativa a
imóvel” a demanda em que, exibindo pré-contrato de promessa de venda, feito por
documento particular, os autores, domiciliados em Foz de Iguaçu, pediam fossem
os réus condenados a outorgar escritura definitiva no Paraguai. Entendeu-se não
ser aplicável, assim, o artigo 89, inciso I, a contrario sensu.
Por outro lado, a justiça paraguaia havia declinado da competência para
conhecer da ação.
O inciso II do artigo 89 determina
a competência exclusiva da autoridade brasileira para proceder a “inventário e
partilha de bens situados no Brasil”, ainda que o autor da herança seja
estrangeiro e tenha residido fora do território nacional. O conceito de bens
adotado na norma é amplo, abrangendo imóveis, semoventes, móveis, títulos
cambiais, depósitos bancários, dinheiro em moeda, ações, direitos de crédito em
geral, etc. Lembra Arruda Alvim [56],
contudo, que os bens objeto do inventário, por definição legal, são direito
real imobiliário, considerando que a lei civil (art. 80, II do atual Ccivil), considera imóvel para fins legais o direito à
sucessão aberta, havendo, portanto, quase identidade entre os princípios
informadores das regras dos incisos I e II do artigo 89. O direito sobre bem
imóvel, seja pela natureza (inciso I), seja por definição legal (inciso II),
constitui-se hipótese de competência exclusiva da autoridade judiciária
brasileira.
Segundo o mesmo autor o texto do
artigo 89 do CPC comporta dois esclarecimentos: “O primeiro é
o de que o legislador deixou claro que é irrelevante a circunstância de ser o de
cujus
estrangeiro, porquanto, igualmente se o for, inalterada ficará, ainda assim, a
competência da autoridade judiciária brasileira, com exclusão de todas as
outras. Em segundo lugar, fala a lei ‘ainda que tenha residido fora do
território nacional’. Qual será o significado desta frase? Literalmente,
levaria à conclusão de que, se se usou do perfeito do subjuntivo, no momento do óbito, o autor
residiria em território nacional. Mas, é curial, que tal interpretação não se
coaduna com o sentido da lei, apesar de mal redigida e, sabemos, que a lei não
contém palavras inúteis. E, além disto, seria uma hermenêutica tautológica. É
necessária alguma agilidade e boa vontade para interpretar o texto. Afigura-se-nos querer o texto significar
que, mesmo que no instante do óbito, resida fora do território nacional, mesmo
assim subsiste a competência absoluta da autoridade
brasileira para proceder o inventário e partilha, dos bens aqui situados. (...)
É evidente que a regra se aplica também a arrolamento, pelo critério
teleológico, tendo em vista os fins que inspiraram o legislador.” Também comentando o disposto no artigo 89, inciso II do
CPC, diz Barbi [57] que o
texto, de forma expressa, refere-se à partilha, alertando que essa, quando
houver mais de um herdeiro, deverá ser aqui realizada, podendo, quando for o
caso, ser feita por escritura pública, na forma do art. 1.029 do CPC.
É absolutamente pacificado na
jurisprudência do E. STF o reconhecimento da competência exclusiva da
autoridade judiciária brasileira para proceder ao inventário e a partilha de
bens situados no Brasil. Nesse sentido tem-se, exemplificativamente, os
seguintes julgados do E. STF: Sentença Estrangeira n° 2.151- Paraguai, Tribunal
Pleno, Relator Min. Xavier de Albuquerque, j. em 07.04.76, publicada na RTJ
78/49; Sentença Estrangeira n° 2.289-EUA, Tribunal Pleno-EUA, Rel. o Min.
Moreira Alves, j. em 18.09.75, publicada na RTJ n° 76/41; Sentença Estrangeira
n° 3.780-Alemanha, Rel. Min. Francisco Rezek, j. em 06.05.87, publicado na RTJ
n° 121, pág. 925.
De outra parte, havendo bens
situados fora do Brasil a serem inventariados, mesmo que tenham pertencido a um
cidadão brasileiro ou estrangeiro domiciliado no Brasil, a respectiva ação de
inventário não pode ser processada perante a autoridade judiciária brasileira.
Nesse sentido, o E. STJ, apreciando o Recurso Especial n° 37.356-5, manteve acórdão que havia indeferido pedido de
sobrepartilha relativo a imóvel situado na Argentina, deixado em razão da morte
de estrangeira residente no Brasil. No recurso especial os recorrentes haviam
invocado o princípio da unidade sucessória, bem como ofensa aos arts. 1.040 e 1041 do CPC. No entanto, para a Corte
Especial de Justiça: “A decisão recorrida não contrariou a legislação federal
apontada; antes, cumpriu a norma inscrita no art. 89, inciso II, do Código de
Processo Civil, interpretada a contrario sensu.” [58]
O E. STF, em extenso acórdão
prolatado no RE n° 99.230-RS [59]
entendeu que, havendo bens situados no estrangeiro, descaberia à Justiça
brasileira computá-los na quota hereditária a ser partilhada no país.
Tratava-se de ação que a primeira esposa do “de cujus”
ajuizara contra a segunda esposa para haver herança que lhe cabia, composta de
bens situados no Uruguai e no Brasil, tendo havido “expediente sucessório”
(inventário) no Uruguai. No corpo do acórdão, assim manifestou-se o
Relator: “Entendeu, entretanto, o acórdão, que metade do quinhão hereditário a
que tem direito a autora, correspondente a 6,25% da
herança de Luiz Alberto Serralta, tem de ser
calculado também sobre os bens partilhados no Uruguai. E assim entendeu,
porque, mesmo admitindo, em tese, a dualidade dos juízos sucessórios, em
atenção ao mesmo disposto no artigo 89, II, deve o juiz brasileiro resguardar o
princípio da universalidade da herança e o regime matrimonial de comunhão de
bens, imperantes na lei brasileira, quando, como no
caso, o legislador estrangeiro, ou o juiz estrangeiro, ‘desconsiderando o
regime estabelecido pela lei brasileira – e no Brasil mantinham domicílio os
nubentes – resolve atribuir os bens situados no estrangeiro apenas a um dos
cônjuges- no caso, o cônjuge varão – ou resolve, v.g., atribuir os bens
situados no estrangeiro apenas a um dos cônjuges – no caso, o cônjuge varão- ou
resolve, v.g., distribuir os bens com obediência a
regras sucessórias outras que não as vigentes no Brasil.’ Esse tema do acórdão
recorrido é atacado pela argüição de negativa de vigência do artigo 89, II, do
Código de Processo Civil, razão do deferimento do recurso extraordinário. (...)
Parece-me que dúvida não pode restar de que o v. acórdão não apenas ‘cogitou de
bens imóveis sitos no estrangeiro’, como os levou em consideração efetiva, com
clara incidência sobre a partilha. E, sem ainda se saber em que quantidade, -diz-se nos autos serem mais valiosos que os ficados no
Brasil-, dever-se-á, nos termos do decisum
recorrido, efetuar-se uma compensação, em favor da meeira, que tomará integral
meação dos bens aqui localizados. Isso equivale, torna-se a repisar, a
verdadeiro inventário dos bens existentes no Uruguai, cogitando-se deles quanto
a valores atribuídos. Cuido aí esteja bem demonstrada a negativa de vigência do
art. 89, II, do CPC, consagrador da pluralidade dos
juízos sucessórios, prática corrente do direito internacional, pelo
incontornável princípio da lei da situação da coisa protegido pela soberania, a
privar de efetividade a decisão estrangeira que se reporte aos bens constantes
de herança, ela mesma considerada imóvel (art. 44, II do CC).(...) A realidade
incontornável é que se estaria incorporando ao inventário procedido no Brasil
um valor econômico pertinente a um patrimônio separado, por efeito do princípio
da “lex rei sitae”, sem que
esse bem jurídico tenha existência no território nacional. Circunstâncias,
aliás, que reclamariam uma pragmática, dificultosa, senão impossível execução
face ao princípio da efetividade.”
No que se refere à partilha de
bens em caso de divórcio, é de ser destacado que o E. STF alterou seu
entendimento. Inicialmente, a posição da Excelsa Corte era no sentido de que o
artigo 89, inciso II era aplicável não só “ao inventário e à partilha mortis causa, como também ao inventário e à
partilha conseqüentes à separação judicial e ao divórcio” [60] No
entanto, já a partir do julgamento no agravo regimental em homologação de
sentença estrangeira n° 2.396 [61]
observou-se modificação do entendimento antes mencionado, o que foi
expressamente confirmado na Homologação de Sentença Estrangeira n° 3408-
Estados Unidos
[62]: “Homologação de Sentença estrangeira. Separação dos Cônjuges.
Partilha de Bens. É homologável a sentença estrangeira que homologa acordo de
separação e partilha dos bens do casal, ainda que situados no Brasil, posto que
não ofendido o art. 89 do CPC; na conformidade dos precedentes do E. STF (RTJ
90/11, 109/38;112/1006).” No corpo do acórdão
diz o relator: “A controvérsia que se suscitou a respeito da aplicação do art.
89, II do CPC teve trato correto no parecer à vista dos precedentes da Corte. O
entendimento que prevalece, nos termos do acórdão proferido pelo Pleno na
Sentença Estrangeira (AgRg) n° 2.396 é o de que ‘os
bens partilhados ao ensejo do divórcio para cuja apreciação inegavelmente
competente era a Justiça Americana à qual ambos os cônjuges se submeteram como
nacionais e ali residentes e domiciliados’, não sendo, pois, de equiparar-se à
sucessão “mortis causa” que o dispositivo processual
sobre competência internacional tem em mira (RTJ 90/11). Sob a mesma inspiração
é que os precedentes mais recentes, da lavra do então Presidente Cordeiro
Guerra (RTJ 109/38) e do Presidente Moreira Alves (RTJ 112/1006), consideraram
homologável sentença estrangeira que cuida de imóvel situado no Brasil, em que
pese o art. 89, I, contrapartida do art. 89, II do CPC, acima questionado.”
Mais recentemente, na Homologação
de Sentença Estrangeira n° 7337 este entendimento ficou confirmado:
“DECISÃO SENTENÇA DE DIVÓRCIO - ACORDO SOBRE BEM IMÓVEL EXISTENTE NO BRASIL -
HOMOLOGAÇÃO. 1. Reinaldo Vale da Hora e Luzian de
Souza Carvalho da Hora solicitam, na peça de folhas 2 e 3, a homologação de
sentença de divórcio proferida pela Corte Superior do Condado de Gwinnett, Geórgia, nos Estados Unidos da América, a qual
incorporou acordo de separação e convenção de bens celebrado pelas partes. O
documento original foi anexado à folha 17 à 30, 71 e
72, dele constando, além da notícia do trânsito em julgado da decisão, a
chancela do consulado brasileiro. A tradução, feita por tradutor juramentado,
está às folhas 7 à 16 e 70. O
parecer do Procurador-Geral da República, de folhas 76 e 77, é pelo
deferimento do pedido sem restrições. À folha 79, despachei, a fim de que o
Procurador-Geral se manifestasse sobre o fato de, na sentença, haver referência
a bens imóveis situados no Brasil. Daí a peça de folha 81 a 83, com a qual o
Ministério Público Federal reitera o pronunciamento anterior, registrando: No
caso dos autos, a sentença homologanda, além de
decretar o divórcio do casal, homologou o acordo das partes sobre partilha de
bens e outros acessórios. Após nossa manifestação de fls. 76/77, retornam os
autos a esta Procuradoria-Geral a fim de que se manifeste sobre o fato de, na
sentença, haver imóveis situados no Brasil. Entendemos que em nada fere o
direito brasileiro as disposições sobre a partilha de bens, acordadas pelas
partes. Com efeito, não há dúvida de que a aplicação da lei brasileira, produziria, na espécie, o mesmo resultado, não havendo,
assim, razão para que seja excluído da partilha o imóvel situado no Brasil, por
não haver, no caso, ofensa ao art. 89 do Código de Processo Civil. Cabe trazer
a colocação excerto da decisão do eminente Relator Ministro RAFAEL MAYER, então
Presidente dessa Egrégia Corte, por ocasião do julgamento da Sentença
Estrangeira nº 3888, onde deixou assentado: ‘A jurisprudência firmada nos
precedentes citadas pela nobre Procuradoria-Geral e decorrentes de decisões
monocráticas dos ex-Presidentes Xavier de Albuquerque e Cordeiro Guerra, está
consagrada e pacificada por decisões do plenário da Corte, podendo ser citada a
proferida na SE nº 2.396 - E.U.A. (RTJ 89-382) e,
ultimamente, na de nº 3.408 - E.U.A., julgada em
09-10-85 de que fui relator, e na qual se decidiu, unanimemente, que a sentença
estrangeira que homologa partilha de bens situados no Brasil, em ações de
divórcio, não ofende o disposto no art. 89 do Código de Processo Civil’.
Agrega-se aos precedentes citados a SE 7.027-8 (DJ 18-04-02), na qual formamos
o mesmo entendimento, a orientação consignada pelo eminente Ministro Presidente
dessa Egrégia Corte, por ocasião de seu julgamento. 2. É de frisar que a regra
competência exclusiva do Judiciário brasileiro para conhecer ações relativas a
imóveis localizados no Brasil - artigos 12 da Lei de Introdução ao Código Civil
e 89 do Código de Processo Civil - deve ser aplicada com a cabível cautela, já
que a existência de conflito de interesses sobre o bem leva a uma conduta
completamente diferente quando, no divórcio, as
próprias partes chegam a um acordo, ultrapassando qualquer impasse. Assim, à
luz da jurisprudência desta Corte, tratando-se de composição, não se aplica a
regra alusiva à atuação única e exclusiva da autoridade judicante brasileira.
Confira-se com os seguintes precedentes: Sentenças Estrangeiras nºs 3.633, 3.888, 4.844 e 3.408 e Sentença Estrangeira
Contestada nº 4.512. Na Sentença Estrangeira nº 3.408, restou consignado: -
HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA, SEPARAÇÃO DE CÔNJUGES. PARTILHA DE BENS. E
HOMOLOGÁVEL A SENTENÇA ESTRANGEIRA QUE HOMOLOGA ACORDO DE SEPARAÇÃO E DE
PARTILHA DOS BENS DO CASAL, AINDA QUE SITUADOS NO BRASIL, PORTA QUE NÃO
OFENDIDO O ART. 89 DO CPC, NA CONFORMIDADE DOS PRECEDENTES DO STF (RTJ 90/11;
109/38; 112/1006). HOMOLOGAÇÃO DEFERIDA". 3.
Expeça-se a carta de sentença. 4. Publique-se. Brasília, 4 de abril de 2003.
Ministro MARCO AURÉLIO Presidente.” [63]
Segundo a regra do art. 90 do CPC,
a ação intentada perante tribunal estrangeiro não induz litispendência, [64] nem
obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que
lhe são conexas.
Em seu comentários inicia Barbi [65]
criticando a posição do art. 90 do CPC dizendo que a norma nele contida
“deveria ter sido colocada mais adequadamente como parágrafo do art. 88, porque
só se aplica às causas nele enumeradas. As mencionadas no artigo 89 são de
competência exclusiva da justiça brasileira, de maneira que seria ocioso dizer
que a propositura, em país estrangeiro, de uma ação que nossa lei só reconhece
como possível no Brasil, pudesse impedir seu ajuizamento em nosso país.” Também
Arruda Alvim
[66] alerta que “o assunto atinente à litispendência”, no Direito
Processual Civil Internacional, para poder ser considerado, supõe competência
internacional concorrente entre dois Estados. Inocorrendo
esta, o problema (...) desloca-se para o campo exclusivo da competência. Não
importará, neste último caso, saber qual o processo que começou em primeiro
lugar. Se o Estado estrangeiro é incompetente, segundo o direito nacional, de
nada valerá o processo lá iniciado, no que tange a efeitos que objetive produzir
em território nacional, sendo pois, por compreensão,
irrelevante, inclusive, a litispendência. (...) Quer dizer: se um dado Estado
negar validade à própria decisão de outro é evidente que não se poderá, de
forma absoluta, excepcionar fundado em litispendência. Se a decisão de um
Estado estrangeira não é aceita por vício de competência o assunto se desloca
do campo de jurisdições concorrentes para o da jurisdição exclusiva de um
Estado. Tratar-se-á, pois, de defeito absoluto da jurisdição estrangeira”. Pode-se afirmar, pois, que a competência do juiz é
pressuposto para a litispendência.
De toda forma, Barbi
entende absolutamente correto o conteúdo da norma vez que (a) sendo concorrente
a competência, é natural que a lei interna prefira o julgamento
pelos tribunais nacionais (b) além disso, o exame de eventual litispendência
relativamente à ação ajuizada no estrangeiro obrigaria o juiz a profundo exame
de tal demanda, verificando se a sentença que viesse a ser prolatada na mesma
atenderia os requisitos para futura homologação, procedimento que, de resto, é
da competência do E. STF, como adiante se verá.
Barbosa Moreira [67] também
critica a norma do artigo 90 do CPC, mas por razão distinta. Para o autor
“dizer que a propositura da ação perante a justiça alienígena ‘não induz
litispendência’, é dizer mais do que se precisaria; aliás, não cabe à lei
brasileira, evidentemente, regular os efeitos processuais que se produzam no
território estrangeiro. O que se quis estatuir foi a
irrelevância desses efeitos para nossa justiça.”
A pendência de lide em outro país
não obsta a que se exerça sobre ela atividade cognitiva no Brasil, mas seria
excessivo tirar disso, de acordo com Barbosa Moreira [68] , toda
e qualquer possível repercussão do processo estrangeiro (ou pelo menos de
seu resultado no país). Diz o autor: “Suponhamos, por exemplo, que tal processo
se encerre antes do instaurado perante nossa Justiça, e que o interessado
promova aqui a homologação da sentença alienígena: se a demanda for acolhida, e
a decisão homologatória transitar em julgado ainda no curso do processo
iniciado entre nós, este já não poderá prosseguir, pois com a homologação
passou a sentença estrangeira a ter, no Brasil, autoridade de coisa julgada.
Caberá, portanto, ao juiz brasileiro, de ofício ou por provocação de parte,
extinguir o feito sem julgamento do mérito ( art. 267,
V, par. 3°). “ Assim, em suma: “a irrelevância do processo alienígena
exaure a sua significação no fato de que a existência dele, mesmo iniciada em
data anterior, não constitui obstáculo ao exercício da atividade cognitiva pela
Justiça nacional sobre lide. Essa atividade desenvolver-se-á normalmente; e,
consumada que seja através da emissão de sentença, o respectivo trânsito em
julgado impedirá, em termos definitivos, qualquer repercussão,
no território nacional, do resultado a que se chegue no outro país, a não ser,
é claro, que se venha a rescindir, por decisão irrecorrível, a sentença
brasileira, caso em que desaparecerá, como bem se compreende, o óbice à
homologação da estrangeira, ressurgindo, assim, a possibilidade de que
repercuta aqui o resultado do processo em que ela foi proferida.”
O tema alusivo litispendência
liga-se, segundo Arruda Alvim [69], a
dois aspectos. O primeiro diz respeito á relevância ou irrelevância de uma demanda
no exterior, sobre outra demanda em território nacional, o que enseja dois
desdobramentos (1) influência de lide brasileira sobre outra demanda no
exterior, ambas com lide idêntica e entre as mesmas partes; (2) inversamente a
influência que uma demanda do exterior tenha entre nós, havendo identidade de
causas, entre ambas. Prossegue o autor afirmando que, regra geral, os países
que admitem a exceção de litispendência internacional [70]
praticamente sempre o fazem condicionalmente, isto é, exigem reciprocidade de
tratamento ou, mercê de tratado internacional. Segue-se, como lógica
decorrência que, no raciocínio do autor, que as hipóteses acima numeradas são
respondidas ambas positivamente ou ambas negativamente. Assim, se houver
tratado internacional prevendo a aceitação da exceção de litispendência
internacional, há de ser aceita dita exceção, desde que “a causa descrita seja
idêntica àquela que venha a pender, em segundo lugar, em território nacional,
como também a autoridade judiciária estrangeira, apesar do tratado, seja
competente para a causa, segundo as regras da competência internacional, tais
como constante no nosso direito.” Não havendo tratado,
nos termos da regra posta no artigo 90 do CPC, a exceção de litispendência não
será acolhida.
O outro aspecto, também tido por
relevante por Arruda Alvim, diz com a possibilidade de ser argüida exceção de
litispendência no processo de homologação de sentença estrangeira. A
homologação de sentença estrangeira pelo E. STF é pressuposto para que sentença
estrangeira produza efeitos no Brasil. A hipótese aventada pelo
doutrinador é da “existência de um processo no Brasil, simultaneamente ao
pedido de homologação de sentença estrangeira, para, assim, operar efeitos
entre nós”. Neste caso, a existência de demanda no Brasil não pode obstar a
homologação de sentença estrangeira prolatada em lide idêntica. O artigo 90 do
CPC diz que a existência de causa idêntica a que tramita no território nacional
é irrelevante, mas nada refere quanto a obstar a homologação de sentença
estrangeira, que pressupõe a existência de coisa julgada no país em que
proferida. Além disso, nem a lei e nem o Regimento Interno do E. STF tem como
óbice à homologação a existência de sentença estrangeira. Forçoso é concluir-se
que, pendente de julgamento demanda no Brasil, pode ser homologada, se atender
aos demais requisitos pertinentes, sentença prolatada no exterior em causa
idêntica. Igual posição é sustentada por Barbosa Moreira [71]: “O
fato de estar pendente – em qualquer grau de jurisdição – processo brasileiro
sobre a lide anteriormente julgada em outro Estado não constitui óbice a que se
requeira a homologação da sentença alienígena, nem exclui que o Supremo
Tribunal Federal a conceda, satisfeitos os pressupostos legais. A ação é
perfeitamente distinta da ação em que se faça valer a pretensão examinada pelo
órgão estrangeiro ainda que as partes sejam as mesmas, não coincidem os dois
outros elementos de identificação (pedido e causa petendi).
Não há que cogitar, portanto, de impedimento resultante de litispendência (cf.
art. 301, §§1° e 3°).“
Esta doutrina tem encontrado
guarida no âmbito do E. STF, como demonstra o voto do Min. Marco Aurélio na
Homologação de Sentença Estrangeira n° 4509-5 [72]: “A
questão foi enfrentada pelo Tribunal, em situação mais delicada, na qual o processo
em curso no Brasil já fora julgado nas duas instâncias ordinárias, pendendo
apenas de decisão agravo interposto contra o indeferimento do recurso
extraordinário. Não obstante, homologou-se a sentença estrangeira (AgRg SE n° 2.727, 9.4.81, RTJ 97/1.005). Assentou o
voto-condutor do em. Ministro Xavier de Albuquerque- RTJ 97/1.009: ‘Se houvesse
transitado em julgado o acórdão fluminense que confirmou sentença proferida na
referida ação de separação judicial, dúvida não haveria de que o agravo regimental
mereceria acolhimento para, reformada a decisão agravada, negar-se homologação
à sentença estrangeira de divórcio. Isso, contudo, não sucedeu. Como informado
pela Secretaria, tal acórdão foi impugnado mediante recurso extraordinário que,
uma vez inadmitido, deu lugar à interposição de agravo
de instrumento ainda pendente de julgamento. A manifestação sucessiva desses
recursos impediu que o referido aresto transitasse em julgado. Afastada, assim,
a coisa julgada, por inexistente, vem a questão da litispendência. O tema é
muito controvertido. Alguns autores, há- v.g. Haroldo
Valadão, Estudos de Direito Internacional Privado, 1947, pág. 727, Celso
Agrícola Barbi, Com. ao CPC, Forense, Vol. I., Tomo
II, pág. 403, para os quais a pendência de demanda nos Tribunais brasileiros
obsta a que se homologue sentença estrangeira sobre a mesma matéria. A opinião
dominante, contudo, é em sentido contrário, como demonstra Paulo Cezar Aragão
(Com ao CPC, Ed. Revista dos Tribunais, vol. V, pág. 173) ao sustentá-la com
apoio em Pontes de Miranda, Arruda Alvim, George N. Nazo
e Amílcar de Castro. Também a segue o ilustre Barbosa Moreira, que sobre o
assunto produziu importante estudo monográfico (Relações entre processos
instaurados sobre a mesma lide, no Brasil e em país estrangeiro, publicado em
Temas de Direito Processual Civil, 1977, págs. 36/44). Se houvesse prevalecido,
no pormenor, o Anteprojeto Buzaid, estaria a questão resolvida por norma legal expressa, pois seu art.
526, VI, negava homologabilidade à sentença
estrangeira quando pendesse, perante órgão judiciário brasileiro, ação
idêntica, proposta antes de haver ela passado em julgado. O Código de Processo
Civil, todavia, não consagrou a inovação, de sorte que nenhuma regra, no
direito positivo brasileiro vigente, obsta à homologação.’ Pôs-se de acordo, em
voto-vista, o em. Min. Moreira Alves (RTJ 97/1.010), declarando-se convencido de que o art. 90, do
CPC, não impedia a homologação. Cheguei à mesma conclusão, nada mais tendo a
opor ao precedente.”
O artigo 90 do CPC não prevalece
quando a litispendência for relativa à demanda ajuizada em matéria cível no
território de país signatário sujeito ao Código de Bustamante. Isso porque o
Brasil ratificou a Convenção de Havana, onde se promulgou o Código de Bustamante.
Este, no art. 394, diz que “a litispendência, por motivo de pleito em outro
Estado contratante, poderá ser alegada em matéria cível, quando a sentença,
proferida em um deles, deva produzir no outro os efeitos de coisa
julgada.” A existência, pois, da submissão a este Código de Bustamante
relativamente aos demais países ao mesmo vinculados, derroga a regra geral do
art. 90 do CPC. O critério adotado para a viabilidade de argüição de
litispendência é precisamente o de se focalizar a hipótese de a coisa julgada,
a se formar no processo, vir a produzir efeitos no outro Estado. Evita-se,
assim, obviamente, a formação de suas coisas julgadas em duas diversas
jurisdições. De salientar-se que, em matéria penal, veda o mencionado Código de
Bustamante ( art. 395), a argüição de litispendência. [73]
O art. 90, em sua parte final,
refere-se a causas conexas com a ajuizada em Estado estrangeiro e que
pertenceriam à competência concorrente da jurisdição brasileira, por força do
art. 88. A razão é evidente: se uma ação ajuizada no exterior não impede que
outra idêntica seja aqui proposta, é evidente que determinada ação apenas
conexa [74] àquela
proposta no Brasil não poderia ter este efeito. Assim, a existência de causa
conexa perante à jurisdição estrangeira será
totalmente irrelevante para impedir o ajuizamento de demanda no Brasil.
Por outro lado, se pendente uma demanda perante a autoridade judiciária
nacional, nem por isso haverá impedimento do ajuizamento de causa conexa
perante a justiça de outro país, conforme já decidiu o E. STJ no Recurso
Especial n° 2.370, citado no item 2 . [75]
De outra lado, conforme o
entendimento de Arruda Alvim, a irrelevância da litispendência também não pode
levar à equivocada conclusão de que “ela alberga uma defesa definitiva do
judiciário nacional, pois, em realidade, isso não ocorre. Se, de um lado, é
irrelevante a litispendência internacional, acreditamos também que, se pendente
uma causa entre nós, ou mais de uma (causas conexas), nem por isto haverá
inibição de acesso ao judiciário estrangeiro”. Em outras palavras,
proposta perante o juízo brasileiro determinada causa que pode vir a ser conexa
com outra proposta no exterior, não haverá “prevenção” do juiz nacional.
Em se tratando de demandas
idênticas em juízos nacional e estrangeiro, outro tema relevante diz com a
existência de decisões já revestidas da autoridade de coisa julgada, uma
proposta no exterior e outra no país. Acerca do tema, ensina Barbosa Moreira [76]: “ Desdobra-se esta hipótese em duas modalidades
fundamentais: a) o processo brasileiro pode encerrar-se, com o trânsito em
julgado da sentença definitiva, antes de instaurado o estrangeiro; b) o
processo brasileiro pode, ao contrário, só vir a ser instaurado após o
encerramento no estrangeiro. O caso sob a não suscita problemas de maior
vulto. Trânsita em julgado a sentença nacional, e
abstração feita da sua eventual rescisão, preexcluída
fica toda e qualquer repercussão, no Brasil, do processo alienígena; o julgamento
que nele sobrevenha jamais poderá produzir efeitos sentenciais em nosso
território. Realmente: para que semelhante produção se verificasse, necessária
seria a prévia homologação da sentença estrangeira pelo Supremo Tribunal
Federal: mas, caso fosse possível faze-la, com o
trânsito em julgado da decisão homologatória entraria ela a revestir-se, em
nosso território, da auctoritas rei iudicate. Ora, isso ofenderia a coisa julgada que
anteriormente aqui se formara, ainda que porventura coincidentes, no teor, as
duas sentenças. Merece analise, em separado, o caso sob b, ou seja,
aquele em que o processo estrangeiro atinge a sua plena e normal consumação,
através da emissão de sentença definitiva, antes de ajuizada a mesma causa
perante a justiça brasileira. A primeira proposição que se há de assentar, com
toda ênfase, é que, por si só, a sentença alienígena de maneira alguma pode ser
vista como empecilho ao exercício da atividade cognitiva sobre a lide pelo juiz
nacional. O ordenamento pátrio, na verdade, não reconhece qualquer autoridade
ou eficácia sentencial ao julgamento proferido por órgão estrangeiro, a não ser
mediante homologação pelo Supremo Tribunal Federal. (...) Sem ela, portanto, em
vão se invocará, no processo brasileiro posterior, a existência de res iudicata
formada noutro país sobre a lide: a preliminar não será acolhível,
nem poderá o órgão judicial pátrio, é claro, conhecer dela de ofício. (...) Se,
todavia, estiverem satisfeitos todos os pressupostos legais da homologação, as
conseqüências variarão conforme a decisão homologatória passe em julgado antes
ou depois da sentença brasileira-pouco importando,
vale insistir, que divirjam ou não as soluções dadas ao litígio pelo órgão
pátrio e pelo alienígena. Destarte, se quando transitar em julgado a decisão
homologatória, ainda pender o processo brasileiro, já não se poderá neste,
julgar o mérito: a sentença definitiva que porventura nele se viesse a proferir
ofenderia a res judicata
e seria, por conseguinte, rescindível. A providência adequada é a extinção do
processo nacional sem julgamento do mérito, de ofício ou por provocação da
parte. Reciprocamente, se, no curso do processo de homologação, passar em
julgado a sentença proferida sobre a lide pelo juiz pátrio, já não poderá
prosseguir, no Supremo Tribunal Federal, aquele processo. Não porque a decisão
superveniente acerca do pedido de homologação, em si mesma, fosse capaz de
ofender a coisa julgada da sentença brasileira: não o seria, já que inexiste
identidade entre as duas ações. Mas, se o Supremo Tribunal Federal acolhesse o
pedido, com o trânsito em julgado do seu acórdão entraria a revestir igualmente
a auctoritas rei iudicatae
no território nacional, a decisão estrangeira homologada – e, aí, sem dúvida,
se configuraria a ofensa à res
judicata. A hipótese é de extinção do processo
(de homologação), sem apreciação do mérito. Análogas considerações, mutatis mutandis,
caberiam para o caso de instaurar-se o processo brasileiro sobre a mesma lide
depois de ajuizada a ação de homologação perante o Supremo Tribunal Federal.
Não é impossível essa instauração, nem fica o autor sujeito a que se lhe oponha
(ou a que o juiz suscite de ofício) a preliminar de litispendência; mas o feito
ajuizado perante a Justiça nacional só poderá conduzir a resultado frutífero se
a sentença nele proferida transitar em julgado antes do pronunciamento do
Supremo Tribunal Federal, a menos que este negue a homologação.”
Presente as normas do artigos arts. 88-90 do CPC, não
há cogitar-se de conflito de competência entre a autoridade judiciária nacional
e estrangeira.
O tema alusivo à homologação de
sentença estrangeira é objeto de norma constitucional: De acordo com o artigo
102, inciso I, alínea h da Constituição Federal, compete ao E. Supremo
Tribunal Federal a homologação das sentenças estrangeiras.
Em princípio, cada Estado dispõe
de poder jurisdicional nos limites de seu território, competindo às autoridades
judiciárias nacionais conhecerem das causas que nele tenham sede. Vale dizer: o
julgamento proferido no estrangeiro, em princípio, não tem eficácia em
território diverso do que foi prolatado. No entanto, em decorrência da
necessidade de coexistência entre os Estados soberanos, bem como por exigências
de ordem prática, a maioria dos sistemas de Direito Positivo conferem eficácia,
nos territórios dos Estados dos quais emanam, às sentenças proferidas no
exterior, seja pela extensão dos efeitos da sentença ao território de outro
Estado, seja pela atribuição à sentença de efeitos idênticos aos quais teria
uma decisão nacional de conteúdo igual. [77]
A homologação de sentença
estrangeira, segundo o Supremo Tribunal Federal, é “processo de caráter
homologatório, que se reveste de caráter constitutivo-e faz instaurar, perante
o E. Supremo Tribunal Federal, uma situação de conteciosidade
limitada. Destina-se a ensejar a verificação de determinados requisitos,
fixados pelo ordenamento positivo nacional, propiciando, desse modo, o
reconhecimento pelo Estado brasileiro, de sentenças estrangeiras, com o
objetivo de viabilizar a produção dos efeitos jurídicos que lhe são inerentes
(..) constitui um pressuposto de eficácia de sentenças proferidas por Tribunais
estrangeiros”
[78]. É dizer: “a homologação é o reconhecimento, por via judicial, de
sentença estrangeira, imprimindo-lhe eficácia.” [79] Enquanto
processo a que se subordina a aquisição de eficácia pela sentença estrangeira,
a homologação constitui-se, também, em instrumento de cooperação jurídica
internacional.
[80]
A maior parte da doutrina [81], em
consonância com o entendimento acima exarado, entende que o processo de
homologação de sentença estrangeira é atividade de jurisdição contenciosa.
Justificando seu entendimento em tal sentido, diz José Carlos Barbosa Moreira [82]:
“Basta ver que ele tende à emissão de um pronunciamento através do qual,
exatamente, se confere à decisão alienígena idoneidade para produzir, no
território nacional, efeitos como sentença ou, em outras palavras, através do
qual se comunica a forma de um ato de jurisdição praticado no Brasil”.
De fato, na homologação de
sentença estrangeira não há administração pública de interesses privados,
característica própria da jurisdição voluntária e, mesmo na hipótese de não
haver oposição de qualquer resistência à homologação, cumprirá ao E. STF
verificar a procedência do pedido. [83] Em
outras palavras: a contenciosidade virtual é
suficiente para que a sentença homologatória ganhe o conteúdo de jurisdição
contenciosa.
[84]
Conforme se verifica, a lei
nacional considera a sentença estrangeira capaz de adquirir eficácia no país,
mas subordina tal aquisição a um ato formal de reconhecimento praticado por
órgão judiciário nacional. A homologação é uma ação, ou seja, um pedido de
tutela jurisdicional constitutiva, ou constitutiva integrativa, como ensina
Pontes de Miranda [85] , razão pela qual também se pode concluir, inclusive com
apoio no entendimento do E. STF acima citado, que a sentença homologatória tem
natureza “constitutiva da existência de condições de eficácia da sentença
estrangeira no ordenamento do foro. [86] ”
A homologação de sentença
estrangeira tem duplo papel: é forma de conferir-se eficácia à sentença
proferida no estrangeiro e, ainda, padronizar critérios de atendimento dos
princípios de segurança e certeza jurídica. [87]
Nos termos do artigo 483 do CPC, a
sentença proferida no estrangeiro não terá eficácia no Brasil senão depois de
ser homologada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma de seu regimento interno
(par. único do art. 483 do CPC). Após a edição dessa
norma processual houve dissenso na doutrina relativamente à vigência do artigo
15, par. único da Lei de Introdução ao Código Civil.
Segundo esta norma, as sentenças estrangeiras meramente declaratórias do estado
das pessoas dispensariam a homologação. Maria Helena Diniz sustenta seria
dispensável a homologação de sentenças meramente declaratórias como, por
exemplo, a sentença de interdição. [88] Já
para Haroldo Valladão [89]
teria havido a ab-rogação da norma posta no artigo 15, par. único
da LICC, visto que as sentenças estrangeiras estariam sujeitas à homologação,
independentemente de seu conteúdo. Prevaleceu no E. STF este último
entendimento, como se infere da ementa de despacho a seguir transcrita:
“Sentença estrangeira de divórcio. Pedido de averbação desse ato sentencial
dirigido a magistrado estadual. Alegada desnecessidade de prévia homologação,
em face do artigo 15, parágrafo único, da LICC. Norma legal derrogada pelo CPC
(art. 483). Indispensabilidade da homologação prévia de qualquer sentença
estrangeira, quaisquer que sejam os efeitos postulados pela parte interessada.” [90]
O objeto da homologação, segundo o
artigo 483 do CPC, é a sentença proferida por tribunal estrangeiro. Por
sentença, nesse contexto, segundo Guilherme Moraes [91], há
que se que compreender “todo e qualquer ato, praticado no exercício típico da
jurisdição por órgãos jurisdicionais ou no exercício atípico da jurisdição por
órgãos administrativos ou legiferantes que seja
provido de conteúdo e produza os efeitos inerentes à sentença, à luz do sistema
de Direito Positivo brasileiro, independentemente da denominação e da forma que
revista no ordenamento jurídico brasileiro”.
No que se refere à sentença
civil estrangeira, em regra, a decisão que figura como objeto da homologação é
a sentença definitiva, quer dizer, a que contém resolução de mérito da
pretensão. Contudo, excepcionalmente, há a possibilidade de ser homologada
sentença, total ou parcialmente, que não verse sobre o mérito, tal como se dá
quando o requerente pretende que a condenação em despesas processuais e
honorários advocatícios produza efeitos no Brasil.
Quanto à natureza do
provimento jurisdicional pretendido, não há qualquer distinção entre as
sentenças meramente declaratórias, constitutivas, condenatórias, mandamentais e
executivas lato sensu. Em outras
palavras, desde que atendidos os requisitos legais, quaisquer sentenças podem
ser objeto de homologação. [92] Pode
ser objeto de homologação, inclusive, a sentença proferida no processo cautelar [93] ou em
processo de jurisdição voluntária. [94]
Foi homologado ato administrativo
que realizou divórcio no Japão. Segundo a decisão proferida pelo STF [95] , a
norma do artigo 102, inciso I, “h” da Lei Maior, que prevê a competência da
Corte para homologar sentença estrangeira, há de ser interpretada com respeito
à soberania do país em que praticado o ato. Assim, se no Japão o divórcio ocorre
com simples ato administrativo, é cabível a homologação para que o mesmo surta
efeitos no país. Foi indeferida, contudo, homologação de sentença estrangeira,
relativa a divórcio realizado por chineses domiciliados no Brasil. Sendo os
requerentes domiciliados no Brasil entendeu o E. STF que o divórcio deveria
observar a lex fori,
não podendo ser homologado divórcio realizado perante a autoridade consular
chinesa no Brasil. [96]
Segundo o entendimento do E. STF
“O Protocolo de Las Lenas (“Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em
Matéria Civil, Comercial e Trabalhista Administrativa” entre os países do
Mercosul) não afetou a exigência de que qualquer sentença estrangeira – à qual
é de equiparar-se a decisão interlocutória concessiva de medida cautelar – para
tornar-se exeqüível no Brasil, há de ser previamente submetida à homologação do
Supremo Tribunal Federal. Inovou, entretanto, ao prescrever, no artigo 19, que
a homologação (dito reconhecimento) de sentença provinda dos Estados partes se
faça mediante rogatória, o que importa admitir que o exequatur
se defira independentemente da citação do requerido, sem prejuízo da posterior
manifestação sua, por meio de agravo à decisão concessiva ou de embargos ao seu
cumprimento.”
[97]
No corpo do acórdão, publicado na
Revista Forense n° 342, pág. 302 e segs., o Min.
Sepúlveda Pertence reconhece que pelo Protocolo referido, firmado entre os
países do Mercosul, aplica-se ao reconhecimento de sentenças estrangeiras
oriundas dos Estados-partes o rito das cartas
rogatórias, procedimento mais simplificado do que a homologação de sentença
estrangeira. No seu entendimento isso poderia ter sido feito pelo legislador,
na medida em que, a par de determinar que compete ao E. STF a homologação de
sentença estrangeira, a Lei Maior não estabeleceu o procedimento, não impedindo
que a lei ou tratado o fizesse. Ademais, o princípio do contraditório, segundo
o Ministro, restará observado, pois haverá oportunidade à manifestação do
requerido e alteração do que ficou decidido. Interessante notar, presente esta
decisão, que, a partir dos Protocolos de Las Leñas e de Ouro Preto, poderá ser homologada no Brasil
medida cautelar, mediante o procedimento das cartas rogatórias, o que será
adiante explicitado (item alusivo às cartas rogatórias).
O termo “tribunal” referido no
artigo 483 do CPC compreende todo e qualquer órgão, integrante ou não do
Poder Judiciário que, de acordo com o sistema normativo do respectivo Estado,
esteja investido no exercício da jurisdição, proferindo decisões com eficácia
sentencial. Nesse sentido o entendimento do E. STF no sentido de que “a homologabilidade de decisões proferidas por órgãos
administrativos estrangeiros a que os respectivos ordenamentos tenham atribuído
competência para o deslinde das questões jurisdicionais.” [99]
O adjetivo estrangeiro diz com a aferição da soberania a que se vincula o órgão
que tenha proferido a sentença a ser homologada.
O E. STF [100] já
recusou pedido de homologação de decisão proferida por tribunal eclesiástico
brasileiro anulando casamento de cidadãos espanhóis realizado na Espanha. Isso
porque tal decisão não foi executada por um tribunal civil da Espanha,
competente para executar as decisões proferidas nos tribunais eclesiásticos
para efeitos civis. O Relator esclarece que a jurisprudência do E. STF é
pacífica no sentido de admitir a homologação de sentenças proferidas por
Tribunais Eclesiásticos, quando tenham sido executadas por Tribunais
Civis. Diz, ainda, inviável a homologação de sentença proferida por
Tribunal Eclesiástico situado dentro do território brasileiro, desde que é
inadmissível a existência de Tribunal estrangeiro dentro do país, porquanto
aqui as relações de família só se submetem à jurisdição dos Tribunais Civis.
O artigo 483, parágrafo único do
CPC, dispõe que a homologação de sentença estrangeira atenderá ao que dispuser
o Regimento Interno do E. STF. É no Regimento Interno do E. STF, mais
precisamente nos arts. 216 e 217 que constam os
requisitos para homologação de sentença estrangeira.
A sistemática brasileira de
homologação de sentença estrangeira adota o princípio da simples delibação.
Vale dizer: Por ocasião da homologação da sentença estrangeira o E. STF
examinará determinados requisitos, previstos em seu Regimento, mas não poderá
revisar o mérito da sentença a ser homologada. Na lição do então Ministro do E.
STF Antônio Neder: “Sabe-se que a homologação da
sentença estrangeira não discute o mérito da demanda em que foi proferida. Vale
dizer que o juiz homologante não condena. Limita-se a
verificar a configuração dos requisitos de homologabilidade
para o fim de permitir a execução da sentença estrangeira no seu Estado, isto
é, para reconhecer-lhe eficácia na jurisdição nacional. Ou confirma tal
sentença ou lhe nega confirmação.” [101]
Cumpre, pois, examinar os requisitos necessários à homologação de sentença
estrangeira. O artigo 216 do RISTF é taxativo no sentido de que “não será
homologada sentença que ofenda a soberania nacional, a ordem pública e os bons
costumes.” No mesmo sentido o art. 17 da LICC.
Soberania nacional é a autoridade
de que goza o Estado no meio em que é constituído, quanto às relações que
regula, não reconhecendo poder superior ou concorrente ao seu, sendo fracionada
em dois aspectos, quais sejam, soberania interna e externa. A soberania interna
exprime o poder do Estado no seu território. A soberania externa implica exclusão
de toda subordinação ou dependência em relação a Estados estrangeiros, todos
juridicamente iguais e todos soberanos. Em síntese, a soberania traduz-se num
poder supremo no plano nacional e poder independente no plano internacional. [102] Para
Guilherme Moraes seria ofensivo à soberania nacional, por exemplo, sentença que
negasse quaisquer dos direitos fundamentais assegurados pela
ordem jurídica brasileira, mormente os contidos no art. 5° da
Constituição Federal. No entanto, como se verá, a afronta à Constituição também
pode ser identificada como violação à ordem pública. O E. STF entendeu que
seria afronta à soberania nacional, por exemplo, homologar sentença estrangeira
relativa à guarda de filhos quando a ré era domiciliado no
Brasil e já havia decisão acerca do tema exarada por autoridade
judiciária nacional. [103] Também deixou de ser homologada sentença estrangeira
na qual o réu, domiciliado no Brasil, havia sido citado na forma inglesa em
demanda promovida na Inglaterra. No acórdão o Relator considerou que diligência
citatória tinha sido efetuada com ofensa à ordem pública e à soberania nacional
e, portanto, era inviável a homologação de sentença estrangeira. [104]
Ordem Pública, segundo Luis
Fernando Barroso [105] , é um princípio geral de preservação de valores jurídicos,
morais e econômicos de determinada sociedade política. Internamente, segundo o
autor, opera no sentido de limitar a autonomia da vontade das partes nos quais
devem prevalecer, cogentemente, os comandos estatais.
No plano internacional o princípio se manifesta de forma dúplice (a) ora
envolve a aplicação direta da lei estrangeira pela regra de conexão; (b) ora
envolve a aplicação indireta da lei estrangeira, pelo reconhecimento de direitos
adquiridos ou de situações constituídas no exterior; Nas duas hipóteses, a
ordem pública opera no sentido de impedir a eficácia de atos jurídicos
contrastantes com os valores do foro. Assim, segundo Barroso, o efeito da ordem
pública no plano internacional é o de impedir a aplicação do direito
estrangeiro, quando for o caso. Nos termos do artigo 4° do Código de
Bustamante, os preceitos constitucionais são de ordem pública internacional.
Assim, conclui Barroso: “Todas as previsões formalmente integradas à
Constituição brasileira são tidas como de ordem pública internacional e impedem
a aplicação de direito estrangeiro com elas contrastantes.”
Conclui-se, pois, na esteira da
lição de Luis Fernando Barroso, que a sentença estrangeira não deve ser homologada
se incompatível com a Lei Maior, sendo de observar-se,
nesse particular que a homologação de eventual sentença contrária à Lei Maior
afrontaria não só a soberania nacional, como também a ordem pública. O E.
STF já indeferiu homologação de sentença estrangeira entendendo que sua
homologação afrontaria princípio de ordem pública a decisão estrangeira (a) que
dispunha sobre inventário de bens situados no Brasil (SE 2289. Rel. Min.
Moreira Alves, Tribunal Pleno, j. em 18.09.75, RTJ 76/41); (b) não estava motivada
(SE 2.521, Pleno, j. em 12.08.80, Rel. Min. Antônio Neder, RTJ 95/35 e (c) ausência de
citação regular (SE 3262, Pleno, Rel. Min. Djaci Falcão, j. em 03.09.86, RTJ 119/597).
Bons Costumes, para Clóvis Beviláqua [106], são
“alguma coisa que existe de essencial à vida dos povos cultos no que diz
respeito, mais diretamente, à moral, que fala mais profundamente ao nosso
sentimento de respeito à sociedade e à dignidade humana. O conceito de bons
costumes varia segundo o contexto social e histórico. Maria Helena Diniz [107] refere
decisão do E. STF em que foi indeferida homologação de sentença de divórcio
havido no México por contrariar a lei e os bons costumes.
Já o artigo 217 do RISTF arrola
outros quatro requisitos necessários à homologação da sentença estrangeira. Tal
sentença, segundo o inciso I, deve ser prolatada por juiz competente. Na
apreciação do pedido de homologação de sentença estrangeira cumpre ao E. STF
verificar, inicialmente, se, em conformidade com as normas brasileiras acerca
da competência internacional (arts. 89 a 90 do CPC),
a autoridade judiciária estrangeira que exarou a sentença poderia
faze-lo. Não há possibilidade de homologação
de sentença estrangeira, por exemplo, relativamente aos temas enumerados no
art. 89 do CPC. Por outro lado, há possibilidade de homologação em se tratando
das hipóteses versadas no art. 88 do mesmo diploma legal, valendo lembrar que,
como referido anteriormente, a existência de demanda no Brasil cuja sentença
ainda não tenha transitado em julgado não obsta a homologação de sentença
estrangeira prolatada em demanda idêntica.
No inciso II do art. 217 do RISTF
consta como requisito de homologabilidade a
realização de citação ou a configuração da revelia. Evidente que não pode haver
revelia sem a citação. A norma, assim, deve ser entendida como aludindo à
necessidade de citação e, se for o caso, haver se verificado a revelia. Se o
réu na demanda em prolatada a sentença for brasileiro, a citação precisa ter
ocorrido na forma da legislação brasileira. Não se admite a citação por carta
ou via consulado estrangeiro. Nesse sentido, inclusive o
precedente acima citado, que deixou de homologar a sentença porque a
citação de réu brasileiro havia ocorrido de acordo com a lei inglesa. Se a
citação é efetuada fora do território brasileiro, deve obedecer à lei do lugar
em que a ação tem curso. Feita a citação regularmente, nada obsta a homologação
de sentença estrangeira se no processo em que proferida houve a revelia.
Também necessário à homologação da
sentença, nos termos do inciso III do art. 217 do RISTF, que a sentença tenha
transitado em julgado e esteja revestida das formalidades necessárias à
execução no local onde foi proferida. No que se refere ao trânsito em
julgado, tem-se a Súmula 420 do E. STF segundo a qual não se homologa sentença
sem o trânsito em julgado. No entanto, conforme assevera Guilherme Moraes [108], “em
determinados sistemas de direito positivo, tal como o italiano e o português, a
interposição de certos recursos não impede a formação da coisa julgada, de
molde que o trânsito em julgado não impede a preclusão de todos os
recursos”. Assim, sentença não deve ser irrecorrível, mas apenas deve ter
passado em julgado. Vale lembrar que, em se tratando de decisão interlocutória
prolatada em país integrante do Mercosul, o E. STF já admitiu a eficácia no
país, mediante procedimento de exequatur.
Já as formalidades alusivas à prolatação de sentença
estrangeira são aquelas previstas no país em que prolatada, visto que
seria incabível conferir eficácia a uma sentença que, no próprio Estado em que
foi prolatada, não é eficaz. [109]
O último requisito elencado no artigo 217 do RISTF diz com a
autenticação do cônsul brasileiro do lugar em que proferida a sentença e a
existência de tradução oficial. Segundo a Súmula 259 do E. STF para produzir
efeito em juízo não é necessária a inscrição no
registro público, de documentos de procedência estrangeira, autenticados por
via consular. Não será necessária a autenticação pelo cônsul brasileiro
se o pedido de homologação de sentença estrangeira tiver sido feito pela via
diplomática. A tradução deve ser feita por tradutor público e juramentado no
Brasil, havendo oportunidade para as partes fazerem prova contra a exatidão da
tradução, desde que deficiente ou errônea. [110]
Segundo Pontes de Miranda [111] na
ação de homologação de sentença estrangeira há exercício da pretensão a
homologar, existindo julgamento de mérito desta pretensão, mas não o julgamento
do direito material debatido na demanda em que prolatada a sentença a ser
homologada.
O procedimento especial de
jurisdição contenciosa no qual a sentença estrangeira é objeto de homologação,
por remissão do artigo 483, par. único do CPC,
encontra-se exaustivamente regulado no Regimento Interno do E. STF, arts. 218 a 223. São legitimados para a propositura
da ação quaisquer pessoas em relação as quais a homologação de sentença
estrangeira possa produzir efeitos, bem como os sucessores e terceiros que
possam ser atingidos pela eficácia sentencial. No que tange à legitimidade
passiva a ação, em princípio, pode ser proposta em face de todos aqueles contra
quem possa fazer valer a sentença homologanda.
A petição inicial deve conter todas as indicações exigidas na lei processual e
ser instruída com certidão ou cópia autenticada do texto integral da sentença
estrangeira homologanda e com outros documentos
indispensáveis, devidamente traduzidos e autenticados. A ação de homologação de
sentença estrangeira não é sujeita a prazo decadencial ou prescricional. [112] Feito
o exame pelo Presidente do E. STF da petição, estando a
mesma de acordo com os requisitos legais, é prolatado o despacho liminar de
conteúdo positivo. Caso contrário, será determinada a emenda da inicial.
Se domiciliado no Brasil o
requerido será citado por oficial de justiça ou, se em local incerto ou
ignorado, por edital. Se domiciliado fora do Brasil, a citação será feita por
carta rogatória. Poderá o requerido apresentar contestação ao pedido de homologação
de sentença estrangeira. A contestação, segundo o art. 221 do RISTF, somente
pode versar sobre a autenticidade dos documentos, a inteligência da sentença e
a observância dos requisitos de homologabilidade, não
sendo possível discutir situações jurídicas diversas daquelas previstas na
mencionada norma regimental.
Ao revel ou ao incapaz será dado
curador especial, pessoalmente notificado. A nomeação de curador ocorrerá mesmo
se a citação tiver sido pessoal e não editalícia [113].
Oferecida contestação haverá prazo de cinco dias para a réplica. Apresentada ou
não a contestação e oferecida ou não a réplica, caberá ao Procurador-Geral da
República exarar parecer no prazo de dez dias, na qualidade de custus legis. Se
houver impugnação ao pedido de homologação de sentença estrangeira, seja pelo
requerido, seja pelo curador especial, seja pelo Procurador-Geral da República
a competência para apreciação do pedido é deslocada para o Pleno do E. STF,
distribuindo-se o processo a um Relator, a quem cabe os demais atos relativos
ao andamento e à instrução, bem como o pedido de dia para julgamento. Contra a
decisão do Pleno que concede ou denega a homologação não cabe a interposição de
recurso, ressalvados os Embargos de Declaração. [114]
Inexistindo impugnação, a decisão
acerca da homologação competirá ao Presidente do E. STF. Havendo denegação da
homologação caberá agravo regimental a ser decidido pelo plenário da Excelsa
Corte. Na decisão que concede a homologação descabe recurso, ressalvada a
interposição de Embargos de Declaração. Tendo havido contestação ao pedido de
homologação de sentença estrangeira que resta indeferido, deve a decisão fixar
honorários advocatícios em favor do réu.
De referir-se que a decisão que
homologa a sentença estrangeira tem natureza constitutiva, pois importa na
criação de situação jurídica nova, representada pela produção, total ou parcial,
no Brasil, dos efeitos que o ordenamento jurídico do Estado na qual foi
proferida a conferia. No entanto, a decisão que rejeita o pedido de homologação
de sentença estrangeira é de natureza declaratória negativa [115]. A
decisão que homologa – ou não – a sentença estrangeira faz coisa julgada
material, pois há julgamento do mérito da pretensão à homologação,
impossibilitando futuras contestações ou modificações, ainda que em feitos
diversos. É admissível, assim, a ação rescisória para desconstituição do
acórdão que decide pedido de homologação de sentença estrangeira. Poderia
cogitar-se de ação rescisória de decisão que homologa a sentença estrangeira
quando, no Brasil, houvesse sido prolatada sentença em demanda idêntica com
trânsito em julgado posterior à homologação, com conteúdo contrário ao da
sentença homologada.
Se, porém, determinado requisito
de homologabilidade vier a ocorrer em data posterior,
v.g., o trânsito em julgado da sentença a ser homologada, não há óbice a que o
requerente volte a postular tal homologação, na medida em que houve fato
superveniente.
[116]
Passando-se ao plano da coisa
julgada, é certo que, nesse momento, embora diversas - ação
de homologação e a ação que se proponha no Brasil, sobre a mesma lide, já
solicitada pela Justiça estrangeira, poderá haver decisões conflitantes. Sendo
assim, tendo a decisão de homologação transitado em julgado, a sentença
estrangeira passa a produzir no território nacional todos os efeitos próprios,
inclusive, conforme se expôs, os relacionados com a sua autoridade de coisa
julgada
[117] . Logo, já não mais será possível obter-se o pronunciamento da
Justiça brasileira sobre a lide. Ao mesmo tempo, o trânsito em julgado de
sentença nacional, não é lícito a qualquer das partes no processo requerer a
homologação de sentença estrangeira que versava sobre idêntica matéria. De
fato, se algum interessado propuser ação de homologação perante o E. STF,
ignorando decisão anterior da Justiça brasileira transitada em julgado, caberá
à parte citada alegar a exceção de coisa julgada. Todavia, a decisão
denegatória da homologação não constitui obstáculo algum a que o órgão
competente local, se for o caso do art. 88 do CPC, decida livremente o litígio,
eis que o que passou em julgado foi apenas a
declaração da inexistência da pretensão, e não declaração da existência ou
inexistência do direito material em causa no estrangeiro.
A sentença estrangeira homologada,
de acordo com o artigo 584, inciso IV do CPC, é título executivo judicial. A
execução nela fundada deverá ser efetuada por meio de carta de sentença, a teor
do artigo 224 do RISTF, observadas as normas que regulam a execução de títulos
judiciais. A competência para o processo de execução, de acordo o art. 109, inciso X da Lei Maior, é da Justiça Federal, na medida
em que sendo da União a atribuição de manter relações com Estado estrangeiro,
natural que se confira ao seu judiciário, pelo seu caráter especializado, a
competência para a execução de sentença estrangeira. [118]
O executado poderá, mediante a
alegação das matérias enumeradas 741 do CPC, oferecer embargos, sendo de
salientar-se que a alegação de eventual ausência ou nulidade de citação deve
referir-se ao processo de homologação da sentença e não ao processo que
tramitou no exterior, pois a verificação da citação no mesmo
ocorrida é pressuposto para a homologação. A par disso, a alegação de
causa extintiva, impeditiva ou modificativa da obrigação é relativa à sentença
homologada, na medida em que por ser superveniente à sua prolatação,
não se encontrava contida no juízo de homologação. [119] A
carta de sentença, na forma do art. 590 do CPC e do art. 349 do RISTF deve
conter a autuação, a petição inicial, as procurações outorgadas pelas partes, a
contestação, a sentença estrangeira e a decisão de homologação, sendo
necessária autenticação pelo servidor encarregado e a assinatura do Presidente
ou do relator.
Segundo o Ministro Sálvio de
Figueiredo Teixeira [120] “o processo pode ser realizar-se à margem de qualquer
atividade estatal, como ocorre com a chamada mediação, que leva à conciliação
espontânea, em que relevante a atividade dos
interessados na busca de solução comum”. Pode também realizar-se
à custa da intervenção estatal, materializada na decisão judicial, dotada da
sanção típica das manifestações de qualquer dos Poderes do Estado. E pode, em
meio aos dois pólos, situar-se na forma paraestatal, ou seja, sob os auspícios
e garantia do Estado, mas com a decisão delegada a particular, cujas decisões
se estatizam uma vez proferidas, inclusive com
sanções típicas da solução estatal.“ Enumera o autor
as seguintes formas de composição: a) a mediação, como técnica de negociação processualizada, em que se chega ao acordo de vontades
mediante o trabalho técnico de dirigi-las a um ponto comum; b) a arbitragem,
que significa uma decisão por árbitro eqüidistante entre as partes, mas
desprovido de poder estatal e não integrante do quadro dos agentes públicos
jurisdicionais; c) sentença judicial, provinda de magistrado inserido entre os
agentes públicos jurisdicionais.” Segundo ele a
arbitragem, caracterizada como o composição para estatal, é a roupagem
contemporânea do arbitramento e, com a edição da Lei n° 9.307/96, sofreu, no
âmbito do direito nacional, profunda alteração, na medida em que dito diploma
cuidou “não apenas de substituir o ineficiente modelo de ‘juízo arbitral’, até
então previsto em nossa legislação, por uma nova regência, dentro de padrões
atuais, disciplinando notadamente a convenção de arbitragem e prestigiando a
manifestação de vontade, como também, a par do resguardo dos bons costumes e da
ordem pública ( art. 2°, par. 1°), se ocupou de adaptar o novo diploma aos
textos legais conexos ( arts. 41/42), de explicitar o
acesso ao Judiciário aos eventualmente prejudicados ( art. 33), da eficácia dos
tratados internacionais na matéria ( art. 34) e até mesmo da postura ética dos
árbitros, equiparando-os para efeitos de legislação penal, aos funcionários
públicos, a ensejar enquadramento dos mesmos na tipologia criminal em ocorrendo
deslizes de comportamento.”
De acordo com o artigo 34 da Lei
n° 9.307/96 a sentença arbitral estrangeira será reconhecida ou executada no
Brasil de acordo com os Tratados Internacionais com eficácia no ordenamento
interno e, na sua ausência, estritamente de acordo com os termos da Lei n°
9.307/96. O parágrafo único do artigo 34 considera sentença arbitral
estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional. Já o artigo
35 diz que para ser reconhecida ou executada no Brasil a sentença arbitral
estrangeira sujeita-se, unicamente, à homologação do
Supremo Tribunal Federal.
Conforme se verifica, qualquer
sentença estrangeira (arbitral ou judicial) terá de ser homologada pelo Supremo
Tribunal Federal, para efeito de reconhecimento e de execução. As regras
aplicáveis serão a do art. 483 e as dos artigos 215 a 224 do RISTF.
Debate-se na doutrina a
constitucionalidade do artigo 35 da Lei n° 9.307/96. Alexandre Câmara [121], por
exemplo, entende que apenas as sentenças judiciais poderiam ser objeto de
homologação pelo E. STF, frente ao art. 102, inciso I, alínea “h”, jamais as
sentenças arbitrais, por ele denominadas “laudos
arbitrais.” Em sentido contrário, o entendimento de Juliana Kalichsztein [122]:
“...defendemos a constitucionalidade deste artigo, pois, ao equiparar o laudo [123], o
que é reconhecido pela Lei, a homologação do laudo estrangeiro far-se-ia pela
Corte Suprema, em conformidade com o art. 102, I, da Constituição da República.
A norma contida neste último artigo é de competência interna, estabelecendo o
órgão competente no Brasil para homologar decisões estrangeiras. Assim, caberia
à legislação ordinária- no caso, a Lei n° 9.307/96 – determinar quais os atos e
decisões estrangeiros deverão ser objeto de homologação. (...)Embora alguns
autores considerem que esta afirmação estaria em conflito com aquelas
constantes dos artigos 38 e 39 da Lei, tendo em vista que no tocante à verificação dos requisitos para homologação do laudo
arbitral alienígena deveriam prevalecer esses artigos de Lei, não podemos
concordar. A legislação é muito clara ao prever que aplicar-se-ão os artigos
483 e 484 do diploma processual, no que couber, isto é, quanto aos requisitos
indispensáveis ao juízo de delibação pelo Supremo Tribunal federal, utilizam-se
os fixados no artigo 38 e 39 da Lei; quanto ao procedimento, aplicam-se os
artigos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal; e, quanto à execução,
observar-se-á o que dispõe o Código de 1973 quanto às sentenças nacionais”.
Prossegue a autora expondo
doutrina segundo a qual o artigo 34 da Lei n° 9.307/96 apenas seria aplicável
às sentenças estrangeiras arbitrais proferidas sob a égide de lei que exigisse
sua chancela judicial e, assim, inexistindo esta exigência, as sentenças
arbitrais poderiam ser apresentadas para execução diretamente perante os juízes
de Direito critica, de forma totalmente procedente, tal entendimento
fazendo as seguintes observações: “Não podemos deixar de esbanjar nossa
perplexidade frente ao descompasso criado por eminentes juristas ao atribuírem
um valor maior às decisões emanadas de árbitros privados, devidamente
autorizados pelas partes litigantes pelo princípio da autonomia da vontade,
assegurando sua plena execução por juízes nacionais de primeira instância, ao
passo que os julgados prolatados por autoridades públicas continuarão sob o
crivo do Supremo Tribunal Federal, para posterior execução por juízes federais,
se deferida a homologação. (...) As regras materiais sobre a homologação
de julgados estrangeiros constam na Lei de Introdução ao Código Civil e no
Código de Processo Civil, além da nova Lei de Arbitragem brasileira, todas
normas infraconstitucionais. Ao aderirmos à posição da Lei infraconstitucional
9.307/96, caberia sempre a mais Alta Corte do pais
homologação de laudos ou sentenças arbitrais estrangeiros, mesmo que não
homologados em sua origem, pois que ambos tem efeitos de sentença judicial. Na
verdade, a execução de sentenças estranhas no território de um Estado está
ligada a um interesse comum da Nação, que deve ser conciliado com as
conveniências de soberania e com o respeito devido aos outros Estados,
salvaguardando-se ao mesmo tempo, quanto possível, a liberdade e os direitos
individuais do homem. (...) E como no regime federativo os Estados estrangeiros
só reconhecem personalidade jurídica à União, segue que só a um dos órgãos do
Poder Público federal deve competir o direito de resolver sobre a admissão de
decisões estrangeiras. E ainda sob este ponto de vista, a preferência caberá ao
Supremo Tribunal Federal, por ser o único órgão judiciário com jurisdição
constitucional, em todo território da República e, portanto, capaz de firmar
arestos obrigatórios nas relações de Direito Internacional Privado.”
Conclui, assim, a autora que
existem dois sistemas distintos de homologação de sentença arbitral: a
homologação própria dos laudos quando apresentados perante a Corte Suprema
diretamente; a homologação das sentenças judiciais que homologarem os laudos
proferidos por árbitros, no país de origem, ou seja, a
homologação indireta dos julgados arbitrais, que vem sob a forma de decisão
judiciária, sendo, em ambos os casos, aplicável o mesmo procedimento.
De acordo com a decisão proferida
pelo E. STF na Sentença Estrangeira Contestada n° 5847-1, “sendo válida a equiparação
no plano interno, da sentença arbitral à judiciária, a fortiriori,
nada impede a outorga da qualificação de sentença a laudo arbitral estrangeiro
igualmente não sujeita na origem à chancela judicial, de modo a admitir a sua homologabilidade pelo E. STF, a fim de que, no foro, ganhe
eficácia própria das decisões judiciais. [124] ”
O artigo 37 da Lei
estabelece os documentos necessários à instrução da petição inicial – a qual
seguirá os preceitos do artigo 282 do diploma processual – que são: o original
da sentença arbitral ou uma cópia devidamente certificada, autenticada pelo
Consulado brasileiro e acompanhada de tradução oficial; e o original da
convenção de arbitragem ou cópia devidamente certificada, acompanhada de
tradução oficial. O artigo 38 elenca as hipóteses em
que a homologação poderá ser negada. Tais hipóteses, postas no artigo 38
da Lei n° 9.307/96 não poderão ser conhecidas de ofício, dependendo de demonstração
do réu [125].
São elas: (a) as partes na convenção de arbitragem eram incapazes; (b) a
convenção de arbitragem não era válida segundo a lei à qual as partes a
submeteram, ou na falta de indicação, em virtude da lei do país onde a sentença
arbitral foi proferia; (c) não foi notificado da designação do árbitro ou do
procedimento de arbitragem, ou tenha sido violado o princípio do contraditório,
impossibilitando a ampla defesa; (d) a sentença arbitral foi proferida fora dos
limites da convenção de arbitragem, e não foi possível separar a parte
excedente daquela submetida à arbitragem (e) a instituição da arbitragem não
está de acordo com o compromisso arbitral ou cláusula compromissória
(f) a sentença de arbitragem não se tenha, ainda, tornado obrigatória para as
partes, tenha sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por órgão judicial
do pais onde a sentença arbitral foi prolatada.
Relevante mencionar que o artigo
38, inciso VI da Lei n° 9.307/96 elenca como
requisito à homologação da sentença arbitral estrangeira a observância da lei
em que a mesma foi prolatada, o que pode ensejar a exigência
da homologação no país em que foi prolatada, ainda que a referida
sentença nenhum efeito venha a ter em tal local.
O artigo 39 da Lei n° 9.307/96 elenca requisitos à homologação de sentença arbitral de
sentença estrangeira que podem ser conhecidos de ofício pelo E. STF. Segundo a
norma será denegada a homologação se o objeto do litígio, segundo a lei
brasileira, não for suscetível de ser resolvido por arbitragem ( v.g. direitos indisponíveis) e se a decisão ofender a
ordem pública nacional. Parece razoável a interpretação de que nesse juízo
também deve ser aferida a eventual violação à soberania nacional e desacordo
com os bons costumes. No parágrafo único de dito dispositivo “não será
considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação da citação da parte
residente ou domiciliada no Brasil nos moldes da convenção de arbitragem ou da
lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive,
a citação postal como prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à
parte brasileira tempo hábil para o exercício do
direito de defesa. “ A disposição de lei, ao que parece, procura superar a
jurisprudência do E. STF acerca da necessidade da observância da lex fori para
a citação de réu domiciliado no Brasil.
Estabelece, ainda, o artigo 40 da
lei n° 9.307/96 que a denegação da homologação para o reconhecimento ou execução
de sentença arbitral estrangeira por vícios formais não obsta que a parte
interessada renove o pedido, uma vez sanados os vícios apresentados. Pertinente
referir, também, que a sentença arbitral devidamente homologada pelo E. STF
constitui-se título executivo judicial, nos termos do art. 584,
inciso IV do CPC.
Importante referir, ainda, no que
diz com as sentenças arbitrais estrangeiras os tratados internacionais e
acordos que tratam do tema, mencionando-se, ainda, alguns aspectos da
incidência dos mesmos quanto às sentenças judiciais estrangeiras.
Inicialmente é de mencionar-se o
Protocolo de Genebra, assinado em 24.09.23, foi ratificado pelo Brasil em
15.12.31, promulgada por meio do Decreto n° 21.187, de 22.03. 32 e, finalmente,
publicado no Diário Oficial de 29.03.1932. No plano internacional, tal
diploma em seu artigo 1° reconhece a validade do compromisso e da cláusula de arbitragem . O Brasil limitou sua aplicação aos contratos de
natureza comercial. No entanto, como refere Juliana Kalichsztein [126] trata-se
de diploma sem aplicação hoje em dia.
Muito mais importante, sendo o
tratado multilateral mais significativo no âmbito da arbitragem internacional é
a Convenção de Nova Iorque de 10.06.1958 e substituiu, entre os Estados
contratantes, o Protocolo de Genebra. O referido tratado foi ratificado por
mais de cem países. Foi aprovado pelo Legislativo brasileiro por meio do Decreto
n° 52, de 25.04.2002, promulgado pelo Executivo pelo Decreto n° 4.311, de
23.07.2002 (DO de 24.07.2002). Os Estados-membros comprometem-se a
respeitar o caráter obrigatório das decisões arbitrais, nos termos das
normas processuais dos respectivos foros, em igualdade de condições que os
laudos arbitrais nacionais. Será inconcebível a imposição de condições mais
onerosas ao reconhecimento e à execução destas decisões arbitrais do que as
impostas ao mesmo procedimento quanto às decisões internas. Assim, as condições
de reconhecimento e execução das sentenças arbitrais estrangeiros ficam a
critério do território onde a sentença é invocada. Uma das causas de não
reconhecimento e não execução da sentença arbitral em determinado país
reside na ofensa à ordem pública do mesmo.
Também relevante referir o Código
de Bustamante cujo campo de aplicação é bastante amplo, trazendo regras acerca
da sentença civil proferida pelos Estados contratantes (art. 423) e referentes
a laudos arbitrais sobre direitos disponíveis.
O Brasil ratificou, ainda, a
Convenção Interamericana sobre Arbitragem Internacional, promulgada pelo
Decreto Executivo n° 1902/96 e, ainda, a Convenção Interamericana acerca
da Eficácia Territorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros, promulgada
pelo Decreto Executivo n° 2.411, de 1997.
No âmbito do MERCOSUL (Tratado
Comum do Sul) merece destaque o Protocolo de Cooperação e Assistência
Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e
Administrativa do Mercosul, mais conhecido como Protocolo de Las Leñas, promulgado pelo
Decreto Executivo n° 2.067/96. Segundo preceitua o Protocolo de Las Leñas, os Estados-partes comprometem-se a prestar assistência e ampla
cooperação jurisdicional em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa.
Observa-se que a matéria penal foi posta de lado. Contudo, no tocante ao
reconhecimento e execução de sentenças, as decisões em matéria de reparação de
danos e restituição de bens na esfera penais estão abrangidas. O protoloco tem aplicação, normalmente, havendo disputa que
envolva partes de dois países signatários e que, apesar de iniciado o
litígio em um desses países, há necessidade de diligências em outro. A
sistemática procedimental deste protocolo utiliza-se de três modalidades
de cooperação interjurisdicional (a) cartas
rogatórias para atendimento de medidas de simples trâmite e probatórias ( art.s
5° a 17); reconhecimento e execução de sentenças e laudos arbitrais ( arts. 18 a 27), e o fornecimento de informações sobre o
direito vigente ( artigos 28 a 30). O reconhecimento de sentenças
arbitrais estrangeiras será feito por meio de carta rogatória
relativamente aos países signatários, sendo esta importante modificação quanto
ao sistema vigente. Nesta sistemática não mais será utilizada a ação de
homologação de sentença, mas pedido, perante a autoridade competente, de
encaminhamento de carta rogatória, com a intermediação das autoridades centrais
de cada pais que, no Brasil, é o Ministério das Relações Exteriores. No exame
da Carta Rogatória n° 76.13-Argentina, de 26.05.1999, assim se pronunciou o
Min. Celso de Mello do E. STF: “Torna-se importante, salientar, no entanto, que
o modelo jurídico brasileiro concernente às cartas rogatórias passivas sofreu,
em tema de efetivação de atos executórios, sensível modificação introduzida
pelo Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil,
Comercial, Trabalhista e Administrativa que o Brasil subscreveu (...) Com o
Protocolo de Las Leñas
tornou-se possível mediante simples carta rogatória, promover a homologação e
execução em nosso país de sentenças proferidas pelos órgãos judiciários da
Argentina, Paraguai e Uruguai(...)”
Assim, no que se refere às
sentenças arbitrais estrangeiras, a principal característica do protocolo
consiste no reconhecimento e execução das mesmas feitos a partir de um único
trâmite, iniciado junto à autoridade central de cada país que se comunicará com
a autoridade central do país requerido, e por sua vez, se incumbirá do dever de
promover o atendimento da medida junto à autoridade jurisdicional competente.
De ressaltar-se que a homologação
de sentença estrangeira, nos termos do Protocolo em exame, é obstaculizada pela
exceção de coisa julgada, ou seja, pela existência de decisão nacional
incompatível com a sentença estrangeira. Ainda, como exceção à regra presente
no artigo 90 do CPC, não será homologada a sentença quando for constatada a
litispendência.
Poderá, ainda, ser admitida apenas
eficácia parcial de determinada sentença ou laudo arbitral.
O Brasil firmou, ainda, Convênio
de Cooperação Judiciária em Matéria Civil com o Reino da Espanha, promulgado em
03.07.91. Por este Convênio, que abrange também causas trabalhistas, comerciais e contencioso administrativo, haverá
intermediação de uma autoridade central. O capítulo III designa as regras sobre
reconhecimento e execução de decisões judiciais e arbitrais.
Presentes estes Tratados,
Convênios e Protocolo, Juliana Kalichstein [127] assim
sistematiza as normas em vigor no Brasil acerca da homologação de sentenças
arbitrais internacionais:
1.sistema adotado por país que
exigem ou permitem a homologação do julgado arbitral na sua origem, por
autoridade competente. Neste caso está-se diante de sentença judicial a ser
homologada no Brasil, na forma dos arts. 483 e 484 do
CPC e RISTF.
2. sistema adotado por países
membros do Mercosul, os quais deverão obedecer os
preceitos constantes no Protocolo de Las Leñas;
3.sistema adotado por Estados-parte da Convenção para Reconhecimento e Execução
de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, no qual há a indicação dos requisitos
indispensáveis à sentença arbitral, os quais devem as partes observar para a
procedência do pedido de homologação e faculdade de adoção do procedimento da
lei local de execução do julgado;
4.sistema adotado pela Espanha e
Brasil, por meio do Convênio de Cooperação Judiciária em Matéria Civil;
5. sistema adotado pelo Código de
Bustamante, salvo se o país de origem do requerente tiver ratificado algum dos
tratados internacionais acima mencionados; e
6.o sistema adotado pelos países
que não se encaixam em nenhum dos sistemas anteriores, os quais deverão
obedecer aos preceitos constantes nos artigos 34 a 40 da Lei n° 9.307/96.
As cartas rogatórias são
instrumento de cooperação internacional utilizadas quando necessária
prática de atos de comunicação ou informação processual (citação, intimação,
notificação) ou tomada de provas, a serem realizados em pais distinto daquele
que em que se situa a autoridade judiciária que determinou a realização de
mencionados atos ou a realização das provas. No sintético, porém adequado,
conceito de Carmem Tiburcio [128], “a
carta rogatória é meio processual adequado para realização de diligências fora
de uma determinada jurisdição.” Duas, pois, são as
espécies de cartas rogatórias: quando enviadas do Brasil para outro pais denominam-se
rogatórias ativas; quando remetidas de pais estrangeiro para serem entre nós
cumpridas, são denominadas rogatórias passivas. Nos termos do artigo 210 do CPC
a carta rogatória ativa obedecerá, quanto à sua admissibilidade e modo de seu
cumprimento, ao disposto em convenção internacional; à falta desta, será
remetida à autoridade judiciária estrangeira, depois de traduzia para a língua
do país em que há de praticar-se o ato.
Já a Carta Rogatória passiva, a
fim de ser cumprida no Brasil, submete-se ao exequatur
pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos do artigo 102, inciso I, alínea h,
da Lei Maior. Nos termos do RISTF, art. 13, competirá ao Presidente do E.
STF conceder o “exequatur”, que se constitui na
“determinação oriunda do E. STF para que se cumpra carta rogatória citatória ou
notificatória estrangeira”. [129]
Segundo Athos Gusmão Carneiro [130] a rogatória
passiva, em linha de princípio, não pode ter eficácia executória. Em outras
palavras: não pode a carta rogatória objetivar a realização de execução
de sentença estrangeira não homologada no Brasil. Também assim é o entendimento
de Marcelo Huck [131] ao
mencionar que as Cartas Rogatórias, em si, não podem ter qualquer efeito
executório, sendo meramente deprecante, visando tão-somente ordenar o processo
de conhecimento que se promove no exterior e que depende de providência
processual que só pode ser realizada no Brasil. Trata-se, segundo ele, de forma
de cooperação entre os Estados para a administração da Justiça, pois o juiz
nacional não exerce poderes ou função do juiz estrangeiro. Estas lições
doutrinárias, por certo, encontram fundamento na jurisprudência pacificada do
E. STF:
“Concede-se
o exequatur para a citação de pessoa
domiciliada no Brasil, mesmo em ação de execução, desde que os atos de
constrição, como arresto ou seqüestro, não devam ser cumpridos aqui.” ( STF, CR 1408 AgRg, Rel. Min.
Luis Galotti, j. em 20.03.69, DJ 03.10.69, RTJ vol
52, pág. 0299)
“(...)
Vê-se, pois, que constitui postulado fundamental do sistema normativo
brasileiro a pré-exclusão de qualquer atividade executória em tema de cartas
rogatórias passivas, pois, em tal hipótese, impor-se-á a necessária e prévia
homologação da respectiva decisão estrangeira, a efetivar-se em procedimento
específico a ser instaurado no âmbito desta Corte, nos termos do CPC, arts. 483 e do RISTF, arts. 215 a
224. “ (CR 8425, rel. Min. Celso de Mello, j. em 04.09.98, DJU de 14.09.98, p.
29-30).
Mais recentemente, o Min. Marco
Aurélio negou “exequatur” em decisão confirmada pelo
Pleno do E. STF, à carta rogatória oriunda da Bolívia que pretendia a
realização de penhora de bens de pessoa domiciliada no Brasil, justamente em
razão da natureza executória da Carta. [132]
A Convenção Interamericana sobre
Cartas Rogatórias celebrada no Panamá e ratificada
pelo Brasil, ao definir a natureza das atividades processuais passíveis de
serem cumpridas via Carta Rogatória excluiu, de maneira expressa, os atos que
importavam em execução coativa (art. 3°).
Relativamente aos países
integrantes do Mercosul as cartas rogatórias passaram a ter também a função de instrumentalizar o reconhecimento de eficácia a sentenças
estrangeiras, em face da edição do Protocolo de Las Leñas [133] e do
Protocolo de Ouro Preto. Esse Protocolo trata de vários temas de processo
internacional, como acesso à justiça em igualdade de condições a nacionais de
países ratificantes ( art.
3°), a proibição de cobrança de caução para propositura de ação judicial por
parte de não-nacionais/não residentes ( art. 4°), o
trâmite das Cartas rogatórias para cumprir atos de mera diligência ( arts. 5° e segs.), o reconhecimento e a execução de
sentenças e laudos arbitrais ( arts. 18 e segs) e a
informação acerca do direito estrangeiro ( arts. 28 e
segs.) Assim, diz Carmem Tiburcio [134], “o
Protocolo trata de dois tipos de Cartas Rogatórias. Nos arts.
5° ao 17 o Protocolo regula as cartas rogatórias que contém atos de mera
diligência” (...)e dos arts. 18 a
24 o texto convencional trata das cartas rogatórias que solicitam o
reconhecimento e a execução de sentenças e laudos arbitrais estrangeiros.(...)
Para as primeiras estabelece como óbice ao cumprimento a ordem pública local e,
para as últimas, seis requisitos contendo situações impeditivas ao
reconhecimento e execução de seu objeto, as sentenças estrangeiras.” Segundo esta doutrinadora, mesmo que a homologação de
sentença estrangeira deva observar, segundo disposto no Protocolo, o rito das
cartas rogatórias, não bastará nos termos do protocolo, a observância ao artigo
226 do RISTF que dispõe sobre o procedimento nas Cartas Rogatórias e, ainda, à
norma do artigo 89 do CPC. É necessário, para a concessão do “exequatur” a observância dos art. 20 do já mencionado
Protocolo de Las Leñas. [135] Nesse
sentido, parece ter sido o entendimento exarado pelo E. STF:
“Protocolo de Las
Leñas. Cooperação Jurisidicional entre países integrantes do Mercosul.
Possibilidade, mediante carta rogatória, de reconhecimento e execução de
sentenças emanadas da Justiça da Argentina, do Paraguai e do Uruguai.
Precedentes do STF: CR 7.618 , CR 7899, rel. Min. Celso de Mello. Procedimento
ritual simplificado. Homologação de Sentença argentina
proferida pela justiça rogante. Outorga de eficácia
executiva, em território brasileiro, a esse ato de conteúdo sentencial. “ [136]
No corpo da decisão afirma o Min.
Celso de Mello:
“Impõe-se
advertir, no entanto, que embora simplificada a sua disciplina ritual, o reconhecimento
de sentenças estrangeiras oriundas de países do Mercosul, para viabilizar-se,
instrumentalmente, mediante simples Carta Rogatória, deverá observar e
satisfazer as exigências formais impostas pelo Protocolo de Las
Leñas, notadamente aqueles requisitos fixados em seus
artigos 20 e 21”.
O Protocolo de Ouro Preto de
Medidas Cautelares [137] tem por objeto regulamentar o cumprimento de medidas
cautelares destinadas a impedir a irreparabilidade de um dano em relação às
pessoas, bens, obrigações de dar, de fazer ou de não-fazer. [138] No
sentir de Carmem Tiburcio, o protocolo não deixa
claro se está a tratar da medida cautelar liminarmente deferida ou, ao final de
processo, em virtude de sentença. Diz o referido protocolo que a solicitação de
medidas cautelares será formulada por carta rogatória (art. 18), criando, na
lição da mencionada doutrinadora, outra hipótese de carta rogatória com
eficácia executiva, sem reproduzir, contudo, a exigências do artigo 20 do
Protocolo de Las Leñas.
Exige o Protocolo de Ouro Preto apenas a observância à ordem pública. Para
Carmem Tiburcio o Protocolo de Las
Leñas deve ser interpretado como referido apenas às
medidas cautelares liminarmente deferidas, enquanto a execução de sentenças
cautelares no país estaria submetida ao Protocolo de Las
Leñas. O E. STF, contudo, já aplicou o Protocolo de Las Leñas à decisão
interlocutória concessiva de medida cautelar. [139] Mais
recentemente, aplicando Protocolo de Ouro Preto, o E. STF apôs o exequatur em Carta Rogatória oriunda da Argentina
que objetivava a inscrição de penhora sobre determinados investimentos. [140]
O procedimento previsto para o
processamento das Cartas Rogatórias consta nos arts.
225 a 228 do E. STF. Compete ao Presidente do E. STF a concessão do exequatur às cartas rogatórias. Uma vez recebida a rogatória, o interessado residente no país
será intimado, podendo, no prazo de cinco dias, apresentar sua impugnação ao
cumprimento. Também pode apresentar impugnação o Procurador-Geral da República.
A impugnação só será admitida se a rogatória atentar contra a soberania
nacional ou ordem pública, ou lhe faltar autenticidade.
O E. STF deixou de deferir o exequatur em cartas rogatórias destinadas à citação
na ação de indenização fundada em ato ilícito praticado no Brasil, considerando
ser de ordem pública o princípio da lei do local do delito (
CR 3119, AgRg, Rel. Min. Antonio Neder, Tribunal Pleno, j. em 09.10.80, DJ de 31.10.80, pág.
8890, RTJ 97/69). Também deixou de conceder “exequatur”
para rogatória de citação de réu domiciliado no Brasil para responder a ação
fundada em contrato com cláusula de eleição de foro brasileiro (CR 3166 AgRg/MG, Pleno, Rel.Min. Antonio Neder, j. em 18.06.80, DJ de 15.08.80, RTJ 95/42).
Igualmente não concedeu exequatur para a
citação de réu domiciliado no Brasil, se nele praticado o ato que deu origem à
demanda e onde, também, deverá ser cumprida a obrigação (embargos na Carta
Rogatória n° 3054, Pleno, Rel. Min. Antônio Neder, j. em 10.10.80, DJ 27.10.80 pág. 8682, RTJ 96/61). Huck lembra interessante decisão do E. STF na Carta
Rogatória n° 3119 [141]. Diz o autor: “Em outra marcante decisão
do Supremo Tribunal federal prolatada no ano de 1980, aquela Corte negou
concessão do exequatur a carta rogatória originária da Argentina, sob o fundamento de
competência exclusiva dos Tribunais brasileiros para conhecer de delitos
praticados no território nacional. Naquela oportunidade, pleiteava a carta
rogatória a citação dos compositores brasileiros Roberto Carlos e Erasmo
Carlos, para responderem processo na Argentina, onde eram acusados de ter
plagiado a canção ‘Amigo’, alegadamente composta por autor argentino. A decisão do Min. Neder, então Presidente do Tribunal,
confirmada pelo Colegiado, entendeu de negar a concessão do exequatur, pois o alegado plágio
teria ocorrido no Brasil, e competente seriam os Tribunais Brasileiros, com
exclusividade para conhecerem tal delito. A matéria seria, portanto, de ordem
pública, pois considerada dentro dos limites da competência exclusiva do
Judiciário brasileiro. No caso, o fundamento da impugnação era mais amplo do que a mera exceção de incompetência
jurisdicional, pois se assentava em razão de ordem pública, qual seja a
competência exclusiva do Judiciário brasileiro para conhecer e julgar delitos
ocorridos no território nacional.”
No entanto, em se tratando carta
rogatória para citação extraída de ação versando sobre descumprimento de
cláusulas contratuais, foi concedido o exequatur
pelo E. STF
[142] em decisão ementada nos seguintes termos: “Carta
Rogatória. Competência Concorrente das Justiças brasileira e estrangeira ( art. 88 do CPC). Inadimplência contratual. A ação
intentada no estrangeiro, para haver indenização por infração contratual,
contra empresa domiciliada no pais, pode ser objeto de comissão rogatória, sem
ofensa à ordem pública, por não compreendida na competência exclusiva da
Justiça brasileira ( art. 89 do CPC), mas na sua competência concorrente com a
Justiça estrangeira.”
Mais recentemente foi concedido exequatur em carta rogatória destinada à citação do
réu domiciliado no Brasil em ação de cobrança por dívida de jogo. Entendeu o
Min. Marco Aurélio [143] que “a hipótese equiparava-se à ação versando sobre os
jogos admitidos no Brasil.”
De acordo com o entendimento da
Excelsa Corte tem-se que a “chancela consular na origem da carta rogatória
confere autenticidade aos documentos que instruem a carta rogatória,
apesar de a versão para o vernáculo ter sido feita em país estrangeiro.” (
Embargos na Carta Rogatória n° 3553, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, j. em
05.06.85, DJ 28.06.85, pág. 10678, RTJ 114/500 e CR 4340-Bem, j. em 09.04.85,
DJU 16.5.85, Rel. Min. Moreira Alves, Pleno, RT 608, junho de 1986.)
Concedido o exequatur,
seguir-se a remessa da carta à juízo na qual deva ser
cumprida, que é a Justiça Federal, nos termos do artigo 109, inciso X da Lei
Maior. Conta a concessão do exequatur
cabe agravo regimental a ser decidido pelo Pleno do E. STF. No cumprimento da
carta rogatória cabem, ainda, embargos relativos a quaisquer atos que lhe sejam
referentes, opostos no prazo de 10 dias, por qualquer interessado ou pelo
Ministério Público Federal. Os embargos serão julgados pelo Presidente e contra
a decisão aí proferida também cabe agravo regimental. Como salientado pelo
Ministro Moreira Alves: “ O ataque à concessão do “exequatur” deve ser feita pelo agravo regimental
previsto no artigo 227, par. único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal, motivo, aliás, da intimação do interessado para impugnar, querendo, a
rogatória. Já os Embargos, previstos no seguinte artigo 228, dizem respeito à
desconformidade entre a concessão do “exequatur”
e os atos praticados para seu cumprimento, não cabendo seu uso em substituição
àquele agravo.” ( Embargos na CR 4456, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira
Alves, j. em 12.11.86, D.J. 28.1186, pág. 23460).
Admite-se, igualmente, a recepção
de carta rogatória por via diplomática, recebendo-a o Ministério das Relações
Exteriores, que a encaminhará, via Ministério da Justiça, ao STF, para
cumprimento.
Em qualquer hipótese, cumprida a
rogatória, será devolvida ao E. STF, no prazo de 10 dias, e por este remetidas,
em igual prazo, por via diplomática, ao juízo ou Tribunal de origem.
De recordar-se que o E. STF não
tem deferido a homologação de sentença estrangeira quando a citação de réu
domiciliado no Brasil para processo no exterior não se proceda mediante carta
rogatória a ser cumprida no Brasil.
Em
artigo disponibilizado na internet assim se manifesta
José Maria Tesheiner: [144]
“Pergunta-se:é competente a autoridade judiciária brasileira para ação
de alimentos proposta por autor residente no Brasil contra réu domiciliado e residente
no estrangeiro?
O
artigo 88 do CPC dispõe:
‘É
competente a autoridade judiciária brasileira quando:
I
- o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;
II
- no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;
III
- a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil’.
A hipótese pode enquadrar-se no inciso
II, suposto que se considere portable a
obrigação alimentar. Segundo Cahali (CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 3. ed. São Paulo, RT,
1999. p. 149) ‘faltante acordo ou provimento judicial a respeito, mostra-se
mais razoável considerar-se a obrigação alimentar como sendo portable, impondo-se ao devedor o encargo de leva-la ao domicílio do credor[1]".
Nessa linha de raciocínio, a autoridade judiciária brasileira é competente para
conhecer de ação de alimentos proposta por alimentando residente no Brasil,
contra réu domiciliado no exterior, ex vi do art. 88, II, do CPC.
Observe-se,
porém, que, no plano internacional, a competência para julgar não envolve
necessariamente a competência para executar. Assim, embora competente por se
tratar de obrigação a ser cumprida no Brasil ou porque originada de fato aqui
ocorrido ou praticado, o juiz brasileiro não pode penhorar bens situados no
exterior e, muito menos, praticar atos de coerção pessoal. Inversamente, a
sentença de juiz estrangeiro somente será executada no Brasil, depois de
homologada pelo STF.
De
outra parte, segundo o artigo 26 da Lei n° 5.478, de 25.07.68, é competente
para processar e julgar a ação de alimentos o juízo federal da Capital do
Estado em que residir o devedor, sendo considerada instituição intermediária,
para os fins do Decreto Legislativo n° 10/68 e Decreto n° 56.826, de 02.09.65,
a Procuradoria-Geral da República.
>O
Decreto n° 56.528/65 promulga Convenção de Nova Iorque, que regula a cooperação
internacional em matéria de alimentos, legitima o Ministério Público a promover
a homologação e execução, em um país, de decisão sobre alimentos provisionais,
proferida em outro. Fica reconhecida a competência do juiz do país em que tem
domicílio o beneficiário dos alimentos para decidir sobre os mesmos, ainda
quando o réu seja domiciliado no Brasil e aqui tenha bens. No entanto, se o
devedor de Brasil residir no exterior e o réu no Brasil, é competente a Justiça
Estadual. Nesse sentido, o seguinte julgado do E. STJ:
“Processual
Civil. Competência. Ação de Alimentos em que o devedor reside fora do país. Só
em competente a Justiça Federal quando, por residir o demandante no exterior e
o devedor em território nacional, atua a Procuradoria-Geral da República como
intermediária.”
(...)
A
espécie envolve a interpretação do artigo 26 da lei n° 5.478/68(...). Como se
vê, tal preceito regula a hipótese em que o devedor reside no território
nacional, justificando-se aí a intervenção da Procuradoria-Geral da República
que, como ‘instituição intermediária’, age no país em nome do demandante
domiciliado no exterior (art. III, parágrafo 3°, e art. IV do Dec. 65.826, de
1965). No caso, dá-se a hipótese inversa, pois a demandante reside no Brasil,
enquanto o réu é quem está domiciliado no território estrangeiro.” [145]
>No plano
internacional, a competência para julgar não envolve necessariamente a
competência para executar. Assim, embora competente por se tratar de obrigação
a ser cumprida no Brasil ou porque originada de fato aqui ocorrido ou
praticado, o juiz brasileiro, de regra, não pode penhorar bens situados no
exterior. De outra parte, a sentença de juiz estrangeiro somente será passível
de execução no Brasil, depois de homologada pelo STF.
Relativamente
às cartas rogatórias extraídas de processo executivo instaurado no exterior o
Brasil não as cumpre, se visam a exercer atos de constrição sobre bens imóveis
aqui situados. Segundo Cândido Dinamarco: [146] ‘exclui-se
a competência do juiz brasileiro para o processo de execução quando os bens a
serem atingidos por ele se situam fora do território nacional; inversamente, o
Brasil não cumpre rogatórias extraídas de processo executivo instaurado no
exterior e destinadas a exercer atos de constrição sobre bens imóveis aqui
situados (penhora, busca-e-apreensão etc).
Tratando-se de bens móveis, instaura-se o processo executivo no país em que se
encontram, mediante prévia homologação ou reconhecimento da sentença
estrangeira se for o caso (o que obviamente não se dá quando a execução se
funda em título executivo extrajudicial admitido pelo sistema processual do
país onde se encontram os bens móveis - nota promissória etc). (...)O vocábulo réu é empregado nesse dispositivo (CPC,
art. 88, I) em seu significado próprio e estrito, ou seja, indica apenas o demandado
em processo de conhecimento. O domicílio do executado no país não é
ponto de ligação suficiente para determinar a competência do juiz brasileiro
porque o processo de execução é invariavelmente da competência internacional do
juiz do país onde se situam os bens a serem constritos. “
Como se viu, a sentença
estrangeira homologada pelo Supremo Tribunal Federal constitui-se título
executivo judicial, a teor do artigo 584, inciso IV do CPC. O dispositivo
abrange a sentença judiciária e a sentença arbitral. Segundo Araken de Assis [147] far-se-á
a execução de sentença estrangeira homologada se contiver condenação, mediante
carta de sentença ( art. 484, do CPC) e a competência
cabe aos juizados federais de primeiro grau ( art. 109, X, da CF/88). Além da sentença judiciária, o art. 34 da Lei n°
9.307/96 permite a execução, no Brasil, da ‘sentença’ arbitral estrangeira,
após homologação do E. STF. Vale, aqui, o mesmo regime já exposto(...).”
Já o parágrafo único do
artigo 585 do CPC, ao disposto sobre títulos executivos extrajudiciais diz que
“não dependem de homologação pelo Supremo Tribunal Federal para serem
executados os títulos executivos extrajudiciais oriundos de países estrangeiros.” Para terem eficácia no Brasil tais títulos devem
satisfazer os requisitos de formação exigidos pela lei do lugar de sua celebração
e indicar o Brasil como lugar de cumprimento da obrigação. Uma vez mais invocando-se a lição de Araken de
Assis [148] tem-se
que “O art. 585, par. 2°, do CPC, dispõe que o título executivo extrajudicial,
oriundo do estrangeiro, não se vincula ao juízo de delibação (retro 20.4). Os
requisitos de formação do documento obedecem à lex
loci ( art. 585, §2°, 2ª parte), e, naturalmente,
hão de apresentar eficácia executiva no País de origem e no Brasil.
Tutela o dispositivo , precipuamente, a cambial, que,
dotada de força executiva entre nós, não se negaria razoável nega-la às estrangeiras, embora a exeqüibilidade não se
constitua atributo ínsito à disciplina cambial. É indispensável o título
estrangeiro indicar como lugar do cumprimento da obrigação alguma
localidade do território nacional. Não se exige que as partes residam no
Brasil, embora seja competente a justiça brasileira se o devedor tiver aqui
domicílio. Eliminada a exigência de delibação, a propositura de demanda
executória, no foro competente, se vincula apenas à tradução do título ( art.
157) e à conversão em moeda estrangeira nacional, ao câmbio oficial do dia do
ajuizamento, o que não afeta a liquidez, conforme já decidiu a 3ª Turma do E.
STJ (REsp 4819-RJ, j. em 30.10.90, Rel. Min.
Waldemar Zveiter, RSTJ 27/313).” [149]
Por serem os Estados soberanos,
forçosamente devem ser reconhecidas em seu favor determinadas imunidades, de
ascendência consuetudinária. Dentre elas está a imunidade de jurisdição,
consubstanciada no princípio de que os atos de um Estado soberano não podem ser
submetidos ao crivo decisório de outro, tanto no processo de conhecimento como
na execução.
[150] No entanto, esta imunidade vem sendo relativizada.
Segundo Athos Gusmão Carneiro [151], “a
moderna doutrina do direito internacional público não mais admite como absoluta
a regra da imunidade jurisdicional de Estado estrangeiro.” Reportando-se
à lição do Min. Francisco Resek , assevera o autor
que as Convenções de Viena são aplicáveis à imunidade pessoal dos (agentes
diplomáticos), e não as Estados estrangeiros. A imunidade jurisdicional destes
resultaria dos costumes internacionais, “mas tais costumes não mais abrigariam
a imunidade absoluta dos Estados uns perante os outros.”
Efetivamente vem ganhando espaço a
teoria que aceita a vulnerabilidade de atos estatais antes os tribunais de
extra-soberania quando similares aos praticados por particulares. [152]
A Convenção Européia sobre Imunidades dos Estados, firmada em 1972 em Basiléia,
Suíça, rompeu com a imunidade jurisdicional absoluta. A par de aplicável apenas
aos Estados-contratantes, tal convenção teve grande
influência na doutrina e na jurisprudência. Assim, em 21 de outubro de 1976, os
Estados Unidos promulgaram a Public Law n° 84.583, denominada Foreign
Sovereign Immunity Act of 1976, na qual foi aditada a imunidade
relativa dum Estado à jurisdição do outro. A Seção n° 1602 estatui que,
no Direito Internacional, os Estados não são imunes à jurisdição dos tribunais
estrangeiros, no âmbito das atividades comerciais. Na mesma trilha
avançou o Reino Unido com o State Immunity Act of 1978 . Passou-se, pois, no âmbito do direito
internacional público, a aceitar-se “o controle jurisdicional nacional
sobre os atos de pura gestão praticados por Estado estrangeiro, mas não
sobre atos carcterizados como jure imperii ” [153] . Em
face dessa doutrina torna-se relevante a distinção entre atos de império
e atos de gestão. Os atos de império, não submetidos à apreciação jurisdicional
estrangeira, seriam aqueles realizados pelo Estado na condição de poder
público, usando de sua supremacia. Já nos atos de gestão, o Estado agiria como
ente privado e, portanto, estaria submetido à jurisdição estrangeira. [154] Como
exemplos de atos de império tem-se: atos legislativos, atos concernentes à
atividade diplomática, atos relativos às forças armadas, etc. e, como exemplo
de atos de gestão pode-se citar a pura administração dos bens e serviços
públicos e os negócios realizados com particulares, nos quais não se exige a
coerção dos interessados: alienação, oneração e
aquisição de bens.
Permanecem as pessoas físicas
tuteladas pelos privilégios e imunidades diplomáticas concedidas pelas
Convenções de Viena (relativas ao serviço diplomático) e de 1963 (relativa ao
serviço consular). Presentes tais imunidades relativas à jurisdição civil e
penal, depende de expressa renúncia a tal imunidade a submissão de tais agentes
à jurisdição nacional. No entanto, como ensina Julio Marino dos Santos Carvalho [155] sendo
a imunidade matéria de ordem pública e sendo o Estado estrangeiro o real
titular da mesma, somente a ele cabe renunciar a imunidade de seus agentes
diplomáticos. De referir-se que a imunidade dos agentes diplomáticos encontra
as seguintes limitações, segundo o mesmo autor: (a) ação real sobre imóveis de
propriedade privada do agente diplomático; (b) ação sucessória de natureza
privada; (c) ação derivada de atividades profissionais alheias às funções
diplomáticas
[156]. Nesses casos, não há falar-se em renúncia da jurisdição porque o
agente diplomático está equiparado ao cidadão comum.
Adverte Athos
Gusmão Carneiro, contudo, que não é possível, salvo expressa anuência do Estado
estrangeiro, a execução forçada de eventual sentença que o tenha condenado,
pois seus bens, móveis e imóveis, vinculados à atividade diplomática e consular
não podem sofrer penhoras ou medidas de constrição. Poderia haver execução
forçadas apenas de o Estado estrangeiro possuísse no país bens estranhos
à sua representação diplomática ou consular.
O entendimento acerca da exclusão
dos atos de gestão do alcance da imunidade jurisdicional tem sido acatado pelo
E. STF, como se infere dos seguintes julgados:
“Estado estrangeiro. Imunidade
Judiciária. Causa trabalhista. Não há imunidade de jurisdição para o estado
estrangeiro, em causa de natureza trabalhista. em
principio, esta deve ser processada e julgada pela justiça do trabalho, se
ajuizada depois do advento da Constituição Federal de 1988 (art. 114). Na
hipótese, porém permanece a competência da Justiça Federal, em face do disposto
no parágrafo 10 do art. 27 do A.D.C.T. da Constituição Federal de 1988, c/c art. 125, II, da e.c. n. 1/69. Recurso ordinário
conhecido e provido pelo Supremo Tribunal Federal para se afastar a imunidade
judiciária reconhecida pelo juizo federal de primeiro
grau, que deve prosseguir no julgamento da causa, como de direito.” [157]
“E
M E N T A: AGRAVO DE INSTRUMENTO - ESTADO ESTRANGEIRO. RECLAMAÇÃO
TRABALHISTA AJUIZADA POR EMPREGADOS DE EMBAIXADA - IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO -
CARÁTER RELATIVO - RECONHECIMENTO DA JURISDICÃO DOMÉSTICA DOS JUIZES E
TRIBUNAIS BRASILEIROS - AGRAVO IMPROVIDO. IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. CONTROVÉRSIA
DE NATUREZA TRABALHISTA. COMPETENCIA JURISDICIONAL DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS. -
A imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro, quando se tratar de litígios
trabalhistas, revestir-se-á de caráter meramente relativo e, em conseqüência,
não impedirá que os juízes e Tribunais brasileiros conheçam de tais
controvérsias e sobre elas exerçam o poder jurisdicional que lhes e inerente.
ATUAÇÃO DO ESTADO ESTRANGEIRO EM MATERIA DE ORDEM PRIVADA. INCIDÊNCIA DA TEORIA
DA IMUNIDADE JURISDICIONAL RELATIVA OU LIMITADA. - O novo quadro normativo que
se delineou no plano do direito internacional, e também no âmbito do direito
comparado, permitiu - ante a realidade do sistema de direito positivo dele
emergente - que se construísse a teoria da imunidade jurisdicional relativa dos
Estados soberanos, tendo-se presente, para esse especifico efeito, a natureza
do ato motivador da instauração da causa em juízo, de tal modo que deixa de
prevalecer, ainda que excepcionalmente, a prerrogativa institucional da
imunidade de jurisdição, sempre que o Estado estrangeiro,
atuando em matéria de ordem estritamente privada, intervier em domínio
estranho aquele em que se praticam os atos jure imperii.
Doutrina. Legislação Comparada. Precedente do STF. A teoria da imunidade
limitada ou restrita objetiva institucionalizar solução jurídica que concilie o
postulado básico da imunidade jurisdicional do Estado estrangeiro com a
necessidade de fazer prevalecer, por decisão do Tribunal do foro, o legitimo direito
do particular ao ressarcimento dos prejuízos que venha a sofrer em decorrência
de comportamento imputável a agentes diplomáticos, que, agindo ilicitamente,
tenham atuado more privatorum em nome do País
que representam perante o Estado acreditado (o Brasil, no caso). Não se revela
viável impor aos súditos brasileiros, ou a pessoas com domicilio no território
nacional, o ônus de litigarem, em torno de questões meramente laborais,
mercantis, empresariais ou civis, perante tribunais alienígenas, desde que o
fato gerador da controvérsia judicial - necessariamente estranho ao especifico
domínio dos acta jure imperii
- tenha decorrido da estrita atuação more privatorum
do Estado estrangeiro. OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA E A DOUTRINA DA
IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO RELATIVA OU LIMITADA. Os Estados Unidos da América -
parte ora agravante – já repudiaram a teoria clássica da imunidade absoluta
naquelas questões em que o Estado estrangeiro intervem
em domínio essencialmente privado. Os Estados Unidos da América - abandonando a
posição dogmática que se refletia na doutrina consagrada por sua Corte Suprema
em Schooner Exchang v. McFaddon (1812) - fizeram prevalecer, já no início da
década de 1950, em típica declaração unilateral de caráter diplomático, e com
fundamento nas premissas expostas na Tate Letter, a conclusão de que "tal imunidade, em certos
tipos de caso, não deverá continuar sendo concedida". O Congresso
americano, em tempos mais recentes, institucionalizou essa orientação que
consagra a tese da imunidade relativa de jurisdição, fazendo-a prevalecer, no
que concerne a questões de indole meramente privada,
no Foreign Sovereign Immunities Act (1976). (...) [158]
“ESTRANGEIROS
NÃO DISPÕEM DE IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO PERANTE O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO,
NAS CAUSAS DE NATUREZA TRABALHISTA, POIS ESSA PRERROGATIVA DE DIREITO
INTERNACIONAL PÚBLICO TEM CARÁTER MERAMENTE RELATIVO.
O
Estado estrangeiro não dispõe de imunidade de jurisdição, perante órgãos do
Poder Judiciário brasileiro, quando se tratar de causa de natureza trabalhista.
Doutrina. Precedentes do STF (RTJ 133/159 e RTJ 161/643-644). - Privilégios
diplomáticos não podem ser invocados, em processos trabalhistas, para coonestar o enriquecimento sem causa de Estados
estrangeiros, em inaceitável detrimento de trabalhadores residentes em
território brasileiro, sob pena de essa prática consagrar censurável
desvio ético-jurídico, incompatível com o princípio da boa-fé e inconciliável
com os grandes postulados do direito internacional. O PRIVILÉGIO RESULTANTE DA
IMUNIDADE DE EXECUÇÃO NÃO INIBE A JUSTIÇA BRASILEIRA DE EXERCER JURISDIÇÃO NOS
PROCESSOS DE CONHECIMENTO INSTAURADOS CONTRA ESTADOS ESTRANGEIROS. - A
imunidade de jurisdição, de um lado, e a imunidade de execução, de outro,
constituem categorias autônomas, juridicamente inconfundíveis, pois - ainda que
guardem estreitas relações entre si - traduzem realidades independentes e
distintas, assim reconhecidas quer no plano conceitual, quer, ainda, no âmbito
de desenvolvimento das próprias relações internacionais. A eventual
impossibilidade jurídica de ulterior realização prática do título judicial
condenatório, em decorrência da prerrogativa da imunidade de execução, não se
revela suficiente para obstar, só por si, a instauração, perante Tribunais
brasileiros, de processos de conhecimento contra Estados estrangeiros,
notadamente quando se tratar de litígio de natureza trabalhista. Doutrina.
Precedentes.”
[159]
No mesmo sentido dos precedentes
acima citados é o despacho prolatado pelo Min. Celso de Mello na ação civil
originária n° 575 [160] ajuizada pelo Distrito Federal contra a República de
Camarões objetivando haver indenização por danos havidos em decorrência
acidente de trânsito causado por agente diplomático de tal país. A par de
reconhecer que não há imunidade tratando-se de ato de país estrangeiro na
esfera privada, notadamente a trabalhista, o Min. Celso de Mello solicitou ao
Ministério das Relações Exteriores que indagasse ao referido país acerca de sua
eventual submissão à jurisdição brasileira.
O E. STJ também vem acatando a
doutrina de que excluem-se da imunidade jurisdicional
os atos de gestão praticados pelos Estados estrangeiros, como se infere dos
precedentes colacionados por Athos Gusmão Carneiro [161]:
“1. Na AC [162] 02,
j. em 07.08.1990, pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, leading case de que foi Relator o Min. Barros
Monteiro, o colegiado adotou o entendimento, expresso na ementa, de que,
‘sofrendo o princípio da imunidade absoluta da jurisdição certos temperamentos
em face da evolução do direito consuetudinário internacional, não é ele
aplicável a determinados litígios decorrentes de relações rotineiras entre o Estado
estrangeiro e os súditos do país em que o mesmo atua, de que é exemplo a
jurisdição trabalhista.” (...) 4. A competência da justiça brasileira foi
igualmente afirmada no AGI 757 (STJ, 4ª Turma, j. em 21.8.1990, rel. Min.
Sálvio de Figueiredo), em ação de cobrança contra a antiga República Socialista
da Tchecoslováquia por empresa comercial fornecedora de material de construção.”
Merece
registro a posição manifestada por Georgenor de Sousa Franco Filho no sentido de ser difícil ou
praticamente impossível a distinção entre atos de gestão e atos de império,
considerando a crescente participação do poder público na atividade privada e,
assim, “pretender exercer jurisdição interna em questões que envolvam ente de
direito internacional público sob a invocação que este está a praticar atos jure
gestiones, importaria, necessariamente, em
violar-lhes a soberania(...)” [163] Este
não tem sido o entendimento do E. STF e nem do TST. [164] Mas,
é de ser enfatizado, caso o ente público de direito não se proponha a cumprir o
conteúdo do julgado, não será possível a execução forçada.
Poderá,
ainda, o Estado estrangeiro submeter-se voluntariamente à jurisdição nacional.
Na lição de Mariano [165], mesmo os atos de império podem ser conhecidos pela
jurisdição estrangeira, se houver renúncia expressa à imunidade jurisdicional.”
De acordo com a Constituição
Federal, compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar litígios entre
Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito
Federal ou o Território (art. 102, inciso I , alínea
“e”. Essa competência pode decorrer da submissão voluntária do Estado
estrangeiro ou da prática pelo mesmo de atos de gestão, como se viu. Á Justiça
do Trabalho compete julgar dissídios entre trabalhadores e empregadores,
abrangidos entes de direito público externo, nos termos do art. 144, inciso I
da mesma Carta. Compete ao embaixador representar o Estado estrangeiro no pais,
conforme entendimento do E. STJ, baseado na Convenção de Viena de 1931. [166]
Cabível, em tese, a homologação de
sentença estrangeira que decreta a falência. Nesse sentido, o seguinte julgado
do E. STJ: [167]
“Exportação
de calçados. Contrato de compra e venda. ação
ordinária de cobrança. Exceção de incompetência da autoridade judiciária
brasileira.
-
Na ausência de estipulação em contrato escrito, a questão concernente ao lugar
do cumprimento da obrigação, no contrato de exportação, envolve o exame de
prova, a cujo respeito e soberano o tribunal local.
-
Entendendo este que em território nacional deve ser cumprida a obrigação,
incidem os artigos 12 da lei de introdução ao Código civil e 88, inciso II, do
Código de Processo Civil, que consagram a competência da justiça brasileira
para os litígios oriundos do negócio jurídico.
-
A sentença estrangeira que declara a falência de empresa
comercial só tem eficácia no
Brasil depois de homologada pelo Supremo Tribunal Federal, de acordo com as
disposições legais em vigor.
-
Dissídio de interpretação não comprovado.
-
Recurso não conhecido.”
A homologação, no entanto, está
sujeita às regras já mencionadas no RISTF e à verificação da competência da
autoridade judiciária. Assim, o e. STF [168] refutou
pedido de homologação, seja porque não se tratava de sentença, seja porque
havia usurpação de competência exclusiva da autoridade judiciária nacional:
“Não
constitui sentença estrangeira, suscetível de homologação, mero acordo
resultante de Assembléia de credores realizada em processo falencial,
mas desprovido de qualquer homologação jurisdicional.
2. Também não comporta homologação, sentença estrangeira declaratória de
falência, cujos possíveis efeitos no Brasil relacionam-se exclusivamente com
imóvel aqui situado. Homologação Denegada. Agravo Regimental não provido.”
Conforme Arruda Alvim [169] existem
regras básicas relativamente à competência internacional em se tratando de
jurisdição voluntária: (a) não se exige que o autor da herança, mesmo
estrangeiro, tenha residido no território nacional (b) aplica-se também à
jurisdição voluntária o princípio da efetividade, isto é, não deverão os juízes
se dar por competentes, na medida em que tenham certeza de que suas ordens não
serão aceitas pelos sistemas estrangeiros (c) aplicação do art. 90 do CPC:
pendente em Estado estrangeiro qualquer assunto pertinente à jurisdição
voluntária, nada obsta que a autoridade judiciária nacional conheça do mesmo.
Examinando a doutrina e a
jurisprudência pátria, conclui Luiz Fernando Barroso [170] :
“Quando da aplicação de lei estrangeira, cabe ao juiz ou ao tribunal brasileiro
aplica-la como fariam os órgãos judiciários do país
do qual promana a norma. Se em tal jurisdição se
admitir a pronúncia de inconstitucionalidade de uma lei, poderá o juiz ou o
tribunal proceder da mesma forma, deixando de aplicar, ao caso concreto,
preceito estrangeiro incompatível com o ordenamento de origem. Com muito mais razão, deverão os juízes e tribunais brasileiros negar
aplicação à norma estrangeira que esteja em confronto com a Constituição
brasileira. Com efeito, as normas constitucionais são tidas como de ordem
pública internacional, impedindo a eficácia de leis, decisões judiciais e atos
jurídicos estrangeiros com ela incompatíveis.”
Em que pese admitida a homologação de sentença penal estrangeira, a sua
exeqüibilidade tem efeitos limitado, atendidos os requisitos previstos nos arts. 9°, inciso I do Código Penal e 790 do Código de
Processo Penal. Assim, “a eficácia da sentença penal estrangeira, além de estar
sujeita às mesmas exigências para homologação da sentença civil estrangeira,
somente é reconhecida na hipótese em que da aplicação da lei brasileira
resultar, na espécie, as mesmas conseqüências para a produção de efeitos
restritos, porquanto a execução da pena consiste em ato de soberania nacional.” [171]. Assim, por exemplo, não há como submeter a medida de segurança os imputáveis. Em conseqüência,
consoante a lição de Guilherme Moares [172], é
permitida a homologação de sentença penas estrangeira para (a) obrigar o
condenado a reparação do dano, restituição e outros
efeitos civis, tais como a revogação da doação e indignidade para herdar (art.
557, incisos I e III e 1814 do Ccivil) (b) sujeitar o
condenado a medida de segurança, dependendo da existência de tratado de
extradição com o país cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na
falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça.“
>O exame do tema
relativo à competência internacional é vasto e inegavelmente relevante num
contexto em que as relações jurídicas ultrapassam as fronteiras nacionais. O
presente trabalho objetivou reunir a doutrina e a jurisprudência mais
atualizada acerca das regras gerais de competência internacional, as quais
devem ser examinadas sempre para definir-se se a competência para o
processamento de determinada demanda é do juiz nacional ou estrangeiro, sendo
de enfatizar-se, contudo, a relevância do exame dos tratados e protocolos
internacionais firmados pelo Brasil, que podem derrogar tais regras gerais.
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