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A
cooperação internacional na repressão das infrações à ordem econômica
Acadêmico de Direito e Ciências
Contábeis em Brasília (DF)
As
recentes transformações na economia mundial, marcadas pela crescente
liberalização do comércio internacional e desenvolvimento tecnológico,
trouxeram consigo novos desafios à política de defesa da concorrência. Dentre
eles, destacam-se sobremaneira a prevenção e repressão às práticas
anticompetitivas cujos efeitos podem repercutir no mundo inteiro. O presente
artigo analisa, à luz da experiência estrangeira, a discussão acerca da
cooperação institucional entre as autoridades antitruste nacionais como
instrumento eficaz para a superação de tais desafios.
Naturalmente,
é no contexto econômico da globalização – que envolve a formação de grandes
blocos econômicos e de empresas transnacionais – onde as práticas
anticompetitivas globais se reproduzem. A diminuição das barreiras e obstáculos
ao comércio internacional e à entrada de investimentos estrangeiros; a
desestatização de setores da economia interna – que passam agora à iniciativa
privada, e o crescente número de agentes econômicos que começam a atuar em
escala mundial, associados às facilidades proporcionadas pelas novas
tecnologias de informação são fatores determinantes desse processo.
Paradoxalmente,
o aumento da livre concorrência proporcionado pelo ambiente de liberalização do
comércio internacional eleva os incentivos dos agentes econômicos com poder de
mercado a adotarem condutas anticompetitivas, visando pôr fim ou limitar a
contestabilidade de mercado criada e, conseqüentemente, manter seus markets
share.
Nesse
sentido, é emblemático o recente caso do cartel das vitaminas. Esse cartel
internacional reuniu os maiores fabricantes de vitaminas do mundo num conluio
que durou quase uma década (de 1990 a 1999). Anualmente, os mais altos
executivos de cada uma das fabricantes reuniam-se para deliberar sobre preços,
divisão de mercados e formas de fiscalização do acordo. Foi o maior cartel já
descoberto e condenado pelas autoridades antitruste do mundo. A pena pecuniária
aos integrantes do cartel já ultrapassou a soma de U$ 1 bilhão, além da pena
restritiva de liberdade imposta a alguns dos executivos que lideraram o
conluio. Esse caso já foi condenado nos Estados Unidos e na União Européia e
esta sendo julgado por diversas outras jurisdições, como Canadá, Austrália e
Brasil.
Como
se pode ver, os efeitos dessas práticas atingem diversos países, provocando,
conseqüentemente, a intervenção de mais de uma jurisdição na investigação e
condenação da conduta. Com isso, levantam-se importantes questões, tais como a
aplicação extraterritorial das leis antitruste de cada país; a solução de
possíveis conflitos de competência na aplicação das decisões, além dos custos
com as investigações das diversas agências. Assim, qualquer método de repressão
de infrações globais – que se pretenda minimamente eficaz – deve
necessariamente prever mecanismos capazes de superar tais problemas.
A
experiência estrangeira, liderada pelos Estados Unidos e União Européia e
seguida por organismos internacionais, como a Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico – OCDE, a Conferência das Nações Unidas sobre
Comércio e Desenvolvimento – UNCTAD e a Organização Mundial do Comércio – OMC
são unânimes ao sugerir a cooperação entre as autoridades antitruste como
instrumento eficaz para a solução dessas questões. Ressalte-se, no entanto, que
há uma profunda divergência entre a posição norte-americana e a européia sobre
a forma que tal cooperação deverá assumir.
De
fato, os Estados Unidos defendem a formulação de acordos bilaterais como forma
mais eficiente de lidar com casos internacionais, vez que possibilitam um
relacionamento mais próximo entre os países partes do acordo e um nível de
comprometimento individual maior, além de ser flexível o suficiente para
adequar-se ao nível de desenvolvimento econômico e à política antitruste de
cada país.
Já
a União Européia defende a consolidação de um sistema de cooperação
multilateral, com a inclusão de regras de concorrência no âmbito da Organização
Mundial do Comércio, de forma que os seus membros estejam internacionalmente
comprometidos a tratar de forma prioritária práticas anticompetitivas que
tivessem impacto no comércio internacional. Acreditam, ainda, que os acordos
bilaterais possuem a desvantagem de permitir a preponderância dos interesses da
parte hegemônica.
Não
é o escopo desse texto tratar pormenorizadamente de tais divergências, tampouco
apontar qual a melhor solução – sobretudo por causa das motivações
políticas subjacentes a cada um dos modelos – mas sim, voltar a atenção
especificamente à forma convencionada para resolver as questões acima expostas,
ou seja, a cooperação institucional como forma de repressão às infrações
internacionais.
As
vantagens de se articular um sistema de cooperação entre autoridades
antitruste, seja ele bilateral ou multilateral, são diversas. Primeiramente, um
sistema como esse elimina o problema da aplicação extraterritorial das leis
antitrustes, por meio de mecanismos como o "positive comity",
ou cortesia positiva, segundo o qual as partes elegem de antemão a jurisdição
competente para investigar e reprimir determinadas condutas. Sua aplicação
evita dúvidas – e até mesmo conflitos políticos – que possam surgir sobre qual
o direito aplicável à conduta infrativa. Assim, se a prática anticompetitiva
ocorre em país diverso de onde se produziram seus efeitos, o país que sofreu
tais efeitos pode solicitar ao outro que inicie a investigação e repressão à
conduta. Com isso, evita-se também o risco de decisões conflitantes e
assegura-se a eficácia das medidas tomadas. Evidentemente, questões mais
específicas também devem ser objeto do acordo, como a forma de recomposição dos
prejuízos causados ao país afetado pela conduta.
Outras
importantes vantagens devem ser mencionadas, como a possibilidade de
harmonização da aplicação do direito da concorrência entre os países,
promovendo maior segurança jurídica aos agentes econômicos; a troca de
experiências e técnicas de investigação, beneficiando sobretudo as nações menos
desenvolvidas em matéria de defesa da concorrência, e o compartilhamento de
informações, que facilita a fiscalização antitruste internacional.
O
Brasil mesmo tem se beneficiado da cooperação com outras autoridades
antitruste, ainda que informalmente, visto que os acordos existentes, com os
Estados Unidos e recentemente com a Rússia, ainda não foram ratificados pelo
Congresso Nacional. O caso do cartel dos eletrodos de grafite, condenado nos
Estados Unidos e na União Européia; o cartel de vitaminas, acima referido, e o
caso do suposto cartel das companhias aéreas podem ser citados como exemplos da
cooperação informal entre agências de defesa da concorrência. Em todos esses
casos, as autoridades brasileiras beneficiaram-se da experiência e assistência
técnica estrangeira para sua investigação.
Tudo
indica que a globalização continuará em ritmo acelerado e que as práticas
anticompetitivas repercutirão de forma cada vez mais acentuada na economia
mundial. Diante disso, a repressão das infrações à ordem econômica assume papel
prioritário nas relações internacionais, devendo pautar-se pelo estabelecimento
e desenvolvimento da cooperação institucional das autoridades antitruste
nacionais, como meio eficaz para se assegurar que práticas anticoncorrenciais
não comprometam o desenvolvimento da economia mundial e o bem-estar da
sociedade.
Retirado de: www.jusnavigandi.com.br