Buscalegis.ccj.ufsc.br        

 

 

Sistema de solução de controvérsias no direito comunitário – possibilidades de sua adoção pelo Brasil1

 

Luiz Antonio Soares Hentz

 

Advogado, Juiz de Direito aposentado, Professor de Direito Comercial e atual Diretor da UNESP em Franca e autor, dentre outros, do livro "Direito Comercial Atual", Saraiva.

 

Introdução

A perspectiva de estudar, discutir e compreender um sistema jurídico novo motivou este professor a propor a pesquisa que ora se encerra, iniciada ainda no ano de 1997. Naquela ocasião, a expressão direito comunitário nem era bem compreendida entre nós, que sempre preferimos reportar-nos à integração comunitária e, portanto, o ramo do direito a regulá-la seria o direito da integração (assim concebido didaticamente).

Alguns poucos autores e pesquisadores, mais próximos geograficamente dos países sul-americanos parceiros do Brasil no processo de integração denominado Mercosul - Mercado Comum do Sul, debruçavam-se sobre os tratados editados numa perspectiva supranacional, mas sempre ressalvando as dificuldades na adoção pelo País de princípios verdadeiramente comunitários. A barreira sempre era a soberania.

Na verdade, a proposição nasceu do esforço de compreender os problemas jurídicos e, mais precisamente, a forma de superá-los. O conhecimento do sistema europeu era essencial - o que se fez com profundidade e que agora se apresenta de forma sintética.

Nesse meio, a dilucidação de uma questão em particular robusteceu a pesquisa: qual a viabilidade de instalação e funcionamento no Brasil de um tribunal supranacional?

As respostas a essas questões se encontram em seguida, com o suporte necessário para o equacionamento jurídico do problema.

Direito comunitário/integracionista: o que é, como atua?

A existência de uma ordem jurídica comunitária, nova, resultante das limitações pelos Estados-membros dos seus direitos soberanos, constitui direito comunitário. O direito comunitário é pouco estudado e discutido no Brasil, o que justifica essas linhas introdutórias adicionais.

O que é?

Os Tratados pelos quais se delineou e se avançou na formação da atual União Européia, ao lado de princípios gerais de direito comunitário, evoluíram em direção a uma espécie de constituição da Comunidade, incluindo a salvaguarda de direitos individuais. Segundo Dagtoglou2, as características principais dessa ordem jurídica nova são:

"a) as instituições comunitárias específicas e independentes, que, mesmo sem uma competência legislativa geral, são dotadas pelos Tratados de poderes mais amplos, alargando continuamente a competência comunitária;

b) os particulares enquanto sujeitos titulares de direitos ao lado dos Estados-membros;

c) a aplicabilidade direta de certas regras de direito comunitário;

d) o primado do direito comunitário sobre os direitos nacionais, incluindo o direito constitucional e mesmo a proteção constitucional dos direitos individuais;

e) a criação não somente de direitos e obrigações, mas também de processos obrigatoriamente prescritos para a verificação de violações e a aplicação de sanções, nomeadamente a consagração da jurisdição obrigatória do Tribunal de Justiça, e do caráter obrigatório das suas decisões;

f) a responsabilidade da Comunidade por infrações ao direito comunitário que causem um prejuízo".

Como atua?

Ressalta-se que a nova ordem jurídica da Comunidade Européia pressupõe e a um só tempo cria a unidade. O mesmo autor - Dagtoglou3 - explica que a Comunidade é por excelência uma comunidade de direito no sentido de que as relações entre os sujeitos da Comunidade são relações entre sujeitos de direito e são legalizadas num elevado grau sob o controle do Tribunal que garante o respeito do direito (art. 164 do Tratado).

Por essa razão, o direito comunitário constitui fator importante de unificação; não só os Estados-membros mas também os particulares foram reconhecidos como sujeitos relevantes para esse direito. Vai daí a importância especial do Tribunal de Justiça da Comunidade Européia.

Depois de muitas reservas e hesitações, a jurisprudência dos tribunais nacionais reconhece a autonomia e o primado do direito comunitário4.

Esse enfoque torna-se, pois, necessário, também no Brasil, em vista do plano de ingresso do País no mundo globalizado - e da realidade atual, em que integramos, ainda que em grau inicial e para fins notadamente comerciais, um bloco regional de países, o Mercado Comum do Sul - Mercosul (no momento em que se escrevem essas linhas, não se acredita na subsistência do Mercosul, quiçá nem da ALCA - Área de Livre Comércio das Américas, ainda sem acerto de data entre os países para entrar em vigência).

Salvaguarda jurisdicional da ordem jurídica comunitária

Nós, neste estudo, consideramos, como fizeram os primeiros doutrinadores do direito comunitário, especialmente em Portugal, que a ordem jurídica instituída pelo nascente direito comunitário não seria verdadeiramente eficaz se as normas que a integram não se beneficiassem de sólida garantia jurisdicional do respeito que lhes é devido por parte de todos os seus destinatários (órgãos comunitários, Estados e particulares)5.

O aproveitamento das jurisdições nacionais como tribunais comuns da ordem jurídica comunitária garantiram que uma parcela considerável das normas de origem comunitária pudesse ser de disposições diretamente aplicáveis. Assim, aos tribunais internos compete a aplicação das normas de direito comunitário nos litígios que ocorram no quadro das relações entre particulares (indivíduos ou empresas) ou entre particulares e os Estados-membros da Comunidade.

Mota de Campos ressalta, ante o exposto, que o Tribunal de Justiça da Comunidade Européia e o Tribunal de Primeira Instância estão dotados de meras competências de atribuição, cabendo-lhes exercer a função jurisdicional apenas nos casos em que a competência respectiva lhes for expressamente conferida6.

Pode-se acrescentar, ainda, que o TJCE não tem natureza de um tribunal hierarquicamente superior aos tribunais nacionais, habilitado por isso a revogar ou reformar as decisões destes proferidas na área do direito comunitário. Cabe-lhe, no entanto, nos termos do art. 164 do Tratado, assegurar o respeito do direito na interpretação e aplicação dos tratados, em adequado sistema de colaboração entre as jurisdições nacionais e o TJCE, facultando, e às vezes obrigando, àquelas submeter ao tribunal das comunidades as questões de interpretação do direito comunitário ou de apreciação da validade dos atos da autoridade comunitária (art. 177 do Tratado). Permite, dessa forma, assegurar uma interpretação e aplicação uniformes do direito comunitário.

Ainda, segundo Mota de Campos7, deram origem os tratados a um direito processual comunitário, citando-se as disposições que figuram nos três Tratados Comunitários (art. 31.º a 45.º e 88.º a 90.º do Tratado de Paris; 164.º a 188.º, 93.º, n. 2, 100.º-A, n. 4 e 225.º do Tratado CEE; e 136º a 160º do Tratado CEEA), nos Protocolos relativos ao Estatuto do Tribunal, anexos a cada um desses tratados; no Regulamento de Processo, elaborado pelo próprio Tribunal, mas sujeito a aprovação unânime do Conselho (cf. art. 188.º do Tratado do CEE); no Regulamento adicional e nas Instruções ao Escrivão.

O processo no Tribunal de 1.ª Instância é regido pelo título II do Estatuto do Tribunal de Justiça, complementando-se, na medida do necessário, pelo Regulamento Processual adotado nos termos do n. 4 do art. 168º-A do Tratado CEE.

Há, ademais, processos comuns e processos especiais; estes, são os expressamente designados na lei. O processo comum abarca vias contenciosas muito diversificadas, configuradas como ações ou como recursos, obedecendo a todas as regras e princípios fundamentais comuns no que toca ao desenrolar do processo.

O instituto da supranacionalidade 

A integração, seja aquela alcançada pelos países europeus, seja a que ora é buscada por alguns países latino-americanos, entre esses o Brasil, não pode ser buscada sem um ordenamento jurídico comum. No dizer de D´Angelis8, o ordenamento jurídico comum assegura a existência e continuidade e, ao mesmo tempo, confere a uniformidade de interpretação e aplicação.

Na Europa, o alcance desse ideal foi possível porque o ordenamento jurídico especial contou com a conseqüente diluição do conceito de soberania estatal - criando, assim, um recurso denominado supranacionalidade9.

Sobre o que significa na prática o abandono do conceito absoluto de soberania, como vem sendo considerado nos direitos constitucional e internacional aplicáveis na quase-totalidade dos países do globo, ninguém é capaz de dizer. Não significa muito, certamente, em termos práticos, pelo que se tem visto, mas implica o abandono de tradições arraigadas em torno do conceito de Estado nacional. 

Alguns autores, como Borba Casella10, afirmam que não há perda de soberania em face da supranacionalidade: considera-se que o Estado-membro cede parte de sua soberania e liberdade de ação em certas esferas, gerando supressão da soberania, mas a "reestruturação de sua regulação", na medida em que as instâncias comunitárias "não eliminam a condição de sujeitos de direito internacional dos Estados-membros, mas tão-somente se superponham parcialmente a estes".

Não haveria perda, mas "restrições ao exercício da soberania". 

Fausto de Quadros11 adota a posição de que há uma delegação e não uma transferência de poderes soberanos dos Estados-membros às comunidades. Explica que enquanto transferir significa ceder definitivamente os respectivos poderes, para nunca mais se poder reavê-los, delegar tem o sentido de o delegante não poder exercer, enquanto durar a delegação, os poderes delegados, mas de se conservar no sujeito a quo a titularidade dos poderes respectivos e, portanto, a faculdade de, cessada a delegação, recuperar automaticamente o pleno exercício dos poderes delegados.

Esse mesmo pensar é adotado por Mota de Campos12.

Esse autor, dentre outros citados por D´Angelis13, reporta-se à figura da concessão temporária de um número limitado de direitos soberanos dos Estados-membros para a comunidade. Dar-se-ia a transferência de competências na perspectiva do funcionamento do mercado comum para a defesa do interesse global das comunidades.

Convém lembrar que o conceito de supranacionalidade não se encontra expresso nos tratados que formam o arcabouço jurídico da atual União Européia. Na verdade, foi se formando gradativamente para justificar e caracterizar o fenômeno comunitário. Segundo D´Angelis14, embora a expressão supranacionalidade tenha deixado de figurar nos textos convencionais, o Tratado de Fusão e o Tratado de Maastricht proclamaram implicitamente o caráter supranacional das estruturas comunitárias ao validarem o conceito sem usar o termo. Impõe-se afirmar, nesse passo, que um regime integracionista não prescinde do conceito de supranacionalidade, embora esta possa ser graduada, conforme as conveniências e em razão das diversas fases previstas para a integração regional. Deslindar esse aspecto é o objetivo desse estudo, conquanto estarmos nos limitando às possibilidades de implantação de um dos órgãos da estrutura comunitária, qual seja, o Tribunal de Justiça.

As possibilidades e as dificuldades de uma harmonização legislativa

Uma forma alternativa à abdicação do conceito absoluto de soberania é a harmonização legislativa. Todos os países integrantes do bloco adotariam legislações aproximadas, não contraditórias e sujeitas a alterações ditadas por um interesse comunitário.

Não há, no entanto, nenhuma segurança na ordem constitucional brasileira que assegure ou valide um sistema legislativo harmonioso com o dos parceiros. Quer-se dizer que a soberania dos poderes da República no Brasil, notadamente do Poder Legislativo e do Poder Executivo, não pode ficar sujeita à obrigação de legislar de modo equiparativo, ou aproximativo, da legislação de outros países.

Mas esse foi o método que seduziu, inicialmente, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai, que passaram a buscar identidades nas suas legislações comerciais, creditícias e tributárias. A validação do cheque de pagamento diferido, por exemplo, foi adotada por aqueles países, por intermédio de leis, o que não encontrou ressonância no legislador brasileiro, que nem sequer atualizou o sistema penal para excluir da punição o cheque emitido sem a devida provisão de fundos para apresentação em data certa posterior, embora os tribunais de longa data não considerem existente o crime de estelionato nessa hipótese.

Essas breves referências ao tema da harmonização legislativa servem  para ilustrar a quase impossibilidade de vingar semelhante sistema entre nós.

Uma visão geral acerca da solução de conflitos no âmbito do direito comunitário

O Tratado de Roma - instrumento plurinacional pelo qual se possibilitaram as gestões necessárias para a criação e implementação de instituição supranacional de objetivos comunitários -, firmado em 25 de março de 1957, deu a dimensão institucional do que viria a ser a União Européia. Dispôs sobre a necessária existência do Parlamento Europeu, de um Conselho, de uma Comissão e de um Tribunal de Justiça15 16.

Tratava-se de sedimentar um regime que se formara ao longo de muito tempo.

Pires17 rememora que desde o século XVI até nossos dias os meios tipicamente político-diplomáticos de solução de controvérsias têm sido aperfeiçoados, passando por entendimentos diretos, bons ofícios, mediação, consulta e conciliação. Os métodos jurídicos, ou seja, a arbitragem e a solução judicial, começaram a firmar-se gradativamente no final do século passado, encontrando notável impulso institucional a partir das duas Conferências de Paz em Haia, do Tratado de Versalhes e da Constituição da Liga das Nações.

A lenta elaboração de sistemas jurisdicionais não limitados pelo princípio da soberania absoluta dos Estados nacionais - ainda na opinião de Alice Pires -, especialmente a Corte Institucional de Haia e o Tribunal de Justiça da Comunidade Européia, representam esforços bem-sucedidos de solucionar controvérsias entre Estados e reforçar o primado da razão, em que antes já predominou a utilização da força.

Completa-se este tópico mencionando que a Corte de Luxemburgo representa uma das garantias mais eficazes de estabilidade comunitária no continente europeu, bem como um controle mais estrito da legalidade das ações dos países-membros da União Européia. Juntamente com o Tribunal do Pacto Andino, constitui exemplo claro da importância de se manter a unidade jurídica numa ordem comunitária em construção, firmando a superioridade do direito comunitário sobre os ordenamentos jurídicos nacionais.

A questão da soberania

A soberania acaba sendo um obstáculo contrário ao estabelecimento de meios supranacionais de solução de controvérsias.

Acentua Ventura que a exacerbação do nacionalismo e a ênfase à soberania nacional são elementos muito presentes na história dos países platinos e, por essa razão, é preciso investigar as diversas concepções de soberania para a escolha de um dado modelo de integração18.

No Brasil, as acepções jurídicas de soberania predominantes são resultado das doutrinas constitucionalista e internacionalista. Os defensores da primeira sustentam o caráter absoluto do regime de soberania, como sendo esta um aspecto da supremacia dos estados nacionais; os internacionalistas têm a visão de que o caráter absoluto da soberania implica a negação do próprio direito internacional19.

A busca por um novo conceito de soberania é considerada uma necessidade para superação das barreiras ao pleno estabelecimento de um regime de direito comunitário. É verdade - como afirma Ventura, lembrando o aspecto destacado por Kelsen20 - que a soberania, como concebida para esses efeitos, está mais em função dos propósitos políticos dos governantes do que da finalidade do conhecimento científico do Estado.

Convém lembrar que no âmbito do Mercosul, o Tratado de Assunção, do qual o Brasil sabidamente é um dos signatários, prevê a criação de um sistema de solução de controvérsias, no seu Anexo III, dispondo inicialmente sobre as divergências entre Estados, que deverão ser enfrentadas primeiro por negociações diretas entre os litigantes, depois em etapas sucessivas pela atuação do Grupo do Mercado Comum - GMC ou do Conselho do Mercado Comum - CMC21.

O Protocolo de Brasília trata como obrigatória para os Estados-partes a jurisdição do Tribunal Arbitral, constituído para, em cada caso, conhecer e resolver todas as controvérsias mencionadas no seu texto.

Esclarece Pires que o âmbito de aplicação do sistema de solução de controvérsias durante a fase de implementação do Mercosul é limitado, justamente por seu caráter transitório. "O sistema de solução de controvérsias adotado pelo Protocolo de Brasília é marcado, sobretudo, pelo consenso e transitoriedade"22.

Assim, tem-se no Brasil, em vigência, um sistema precário de solução de controvérsias no âmbito comunitário ou integracionista, caracterizado por mecanismos diplomáticos em que o sistema judicial é meramente a solução arbitral, mas que não afronta os conceitos de soberania tão arraigados no sistema brasileiro, por sinal uma das balizas constitucionais do Estado brasileiro (art. 1.º, I, da Constituição Federal de l988)23.

A visão do problema no âmbito da Europa unificada

O conhecimento, a análise e as críticas à estrutura institucional comunitária adotada pela Comunidade Européia são o pano de fundo de qualquer discussão sobre direito comunitário. Pode-se dizer que seu nascimento e sua razão de ser estão até hoje atrelados unicamente ao pioneiro sistema de regionalização europeu.

Daí o apego e as referências obrigatórias à experiência dos analistas e estudiosos do problema na União Européia.

Além das instituições de direção - Conselho da União Européia e Comissão das Comunidades Européias -, dos órgãos de consulta - Comitê Econômico-Social, Comitê das Regiões - e do Sistema Europeu de Bancos Centrais - Banco Central Europeu e Banco Europeu de Investimento -, encontram-se as instituições de controle. Dentre estas, destaca-se o Tribunal de Justiça das Comunidades Européias (as outras duas são o Parlamento Europeu e o Tribunal de Contas).

O controle jurisdicional se exerce por meio de sanções, tidas por eficazes24.

Dispõe o art. 177 do Tratado da Comunidade Européia:

"O Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial:

a)     sobre a interpretação do presente Tratado;

b)     sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições da Comunidade e pelo BCE;

c)      sobre a interpretação dos estatutos dos organismos criados por ato do Conselho, desde que este estatuto o prevejam.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal de Justiça que sobre ela se pronuncie.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal de Justiça".

Esclarece-se que o instituto do reenvio prejudicial objetiva obter do Tribunal de Justiça a interpretação ou a apreciação de validade de uma norma comunitária, seja em relação aos atos adotados pelas instituições, regulamentos, diretivas, decisões, recomendações e pareceres, seja em relação aos acordos concluídos pela Comunidade. Lobo acentua o fato de que os acórdãos prolatados em sede de reenvio prejudicial - que constituem mais da metade das decisões do Tribunal - são uma valiosíssima fonte de direito comunitário, denotando as características próprias do ordenamento jurídico comunitário e sua originalidade em relação ao direito internacional público25.

Diz ainda que o Tribunal de Justiça considera o sistema de reenvio prejudicial a trave-mestra do direito comunitário, essencial para a preservação do caráter comunitário do direito constituído pelos tratados, garantindo que, em qualquer circunstância, esse direito tem o mesmo efeito em todos os Estados-membros da União Européia.

Com base no Tratado da Comunidade Européia pode-se dizer que o contencioso comunitário direto compreende o contencioso de legalidade e o contencioso pleno. O primeiro abrange o recurso de anulação, a exceção de ilegalidade e o recurso por omissão.

Dispõe o art. 173 do Tratado da Comunidade Européia:

"O  Tribunal de Justiça fiscaliza a legalidade dos atos adotados em conjunto pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, dos atos do Conselho, da Comissão e do Banco Central Europeu, que não sejam recomendações ou pareceres, e dos atos do Parlamento Europeu destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros.

Para o efeito, o Tribunal de Justiça é competente para conhecer dos recursos com fundamento em incompetência, violação de formalidades essenciais, violação do presente Tratado ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação, ou em desvio de poder, interpostos por um Estado-Membro, pelo Conselho ou pela Comissão.

O Tribunal de Justiça é competente, nas mesmas condições, para conhecer dos recursos interpostos pelo Parlamento Europeu e pelo Banco Central Europeu com o objetivo de salvaguardar as respectivas prerrogativas.

Qualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor, nas mesmas condições, recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam direta e individualmente respeito.

Os recursos previstos no presente artigo devem ser interpostos no prazo de dois meses a contar, conforme o caso, da publicação do ato, da sua notificação ao recorrente ou, na falta desta, do dia em que o recorrente tenha tomado conhecimento do ato".

Afora o controle jurisdicional, assim exercido, o contencioso pleno do Tribunal de Justiça da Comunidade Européia compreende a ação de descumprimento de que trata o art. 169 do Tratado:

"Se a Comissão considerar que um Estado-Membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem por força do presente Tratado, formulará um parecer fundamentado sobre o assunto, após ter dado a esse Estado oportunidade de apresentar as suas observações.

Se o Estado em causa não proceder na conformidade com este parecer no prazo fixado pela Comissão, esta pode recorrer ao Tribunal de Justiça."

Compete, ainda, ao Tribunal de Justiça conhecer dos litígios pertinentes:

"1. À execução das obrigações dos Estados-Membros, decorrentes dos Estatutos do Banco Europeu de Investimento, que tem os mesmos poderes da Comissão quanto ao descumprimento pelos Estados das obrigações determinadas pelos Tratados;

2. Às deliberações do Conselho de Governadores do Banco Europeu de Investimento, podendo qualquer Estado-Membro, a Comissão e o Conselho de Administração do Banco interpor recurso de anulação;

3. Às deliberações do Conselho de Administração do Banco Europeu de Investimento, podendo os Estados-Membros ou a Comissão interpor recurso de anulação por violação de formalidades, nos casos expressamente previstos nos Estatutos do Banco;

4. À execução das obrigações resultantes dos Tratados e dos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais, tendo o Banco Central Europeu os mesmos poderes da Comissão em caso de descumprimento das obrigações por parte dos bancos centrais nacionais."

É unânime entre os comentadores do sistema de controles comunitários o extremo acerto da instituição, desde o início, do Tribunal de Justiça da Comunidade Européia26. Mencionado desde 1950 como o garante de uma nova ordem jurídica e instalado em 1958, mantém a unidade européia como intérprete final e suprema do direito comunitário. O seu primado sobre as regras de direito nacionais contrárias representa os efeitos diretos do direito comunitário na ordem jurídica dos Estados-membros.

As ações e recursos no Tribunal de Justiça da Comunidade Européia

Não escapa ao analista, com efeito, o fato de que o TJCE exerceu um papel destacado desde o início na valorização das instituições comunitárias.

D´Angelis27 justifica a definição e a partilha de competências entre os Estados-membros e a comunidade, afirmadas nas decisões do Tribunal, como um reforço da posição da comunidade em face dos seus membros e do mundo extrabloco, conseguindo impor aos Estados o respeito pela ordem jurídica comum e, ao mesmo tempo, aprofundando um esquema de interdependência cooperativa no plano jurisdicional.

Como visto, o mecanismo principal de que se vale o TJCE denomina-se reenvio prejudicial, e, ao lado de outros instrumentos, adiante mais bem explicitados28, teve destacada contribuição na formatação do espaço integrado e do direito comunitário.

A ação de incumprimento (arts. 169 a 171 do Tratado). Permite ao TJCE o controle do cumprimento, pelos Estados-membros, das obrigações de que estão imbuídos por força do direito comunitário. A quebra desse compromisso por parte de algum membro pode ensejar a propositura da ação, pela Comissão ou por um outro Estado, o que pode levar o TJCE a exigir a reposição da legalidade sob pena de sanção pecuniária.

Recurso de anulação (art. 173 do Tratado). Permite aos Estados-membros, ao Conselho, à Comissão e, eventualmente, ao Parlamento pedir ao TJCE a anulação parcial ou total de atos comunitários emitidos por qualquer dos órgãos de direção, bem como aos particulares solicitar a anulação de atos jurídicos que os afetem direta e individualmente. É um instrumento de garantia do controle da legalidade dos atos das instituições comunitárias contra incompetência, vício de forma, desvio de poder e violação dos Tratados.

Ação por omissão (art. 175 do Tratado). Permite ao TJCE, em decorrência de violação ao Tratado, controlar a legalidade da inatividade de instituições comunitárias (Conselho, Comissão, Parlamento) quando elas se abstiverem de agir ou de se pronunciar a respeito.

Ação de indenização (art. 178 combinado com o art. 215 do Tratado). Confere ao TJCE a oportunidade de determinar a responsabilidade das instituições comunitárias por danos que possam causar.

Recurso ordinário. É um remédio a ser interposto perante o TJCE visando a reforma de acórdãos de primeira instância.

Reenvio prejudicial (art. 177 do Tratado). Permite uma cooperação entre o TJCE e os tribunais nacionais, proporcionando o respeito à autonomia destes e, ao mesmo tempo, garantindo a aplicação descentralizada do direito comunitário.

Na explicação de D´Angelis29, os juízes nacionais - os efetivos aplicadores do direito comunitário -, diante de matéria que versa sobre interpretação e validade de um dispositivo de direito comunitário, suspende o processo e promove o reenvio prejudicial para solicitar ao TJCE que se pronuncie sobre a norma comunitária. O TJCE então pronuncia-se quanto à melhor interpretação do direito comunitário, cabendo à instância de origem aplicar a posição definida pelo tribunal comunitário ao litígio em questão.

A esse rol de instrumentos de garantia do pleno funcionamento do sistema supranacional, pode-se acrescentar, mais de quarenta anos depois de sua implementação, uma jurisprudência firme e fundada em princípios inarredáveis e que se foram delineando a partir da hermenêutica do direito comunitário. Ao lado dos princípios gerais de direito encontram-se princípios de direito comunitário, princípios comuns interestatais e outras formas de integração igualmente valiosas na afirmação de um sistema sem paradigma no mundo.

Relações entre o direito comunitário e o direito interno

Uma discussão por vezes abandonada, mas que em princípio foi seriamente considerada para fins de implementação do Mercosul, sobretudo pelos demais parceiros sul-americanos afora o Brasil, diz respeito à harmonização de legislações, sobre o que fizemos breve explanação páginas atrás.

Alves30 lembra que a existência do direito comunitário não impede a subsistência dos direitos nacionais, mas condena a total liberdade legislativa, o que possibilitaria contornar ou substituir certas barreiras por novos obstáculos de índole jurídica. E acentua que a harmonização das diferentes legislações dos Estados-membros tem como finalidade eliminar discriminações, suprimir obstáculos jurídicos à atividade econômica e pôr instrumentos jurídicos comuns à disposição dos agentes econômicos.

No direito comunitário europeu, a harmonização foi prestigiada amplamente na área fiscal, por intermédio de diretivas (art. 100 do Tratado).

Ramos31, ao falar das relações entre o ordenamento jurídico comunitário e os ordenamentos nacionais dos Estados-membros, destaca o fato de que as ordens jurídicas estaduais não desapareceram com a criação de uma ordem jurídica própria de direito comunitário, daí que a organização do relacionamento entre elas e o sistema jurídico comunitário se apresenta como uma questão nuclear para a efetivação deste último. E, ademais, a execução da ordem jurídica comunitária depende da execução, no interior dos Estados-membros, pelos mesmos órgãos que garantem a sanção dos direitos nacionais.

O inter-relacionamento jurídico decorrente da convivência do direito comunitário com a ordem nacional vigente - que alguns chamam de federalismo jurídico32 - impõe que se ergam princípios, como retrorreferido, alguns deles que vale a pena conhecer, nas suas essências, porquanto constituem os meios de adaptação dos dois sistemas.

Princípio da aplicabilidade direta. Por ele explica-se o fato de que a integração do direito comunitário na ordem jurídica dos Estados se opera de pleno direito, dispensando-se para o efeito qualquer forma especial de recepção, e que os tribunais estaduais são assim obrigados a aplicar, como direito comunitário, as disposições respectivas, enquanto os particulares são livres de as invocar perante eles.

Princípio do primado do direito comunitário. A especificidade e a circunstância de ter origem numa fonte autônoma impõe que à aplicação do direito comunitário não se pode opor um texto interno, não importando sua natureza e independentemente do momento da sua criação.

Princípio da uniformidade de aplicação. Nenhuma causa em que deva ser aplicada uma regra comunitária pode vir a ser decidida num tribunal de um Estado-membro sem que, para a interpretação de tal disposição, se recorra ao órgão comunitário responsável pela garantia da interpretação uniforme da ordem jurídica comunitária.

Princípio da autonomia. O direito comunitário, embora integrado no direito internacional, considerado este no seu sentido amplo, caracteriza-se por seus diferentes modos de formação e diferenças na sua aplicação, o que revela sua emancipação, ou seja, sua autonomia em relação às ordens jurídicas internacional e estaduais.

Princípio da sede disciplinadora. Em caso de conflito sobre a aplicação do direito comunitário com as ordens nacionais, dispõe aquele de poder disciplinador do relacionamento com os direitos estaduais em que se vai inserir, afirmando o caráter de supremacia da ordem comunitária, numa dinâmica federalizante na construção comunitária.

Outros autores apresentam de forma mais abrangente esse rol de princípios, justificando a existência de outros, inscritos nos tratados ou não escritos, mas decorrentes das afirmações deles constantes33. Não achamos necessário alongar essa explanação com princípios gerais, mantendo-se a remissão feita para o aprofundamento do leitor interessado.

Os óbices do ordenamento jurídico brasileiro: ainda o problema da soberania

Como resulta do direito vigente no Brasil, a soberania é um princípio inalienável do Estado (art. 1.º, I, da Constituição Federal de 1988). Já nos reportamos a isso neste estudo (v. A questão da soberania).

E, como conseqüência dessa dificuldade real, a existência de um regime de supranacionalidade - quer para legislação no âmbito do direito comunitário, quer para solução de controvérsias entre Estados e particulares decorrentes da aplicação desta ordem jurídica supranacional - afigura-se inadmissível, nem sequer possível de ser imaginado seriamente pelos doutrinadores e estudiosos. E pode pôr a perder os esforços diplomáticos de criação e implementação de regimes integracionistas que prevejam a superação do direito interno em favor da ordem supranacional. Ter-se-ia a supressão não casual e específica, mas efetiva e incondicionada, sempre que se estiver no âmbito previsto para atuação da comunidade regional de países.

Ventura lembra que a construção das bases da Comunidade Européia dependeu de previsões nas constituições dos países-membros, os quais, cada um em conformidade com sua praxe de legislação constitucional, trataram de inserir autorizações abertas à aplicação do direito supranacional e reconhecimento de decisões de instituições comunitárias, ou fechadas, mediante exaustiva prescrição dos casos em que atuaria a ordem jurídica nova em prejuízo da ordem interna, de que é exemplo a Constituição da República Federal da Alemanha34.

É certo, assim, que a supranacionalidade significa limitação à soberania - bem como que, entre nós, é necessário estabelecer regras que possibilitem a adoção do direito comunitário sem quebra total e inconciliável do consagrado princípio da soberania.

D´Angelis35 expõe que a Constituição brasileira atual deixou de acompanhar a tendência dos diplomas constitucionais modernos, evitando regulamentar a relação entre preceitos nacionais e estrangeiros. Segundo ele, "também não referendou qualquer grau de supranacionalidade".

Para refereido autor, outrossim, essas questões e outras pertinentes a princípios norteadores do Mercosul não vêm merecendo melhor acolhida no Poder Legislativo brasileiro - do que é prova cabal a oportunidade perdida durante a revisão constitucional de 1993-4.

Na seqüência, D´Angelis arrola os dispositivos constitucionais pertinentes ao tema da solução de controvérsias no âmbito do direito comunitário, os quais se transcrevem para facilidade na subseqüente análise.

"Título I

Dos princípios fundamentais

Art. 1.º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem por fundamentos:

I - a soberania; (...)

(...)

Art. 4.º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

I - independência nacional;

II - prevalência dos direitos humanos;

III - autodeterminação dos povos;

IV - não-intervenção;

V - igualdade entre os Estados;

VI - defesa da paz;

VII - solução pacífica dos conflitos;

VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;

X - concessão de asilo político.

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

(...)

Título IV

Capítulo III

Seção II

Do Supremo Tribunal Federal

(...)

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

(...)

e)     o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território;

(...)

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

(...)

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

(...)

Seção III

Do Superior Tribunal de Justiça

(...)

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça;

(...)

III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a)     contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

(...)

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

(...)

Art. 7.º. O Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos".

Deve-se ter em conta, em princípio, que o parágrafo único do art. 4.º da Constituição Federal de 1988 aceita a idéia integracionista, embora em termos limitadíssimos, como se verá. Esse dispositivo tem sido a bandeira de sustentação do ideal comunitário - e nele os seus defensores vêem a constitucionalidade de uma eventual transferência de competências em favor de órgãos supranacionais.

Celso Bastos36 entende que a mera existência do parágrafo único do art. 4º da Constituição de 1988 implica uma opção pela integração em organismos internacionais.

Não é assim, porém, para a maioria dos doutrinadores37, porquanto o caráter programático da disposição - bem como do art. 7.º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - requer regra mais precisa e específica, a fim de evitar conflitos de interpretação. E, ademais, o princípio fundamental da soberania, que, como visto, atua como um óbice à adoção de critérios de supranacionalidade, está registrado na Constituição no sentido de um valor maior a ser perseguido na interpretação, ao qual devem subjugar-se todos os demais princípios e valores constitucionais.

Borba Casella38 diz-se perplexo ante a citação constitucional favorecendo a integração econômica, política, social e cultural e os aclamados princípios da soberania e independência nacional nas relações internacionais, constantes dos arts. 1.º e 4.º.

As controvérsias são evidentes, mas, no nosso entender, resolvem-se com clareza à vista do próprio conteúdo do parágrafo único do art. 4.º da Constituição.

De fato, ao mencionar uma "integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações", inquestionavelmente o legislador deixou de fora a forma jurídica de integração, o que vale dizer que permanece único e plenamente válido o princípio da soberania, do qual não se pode libertar a nação sem dano à ordem jurídica interna.

Todavia, mesmo essa assertiva mereceria ser mais bem considerada.

Uma solução possível para o problema da solução de controvérsias

Ora, aceitando-se a integração nos níveis econômico, político, social e cultural39, é natural que se está admitindo a incidência de regras de direito supranacional, vale dizer, de direito comunitário. Todo um arcabouço jurídico composto de tratados existe e está em vigor, envolvendo o Brasil, e é natural que surjam conflitos na sua aplicação, internos e externos, a demandarem solução ágil.

Desse modo, a não-aceitação da perda da soberania, no direito constitucional brasileiro, para a plena vigência de uma ordem supranacional soberana, não implica a inexistência de direito comunitário a ser respeitado e invocado por nosso País. Pelo contrário, a precariedade do sistema atual, a falta de definição oficial e a própria insegurança dos doutrinadores revelam uma fonte inesgotável de problemas jurídicos a serem equacionados, mesmo que a integração apenas se realize naqueles setores antes referidos.

Assim, não está afastada a discussão tão-só pela não-aceitação de um regime integracionista pleno (ou a caminho de tornar-se, como a União Européia, uma comunidade de nações).

Além disso, não convém a manutenção de um sistema tão precário e dependente do bom relacionamento político entre os parceiros, como são a arbitragem e os meios diplomáticos de solução de conflitos.

Daí, afigura-se vantajosa a adoção de institutos próprios do direito comunitário em casos a serem elencados em tratados internacionais, como o do reenvio prejudicial. Diante dos problemas concretos de aplicação de normas comunitárias, os tribunais brasileiros abririam espaço para o pronunciamento de organismo com autoridade supranacional, mantendo-se inerte entrementes, e obrigando-se, depois, a dar seguimento ao julgamento considerando o estabelecido pelo organismo comunitário. 

Conclusão

Diante de todo o exposto, reafirma-se a importância do conhecimento dos institutos de direito comunitário, dos seus princípios implícitos e explícitos e da experiência de cinqüenta anos da União Européia. Desconsiderar esses fatores seria negar a possibilidade do Brasil vir a integrar um bloco regional de países com interesses comuns.

Porém, avançar além do que se esboçou nesse estudo, a curto prazo, implicaria para o Brasil uma perda de identidade jurídica absolutamente indesejada. Nos últimos cem anos os tempos de vigência do Estado de Direito pleno não foram a regra - por mais da metade do século o regime era de exceção. Por que desestruturar uma ordem jurídica afinal vitoriosa?

Bibliografia

ALMEIDA, José Carlos Moitinho de.  Direito comunitário - a ordem jurídica comunitária - as liberdades fundamentais na CEE. Lisboa, 1985.

ALVES, Jorge de Jesus Ferreira.  Lições de direito comunitário - o contencioso comunitário.  Coimbra: Coimbra Ed., 2ª ed., 1992.

__________________ Lições de Direito Comunitário. Coimbra, 1989, v.1.

CAMPOS, João Mota de. Direito Comunitário. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 3ª ed., 1990, v.1 e 2.

CASELLA, Paulo Borba.  Comunidade Européia e seu ordenamento jurídico.  São Paulo: LTr.

DAGTOGLOU, Prodromos D. Trinta anos de direito comunitário. A natureza jurídica da Comunidade Européia. Coleção Perspectivas Européias. Comissão das Comunidades Européias, p.35 e ss.

D´ANGELIS, Wagner Rocha. MERCOSUL Da intergorvernabilidade à supranacionalidade. Curitiba: Juruá, 2000.

DROMI, Roberto.  Código Del Mercosur. Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1996.

ESTRELA FATIA, José Angelo.  O Mercosul: princípios, finalidades e alcance do Tratado de Assunção.  Brasília: Ministério das Relações Exteriores, 1993.

LOBO, Maria Teresa Carcomo. Ordenamento Jurídico Comunitário. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.

PABST, Haroldo.  Mersocul - Direito da integração.  Rio: Forense, 1996.

PINS, Alice Catarina de Souza. Solução de controvérsias no Mercosul. São Paulo:  LTr, 1998.

PIRES, Francisco Lucas.  Tratados que instituem a Comunidade e a União Européias.  Lisboa: Aequitas, 1992.

RAMOS, Rui Manuel Gens de Moura. Das comunidades à União Européia. Coimbra, 1999, 2ª ed.

REZEK, J. Francisco.  Direito internacional público.  São Paulo: Saraiva, 1994.

VELASCO, Manuel Dias de.  El tribunal de justiça de las comunidades europeas.  Madrid: Tecnos, 1984.

VENTURA, Deisy de Freitas Lima. A ordem jurídica no Mercosul. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996.

TOLDO, Nino Oliveira. Revista da AJUFESP. A solução de conflitos no âmbito do direito comunitário - o Tribunal de Justiça da União Européia. São Paulo, julho-2000, p.3 e ss.



1Artigo originalmente publicado no site www.franca.unesp.br/hentz.

2 DAGTOGLOU, Prodromos, A natureza jurídica da Comunidade Européia, Coleção Perspectivas Européias, Comissão das Comunidades Européias, p. 42.

3 Ob. e loc. cits.

4 Sobre as dificuldades e oposições, sobretudo na França, confira-se  DAGTOGLOU, ob. cit., p. 43.

5 Cf. CAMPOS, João Mota de, Direito comunitário, v.2, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 3. ed., 1990, p. 359 e ss.

6 Ob. cit., p. 360.

7 Ob. cit., p. 363 e ss.

8 D´ANGELIS, Wagner Rocha, Da intergovernabilidade à supranacionalidade, Juruá, 2000, p. 99 e ss.

9 A respeito, desenvolve-se, em itens seguintes, a problemática da supranacionalidade e da soberania, às quais remete-se o interessado.

10 CASELLA, Paulo Borba, Mercosul - exigências e perspectivas, p. 210-1.

11 QUADROS, Fausto de, Direito das comunidades européias e direito internacional público, ....., p. 212.

12 MOTA DE CAMPOS, João, Direito Comunitário, v.1, p. 537.

13 D´ANGELIS, ob. cit., p. 100-1.

14 Idem, p.104.

15 Remete-se a PIRES, Alice Catarina de Souza, Solução de controvérsias no Mercosul, LTr, 1998, p. 32; e TOLDO, Nino de Oliveira, Revista AJUFESPSolução de conflitos no âmbito do direito comunitário - o Tribunal de Justiça da União Européia, julho/2000, n. 2, p.3-6.

16 No âmbito do Mercosul, o Protocolo de Ouro Preto, complementarmente ao Tratado de Assunção, criou o Conselho do Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum, a Comissão de Comércio do Mercosul, a Comissão Parlamentar Conjunta, o Foro Consultivo Econômico-Social e a Secretaria Administrativa do Mercosul.

17 Ob. cit., p. 30.

18 VENTURA, Deisy de Freitas Lima, A ordem jurídica do Mercosul,Livraria do Advogado, 1996, p. 84.

19 Idem, p.85 e ss.

20 KELSEN, in Teoria general Del Estado, Barcelona, 1934, p.148, apud VENTURA, ob. cit., p.95.

21 PIRES, ob. cit., p.59.

22 Idem, p.60.

23 Como fruto dessa realidade jurídica nacional, volta-se ao tema mais à frente, erguendo-se a barreira da soberania como um limite e um condicionador dos instrumentos possíveis de adoção para solução de controvérsias no Brasil.

24 A respeito do que se segue, consulte-se LOBO, Maria Teresa Carcomo, Ordenamento Jurídico Comunitário, Del Rey, 1997, p. 37 e ss.

25 Ob. cit., p. 38.

26 Ver LOBO, ob. cit., p. 42.

27 D´ANGELIS, ob. cit., p. 129.

28 Cf. D´ANGELIS, ob. cit., p. 129 e ss.

29 D´ANGELIS, ob. cit., p. 130.

30 ALVES, Jorge de Jesus Ferreira, Lições de direito comunitário, Coimbra, 1989, v.1, p. 63.

31 RAMOS, Rui Manuel Gens de Moura, Das comunidades à União Européia, Coimbra, 2. ed., 1999, p. 94 e ss.

32 RAMOS, ob. cit., p. 95. Também com relação aos princípios explanados na seqüência, no texto, à p. 96 e ss.

33 A respeito, CASELLA, Paulo Borba, Comunidade Européia e seu ordenamento jurídico, LTr, p. 289 e ss. O autor enuncia e explicita os princípios democrático, da liberdade econômica e da primazia do direito comunitário.

34 Ob. cit., p. 101.

35 D´ANGELIS, ob. cit., p. 203 e ss.

36 BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra, Comentários à Constituição do Brasil, v.1, p. 464.

37 Cf. D´ANGELIS, ob. cit., p. 206-7.

38 CASELLA, Paulo Borba, ob. cit., p. 65.

39 Para nós, dentre esses, apenas no nível econômico dá-se uma intervenção jurídica, porquanto o instrumental jurídico, como leis, tratados, convenções e disposições unilaterais dos Estados nacionais, constituem o modus regulamentador das transações, que envolvem particulares, no mais das vezes. Nos níveis político e social, está-se diante de posicionamentos junto a organismos internacionais que, pela Constituição, devem ser buscados no interesse da comunidade latino-americana. E no nível cultural, as gestões e programas estatais devem considerar as particularidades dos povos e seus costumes.

 

 

Retirado de: www.saraivajur.com.br