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Perigosa Unanimidade

Márcio Chalegre Coimbra

O conflito em curso no Iraque é fonte inesgotável de notícias. Quando abrimos jornais, revistas, ligamos o rádio ou assistimos à televisão, há uma certeza: seremos munidos de informações sobre o desenrolar das operações no Oriente Médio. Portando, a imprensa apresenta-se como importante peça do jogo político internacional atual. Contudo, o que mais me impressiona neste momento é o caráter muitas vezes tendencioso da mídia que tem como função principal noticiar. Infelizmente, até o momento, grande parte da imprensa tem se limitado somente a opinar.

Há claramente um senso comum em grande parte da mídia, e este responde pelo nome antiamericanismo. É uma pena, pois quando a tendenciosidade surge, o bom jornalismo desaparece. É isto que temos visto recentemente. Não existe contraponto à inclinação das análises apresentadas e notícias veiculadas. Quem perde com isto é o publico, o País e mais do que qualquer destes, o bom jornalismo.

Toda esta dinâmica faz surgir discrepâncias. Subitamente, o tirano de Bagdá surge como vítima, defendido por pacifistas ao redor do mundo. Saddam está longe ser vítima. Este senhor, que responde pelo governo do Iraque, é responsável pela morte de centenas de milhares de pessoas nas guerras que travou, especialmente contra o vizinho islâmico xiita Irã. Durante os conflitos, como estratégia de guerra, foram colocadas, sob ordem do ditador, crianças na linha de frente das batalhas para que estas detonassem as minas terrestres, pois assim suas tropas poderiam avançar com menos baixas. Que espécie de homem é esse? Assim, também ordenou massacres com armas químicas, ainda em 1988 (contrariando disposições da ONU), contra seus próprios nacionais, os curdos iraquianos (http://www.kdp.pp.se/chemical.html), em uma ação coordenada pelo seu homem de confiança, Ali Hassan, conhecido como “Ali Químico”. Estas são mostras de quem é Saddam Hussein e do que ele é capaz para atingir seus objetivos. Entretanto, simplesmente por estar contrário aos interesses dos Estados Unidos, é alçado ao posto de vítima. Ora, sabemos que se há vítima naquele país, com certeza não é Saddam.

Pergunto-me onde estavam os pacifistas quando crianças eram usadas como iscas para minas terrestres e cidades curdas estavam sendo exterminadas por armas químicas? Pergunto-me porque não foi noticiado, com a devida proporção, o massacre da cultura e do povo tibetano pelo governo comunista chinês? Pergunto-me porque não é divulgado, com a mesma intensidade, as atrocidades cometidas pelo governo russo na Chechênia? Porque os pacifistas não lutam pela abertura política, libertação e fim da tortura em Cuba e na Coréia do Norte? Onde estão os ativistas de Direitos Humanos quando pessoas morrem de fome na África sob o argumento de estarem sendo poupadas dos supostos “perigos dos alimentos transgênicos”? Por fim, porque os contratos de exploração de petróleo e venda de armas entre França, Rússia, China e o governo de Saddam, que somam mais de US$ 41 bilhões, não foram amplamente divulgados?

Outro fato curioso são as manifestações contrárias à guerra nas mais diversas capitais do mundo, entre elas, Londres, Berlim, Roma, Moscou, Paris e Seoul, somente para citar algumas. Sempre me pergunto se estas pessoas têm consciência que sua liberdade de expressão, ou seja, a liberdade de se manifestar contrariamente aos Estados Unidos, foi única e exclusivamente assegurada pelo esforço americano contra o fascismo, nazismo e comunismo. Estes regimes, que assombraram nações, não toleravam a liberdade de expressão, associação, religião e idéias. Manifestantes que se opõe à libertação do Iraque estão evitando que aquele povo tenha voz e possa, se quiser no futuro, também se manifestar, assim como fazem os supostos pacifistas.
Temos que entender que “mídia independente” não é o mesmo que “mídia antiamericana”. Uma mídia independente é sinônimo de pluralismo, debate e diferentes análises. A abordagem atual me parece parcial, o que gera uma idéia equivocada dos acontecimentos. Ora, enquanto as vitórias dos aliados quase não são divulgadas, fornecendo-se ênfase somente a eventuais tropeços e retardamentos, qualquer tímida resistência de Saddam (não confundir a resistência das forças do ditador com uma suposta resistência do povo iraquiano) é fartamente noticiada. Os analistas escutados somente endossam a tese antiamericana, deixando-se de lado outros que possuem visão política diversa. Assim, os americanos, que já livraram o mundo do totalitarismo pelo menos duas vezes no século XX, são moldados como pessoas cruéis, ao meu ver, de maneira equivocada.

Enquanto a mídia não se apresentar de maneira independente ou neutra, não haverá chance de termos um bom jornalismo, pois ao invés de notícias, somente veremos versões distorcidas dos acontecimentos, em grande parte das vezes, antiamericana. Cria-se uma suposta unanimidade, sempre burra, como dizia Nelson Rodrigues. O jornalismo, especialmente neste momento, não precisa de unanimidade, mas de diversidade e liberdade.

Artigo redigido em 31.03.2003
Em Brasília, DF

* Márcio Chalegre Coimbra, é advogado na área de Direito Internacional. Habilitado em Direito Mercantil pela Unisinos. Professor dos Departamentos de Direito e Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília e UniCEUB – Centro Universitário de Brasília. PIL pela Harvard Law School. MBA em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas. Especialista em Direito Internacional pela UFRGS. Mestrando em Relações Internacionais pela UnB.
Vice-Presidente do Conil-Conselho Nacional dos Institutos Liberais pelo Distrito Federal. Sócio do IEE - Instituto de Estudos Empresariais. É editor do site Parlata (www.parlata.com.br) articulista semanal do site www.direito.com.br. Tem artigos e entrevistas publicadas em diversos sites nacionais e estrangeiros (www.urgente24.tv) e jornais brasileiros como Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, Zero Hora, Jornal de Brasília, Correio Braziliense, O Estado do Maranhão, Diário Catarinense, Gazeta do Paraná, O Tempo (MG), Hoje em Dia, Jornal do Tocantins, Correio da Paraíba e A Gazeta do Acre. É autor do livro “A Recuperação da Empresa: Regimes Jurídicos brasileiro e norte-americano”, Ed. Síntese (www.sintese.com).
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Retirado de: www.argumentum.com.br